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7.

A FAMÍLIA EM UMA PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL


O estudo do Direito Civil em geral e, em especial, do Direito de Família não
pode deixar de ser feito em uma perspectiva civil-constitucional.
Sendo um dos precursores, no Brasil, de tal visão, observa PAULO LÔBO:
“As Constituições brasileiras reproduzem as fases históricas que o país
viveu, em relação à família, no trânsito do Estado liberal para o Estado
social. As constituições de 1824 e 1891 são marcadamente liberais e
individualistas, não tutelando as relações familiares. Na Constituição de
1891 há um único dispositivo (art. 72, parágrafo 4.º) com o seguinte
enunciado: ‘A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração
será gratuita’. Compreende-se a exclusividade do casamento civil, pois os
republicanos desejavam concretizar a política de secularização da vida
privada, mantida sob o controle da igreja oficial e do direito canônico
durante a Colônia e o Império.
Em contrapartida, as Constituições do Estado social brasileiro (de 1934 a
1988) democrático ou autoritário destinaram à família normas explícitas. A
Constituição democrática de 1934 dedica todo um capítulo à família,
aparecendo pela primeira vez a referência expressa à proteção especial do
Estado, que será repetida nas constituições subsequentes. Na Constituição
autoritária de 1937 a educação surge como dever dos pais, os filhos naturais
são equiparados aos legítimos e o Estado assume a tutela das crianças em
caso de abandono pelos pais. A Constituição democrática de 1946 estimula
a prole numerosa e assegura assistência à maternidade, à infância e à
adolescência”45.

Aliás, ainda ressaltando a sua importância, em uma análise taxionômica,


podemos ir além e concluir que, hoje, enquanto base da sociedade46, a família,
como outros institutos de Direito Privado, experimentou um verdadeiro
processo de funcionalização, sendo, pois, dotada de uma função social47.
Assim como a propriedade, o contrato, a empresa, a família também
desempenha importante papel, e, sob o aspecto teleológico, é dotada de
funcionalidade.
Enquanto base da sociedade48, a família, hoje, tem a função de permitir, em
uma visão filosófica-eudemonista49, a cada um dos seus membros, a realização
dos seus projetos pessoais de vida.
Note-se que, no passado, não era assim.
Tomemos um exemplo.
Sob o manto (ou o jugo) conservador e hipócrita da “estabilidade do
casamento”, a mulher era degradada, os filhos relegados a segundo plano, e se,
porventura, houvesse a constituição de uma família a latere do paradigma legal,
a normatização vigente simplesmente bania esses indivíduos (concubina, filho
adulterino) para o limbo jurídico da discriminação e do desprezo.
Tempos que, graças ao bom Deus, não voltam mais.
Hoje, no momento em que se reconhece à família, em nível constitucional, a
função social de realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o
porquê de a admitirmos efetivamente como base de uma sociedade que, ao
menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito
calcado no princípio da dignidade da pessoa humana.
Observamos, então, que, em virtude do processo de constitucionalização por
que passou o Direito Civil nos últimos anos, o papel a ser desempenhado pela
família ficou mais nítido, podendo-se, inclusive, concluir pela ocorrência de
uma inafastável repersonalização. Vale dizer, não mais a (hipócrita) tentativa
de estabilização matrimonial a todo custo, mas sim a própria pessoa humana,
em sua dimensão existencial e familiar, passaria a ser a especial destinatária das
normas de Direito de Família.
A família deve existir em função dos seus membros, e não o contrário.
Sobre as relações familiares, afirma GUILHERME CALMON NOGUEIRA
DA GAMA:

“passaram a ser funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe. A


efetividade das normas constitucionais implica a defesa das instituições
sociais que cumprem o seu papel maior. A dignidade da pessoa humana,
colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo
apropriado para o seu enraizamento e desenvolvimento, daí a ordem
constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva
proteção à família, independentemente da sua espécie. Propõe-se, por
intermédio da repersonalização das entidades familiares, preservar e
desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o afeto, a
solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida
comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada
partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e
humanistas”50.

Parece-nos o melhor entendimento, sem dúvida.

