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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0000.16.061531-6/001 Númeração 0615316-


Relator: Des.(a) Cabral da Silva
Relator do Acordão: Des.(a) Cabral da Silva
Data do Julgamento: 29/11/0016
Data da Publicação: 02/12/2016

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - TUTELA ANTECIPADA -


SEMELHANÇA ENTRE CALÇADOS QUE PODE INDUZIR O
CONSUMIDOR A ERRO - DEFERIMENTO PARA RETIRADA DE
CIRCULAÇÃO ATÉ QUE SE RESOLVA A EXISTENCIA DE REGISTRO OU
NÃO.

Presentes os requisitos elencados no art. 300 do CPC, não há como deferir a


tutela antecipada. A tutela de urgência será concedida quando houver
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo.

Possuindo evidente semelhança, que podem induzir o consumidor a erro, o


produto "não fabricado pelo titular da marca" deve ser retirado do mercado
até que se analise a veracidade do registro do proprietário da marca, do
desenho industrial e mesmo do produto.

Recurso não provido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.16.061531-6/001 - COMARCA


DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): ELMO CALCADOS S/A -
AGRAVADO(A)(S): GRENDENE S A

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em NEGAR PROVIMENTO

DES. ÁLVARES CABRAL DA SILVA

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RELATOR.

DES. ÁLVARES CABRAL DA SILVA (RELATOR)

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face da decisão


colacionada no evento 30 que deferiu a tutela antecipada requerida pela
agravada nos seguintes termos:

Pelas razões expostas, o pedido de antecipação de tutela para


determinar que DEFIRO a ré se abstenha de utilizar, distribuir e
comercializar, sob qualquer meio e modo, os calçados que imitem e
reproduzam a marca tridimensional e a marca de posição, protegida pela
autora, e que distinguem os chinelos IPANEMA, sob pena de multa diária
pelo descumprimento de R$5.000,00 (cinco mil reais) limitada a
R$100.000,00 (cem mil reais).

2- Designo Audiência de Conciliação para o dia 29/08/2016, às 16


horas,que será realizada na Central de Conciliação (CEJUS) do Fórum
Lafayette, Avenida Augusto de Lima, 1549, sala AL-88, Térreo.

3- Cite-se a Ré com antecedência mínima de 20 (vinte) dias da data da


audiência (art. 334 do NCPC), e intime-se o Requerente, por meio de seu
procurador(a) cadastrado(a) nos autos, alertando-os que o não
comparecimento injustificado à audiência é considerado ato atentatório à
dignidade da justiça e será sancionado com multa, bem como que o
desinteresse na autocomposição deverá ser manifestado, por petição, a ser
apresentada até 10 (dez) dias antes da data da audiência. Advirta-a,
outrossim, que, caso manifeste desinteresse na autocomposição, o prazo de
15 dias para oferecer a contestação terá

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início na data do protocolo do pedido de cancelamento da audiência. Se não


comparecer à audiência ou, se comparecer, não houver autocomposição, da
data da audiência correrá o prazo para contestação. Em qualquer caso, não
sendo contestada a ação, será a parte Ré considerada revel e presumir-se-
ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor na petição inicial.

Alega o agravante, em síntese (evento 1 e evento 54) que não há


propriedade de desenho industrial que leve o numero de registro argüido
pelo autor, não podendo se falar em marca de posição e que tal instituto não
está previsto na lei de propriedade industrial; que o registro alegado pelo
agravado/autor se refere a um registro de marca tridimensional; que a
agravante encontra-se em recuperação judicial; que a demanda deve ser
suspensa por estar a requerida em fase de recuperação judicial; que a
narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão (fl.7 e seguintes,
Evento 54); que não há que se falar em exclusividade ; que o objeto discutido
nos autos trata-se de um chinelo de dedos; que o pedido de registro da
marca tridimensional em que fundamenta a autora pode ser indeferido pelo
INPI; que o objeto narrado nos autos ainda não é de propriedade da autora;
que a presente ação deve ser suspensa; que não existe qualquer registro
para a marca tridimensional tão pouco registro de marca de posição; que
existe apenas um pedido de registro de marca e não um registro de marca
validamente concedido pelo INPI; que há diferença entre marca
tridimensional e desenho industrial; que inexiste originariedade no produto
requerido pelo agravado/autor; que o há é um pedido de registro de marca
tridimensional e não de um desenho industrial; que o pedido de registro da
marca tridimensional pode ser indeferido pelo INPI; que não há qualquer
infração por parte do agravante/réu em matéria de concorrência desleal o de
qualquer outra forma de apropriação de bens de terceiros, visto que ficou
claro que a autora não possui qualquer direito conferido pelo INPI, seja em
relação a marca tridimensional (só existe um pedido de registro formulado,
que pode ser indeferido), a marca de posição (não existe tal instituto) e tão
pouco de qualquer exclusividade quanto ao desenho industrial (não existe
requerimento de exame técnico quanto a originariedade do produto). Que
não há

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propriedade e, portanto, não há infração. Ao final, pugna pelo deferimento do


efeito suspensivo e provimento do recurso.

