Você está na página 1de 5

1

Administração pública como função do Estado.

Estado, governo e administração são termos que caminham juntos e muitas vezes são
confundidos, embora expressem conceitos diversos nos vários aspectos em que se apresentam.

1. ESTADO – ente personalizado como pessoa jurídica de direito público – é a


nação politicamente organizada -, detentora de SOBERANIA. O Estado NÃO tem dupla
personalidade, mesmo que esteja praticando atos externos ou privados: trata-se unicamente de
pessoa jurídica de direito público, nunca perdendo a personalidade PÚBLICA. O ESTADO
DE DIREITO é o estado politicamente organizado, que obedece às suas próprias leis.

1.1. Elementos do Estado:


- povo (elemento subjetivo);
- território (elemento objetivo); e
- governo soberano - soberania como poder absoluto em seus limites, indivisível e
incontrastável; independência na ordem internacional e “supremacia” na ordem interna.

1.2. Poderes do Estado – não são poderes da administração, mas do Estado


mesmo, destinados à execução de funções, tal como desenhado por Montesquieu: poderes
EXECUTIVO, LEGISLATIVO e JUDICIÁRIO – elementos orgânicos ou estruturais do
Estado. A tripartição de Montesquieu é adotada no texto constitucional, tendo por
finalidade o equilíbrio entre tais, de modo a evitar a supremacia de qualquer deles sobre o
outro (Carvalho Filho). A nossa Constituição estabelece expressamente que são Poderes
da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário
(CF, art. 2º), bem assim veda que haja deliberação sobre emenda à Constituição tendente a
abolir a separação dos Poderes (CF, art. 60, § 4º, III).

1.3. Funções do Estado (típica e atípica) – são decorrentes dos poderes. FUNÇÃO
é o exercício de uma atividade em nome e interesse de outrem. FUNÇÃO PÚBLICA é o
exercício de atividade em nome e interesse do POVO. Entretanto, no Brasil, não há
exclusividade no exercício dessas funções, não há uma rígida ou absoluta divisão dos
Poderes, mas sim preponderância na realização desta ou daquela função. Assim, embora
os Poderes tenham funções precípuas (funções típicas), a própria Constituição autoriza
que também desempenhem funções que normalmente pertenceriam a Poder diverso
(funções atípicas). São as chamadas ressalvas (ou exceções) ao princípio da separação
dos Poderes.

a. FUNÇÃO TÍPICA – é a função principal (preponderante) do poder, o


motivo pelo qual o poder foi criado. Exemplos: Legislativo fazer lei, Presidente
da República (PR) administrar, Judiciário julgar.

b. FUNÇÃO ATÍPICA – é a função secundária do poder. Exemplo:


Legislativo julga contas do PR; PR edita medida provisória com força de lei;
Judiciário faz licitações.

São funções típicas:


2

1.3.1. Função legislativa – consiste na elaboração de leis. É a função


legiferante. É uma função abstrata. É uma função geral com repercussão erga omnes.
É a única função que inova o ordenamento jurídico.

1.3.2. Função jurisdicional – consiste na solução de conflitos, aplicando


coativamente as leis. É uma função concreta (exceto o controle direto de
constitucionalidade). É uma função indireta, porque depende de provocação. Não
inova o ordenamento jurídico. Produz imutabilidade jurídica, ou seja, a intangibilidade
jurídica ou coisa julgada, isto é, somente a decisão judiciária é definitiva.

1.3.3. Função executiva ou administrativa – O Poder Executivo realiza


precipuamente a função administrativa – “aquela exercida pelo Estado ou por seus
delegados, subjacente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público,
com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica” (Carvalho Filho). É uma
função concreta. É uma função direta. Não inova o ordenamento jurídico pois não
revoga o regime vigente estabelecendo um novo (medida provisória é uma função
atípica). É uma função passível de ser revista, não produzindo coisa julgada (mesmo a
“coisa julgada administrativa” significa tão-somente a imutabilidade da decisão interna
à administração, nada impedindo a reanálise pelo Judiciário). Segundo Celso Antônio
Bandeira de Mello, função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as
vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema
constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante
comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos
todos a controle da legalidade pelo Poder Judiciário.

