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Palavras-chave: Vem Pra Rua. Movimento Brasil Livre. Classes médias. Crise política.
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Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas
- Unicamp. E-mail para contato: gucasasanta@gmail.com.
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Referimo-nos ao período iniciado em 17 de junho, após os protestos do Movimento Passe Livre (MPL)
realizados nos dias 6, 10, 11 e 13 daquele mês, quando a pauta apresentada pelos manifestantes era a
redução da tarifa do transporte público. Em São Paulo, após a forte e indiscriminada repressão policial da
manifestação do dia 13, os manifestantes ganham a simpatia do grande público, e inicia-se uma nova
etapa do movimento, nos dias 17, 18, 19 e 20 de junho, quando atinge seu auge (houveram manifestações
em cerca de 100 cidades, dentre as quais várias capitais, e estima-se que, ao todo, cerca de 1,5 milhão de
pessoas participaram das manifestações). O início da Copa das Confederações no dia 16 de junho
potencializa as manifestações, em especial nas capitais que receberiam partidas. Se é verdade que a força
do movimento se amplifica, também ocorre uma grande profusão e dispersão de dizeres e pautas. A partir
do dia 21, as mobilizações se fragmentam em torno da defesa de pautas específicas (Singer, 2013, 25-6).
turno das eleições presidenciais de 2014. Alguns dos seus idealizadores assumiram a
defesa da candidatura de Aécio Neves, candidato derrotado do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB) à Presidência da República. Ambos os movimentos vêm
defendendo publicamente a renúncia ou abertura de processo de impeachment contra a
presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT)12.
No geral, é possível notar que seus princípios são bastante semelhantes. O VPR defende
a eficiência e transparência no gasto público; redução da carga tributária e da
burocracia; liberdade econômica; empreendedorismo e livre iniciativa. Exige ainda o
fim do Foro de São Paulo, que implicaria numa “agenda paralela” do governo (Vem Pra
Rua, 2015). O MBL, por sua vez, pede o fim da corrupção e da impunidade; defende
uma imprensa livre e independente do governo; liberdade econômica; separação dos
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O “Vem Pra Rua” passa a defender o impeachment da presidenta Dilma Rousseff após as
manifestações de 15/03/2015.
poderes; eleições livres e idôneas (sem coerções partidárias); o fim dos subsídios diretos
ou indiretos do governo a ditaduras13 (Movimento Brasil Livre, 2015a). Ambos os
movimentos compartilham um discurso antipetista, de defesa do “livre mercado” e da
concorrência capitalista (Tatagiba et al, 2015, 16).
Os dados sobre ocupação, fornecidos pelo instituto, dão conta de que o número de
assalariados registrados era, respectivamente, de 37%, 35%, 33% e 31%; empresários,
14%, 10%, 13% e 12%; profissionais autônomos regularizados, 11%, 15%, 13% e 12%;
profissionais liberais de nível universitário, 7% nas três primeiras pesquisas e 8% em
13/03/2016; funcionários públicos, 4%, 6%, 7% e 5%. Quanto à cor da pele, os que se
autodeclaravam brancos eram 69%, 73%, 75% e 77%; pardos: 20%, 18%, 17% e 15%;
negros, 5%, 4%, 3% e 4%. O público masculino foi predominante nas quatro ocasiões:
63%, 56%, 61% e 57% (Datafolha, 2016).
Ao analisarmos aquilo que seria o perfil político-ideológico dos participantes dos atos
convocados pelos movimentos supracitados, tendo por base sua percepção sobre os
movimentos sociais, partidos políticos e órgãos de imprensa, temos que a rejeição aos
partidos políticos e aos movimentos sociais possuidores de uma base social popular é
alta: 73,2% dos manifestantes disseram não ter confiança nenhuma nos partidos (índice
que chega a 96% em relação ao PT); 79,2% declaram não ter confiança alguma no
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST); e 84,4% não têm nenhuma confiança
no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) (Ortellado & Solano, 2015).