Determinei a intimação do agravado, antes de apreciar o efeito


suspensivo requerido (evento 55).

Contra minuta colacionada no evento 56, impugnando o pedido de


suspensão do feito pela agravante (recuperação judicial), bem como as
demais teses do agravante em relação ao mérito.

Vista ao agravante, apresentou impugnação a contra minuta,


combatendo, por óbvio, as teses do agravado.

É o sintético e necessário relatório.

PRELIMINAR

Preliminarmente, aplico o enunciado 54 do TJMG, aprovado em


Sessão Plenária, realizada no dia 26 de fevereiro de 2016, pelos magistrados
que integraram os Grupos de Trabalhos do Fórum de Debates e Enunciados
sobre o Novo Código de Processo Civil:

Enunciado 54 - (art. 1046) A legislação processual que rege os recursos


é aquela da data da publicação da decisão judicial, assim considerada sua
publicação em cartório, secretaria ou inserção nos autos eletrônicos.

Assim, publicada a decisão recorrida em 07/2016, aplico o código de


processo civil de 2015 a esta apelação.

SUSPENSAO DO FEITO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO


AGRAVANTE.

O instituto da recuperação judicial fundamenta-se no príncipio da


função social da empresa e visa a recuperação da empresa em crise por
meio um processo que une devedor e credores a fim de garantir a isonomia
dos credores e evitar repetição de atos e

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contradições.

Para garantir a consecução de tais fins, o juízo da recuperação


judicial, assim como, o da falência assume característica universal,
exercendo força atrativa sobre as ações relacionadas ao devedor, aplicando-
se analogicamente à recuperação judicial, o caput, do art.76, da Lei
11.101/05, que dispõe:

"art.76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer


todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as
causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o
falido figurar como autor ou litisconsorte ativo."

Contudo, o próprio diploma legal estabelece exceção a essa regra no


§1º do art. 6º, que trata da suspensão das ações e execuções em face do
devedor, prevê o dispositivo:

"Art.6º. [...]

§ 1o Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a


ação que demandar quantia ilíquida."

Dessa forma, a Lei 11.1101/05 estabeleceu uma exceção quanto à


tramitação de ações que envolvam demanda por quantia ilíquida,
determinando seu prosseguimento no juízo em que estivessem sendo
processadas.

Controvérsia se estabelece, no entanto, quanto à extensão da regra


às ações que demandam quantia ilíquida propostas após o deferimento e
início do processamento da recuperação judicial, como no caso em comento.
Indaga-se sobre a possibilidade de tais ações se processarem no foro em
que propostas, observada a regra geral de competência, escapando a citada
força atrativa, o que entendo possível.

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A priori, há que se indagar sobre a razão da exceção criada pelo §1º,


art.6º, da Lei de Falência, para compreender melhor tal posicionamento.

Entendo que o legislador ao reservar às demandas envolvendo


quantia ilíquida tal condição o fez para garantir a própria celeridade e
eficiência do processo de recuperação judicial

Isto porque, durante tal processo os credores são chamados a


apresentar as dívidas contraídas pela empresa devedora, contudo, se a
demanda envolve quantia ilíquida ainda não está fixado o quantum debentur,
pelo que necessária uma etapa instrutória mais complexa, que poderia
resultar em balbúrdia ou pelo menos maiores dificuldades e burocracia ao
processo de recuperação.

Assim, embora atinente a questão patrimonial do devedor que está


em processo de recuperação judicial, a demanda por quantia ilíquida não tem
economicidade imediata, de forma que não há que se falar em
imprescindibilidade ou obrigatoriedade de sua tramitação junto ao foro da
recuperação pela força atrativa resultante do caráter universal deste e muito
menos em suspensão do feito.

No caso em comento, apesar do pleito do agravante envolver tanto


quantia líquida, quanto ilíquida, permanece a exceção, uma vez necessárias,
da mesma forma, a etapa instrutória e a sentença que dará origem ao título
exeqüível ou não.

Não será a proibição de venda de uma parte ínfima de seu estoque


(objetos do presente agravo) que impedirá a agravante de cumprir suas
obrigações na presente recuperação judicial.