8. O DIREITO DE FAMÍLIA E A CODIFICAÇÃO CIVIL BRASILEIRA


A elaboração de um Código Civil brasileiro foi uma determinação da nossa
primeira Constituição, a saber, a Constituição Monárquica de 1824, que
preceituou, em seu art. 179, XVIII:

“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos


Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira
seguinte:

(...)

XVIII. Organizar-se-á quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado


nas sólidas bases da Justiça e Equidade”.
Após inúmeras tentativas frustradas de elaborar o referido diploma legal 51,
foi designado o Prof. CLÓVIS BEVILÁQUA, em 1899, para a tarefa de
elaborar um novo Projeto, o qual, depois de longa tramitação pelas casas
legislativas, foi promulgado em 1.º de janeiro de 1916, entrando em vigor um
ano depois.
Na época de sua elaboração, vivia o Brasil o período de República Velha,
marcado pelo domínio político das elites agrárias. Nesse contexto, o Código
Civil traduzia a ideologia dessa sociedade, que se preocupava muito mais com
o ter do que com o ser.
Se, quando se tratava da manifestação da autonomia privada, a diretriz da
codificação era evidentemente liberal, quando o assunto se referia à disciplina
da família, imperava o conservadorismo.
Com efeito, apenas as famílias formadas a partir do casamento eram
reconhecidas. O matrimônio, influenciado pelo sistema do Direito Canônico,
era indissolúvel. Vínculos havidos fora do modelo formal estatal eram
relegados à margem da sociedade, sendo que os filhos eventualmente nascidos
dessas relações eram considerados ilegítimos e todas as referências legais, nesse
sentido, visivelmente discriminatórias, com a finalidade de não reconhecimento
de direitos.
A visão paternalista e hierarquizada da família era consagrada, cabendo ao
homem a chefia da sociedade conjugal, relegando-se a mulher a um segundo
plano, já que passava a ser relativamente incapaz52.
É sintoma da característica patrimonialista do Código Civil de 1916 o fato
de que, dos 290 artigos da parte destinada ao Direito de Família, 151 tratavam
de relações patrimoniais e 139, de relações pessoais.
Contudo, a evolução da sociedade e, com ela, da própria visão da
família53 acabou forçando sucessivas modificações nessa disciplina normativa.
Observou-se, inclusive, no particular, como já afirmamos alhures, o
“fenômeno da descentralização ou descodificação do Direito Civil, marcado
pela proliferação assustadora, à velocidade da luz, de estatutos e leis especiais
que disciplinariam não somente as novas exigências da sociedade
industrializada, mas também velhas figuras que se alteraram com o decorrer dos
anos, sob o influxo de novas ideias solidaristas e humanitárias, e que não
poderiam ser plena e eficazmente reguladas por um código ultrapassado e
conservador”54.
Nessa esteira, verifica-se, apenas a título de exemplo, a edição da Lei n.
4.121/62 (conhecida como “Estatuto da Mulher Casada”), que equiparou os
direitos dos cônjuges, devolvendo a plena capacidade à mulher casada, além de
resguardar os bens adquiridos com o fruto do seu trabalho, bem como a Lei do
Divórcio (Lei n. 6.515/77), que acabou com a indissolubilidade do casamento 55.
Entretanto, por mais que se realizassem modificações tópicas na codificação
civil, ainda remanescia a ideia de uma atualização geral do Código Civil
brasileiro.
Por isso, em 1969, depois de algumas outras tentativas frustradas56, foi
criada uma nova Comissão para tentar rever o Código Civil, preferindo elaborar
um novo código em vez de emendar o antigo.
Tal comissão, composta por JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES,
AGOSTINHO DE ARRUDA ALVIM, SYLVIO MARCONDES, EBERT
CHAMOUN, CLÓVIS COUTO E SILVA e TORQUATO CASTRO, sob a
coordenação de MIGUEL REALE, apresentou, em 1972, o seu Anteprojeto de
Código Civil.
No ano seguinte (1973), depois de receber inúmeras emendas, foi publicada
a 2.ª edição revisada do Anteprojeto, submetida, porém, à nova revisão, com
