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The Economist: Os primeiros 175 anos1

João Carlos Espada


Diretor do Instituto de Estudos
Políticos, Universidade Católica
Portuguesa, Lisboa.
espadajc@gmail.com

Os 175 anos de The Economist e os 190 anos de The


Spectator ajudam a perceber por que motivo não houve
revoluções em Inglaterra nos últimos 329 anos.

A 9 de Julho, assinalei aqui os primeiros 190 anos da


revista britânica The Spectator. Chegou agora a vez de
comemorar os 175 anos da também britânica The
Economist.

Uma primeira pergunta que os dois vetustos aniversários


podem sugerir é por que motivo existem revistas
independentes tão antigas em Inglaterra. E uma óbvia
resposta que pode ocorrer em primeiro lugar é que o facto
de não ter havido revoluções em Inglaterra desde 1689
deve seguramente ter ajudado. Um clima de liberdade
ordeira permite que as instituições cresçam tranquilamente
e se consolidem.

A óbvia pergunta seguinte ocorre de imediato: por que


motivo não houve revoluções em Inglaterra nos últimos
329 anos? A leitura desta edição comemorativa dos 175

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Artigo publicado no Jornal Observador, Lisboa, em 17/9/2018.
HTTPS://OBSERVADOR.PT/OPINIAO/THE-ECONOMIST-OS-PRIMEIROS-175-ANOS/
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anos de The Economist pode certamente ajudar a


começar a responder a esta pergunta.

A revista assinala os 175 anos com um longo ensaio (pp.


41-52) intitulado “The Economist at 175: Reinventing
liberalism for the 21st century”. Não seria possível, nem
certamente aconselhável, tentar resumi-lo aqui. Limitar-
me-ei a destacar aquilo que me pareceu mais distintivo da
liberdade ordeira inglesa. Creio que não é difícil de
identificar.

The Economist define-se como defensora do liberalismo —


“não o esquerdismo progressista dos ‘campuses’ das
universidades americanas, nem o direitista ultraliberalismo
congeminado pelos comentadores franceses, mas um
comprometimento universal com a dignidade individual,
mercados abertos, governo limitado, e uma fé no progresso
humano resultante do debate e da reforma”.

Em seguida, a revista declara que estes ideais — que


contribuíram decisivamente para produzir o mundo
moderno e a prosperidade inédita a ele associado — estão
hoje em crise na Europa e na América que os geraram. E
essa crise tem expressão na revolta dos eleitorados.

Até aqui, não parece haver nada de novo (com ligeira


excepção da definição particular de “liberalismo”). O que é
realmente original vem a seguir.

Em vez de culpar os eleitores pela revolta contra o


“liberalismo”, ou culpar as conspirações destes ou
daqueles, ou a ignorância dos “eleitores brancos pobres”,
ou a “xenofobia nacionalista” desses eleitores contra os
imigrantes, — em vez de tudo isso, The
Economist procura entender as motivações dos eleitores.
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E conclui que existem razões para a revolta dos eleitores:


“a Europa e a América enfrentam uma rebelião popular
contra as elites liberais, que são percepcionadas como
usando o sistema para se servirem a si próprias e como
incapazes, ou sem vontade, de resolver os problemas das
pessoas comuns.”

A revista não subscreve essas percepções do eleitorado.


Mas reconhece que há algum fundamento para elas: “o
sucesso das ideias liberais tornou as elites liberais
complacentes e totalmente alheadas das preocupações das
pessoas comuns.” Para enfrentar este distanciamento, a
revista propõe então uma longa lista de reformas, a que
chama “um manifesto para um renascimento liberal — um
liberalismo para as pessoas comuns”.

Não é possível resumir aqui essa longa lista de reformas.


Nem esse é, de momento, o meu tema central. Não
pretendo subscrever, nem contrariar, as medidas
específicas propostas por The Economist (embora não
possa deixar de mencionar a proposta de controlo da
imigração). O que pretendo sublinhar é a atitude da
revista:

“Os liberais precisam de gastar menos tempo a desprezar


os seus críticos, classificando-os de doidos ou fanáticos, e
de gastar mais tempo a corrigir o que está mal. (…) Os
liberais devem aceitar as críticas e dar as boas-vindas ao
debate como fonte de novas ideias que irão reavivar o seu
movimento. (…) Isto significa liberdade de expressão. E
expressão que seja bem informada e de boa fé.”

Estas palavras trazem imediatamente à memória a


comemoração dos 190 anos de The Spectator, em Julho
passado. Também ela condenou as dicotomias tribais que
estão a dominar o debate actual. E defendeu “a tradição
britânica de robusta mas amigável discordância.”
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As duas revistas são, de certa forma, concorrentes:

The Spectator ao centro-direita, The Economist ao


centro/centro-esquerda (por padrões britânicos — ambas
provavelmente ao centro-direita por padrões continentais).
Mas ambas apontam a mesma convergência em torno de
regras gerais de conduta civilizada: a recusa das dicotomias
tribais e a retoma da tradição britânica de robusta mas
amigável discordância.

Talvez esta convergência em torno de regras gerais de


conduta civilizada por parte de propostas rivais possa
ajudar a perceber por que motivo não houve revoluções em
Inglaterra nos últimos 329 anos. E por que motivo
subsistem revistas independentes tão antigas.

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