Com tais considerações rejeito a tese de suspensão do feito.

MERITO

Sustenta o apelante, em síntese, que o douto juízo se equivocou ou


pode ter sido induzido a erro. Que a inicial do autor

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mencionou propriedade de marca tridimensional (que não existe), desenho


industrial com numeração de processo de marca e não existe na lei da
propriedade industrial, qualquer artigo que faça menção ao instituto
denominado marca de posição. Que não há como deferir a antecipação de
tutela com fundamento na mera expectativa de direito da agravada, sobre um
possível registro de marca ou em desenho industrial.

Na inicial alegou o autor que a agravante colocou a venda calçados


com o diferencial dos produtos IPANEMA(r): a marca de posição (tarja
retangular) impressa na parte superior do solado e que tal característica
pertence a autora (devidamente registrada).

A meu sentir e ver, sem razão o agravante, eis que presentes os


requisitos da tutela de urgência prevista no art. 300 do CPC/15, havendo
elementos claros que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de
dano ou o risco de resultado útil ao processo.

Prevê o aludido dispositivo:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos


que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.

O objetivo do feito é exatamente a não comercialização, pelo


agravante, de produtos semelhantes ao do agravado, sem por este ter sido
fabricado.

Pelas fotografias colacionadas aos autos, os calçados colocados a


venda pela agravante são bem similares aos calçados cuja marca industrial
pertencem aos autores, ora agravados. Inexiste qualquer fundamento que
desconstitua, em sede liminar, o direito argüido pelo agravante. Tanto o
consumidor (maior prejudicado) quanto o titular da marca saem perdendo. A
semelhança visual é evidente, o que pode induzir o consumidor a erro. É
razoável e prudente a retirada do produto do mercado, até que se confirme a
veracidade ou não das alegações do agravante. Ao final, sendo

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inverídicas, a demanda se resolve em perdas e danos. Contrario sensu, se


os calçados continuarem a disposição do agravante para comercialização, o
consumidor pode ser lesado e "levar gato por lebre ou lebre por gato".

Na lição de LUIZ GUILHERME MARINONI:

"A técnica antecipatória visa apenas distribuir o ônus do tempo do


processo. É preciso, portanto, que os operadores do direito compreendam a
importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há razão
para timidez no uso da tutela antecipatória, pois o remédio surgiu para
eliminar um mal que já está instalado. É necessário que o juiz compreenda
que não pode haver efetividade sem riscos.

A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, a


antecipação) que pode causar prejuízo, mas, também a omissão, como bem
define a célebre obra de Calamandrei, sistematizando as providências
cautelares" A reforma do CPC e a efetividade do Processo. Boletim
Informativo Bonijuris, nº 34, de 10 de dezembro 1995, p. 2910-2914.

A prova inequívoca, a meu sentir e ver, é aquela translúcida,


evidente, a qual apresenta grau de convencimento tal que seja até mesmo
dificultoso levantar-se dúvida razoável, eqüivalendo, em última análise, a
verossimilhança da alegação, mormente no tocante ao direito subjetivo que a
parte queira preservar.

No caso em tela, pelas fotos colacionadas aos autos, a semelhança


entre os calçados da autora e as comercializadas pela requerida são bem
evidentes.

Ainda na lição de LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ


ARENHART:

"A verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar: (i) o
valor do bem jurídico ameaçado, (ii) a dificuldade de o

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autor provar sua alegação, (iii) a credibilidade da alegação, de acordo com as


regras de experiência, e (iv) a própria urgência descrita. Quando se fala em
antecipação da tutela, pensa-se em uma tutela que deve ser prestada em
tempo inferior àquele que será necessário para o término do procedimento."
Processo de conhecimento. 6ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 209.

A questão da legalidade ou não do registro de marca ou do desenho


industrial, realizado pela parte autora, será objeto de instrução e deliberação
quando do julgamento do mérito. Aqui, se analisa a semelhança dos
produtos fabricados pela autora/agravada e os comercializados pela
requerida/agravante. No mérito, julgado improcedente o pedido da parte
autora, a mesma poderá responder por perdas e danos, se houver prova.
Certo é, que os produtos devem ser retirados de comercialização até que se
resolva se a marca de posição (tarja retangular) impressa na parte superior
do solado pertence a autora (devidamente registrada).

Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pelo agravante.

DES. VEIGA DE OLIVEIRA - De acordo com o(a) Relator(a).

DESA. MARIÂNGELA MEYER - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "RECURSO NÃO PROVIDO"

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