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PODER

JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPÁ
GABINETE 03
RUA GENERAL RONDON Nº 1295 - MACAPÁ-AP

Nº do processo: 0004814-94.2023.8.03.0000

Relator: Desembargador AGOSTINO SILVÉRIO

Vistos, etc.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ ajuíza AÇÃO


DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE GREVE C/C COM PEDIDO DE TUTELA DE
URGÊNCIA contra o SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS EM EDUCAÇÃO NO
AMAPÁ - SINSEPEAP, que, através do Ofício nº 125/2023, de 10/04/2023, comunicou a greve
da categoria, com a paralisação de 8 dias, elencando como principal reivindicação o reajuste salarial
no importe total de 14,95% como forma de recomposição salarial e a fim de atender o piso do
magistério.

O Órgão Ministerial sustenta, em resumo, que a greve dos Servidores Públicos


Estaduais do Grupo Magistério começou dia 13/04/2023 e se estende por mais de dois meses, sem
que se visualize sinal de suspensão e de retorno às aulas, causando sérios prejuízos ao aprendizado
dos estudantes, já prejudicados pela pandemia da Covid-19. Continuando, argumenta que desde a
deflagração da greve até agora já ocorreram 05 (cinco) Rodadas de Negociações entre o Poder
Executivo Estadual e o SINSEPEAP, evidenciando-se disposição do Poder Público em dialogar com
o Demandado, chegando-se a alguns avanços.

Assevera, ainda, que por razões de limites orçamentários, o Poder Executivo


demonstrou, pormenorizadamente, impossibilidade de garantir, desde logo, reajuste de 3%, no mês
de dezembro/2023, pois depende do aumento da receita do FUNDEB e do Tesouro Estadual, o que
gerou impasse entre os interessados. E, diante da situação grevista, o calendário escolar de 2023
encontra-se prejudicado, sem que o Demandado apresente alternativas para solução do impasse.

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Este documento foi assinado eletronicamente por Desembargador AGOSTINO SILVÉRIO em 20/06/2023 08:21.
O original deste documento pode ser consultado no site: http://www.tjap.jus.br. Hash: 683107586AM
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Após tecer entre outras considerações, requereu a concessão de tutela de urgência


liminarmente sem a oitiva da parte contrária, determinando-se ao requerido, inaudita altera parte,
que promova a imediata sustação dos efeitos da ilegal deliberação de greve/paralisação e abstenção
de sorte de atos que promovam ou concorram para a paralisação dos serviços educacionais, sob pena
de imposição de multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e bloqueio de contas,
como forma de obrigá-lo a cumprir a liminar. E no mérito, requereu a procedência do pedido para
declarar a abusividade e ilegalidade do movimento grevista.

A inicial veio instruída com os documentos constantes da ordem eletrônica nº 1.

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Não há dúvida quanto à competência desta Corte para processar e julgar ações
envolvendo o direito de greve dos servidores públicos no âmbito da justiça estadual, diante do
posicionamento adotado pelo STF no julgamento dos Mandados de Injunção nºs 670/ES, 708/DF e
712/PA, conforme, aliás, o seguinte acórdão da lavra do Des. Carlos Tork, senão vejamos:

“AÇÃO ORDINÁRIA. GREVE. SINDICATO DOS SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA.


PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPA.
INOCORRÊNCIA.[...]1) O Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que a
demanda que discute a legalidade de movimento prevista de servidores públicos estaduais é
competência do Tribunal de Justiça Estadual. [...]”. (TJAP - Processo nº 0002159-
96.2016.8.03.0000, Tribunal Pleno, julgado em 12/07/2017)

In casu, a tutela cautelar requerida em caráter antecedente tem previsão no art. 305 do
NCPC, cuja liminar tem como pressupostos para a concessão a probabilidade do direito e o perigo
de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300).

E, conquanto o direito de greve pelos servidores públicos esteja assegurado na


Constituição Federal (art. 37, VII), ressalto que a Lei nº 7.786/89, em seu art. 6º, estabelece que
jamais poderá se sobrepor a direitos e garantias fundamentais de terceiros, caso contrário será

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considerado um abuso de direito e tornar-se-á ilegal, sujeitando o grevista à responsabilização


trabalhista, civil ou penal, dependendo da situação no caso concreto.

