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Direitos Humanos e

cidadania: impasses e
alternativas.
Dorinethe dos Santos Bentes
Aline Vasques Castro
Odílio Pereira Costa Neto
No Brasil, há um abismo entre a narrativa e a ação concreta no que diz respeito aos direitos humanos.
Provavelmente, isso ocorre porque a democracia brasileira continua em processo de construção e
solidificação.

É frequente, no país, o desrespeito aos direitos humanos, especialmente de pessoas negras, mulheres,
indígenas, idosos e demais grupos excluídos socialmente.

Apesar de tudo, o Brasil já conta com algumas conquistas, como a Delegacia da Mulher, a Lei Maria da
Penha, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e do adolescente,
etc.

Discutir cidadania nas constituições brasileiras não é tarefa fácil, considerando que em muitos
momentos da história constitucional este pleno exercício era quase impossível.

O conceito de cidadania e extremamente plástico, ele se transforma ao longo do processo histórico, mas
ele está sempre ligado à conquista de direitos.
No Brasil, a construção da cidadania ocorre de maneira invertida, primeiro se cria a estrutura jurídica
do Estado para depois se forjar seus cidadãos o grande problema para a difícil análise da construção
da cidadania no Brasil, está ligado ao “peso do passado” colonial, no qual os portugueses
construíram um Estado dotado de unidade territorial, linguística, cultural e religiosa, porém,
marcado pelo analfabetismo, pela economia monocultora e latifundiária, por uma sociedade
escravocrata e um Estado absolutista, dessa forma no período da independência (1822), não
havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira, por isso, afirma-se que até 1822, não
existia povo brasileiro.

O processo de construção da cidadania brasileira, tem suas raízes ligadas ao mundo ocidental, no
qual só tem direitos à cidadania os “homens brancos, inteligentes, honrados, patriotas e detentores
de propriedades”, o restante da população fica excluída do direito de participar da vida política do
Estado.
A primeira constituição brasileira de 1824 foi forjada no contexto do processo de independência
das colônias americanas, no início do século XIX, marcadas pela influência do
constitucionalismo surgido na Inglaterra, Estados Unidos e França, com base nos novos
paradigmas constitucionais em ascensão e com a chegada da família real ao Brasil.

As principais características do novo Estado Imperial estavam ligadas à unificação do território do


império que continuou organizado em Províncias, com a possibilidade de subdivisão à
necessidade do Estado. O sistema de governo passou a ser monárquica hereditária,
constitucional e representativa. Isso significava que o Estado brasileiro era unitário, com o
poder centralizado no imperador e na capital do império, sendo que esse novo sistema estatal
garantia a propriedade aos latifundiários e agroexportadores. A religião oficial era a católica
apostólica romana, as outras só podiam ser praticadas em cultos domésticos, de forma nenhuma
em templos externos (art. 1º a 5º da Constituição de 1824).

A chave de toda a organização política do império brasileiro era o Poder Moderador previsto
no art. 9º, exercido pelo imperador que era considerado inviolável e sagrado, por isso, ele
não estava sujeito a responsabilização alguma.
De acordo com o artigo 90 da Constituição de 1824, só poderiam participar das nomeações para
deputados e senadores os indivíduos que podiam participar das assembleias paroquiais, e
que fossem detentores de uma renda anual de 400 mil réis para se candidatar a deputado e de
800 mil réis anual para ser candidato a senador, esses números mostram claramente o
caráter censitário e excludente do sistema eleitoral previsto constitucionalmente.

O artigo 93 da Constituição de 1824, deixa claro os excluídos das assembleias paróquias e


provinciais: os menores de vinte e cinco anos, exceto os casados, os oficiais militares que tenham
mais de vinte e um anos, os bacharéis formados, os clérigos de ordem sacra; os filhos
mesmo que maiores mas que continuam na companhia dos pais não podendo por isso votar,
salvo os que já trabalham na administração pública; os criados de servir, em cuja classe não
entram os guarda-livros, e primeiros caixeiros das casas de comércio, os criados da casa
Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das fazendas rurais,
comércios e fabricas; os religiosos, e quaisquer, que vivam em comunidade claustral; os que não
tiverem renda liquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou emprego.

Essas regras excluíam 99% da população, sendo que apenas 1% estava apta a participar da
vida política e dos negócios do país como cidadão.
O final do século XIX foi um período de movimentos sociais pelo fim da escravidão em 1888, as lutas
pela Proclamação da República em 1889 e uma nova constituição no ano de 1891.

Os democratas e liberais aspiravam que a mudança constitucional do país criaria uma era de transformações
políticas e econômicas. Infelizmente, essas expectativas foram aos poucos se esvaziando, pois os primeiros anos
da República foram marcados pelo autoritarismo, com a exclusão da participação popular, e o direito à
cidadania continuava baseado na propriedade.