Indo além, 70,8% declararam confiar muito no Vem Pra Rua, enquanto 52,7% o
disseram em relação ao Movimento Brasil Livre (esse último possuía um maior índice
de desconhecimento: 15,9% contra apenas 2,3% do primeiro) (idem). Quanto à
confiança nos canais de imprensa, sobressaem-se as menções positivas a Revista Veja
(51,8% dos manifestantes disseram confiar muito), ao passo que Reinaldo Azevedo e
Raquel Sherazade foram os “comentaristas políticos” que, com larga vantagem,
obtiveram o maior índice de menções positivas (ibidem). Logo, nos parece correta a tese
de que o programa liberal das lideranças dos movimentos corresponde àquilo que a
maioria do público manifestante acredita (Cavalcante, 2015, 194).
16
Notemos também que o número de funcionários públicos, na média (5,5%), é quase duas vezes superior
em relação ao conjunto dos habitantes da cidade de São Paulo, segundo levantamento do próprio
Datafolha para o ano de 2015 (3%) (Datafolha, 2016). Já o alto número de assalariados registrados, numa
média das quatro manifestações (34%), se aproxima do índice correspondente à capital paulista (32%)
(idem). A identificação dos níveis de escolaridade e renda desses manifestantes é fundamental para
testarmos a hipótese que desenvolvemos em nossa pesquisa, quanto à presença prioritária de classe média
nas manifestações convocadas pelo VPR e MBL. Infelizmente, não dispomos desses dados no presente
momento.
Caberia problematizar, contudo, se no plano do discurso, a ideologia teórica dos
movimentos, facilmente discernível a partir da defesa de um estado mínimo, da não
intervenção na economia e da crítica difusa ao Estado e ao sistema político, corresponde
à sua ideologia prática17. Isso porque é comum que os objetivos mais amplos dos
movimentos (nesse caso, o fim da corrupção, a não intervenção estatal no livre jogo do
mercado e a crítica ao conjunto dos partidos políticos), não correspondam pari passu às
suas práticas concretas. Tal situação pode se dever a duas razões principais: em
primeiro lugar, a tensões pontuais realmente existentes entre as bandeiras mais gerais do
movimento (a formulação geral de suas lideranças) e sua base social concreta18 e, em
segundo lugar, ao posicionamento dos movimentos na cena política, e mais
precisamente, ao grau de eficácia política por eles adquirido em dada conjuntura.
No que diz respeito à crise política (de governo) propriamente dita, destacaremos um
fator que nos parece essencial: o desgaste da relação de representação política dos
governos petistas (alvo político preferencial dos movimentos acima citados) com as
classes médias. Vale destacar que do ponto de vista do comportamento eleitoral, largos
contingentes das classes médias urbanas que apoiavam as candidaturas presidenciais do
PT deixam de fazê-lo a partir de 2006, ano da reeleição do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. A perda do apoio eleitoral entre a classe média urbana (sobretudo das
regiões Sul e Sudeste) foi compensada pela adesão de milhões de eleitores de
baixíssima renda à candidatura de Lula, ensejando uma mudança significativa na
composição da base eleitoral do petismo (Singer, 2012, 113-4).
Para André Singer, o afastamento de significativas camadas das classes médias urbanas
em relação ao petismo se deu com a chamada “crise do mensalão” em 2005, que expôs
o partido, então à frente do Executivo político, a escândalos de corrupção fortemente
explorados pela grande mídia. Tal tese, entretanto, nos parece insatisfatória uma vez
que, como o próprio autor argumenta, enquanto o “subproletariado” (a fração mais
pauperizada e politicamente desorganizada no interior da classe operária) teria sido
favorecido por programas governamentais de redistribuição de renda (em especial, o
Bolsa Família), pela expansão do financiamento popular e pela política de valorização
real do salário mínimo (a partir de 2005), simultaneamente houve também um
achatamento nos ganhos da classe média diretamente dependente de serviços como
escolas privadas e planos de saúde (Singer, 2012, 142). Logo, a partir das próprias
indicações fornecidas por Singer, seria possível pensar que o achatamento dos ganhos
econômicos da classe média (a qual o autor trata, em geral, como homogênea),
20
Entendemos que os diferentes níveis da realidade social (econômico, político, ideológico, etc.) possuem
dinâmicas e temporalidades próprias e relativamente autônomas. Tais “níveis” não se encontram
apartados, mas antes, se articulam entre si numa estrutura social global, tal como pressupõe o conceito de
“complexidade estrutural” oriundo do marxismo althusseriano (Cf. Balibar, 2010, 235).