Nesse contexto, ao julgar o mandado de injunção nº 708/DF, o Ministro Ricardo


Lewandowski, em seu voto, ressalvou a necessidade de adequação da Lei nº 7.783/1989 aos
servidores públicos civis, assentando o seguinte:

“[...] 1) a suspensão da prestação de serviços deve ser temporária, pacífica, podendo ser
total ou parcial; 2) a paralisação dos serviços deve ser precedida de negociação ou de tentativa de
negociação; 3) a Administração deve ser notificada da paralisação com antecedência mínima de 48
horas; 4) a entidade representativa dos servidores deve convocar, na forma de seu estatuto,
assembleia geral para deliberar sobre as reivindicações da categoria e sobre a paralisação, antes de
sua ocorrência; 5) o estatuto da entidade deve prever as formalidades de convocação e o quorum
para a deliberação, tanto para a deflagração como para a cessação da greve;6) a entidade dos
servidores representará os seus interesses nas negociações, perante a Administração e o Poder
Judiciário; 7) sãoassegurados aos grevistas, dentre outros direitos, o emprego de meios pacíficos
tendentes a persuadir oualiciar os servidores a aderirem à greve e a arrecadação de fundos e livre
divulgação do movimento; 8) em nenhuma hipótese, os meios adotados pelos servidores e pela
Administração poderão violar ou constranger osdireitos e garantias fundamentais de outrem; 9) é
vedado à Administração adotar meios para constranger os servidores ao comparecimento ao trabalho
ou para frustrar a divulgação do movimento; 10) as manifestações e os atos de persuasão utilizados
pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade
ou pessoa; 11) durante o período de greve é vedada a demissão de servidor, exceto se fundada em
fatos não relacionados com a paralisação, e, salvo em se tratando de ocupante de cargo em comissão
de livre provimento e exoneração ou, no caso de cargo efetivo, a pedido do próprio interessado;
12) será lícita a demissão ou a exoneração de servidor na ocorrência de abuso do direito de greve,
assim consideradas: a) a inobservância das presentes exigências; e b) a manutenção da paralisação
após a celebração de acordo ou decisão judicial sobre o litígio; 13) durante a greve, a entidade
representativa dos servidores ou a comissão de negociação, mediante acordo com a Administração,
deverá manter em atividade equipes de servidores com o propósito de assegurar a prestação de
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serviços essenciais e indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da coletividade; 14)


em não havendo o referido acordo, ou na hipótese de não ser assegurada a continuidade da
prestação dos referidos serviços, fica assegurado à Administração, enquanto perdurar a greve, o
direito de contratação de pessoal por tempo determinado, prevista no art. 37, IX, da Constituição
Federal ou a contratação de serviços de terceiros; 15) na hipótese de greve em serviços ou
atividades essenciais, a paralisação deve ser comunicada com antecedência mínima de 72 horas à
Administração e aos usuários; 16) a responsabilidade pelos atos praticados durante a greve será
apurada, conforme o caso, nas esferas administrativa, civil e penal. [...]” (destaquei – julgado em
25/10/2007, Tribunal Pleno, DJe-206, publicado em 31/10/2008)

Destarte, feitas tais considerações, adianto que estão presentes no caso concreto a tutela
de urgência prevista no art. 300, do CPC, pois a evidência quanto à probabilidade do direito
invocado sobressai do fato de que os serviços prestados pelos professores/educadores envolvem o
desempenho de atividade reconhecida pela Constituição Federal como direito fundamental social,
conforme o seguinte trecho de julgado do STF:

“[...] 1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do


Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado
pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à
Constituição.[...]”. (RE-AgR 594018/RJ, rel. Ministro Eros Grau, DJ 07/08/2009)

Vale destacar que a Educação é um direito fundamental previsto no art. 227 da


Constituição Federal, que incumbiu a sociedade e o Estado de assegurá-lo com absoluta prioridade,
porquanto destinado ao “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social” (art. 3º da Lei
nº 8.069/90).

Vê-se, portanto, o conflito de interesses fundamentais e que exige de todos (Estado,


sindicato e Judiciário) prudência e bom senso, acolhendo o direito mais sensível e carecedor de
maior proteção, tendo em vista os respectivos destinatários.

É preciso destacar, ainda, que do regime jurídico-administrativo ao qual submetida à

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Administração Pública decorrem prerrogativas e restrições, importando no presente caso a incidência


do princípio da continuidade (art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95), que impõe a prestação das
atividades estatais sem interrupções.

Desse modo, embora os referidos servidores públicos possuam direito de greve, deve-se
atentar para o fato de que o seu exercício pode se tornar arbitrário e ilegítimo quando puser em
risco o princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos realizados pela categoria.