Os conflitos entre a nova ordem constitucional estabelecida e os grupos insatisfeitos com os rumos da
República, dentre eles movimentos de expressão popular como Canudos, a Revolta Armada, Contestado, dentre
outros, se deram logo no início do período republicano, mas o que se consolidou ao longo do processo foi à
hegemonia do militarismo positivista, anticlerical e caudilhesco. Prudente de Morais foi o primeiro
presidente eleito do país.

Com o federalismo, resultou uma maior autonomia e independência aos Estados, que podiam criar suas
próprias leis, embora sempre em consonância com a Constituição. Foram considerados eleitores os cidadãos
maiores de 21 anos. Todavia, o exercício pleno da cidadania não era para todos, havia restrições. Estavam
excluídos os mendigos, analfabetos, militares e outros. Aperfeiçoaram-se os mecanismos de exclusão dos
subalternizados da participação política, com a implementação da ficção do sufrágio universal, porém, como o
voto era descoberto o coronelismo comandava as eleições.
No século XX temos 6 constituições, 3 com características autoritárias (1937, 1967 e 1969) e 3 com
características democráticas (1934, 1946 e 1988).

A Constituição de 1934 surge no contexto de dois importantes movimentos sociais, que vão modificar as
estruturas do Estado brasileiro. O primeiro movimento foi o de 1930, que derrubou o governo vigente e o
segundo foi o de 1932, que pressiona a elaboração da Constituição de 1934. (1930 - golpe de estado, deposição
do presidente Washington Luís, assume em seu lugar Getúlio Vargas. Revolução Constitucionalista de 1932 –
SP).

A Constituição de 1934 é marcada pela introdução dos direitos sociais e econômicos, pela implantação da
representação formal e classista de grupos sociais, órgãos de cooperação e entidades profissionais, o
direito de voto, que nas eleições presidenciais de 1934 passou a ser universal, secreto e direto. São eleitores
os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei (art. 108).

A Constituição de 1934 foi a primeira a garantir os direitos dos povos indígenas brasileiros, no que diz
respeito à posse de seus territórios. Proibiu-se trabalho de menores de 14 anos de idade, exigiu-se do
empregador o respeito a direitos fundamentais de seus empregados, instituiu-se o salário-mínimo, reduziu-se a
jornada de trabalho a 8 horas diárias e os trabalhadores ganharam o direito a férias anuais remuneradas e
indenização na demissão sem justa causa. Não é à toa que Getúlio Vargas ficou conhecido como o pai dos
pobres e o defensor do trabalhador brasileiro.
A Constituição de 1937, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, mesmo dia em que
implanta o período do Estado Novo. Era, uma carta política mantenedora das condições de poder do presidente, e
recebeu o apelido de “Polaca” por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era extremamente
centralizadora e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.
A Constituição de 1946, é fruto dos contextos sociais e jurídicos extremamente delicados. Com o fim da 2º
Guerra Mundial, o mundo se realinhava com o fortalecimento de dois grandes blocos: o bloco capitalista e
bloco socialista (Guerra Fria). Buscou garantir a dignidade da pessoa humana, assegurando direitos como:
saúde, educação, bem-estar econômico e, por conseguinte, em desenvolvimento do país como um todo.
A Constituição de 1967 foi promulgada e elaborada pelo Congresso Nacional, a que o Ato Institucional n. 4 atribuiu
função de poder constituinte originário ("ilimitado e soberano"). O Congresso Nacional, transformado em
Assembleia Nacional Constituinte e já com os membros da oposição afastados, elaborou, sob pressão dos militares,
uma Carta Constitucional outorgada que buscou legalizar e institucionalizar a ditadura militar consequente do
Golpe de 1964.
A Constituição de 1967 recebeu em 1969 nova redação conforme a Emenda Constitucional n° 1, decretada pelos
"Ministros militares no exercício da Presidência da República". É considerada por alguns especialistas, em que pese
ser formalmente uma emenda à constituição de 1967, uma nova Constituição de caráter outorgado.
A Constituição de 1967, em si, quase não vigorou, mas tão ou mais importantes do que ela foram as
complementações e modificações, fossem por meio de emendas, quanto por AIs (atos institucionais), que foram 17
ao todo até o fim do regime.
No final dos anos oitenta, as lutas contra o regime militar se intensificam, de modo que a eleição de
Tancredo Neves em 1985, pelo Colegiado do Congresso Nacional, foi o estopim de mais
manifestações. Infelizmente, o novo presidente civil faleceu antes de tomar posse, de forma que
seu vice, José Sarney, assumiu o governo. No ano de 1987 foi eleita a Assembleia Constituinte para
elaboração da nova constituição do país.