acompanhados da melhora relativa da situação econômico-social da fração
subproletária, poderia ter como efeito um ressentimento político daquela21.
Sabemos que classe social alguma é homogênea e, se isso é válido para as classes
fundamentais do modo de produção capitalista – burguesia e proletariado –, nos parece
21
Ao analisar o comportamento político e as percepções sociais da classe média paulistana no contexto da
crise econômica que se inicia no começo dos anos 1980, encerrando o período do chamado “milagre
econômico” da década anterior, Bonelli (1989, 54) destacou a forte necessidade dessa classe em
distinguir-se dos de baixo, proveniente do seu temor de descenso na estrutura social. Não por acaso, no
campo da ação sindical, pode-se notar que uma característica importante das organizações representativas
dos trabalhadores de classe média é a defesa do “salário relacional”, onde muitas vezes não se sabe ao
certo se o que pleiteiam tais organizações é um aumento salarial para a categoria que representam ou uma
redução nos salários dos trabalhadores manuais (Boito, 2004, 25).
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Em trabalhos recentes, diversos autores apontaram para o equívoco da tese do surgimento de uma
“nova classe média” no Brasil contemporâneo. A esse respeito, pode-se consultar: Braga (2012); Singer
(2012); Souza (2012); Pochmann (2012; 2014); Kerstenetzky & Uchôa (2013), em que pese as diferentes
abordagens teórico-metodológicas adotadas por cada autor.
que também o seja para as classes médias. No caso dessas, no entanto, a
heterogeneidade tende a assumir graus mais elevados, devido a sua determinação de
classe específica no interior do modo de produção capitalista. Isso porque o que unifica
todas as frações das classes médias é o fato de desempenharem, simultaneamente, as
funções de capital e trabalho.
A realidade social da assim chamada “alta classe média”, aproxima-se daquela dos
profissionais liberais com alto grau de qualificação, bem como da dos profissionais de
nível superior que ocupam postos de comando no interior das empresas privadas e no
setor público. Por sua vez, a situação da classe média “intermediária” tende a
23
Tomamos o conceito de “determinação estrutural de classe” emprestado de Nicos Poulantzas. Para o
autor, a determinação estrutural de classe diz respeito ao lugar ocupado pelas classes sociais,
simultaneamente, nas relações de produção, ideológicas e políticas (Poulantzas, 1975, 225).
aproximar-se da realidade dos pequenos proprietários (comerciantes) e das ocupações
burocrático-administrativas de médio escalão, nos setores público e privado.
Historicamente, enquanto força política, a alta classe média brasileira tendeu a ser mais
conservadora e antipopular, ao passo que a classe média intermediária, além de mais
relevante em termos numéricos, tende a apresentar posições político-ideológicas mais
heterogêneas, o que certamente pode ser atribuído à sua maior diferenciação interna.
Não se trata, contudo, de estabelecer num plano puramente teórico quem é a classe
média, e realizar uma descrição exaustiva das categorias profissionais que a compõem,
para depois se passar ao estudo das práticas políticas desses segmentos em diferentes
sociedades capitalistas (Saes, 1977, p. 99). Na verdade, nos parece válido o
entendimento de que a análise da relação entre as classes sociais (em geral) e a ação
coletiva, requer que se considere não apenas a determinação estrutural de classe, mas
também as diferentes conjunturas políticas e as mudanças produzidas na conjuntura, isto
é, que se leve devidamente em conta a articulação entre estrutura e conjuntura. Nessa
perspectiva, os conflitos sociais devem ser entendidos como a manifestação de
contradições estruturais agravadas por problemas conjunturais (Galvão, 2011, 112).