Assim, os movimentos grevistas deflagrados pelos servidores públicos devem pautar-se


em requisitos específicos, tomadas por base as Leis de números 7.701/88 e 7.783/1989, em
respeito ao interesse público e à continuidade dos serviços prestados pela Administração.

Além disso, considerando a educação como serviço essencial à população, também não
se vislumbra nos autos, informação acerca do percentual mínimo de servidores que darão
continuidade na prestação dos serviços.

Registro, aliás, que este Tribunal já enfrentou matéria semelhante para declarar abusiva
e ilegal da paralisação dos servidores públicos da educação. Confira-se:

“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. GREVE.


SERVIDORES PÚBLICOS. EDUCAÇÃO. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. LEI DA GREVE.
ROL EXEMPLIFICATIVO. NÃO ATENDIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO.
NÃO COMPROVAÇÃO. AGRAVOS INTERNOS. ASTREINTES. CABIMENTO. EXECUÇÃO
IMEDIATA PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. 1) Nada obstante
a ausência de regulamentação legal, os servidores públicos não podem ser alijados de exercer o
direito de greve, como forma de ter atendida sua pauta de reivindicações. A matéria está pacificada
no âmbito do Supremo Tribunal Federal (MI 712/PA). 2) A lista de serviços essenciais constantes
do art. 10 da Lei 7.783/89 é meramente exemplificativa, podendo ser reconhecida a essencialidade
de outros serviços públicos para o fim de aferição da legalidade de movimentos grevistas quanto à
garantia de continuidade pela manutenção de número mínimo de servidores em atividade.

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Precedentes. 3) O serviço público de educação possui índole essencial, tendo em vista a finalidade
precípua por ele visada e o público destinatário, com a consequente aplicação da Lei nº
7.783/1989. Precedentes. Logo, enquadrados que estão na categoria de serviço público essencial, os
servidores da educação encontram-se obrigados a garantir, durante a greve, a prestação dos
respectivos serviços. 4) Quanto ao pedido de condenação ao pagamento dos danos causados aos
cofres públicos em razão da greve deflagrada, não existem nos autos elementos suficientes para a
aferição dos alegados prejuízos. Por essa razão, tendo em vista que o autor não se desincumbiu do
ônus que lhe competia, na forma do art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil, o pedido não
merece prosperar. 5) As astreintes têm função exclusivamente inibitória, como forma de compelir o
sujeito atingido a fazer ou deixar de fazer algo, daí por que devem, mesmo, ser arbitradas em
montante suficiente a causar reforço psicológico no ânimo do agente para cumprimento da ordem
judicial. 6) A execução de multa aplicada para dar efetivo cumprimento de ordem judicial deve ser
imediata, como forma de compelir o atingido ao atendimento da ordem judicial. Por essa razão,
prescinde da fase de cumprimento de sentença, podendo ser adotadas as medidas necessárias no
curso do processo, conforme se extrai do art. 461 do CPC. Ainda, segundo dispõe o art. 537, § 3º,
do CPC, com redação dada pela Lei nº 13.256/2015, “A decisão que fixa multa é passível de
cumprimento provisório”, estando apenas o levantamento do respectivo valor condicionado ao
trânsito em julgado da sentença favorável. 7) Ação julgada parcialmente procedente para declarar a
ilegalidade da greve deflagrada; agravos internos conhecidos e não providos.” (AGRAVO
INTERNO. Processo Nº 0001387-31.2019.8.03.0000, Relator Desembargador ROMMEL
ARAÚJO DE OLIVEIRA, TRIBUNAL PLENO, julgado em 15 de Abril de 2020). (grifos nossos)

Ante o exposto, com base nesses fundamentos, defiro o pedido de tutela provisória de
urgência para determinar ao SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS EM EDUCAÇÃO DO
ESTADO DO AMAPÁ – SINSEPEAP, que suspenda imediatamente a greve, a contar da
intimação desta decisão, garantindo-se, portanto, a regularidade e continuidade na prestação dos
serviços públicos de educação no Estado, sob pena de multa diária, em caso de descumprimento, de
R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Intime-se o Sindicato para o imediato cumprimento desta ordem judicial, citando-o para
Processo nº 0004814-94.2023.8.03.0000 Página 6 de 7
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apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias.

Expeça-se o que for necessário com urgência, podendo servir como mandado cópia
digitalizada desta decisão.

Dê-se ciência ao autor e, posteriormente, ouça-se à douta Procuradoria de Justiça.

Após, retornem os autos conclusos.

Cumpra-se.

MACAPÁ, 20/06/2023

DESEMBARGADOR AGOSTINO SILVÉRIO

Relator

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