1.3.4. Função de governo (?) – é uma função, conforme doutrina de Celso


Antonio Bandeira de Mello, que vai além das competências comuns dos poderes, mas
aproximada do Executivo. São funções residuais, que não podem ser enquadradas em
nenhuma das anteriores. Exemplo: quando o Estado declara guerra. É uma função que
regula a atuação superior do Estado. A função administrativa se preocupa com as
questões rotineiras ou costumeiras. A função de governo vai além das atividades
meramente rotineiras. Outros exemplos: declaração de estado de defesa ou de estado
de sítio, iniciativa de lei, sanção e veto do presidente, declaração de guerra, celebração
de paz. Note-se que há divergência sobre a utilidade dessa classificação, sobretudo
pelo fato de tal função, num regime presidencialista como o nosso, acumular-se junto
com a função executiva na figura do chefe do Poder Executivo.

Importa salientar que, a despeito de a teoria tripartite das funções estatais ser a mais
difundida, há juristas de peso que entendem diversamente. Com efeito, Kelsen sustentava
que as funções estatais seriam apenas duas, a de criar o direito (legislar) e a de executar o
direito (o que tanto é feito pela Administração quanto pela Jurisdição). No Brasil,
Oswaldo Aranha Bandeira de Melo entendia que existem apenas as funções administrativa
(legislar e executar: programação e realização de objetivos públicos) e jurisdicional.

2. GOVERNO – é o comando, é a direção do Estado. Exemplo: atos de soberania


e autonomia.
3

No âmbito do Direito Administrativo, a expressão governo tem sido utilizada para


designar o conjunto de poderes e órgãos constitucionais responsáveis pela função política do
Estado. O Governo tem a incumbência de zelar pela direção suprema e geral do Estado,
determinar seus objetivos, estabelecer suas diretrizes, visando à unidade da soberania estatal.

3. ADMINISTRAÇÃO – está relacionada à estrutura para exercício da função


pública: trata-se do aspecto estrutural da administração pública. Pode ser dividida nas
seguintes categorias (note-se que a terminologia é conflitante na doutrina):

3.1. Administração formal ou orgânica ou subjetiva – está relacionada à máquina


administrativa, ou seja, à estrutura mesma. Começa com letra maiúscula. É quem realiza a
atividade. Conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas destinadas à execução das
atividades administrativas - todo o aparelhamento de que dispõe o Estado para a
consecução das políticas traçadas para o Governo. Designa os entes que exercem a
atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas (entidades), órgãos e agentes
públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a
função administrativa (Maria Sylvia Zanella Di Pietro).

3.2. Administração material ou objetiva ou funcional – refere-se à atividade


administrativa propriamente dita. Começa com letra minúscula. Corresponde ao conjunto
de funções ou atividades administrativas, que são públicas, consistentes em realizar
concreta, direta e imediatamente os fins constitucionalmente atribuídos ao Estado, por
isso mesmo denominadas atividades finalísticas da Administração Pública (Maria Sylvia
Zanella Di Pietro). Assim, a função administrativa (administração pública em sentido
objetivo, material ou funcional) engloba:
● a prestação de serviços públicos;
● o exercício do poder de polícia;
● a intervenção no domínio econômico: pode ocorrer indiretamente, por
meio da regulamentação e fiscalização da atividade econômica de natureza
privada, bem como diretamente, através da atuação direta do Estado na atividade
econômica, nos termos do art. 173 da CF, normalmente por meio de empresas
públicas e sociedades de economia mista.
● a atividade de fomento: O fomento abrange a atividade administrativa de
incentivo à iniciativa privada de utilidade pública (como, p. ex., o incentivo que se
dá a entidades como o SESC, SENAI, SEBRAE etc.). Exemplos de atividades de
fomento desenvolvidas pelo Estado:
I. auxílios financeiros ou subvenções, por conta dos orçamentos públicos;
II. financiamento, sob condições especiais, para a construção de hotéis e
outras obras ligadas ao desenvolvimento do turismo, para a organização e o
funcionamento de indústrias relacionadas com a construção civil, e que tenham
por fim a produção em larga escala de materiais aplicáveis na edificação de
residências populares, concorrendo para seu barateamento;
III. favores fiscais que estimulem atividades consideradas particularmente
benéficas ao progresso material do país;
IV. desapropriações que favoreçam entidades privadas sem fins lucrativos,
que realizem atividades úteis à coletividade, como os clubes desportivos e as
instituições beneficentes.
4