grandes modificações, para se transformar no efetivo “Projeto do Código Civil
brasileiro”, enviado, por meio do Poder Executivo, pela Mensagem 160/75, ao
Congresso Nacional, onde se transformou no Projeto de Lei n. 634, de 1975.
Depois de anos de debates na Câmara dos Deputados, onde a matéria até se
mostrou esquecida, ante a ausência de um clamor social que a exigisse, em
1984, foi aprovado o projeto, com sua transformação no Projeto de Lei n. 634/B,
conforme publicação no Diário do Congresso Nacional, de 17-5-1984
(Suplemento 47).
Depois de adormecido por longos anos, o projeto foi retomado no Senado,
com a competente e lúcida relatoria do Senador Josaphat Marinho, que
conseguiu reavivar o interesse na tramitação do novo Código Civil, sendo
aprovado naquela casa legislativa, para retorno à Câmara dos Deputados.
Registre-se que o trabalho do ilustre Senador foi digno de todos os
encômios, discutindo amplamente com a sociedade e os operadores do Direito
os aspectos mais importantes da nova lei.
Todavia, em que pese o brilho do ilustre Relator, diversos segmentos da
sociedade civil organizada questionavam supostos retrocessos no texto do
projeto, sempre argumentando sobre o possível anacronismo de uma legislação
concebida na primeira parte da década de 1970.
Tais críticas em parte são justificadas, embora o Código de 2002 haja
avançado em muitos outros pontos da legislação ordinária até então em vigor.
Na Câmara dos Deputados, foi designado como Relator o Deputado Ricardo
Fiúza, que, verificando as muitas arguições de inconstitucionalidade no projeto
submetido à sua Relatoria e diante da impossibilidade, a princípio, de alterar o
conteúdo do projeto (uma vez que não tinha sido objeto de emendas no Senado),
conseguiu aprovar um projeto de resolução, alterando o Regimento Comum do
Congresso Nacional e permitindo que o projeto pudesse sofrer adequações
constitucionais e legais (Resolução CN 1/2000, de 31-1-2000)57, o que permitiu,
na realidade, a sua revisão.
No ano de 2001, o projeto foi finalmente levado à votação, após as atuali-
zações procedidas pelo relator Deputado Ricardo Fiúza, sendo aprovado por
acordo de lideranças e levado à sanção presidencial.
Em solenidade realizada no Palácio do Planalto, foi sancionado, sem vetos,
o projeto aprovado na Câmara dos Deputados, convertendo-se na Lei n. 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 (publicada no Diário Oficial da União de 11 de janeiro
de 2002), o novo Código Civil Brasileiro, que, dentre outras modificações,
consagra a unificação parcial do Direito Privado (obrigações civis e
comerciais).
No que tange especificamente ao Direito de Família, ficou à frente da
elaboração do seu anteprojeto o jurista CLÓVIS DO COUTO E SILVA.
Em linhas gerais, o Código Civil de 2002, em seu livro de Direito de
Família, é dividido em duas partes fundamentais, a saber: Do Direito Pessoal
(Título I — arts. 1.511 a 1.638) e Do Direito Patrimonial (Título II — arts.
1.639 a 1.722), ao qual se acrescem duas partes, uma curtíssima dedicada à
União Estável (Título III — arts. 1.723 a 1.727)58 e outra, mais abrangente,
destinada a disciplinar a Tutela e a Curatela (Título IV — arts. 1.728 a 1.783)59.
Forçoso convir que, especialmente no âmbito das relações de família, o sis-
tema inaugurado, fruto do labor de uma comissão formada no início da década
de setenta, e que sofreria, anos mais tarde, o impacto profundo da Constituição
Federal, apresentaria sérios anacronismos, realçados pelas mudanças de valores
dos novos tempos.
A despeito dos esforços de atualização no Senado (JOSAPHAT
MARINHO60) e na Câmara (RICARDO FIUZA), o fato é que necessárias
questões não foram devidamente enfrentadas, a exemplo da superação da culpa
como paradigma jurídico, o tratamento da família monoparental e a união
entre pessoas do mesmo sexo.
Mas, ainda assim, houve aspectos que merecem ser considerados, como
anotou o professor MIGUEL REALE:

“Já havíamos dado grande passo à frente no sentido da igualdade dos


cônjuges. Isso ficou ainda mais acentuado na Constituição, sobretudo no que
se refere à situação dos filhos. Porquanto a Carta Política de 88 eliminou
toda e qualquer diferença entre filhos legítimos, naturais, adulterinos,
espúrios ou adotivos. Essa opção constitucional implicou evidentemente
reexame das emendas oferecidas por Nelson Carneiro, de tal maneira que foi
feita plena atualização da matéria em consonância com as novas diretrizes
da Carta Magna vigente, também no que se refere à ‘união estável’, a nova
entidade familiar que surge ao lado do matrimônio civil, corrigindo-se o erro
da legislação em vigor que a confunde com o concubinato. Note-se que, na
Parte Geral, atende-se, outrossim, às circunstâncias da vida contemporânea,
adotando-se novos critérios para estabelecer a maioridade, que baixou de 21
para 18 anos. É sabido que, em virtude da Informática e da expansão cultural,
as pessoas amadurecem mais cedo do que antes. Essa mudança fundamental
refletiu-se também no campo da responsabilidade relativa, que passou a ser
de 16 anos, correspondendo, aliás, à situação atual do adolescente de 16
anos, que é até eleitor em todos os planos da política nacional desde o
Município até a União. Os exemplos ora dados já são mais do que suficientes
para demonstrar que houve grande preocupação no sentido de aproveitar as
emendas do Senado para a atualização do projeto. E isto se repetiu nos
poderes conferidos aos cônjuges, em absoluta igualdade, razão pela qual,
como já foi dito, propus, e foi aceito pelo senador Josaphat Marinho, que,
em vez de pátrio poder, se falasse em ‘poder familiar’, que é uma expressão
mais justa e adequada, porquanto os pais exercem esse poder em função dos
interesses do casal e da prole. No que se refere à igualdade dos cônjuges, é
preciso atentar ao fato de que houve alteração radical no tocante ao regime
de bens, sendo desnecessário recordar que anteriormente prevalecia o
regime da comunhão universal, de tal maneira que cada cônjuge era meeiro,
não havendo razão alguma para ser herdeiro. Tendo já a metade do
patrimônio, ficava excluída a ideia de herança. Mas, desde o momento em
que passamos do regime da comunhão universal para o regime parcial de
bens com comunhão de aquestos, a situação mudou completamente. Seria
injusto que o cônjuge somente participasse daquilo que é produto comum do
trabalho, quando outros bens podem vir a integrar o patrimônio e ser objeto
de sucessão. Nesse caso, o cônjuge, quando casado no regime da separação
parcial de bens (note-se) concorre com os descendentes e com os
ascendentes até a quarta parte da herança. De maneira que são duas as razões
que justificam esse entendimento: de um lado, uma razão de ordem jurídica,
que é a mudança do regime de bens do casamento; e a outra, a absoluta
equiparação do homem e da mulher, pois a grande beneficiada com tal
dispositivo, é, no fundo, mais a mulher do que o homem. Por outro lado, em
matéria sucessória, não é mais lícito ao testador vincular bens da legítima a
seu bel-prazer. Ele deve explicitar o motivo que o leva a estabelecer a
cláusula limitadora do exercício de direitos pelo seu herdeiro, podendo o
juiz, em certas circunstâncias, apreciar a matéria para verificar se procede a
justa causa invocada”61.

Visando, pois, ao aperfeiçoamento do nosso sistema, apresentaram-se


propostas de reforma do Código (PL n. 6.960/2002, renumerado para PL n.
276/2007, renumerado, por sua vez, para PL n. 699/2011) e, mais recentemente,
especificamente para o Direito de Família, por sugestão do Instituto Brasileiro
de Direito de Família (IBDFAM), surgiu o PL n. 2.285/2007 do Dep. SÉRGIO
BARRADAS CARNEIRO, conhecido como Estatuto das Famílias (cuja
comissão elaboradora fora composta por GISELDA HIRONAKA, LUIZ
EDSON FACHIN, MARIA BERENICE DIAS, PAULO LÔBO, RODRIGO
DA CUNHA PEREIRA, ROLF MADALENO e ROSANA FACHIN).
O Estatuto das Famílias traduz, nesse diapasão, uma proposta atual e afinada
aos valores constitucionalmente consagrados, afigurando-se, em nosso sentir,
como um imprescindível avanço por que deve passar o Direito de Família
Brasileiro:

“O Livro de Direito de Família do Código Civil de 2002 foi concebido pela


Comissão coordenada por Miguel Reale no final dos anos sessenta e início
dos anos setenta do século passado, antes das grandes mudanças legislativas
sobre a matéria, nos países ocidentais, e do advento da Constituição de 1988.
O paradigma era o mesmo: família patriarcal, apenas constituída pelo
casamento, desigualdade dos cônjuges e dos filhos, discriminação a partir da
legitimidade da família e dos filhos, subsistência dos poderes marital e
paternal. A partir da Constituição de 1988 operou-se verdadeira revolução
copernicana, inaugurando-se paradigma familiar inteiramente remodelado,
segundo as mudanças operadas na sociedade brasileira, fundado nos
seguintes pilares: comunhão de vida consolidada na afetividade e não no
poder marital ou paternal; igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges;
liberdade de constituição, desenvolvimento e extinção das entidades
familiares; igualdade dos filhos de origem biológica ou socioafetiva;
garantia de dignidade das pessoas humanas que a integram, inclusive a
criança, o adolescente e o idoso. Nenhum ramo do Direito foi tão
profundamente modificado quanto o direito de família ocidental nas três
últimas décadas do século XX. Durante a tramitação do projeto do Código
Civil no Congresso Nacional, após a Constituição de 1988, o Senado Federal
promoveu esforço hercúleo para adaptar o texto antes dela elaborado a suas
diretrizes. Todavia, o esforço resultou frustrante pois não se poderiam
adaptar institutos que apenas faziam sentido como expressão do paradigma
familiar anterior à nova realidade, exigente de princípios, categorias e
institutos jurídicos diferentes. A doutrina especializada demonstrou à
saciedade a inadequação da aparente nova roupagem normativa, que tem
gerado intensas controvérsias e dificuldades em sua aplicação. Ciente desse
quadro consultei o Instituto Brasileiro de Direito de Família-IBDFAM,
entidade que congrega cerca de 4.000 especialistas, profissionais e
estudiosos do direito de família, e que também tenho a honra de integrar, se
uma revisão sistemática do Livro IV da Parte Especial do Código Civil teria
o condão de superar os problemas que criou. Após vários meses de debates,
a comissão científica do IBDFAM, ouvindo os membros associados,
concluiu que, mais que uma revisão, seria necessário um estatuto autônomo,
desmembrado do Código Civil, até porque seria imprescindível associar as
normas de direito material com as normas especiais de direito processual.
Não é mais possível tratar questões visceralmente pessoais da vida familiar,
perpassadas por sentimentos, valendo-se das mesmas normas que regulam
as questões patrimoniais, como propriedades, contratos e demais obrigações.
Essa dificuldade, inerente às peculiaridades das relações familiares, tem
estimulado muitos países a editarem códigos ou leis autônomos dos direitos
das famílias. Outra razão a recomendar a autonomia legal da matéria é o
grande número de projetos de leis específicos, que tramitam nas duas Casas
Legislativas, propondo alterações ao Livro de Direito de Família do Código
Civil, alguns modificando radicalmente o sentido e o alcance das normais
atuais. Uma lei que provoca a demanda por tantas mudanças, em tão pouco
tempo de vigência, não pode ser considerada adequada. Eis porque, também
convencido dessas razões, submeto o presente projeto de lei, como Estatuto
das Famílias, traduzindo os valores que estão consagrados nos princípios
emergentes dos arts. 226 a 230 da Constituição Federal. A denominação
utilizada, “Estatuto das Famílias”, contempla melhor a opção constitucional
de proteção das variadas entidades familiares. No passado, apenas a família
constituída pelo casamento — portanto única — era objeto do direito de
família. Optou-se por uma linguagem mais acessível à pessoa comum do
povo, destinatária maior dessas normas, evitando-se termos excessivamente
técnicos ou em desuso”62.

Por isso, sempre que cabível, faremos, nesta obra, referências ao “Estatuto
das Famílias”, norma de referência antes mesmo de se converter em lei63.

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