24
Partindo de indicações fornecidas por Nicos Poulantzas, na segunda metade da década de 1970, o autor
define a “burguesia interna” como uma fração da classe burguesa que, em formações sociais dependentes
(como é o caso do Brasil), ocuparia uma posição intermediária entre a antiga burguesia nacional (passível
de adotar práticas anti-imperialistas) e a velha burguesia compradora, mera extensão do imperialismo no
interior desses países. Tal fração burguesa, ao mesmo tempo que possui base própria de acumulação de
capital (endógena), poderia associar-se ou assumir compromissos com o capital imperialista (Boito, 2012,
67-9).
25
O ensaio desenvolvimentista do primeiro mandato de Rousseff é entendido pelo autor como uma
continuidade (e aceleração) do “reformismo fraco” proveniente dos governos Lula, em especial do
segundo governo, que pressupunha a consolidação de um pacto político conservador, de um
desenvolvimentismo feito por “cima”, para o qual apoio da grande burguesia industrial era indispensável
(Singer, 2015, 46-7; 57). Parece-nos ilustrativo do novo contexto político que a Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (Fiesp), um dia após as manifestações de 13/12/2015 pelo impeachment da
Presidenta da República, tenha anunciado apoio formal a instauração do processo de impedimento da
mandatária. Posição diversa da que foi adotada por ocasião da chamada “crise do mensalão”, em 2005,
durante o primeiro governo Lula.
Setores organizados da alta classe média, por sua vez, encontrariam terreno fértil para
mobilizarem-se contra o governo. É verdade que aqueles já haviam se movimentado
antes nesse sentido26, contudo dessa vez as mobilizações atraíram outros setores médios,
adquirindo feições de um movimento de massas a partir de março de 2015, com as
manifestações convocadas nacionalmente pelo Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre,
além de organizações menores. Com efeito, a hegemonia político-ideológica dos
movimentos VPR e MBL parece repousar sobre a alta classe média, fração média que
constitui (não é de hoje) a base social de apoio da coalizão burguesa orientada por um
programa neoliberal de matiz “ortodoxo” (Boito, 2013, 179). A alta classe média
parece, portanto, desempenhar a função de classe-apoio no interior da referida coalizão.
Em relação aos movimentos dotados de uma base social de classe média, pode-
se verificar diferentes formas de ação, plataformas de reivindicação e objetivos,
dependendo da fração específica de classe presente nos movimentos e da conjuntura
política. De acordo com Neil Davidson, movimentos sociais de direita contam,
frequentemente, com uma adesão decisiva das classes médias. Não por acaso, as
mobilizações de direita mais comuns ocorrem contra governos reformistas que aplicam
políticas redistributivas que beneficiam a população mais pobre ou a classe
trabalhadora, opostas aos interesses das classes médias (Davidson, 2013, 284-5). Ao
analisar os recentes movimentos de direita nos Estados Unidos, o autor aponta para algo
interessante: a alta classe média e os pequenos empresários formam a base social de
apoio dos movimentos de inspiração neoliberal (“libertarianismo econômico”),
enquanto outras frações de classe média tendem a apoiar movimentos de direita com
outra feição, ou ainda, movimentos “reformistas” de caráter progressivo (Idem, 2013,
285). Observações pertinentes e que permitem visualizar certa tendência que se estende
para além do caso estadunidense.
26
Ilustrativa a esse respeito foi a emergência do “Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros”, que
ficou conhecido como “Cansei”, no ano de 2007. Tendo como mote principal a corrupção e o “caos
aéreo”, o movimento foi à época caracterizado como pertencente às classes média e alta, não deixando de
se registrar pelos meios de imprensa certos traços anedóticos e caricaturais das manifestações. A
pretensão “não elitista” do movimento também seria posta em questão por setores governistas e pela
própria imprensa (Tatagiba et al, 2015, 6-7).
