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23/6/2014 “No Brasil, temos a ideia de que os negros são inerentemente inferiores” | Politica | Edição Brasil no EL PAÍS

POLÍTICA
ADILSON JOSÉ MOREIRA | PROFESSOR DE DIREITO NA FGV

“No Brasil, temos a ideia de que os negros são


inerentemente inferiores”
Para estudioso, um dos maiores problemas do racismo é o modo “recreativo” como é encarado
MARINA ROSSI São Paulo 21 JUN 2014 - 17:00 BRT

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Adilson José Moreira, professor de


Direito na Fundação Getúlio Vargas
apresentou, no ano passado, sua tese
no doutorado de Direito de Harvard
Law School sobre a questão racial no
Brasil. Sua conclusão acadêmica vai
direto ao ponto. “O racismo é um
sistema de dominação social e o seu
objetivo sempre foi o mesmo: garantir
a hegemonia do grupo racial
dominante”, disse, durante entrevista
concedida ao EL PAÍS. “No Brasil, nós
Adilson José Moreira, professor de Direito na FGV. / BOSCO MA RTÍN
desenvolvemos essa ideia de um
racismo recreativo”, diz ele, ao falar
sobre os casos de preconceito racial no futebol, por exemplo. Sua tese expõe um país
dominado pela hegemonia branca, cheio de preconceitos e muito longe de uma real igualdade
racial, embora haja esforços para mudar o quadro. “A percepção é de que o país tem
progredido, em função de várias políticas que promoveram a distribuição de renda, como o
Bolsa Família, mas essas políticas ainda não conseguiram promover a inclusão social da
mulher negra”, explica. Para Moreira, a justiça racial está diretamente ligada à justiça de gênero.
“Sem isso nós nunca vamos conseguir chegar à justiça racial”.

Pergunta. Você é a favor da implementação de cotas raciais no Brasil, que privilegiam o


acesso de negros a universidades ou empregos públicos. Por quê?

Resposta. Eu sou favorável às ações afirmativas e, especificamente, às cotas raciais, por


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vários motivos. Nós vivemos em uma sociedade racialmente estratificada. A população dos
afrodescendentes sofre todo tipo de discriminação e de exclusão social. As ações afirmativas
nas universidades públicas não são a única forma de se promover a integração e a justiça
racial, mas elas são um meio, reconhecido por tribunais brasileiros. Antes de 2002, menos de
2% dos alunos das universidades públicas eram pessoas negras. Após as cotas esse
percentual aumentou significativamente, embora ainda seja menor do que 15%.

P. As cotas não são uma medida paliativa?

R. O racismo não é apenas um comportamento individual. É um sistema de dominação social e


seu objetivo sempre foi o mesmo: garantir a hegemonia do grupo racial dominante. Por isso
precisamos de políticas públicas. Precisamos de um processo de formação de professores
que os torne capazes de tratar da questão racial dentro da sala de aula. Precisamos promover
a educação cultural do povo brasileiro, no que diz respeito à história do Brasil, da África e da
população negra no Brasil.

P. Essa mudança já começou a acontecer ou ainda estamos muito longe disso?

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R. O que as pessoas que são contrárias às ações afirmativas e às A luta contra o


cotas dizem? Que o que precisamos é criar escola pública de
racismo é também
qualidade. Isso não é o suficiente, porque a estratificação racial não é
produto apenas de uma questão de classe. As políticas sociais contra o sexismo
precisam tratar especificamente do problema da mulher negra, por porque a mulher
exemplo, que é o grupo mais discriminado, vilipendiado que existe na negra ganha até
nossa sociedade. A percepção é de que o país tem progredido, em
função de várias políticas que promoveram a distribuição de renda,
75% a menos do
como o Bolsa Família, mas essas políticas não conseguiram que o homem
promover a inclusão social da mulher negra. A luta contra o racismo é branco
também contra o sexismo porque a mulher negra ganha até 75% a
menos do que o homem branco.

P. Qual é o papel do ministro Joaquim Barbosa nesse contexto de democracia racial?

R. Quando você vê um número cada vez maior de pessoas negras ocupando papeis de
destaque, desperta nos jovens negros a ideia de que eles também terão a capacidade de
chegar a algum lugar. Um outro elemento importante é o papel do Supremo na discussão sobre
a questão racial no Brasil. Nós tivemos durante cerca de 50, 60 anos, um discurso oficial
baseado na ideia de que o Brasil é um país que conseguiu transcender a questão racial. A
decisão do STF [de apoio] sobre as ações afirmativas teve uma importância muito grande
porque é a primeira vez que a corte máxima rejeita essa imagem falsificada sobre a realidade
do país.

P. E o que falta acontecer no Brasil?

R. Faltam muitas coisas (risos). Precisamos ter debate público sobre a desigualdade geral no
Brasil. E isso já começou desde a década de 90, quando os movimentos sociais começaram a
pressionar o Governo e a ir aos tribunais, solicitando proteção jurídica. A implementação de leis
de inclusão e os programas de ações afirmativas são produto dessa articulação dos
movimentos sociais. Hoje, após dez anos dessas políticas, já temos um número significativo
de homens e mulheres negras inseridos no mercado de trabalho. Da mesma forma que é
importante que nós tenhamos mulheres participando da tomada de decisões que afetam as
mulheres, precisamos de negros tomando decisões que afetam a população negra.

P. E por que há tantos casos de racismo no futebol?

R. No Brasil nós temos a ideia de que as pessoas negras são inerentemente inferiores, então
elas podem ter o acesso ao mesmo espaço que as pessoas brancas mas sempre em uma
condição subordinada. Desenvolvemos essa ideia de um racismo recreativo, então as pessoas
não veem o racismo ou o sexismo ou a homofobia como uma ofensa, como um atentado à
dignidade das pessoas, elas acham que é realmente algo engraçado, que eu posso chegar
para qualquer pessoa e chamá-la de macaco, de bicha ou de veado e que isso não representa
nenhum animus de violência. A ideia é de que você pode ir ao campo de futebol, jogar uma
banana ou chamar alguém de preto, macaco, veado e que está tudo bem.

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