Mas não é só. Todas as atividades-meio, “assim entendidas aquelas instrumentais,


acessórias, concebidas exclusivamente para possibilitar o exercício das atividades-fim da
Administração” (Ricardo Alexandre e João de Deus), são também “atividade administrativa”.
Por exemplo, a arrecadação de tributos não é um fim em si mesma, mas é um meio para obter
receitas visando à prestação de atividades-fim da Administração. Portanto, não há dúvidas de
que, mesmo sendo atividade-meio, a tributação é uma atividade administrativa. O mesmo se
diga de concursos públicos, licitações, dentre outros.

GOVERNO x ADMINISTRAÇÃO

Vale registrar a clássica lição do Prof. Hely Lopes Meirelles sobre a diferença entre governo
e administração:
“Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado
preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.
A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com
maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes.
São os chamados atos administrativos (...).
“Comparativamente, podemos dizer que governo é atividade política e discricionária;
administração é atividade neutra, normalmente vinculada à lei ou à norma técnica.
Governo é conduta independente; administração é conduta hierarquizada. O Governo
comanda com responsabilidade constitucional e política, mas sem responsabilidade
profissional pela execução; a Administração executa sem responsabilidade
constitucional ou política, mas com responsabilidade técnica e legal pela execução. A
Administração é o instrumental de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções
políticas do Governo. Isto não quer dizer que a Administração não tenha poder de decisão.
Tem. Mas o tem somente na área de suas atribuições e nos limites legais de sua
competência executiva, só podendo opinar e decidir sobre assuntos jurídicos, técnicos,
financeiros, ou de conveniência e oportunidade administrativas, sem qualquer faculdade de
opção política sobre a matéria”.

A administração pública, para alguns, é utilizada em sentido amplo, compreendendo a


função política (governo), que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa
propriamente dita, stricto sensu (administração), que executa. É interessante lembrar, ainda,
que a administração pública é objeto de estudo do Direito Administrativo, enquanto o
Governo é mais propriamente objeto do Direito Constitucional.
A expressão "administração pública", em nosso direito, é utilizada para designar o
conjunto de entidades e órgãos a serviço do Estado, incumbidos da função administrativa
(sentido subjetivo) e, também, a função do Estado agindo in concreto para a satisfação de
seus fins de conservação, de bem-estar individual dos cidadãos e de progresso social, ou seja,
a própria função administrativa (sentido objetivo).
Pelo exposto, pois, em sentido objetivo ou material, a administração pública (ou função
administrativa) pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado
desenvolve para a consecução das finalidades próprias da Administração, isto é, realizar
o princípio da utilidade pública (Ruy Cirne Lima). Por sua vez, o Direito Administrativo
gravita justamente em torno da finalidade pública administrativa, incluindo nesse conceito a
segurança do Estado, a manutenção da ordem pública e a satisfação de necessidades sociais.
5

Importante frisar que muitas vozes, na atualidade, deixaram de enfatizar a relevância


do regime jurídico de direito público para caracterização da função administrativa. Isso
porque há hoje várias atividades exercidas pela Administração, com finalidade pública, que
são regidas total ou parcialmente por regras comuns ao direito privado – por exemplo, o
aluguel de imóveis por órgãos públicos (regido pela Lei nº 8.245/1991) ou a contratação de
colaboradores pelas empresas públicas (regida pela CLT).

A antiga concepção do Direito Administrativo como um conjunto de regras a indicar o


império do Estado, fruto da suposta existência em nosso ordenamento de um princípio da
supremacia do interesse público, não encontra mais espaço num regime democrático pautado
pela supremacia da Constituição. Como informa João Batista Gomes Moreira, a atividade
administrativa se desenvolve presidida muito mais pela persecução de um fim que pela mera
imposição de força. No Direito Administrativo clássico, segundo o autor, “as entidades
administrativas justificam-se por sua competência e poder em tese estabelecidos (...). Na nova
concepção, parte-se da finalidade para a fixação e interpretação da competência”, avultando o
interesse público e ficando o poder como elemento subordinado.

Você também pode gostar