A Constituição de 1988, que vem rompendo com os paradigmas constitucionais anteriores,


reconhecendo os direitos dos excluídos, dos incivilizados, dos silenciados, ampliando as
diretrizes do direito constitucional brasileiro, garantindo direitos fundamentais.

Os Direitos sociais garantem aos cidadãos os direitos a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados. Já os direitos políticos caracterizam-se pelo sufrágio universal,
voto direto e secreto, com alistamento eleitoral e voto obrigatório para os maiores de 18
(dezoito) anos de idade.

A Constituição de 1988 no art. 17, pugna pela pluralidade partidária, deixando livre a criação,
fusão, incorporação e extinção de partidos políticos.
A constituição de 1988, assegura os direitos dos índios perante a sociedade nacional isso significa que os índios
deixam de ser objetos jurídicos para serem sujeitos protagonistas de sua própria história, Assim, “não é mais o
índio que necessita entender e incorporar-se à sociedade brasileira, mas, sim esta deve buscar entender os
valores e concepções étnico-culturais de cada povo indígena localizado no Estado brasileiro”. Assegura-se a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (art. 211), a conservação de suas
manifestações culturais (art. 215) e de suas terras (art. 231).

A Constituição de 1988 consagrou, no artigo 215, a garantia do pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional às manifestações culturais dos afro-brasileiros e das de outros grupos
participantes do processo de construção do Estado nacional.

A Carta de 1988 inova na iniciativa popular de projetos de lei e na ampla capacidade de representação
popular aos órgãos públicos, inclusive aos Tribunais de Contas. Paralelamente, prevê ainda a realização de
plebiscitos e referendos.

O espaço para se exercer a cidadania é amplo. Vai desde o movimento em nível internacional, passando pelos
nacionais e locais. No bairro, por meio de associações de moradores, associações de pais, mestres e
comunitários, grupos de artes, movimentos religiosos, as diversas pastorais, grupos ecológicos, a escola e a
própria família.
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro
1948.
Artigo 4
Artigo 1 Ninguém será mantido em escravidão ou
Todos os seres humanos nascem livres e iguais servidão; a escravidão e o tráfico de escravos
em dignidade e direitos. São dotados de razão serão proibidos em todas as suas formas.
e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade. Artigo 5
Ninguém será submetido à tortura, nem a
Artigo 2
tratamento ou castigo cruel, desumano ou
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar
degradante.
os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
Artigo 6
seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos
política ou de outra natureza, origem nacional
os lugares, reconhecido como pessoa perante a
ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer
lei.
outra condição

Artigo 3 Artigo 7
Todo ser humano tem direito à vida, à Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem
liberdade e à segurança pessoal. qualquer distinção, a igual proteção da lei.
Anistia Internacional apresenta panorama dos direitos humanos em 156 países e territórios (23/03/2023) - “O Estado Dos Direitos
Humanos no Mundo”
[...]
Na sessão de detalhamento de cada nação, no Brasil destacou-se o racismo praticado por agentes de segurança pública, violações de direitos
humanos nas práticas de homofobia e transfobia recorrentes. Em 2022, ano eleitoral, destacou-se a polarização e a violência política em meio
à disseminação de notícias falsas, atentados a defensores de direitos humanos, episódios de violência política, insegurança alimentar grave e
de aumento da pobreza foram algumas ocorrências.

“A situação social, política e econômica continuou a se deteriorar, resultando em violações do direito à alimentação, à saúde, à moradia, ao
trabalho e à assistência social, entre outros”, diz trecho do documento, apontando ainda que a crise econômica aprofundou as desigualdades
sociais estruturais que persistem no país. O aumento da inflação afetou de maneira desproporcional as pessoas negras, os povos indígenas,
outras comunidades tradicionais, mulheres, pessoas LGBTQI e as que vivem em favelas e bairros marginalizados.

No tema direito à saúde, o documento aponta que o Congresso aprovou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2023 que destinou à
pasta o menor nível de financiamento da última década. Sobre o direito à moradia, aponta que o número de pessoas vivendo em situação de
rua aumentou em 2022, quando 180 mil pessoas no país não tinham onde morar. Destas, 68% eram negras (aproximadamente 119 milhões de
pessoas são negras no Brasil) e 84% recebiam o Auxílio Brasil.

O Brasil também continuou no topo da lista dos países com o maior número de homicídios de pessoas transgênero; o número de pessoas em
situação de insegurança alimentar grave (fome) chegou a 33,1 milhões, 15% da população; pelo menos 59 casos de violência política durante o
período eleitora; homicídios ilegais e impunidade contribuem para violação dos direitos humanos.

https://observatorio3setor.org.br/noticias/anistia-internacional-apresenta-panorama-dos-direitos-humanos-em-156-paises-e-territorios/

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