No que respeita aos movimentos recentes de direita nos Estados Unidos, além daqueles
baseados no “libertarianismo econômico”, Davidson também destaca os de caráter
xenofóbico e nacionalista (que exercem atração, fundamentalmente, sobre a baixa classe
média e os trabalhadores assalariados). Ambos constituiriam duas versões distintas do
atual populismo secularista (de direita) estadunidense. Por outro lado, a “nova classe
média” (trabalhadores que exercem a função de supervisão e gerência e funcionários
com algum grau de autonomia no processo de trabalho) tenderia, naquele país, a
defender políticas liberal-democráticas mais do que conservadoras e, em outros lugares,
apresentaria uma inclinação socialdemocrata (Davidson, 2013, 285-6). Não por acaso,
podemos notar que a principal base social dos movimentos altermundialistas (que
reivindicam uma “nova globalização”) é formada pelas frações assalariadas das classes
médias, em especial por aquelas camadas que se viram mais prejudicadas pela adoção
de políticas neoliberais, sobretudo nos países centrais da Europa (Arias & Corrêa,
2012). No Brasil, setores médios assalariados reagiram “à esquerda”27 após as primeiras
reformas de caráter neoliberal do governo Lula (PT), como a reforma da previdência em
2003, episódio que está na origem da fundação do PSOL – Partido Socialismo e
Liberdade, no ano seguinte.
Por sua vez, Décio Saes apontou com grande precisão como, no Brasil, as
“camadas médias tradicionais” com destaque para os antigos “profissionais liberais”
intervieram de forma conservadora e regressiva em diversos momentos da vida política
nacional. Nessa linha, argumentou que o desejo de restaurar a política como privilégio
social (elitismo) e o temor da proletarização levou esses setores a apoiarem o golpe
militar de 1964 (Saes, 1985, 135-9). As formas ideológicas assumidas por seu discurso
e orientação política (antipopulismo, anticomunismo, etc.), seriam filtradas e adaptadas
de acordo com a própria conjuntura (idem, 107). De forma semelhante, significativos
contingentes das “novas camadas médias”28 (técnicos, supervisores, administradores)
em parte devido a sua própria situação de trabalho – balizada pelo exercício da
autoridade técnica e administrativa, seja na empresa privada ou no setor público –
apoiariam o Golpe de 1964, em função da crença no caráter racional da autoridade, bem
27
Nicos Poulantzas havia destacado, em meados da década de 1970, que os trabalhadores assalariados
não produtivos tenderiam a apresentar características político-ideológicas próprias: ideologia
anticapitalista de cunho reformista (via Estado); medo permanente da proletarização (apego à distinção
social entre trabalho intelectual x trabalho manual); aspiração à promoção, carreira e ascensão social por
meio de aparelhos “neutros” como a escola, garantidores de uma suposta igualdade de oportunidades aos
indivíduos (“meritocracia”); concepção do Estado como força “neutra” acima das classes (“fetichismo do
poder”) (Poulantzas, 1975, 317-9). Se, por um lado, as observações feitas são pertinentes por nos
permitirem pensar clivagens estruturais, de ordem social e ideológica, no interior das classes médias, por
outro, vale insistir que tais considerações são sempre genéricas e indicativas, de modo que uma definição
mais precisa sobre o posicionamento dessa ou daquela fração média na luta política deve ser
complementada por uma análise conjuntural específica.
28
A “nova classe média” ao qual o autor se refere teria emergido no Brasil durante as décadas de 1950 e
1960 e seria composta por trabalhadores assalariados improdutivos (“não manuais”) (Saes, 1977), algo
próximo ao que Nicos Poulantzas caracterizou como a “nova pequena burguesia” emergente em
formações sociais capitalistas avançadas no pós-Segunda Guerra (1975).
como da necessidade de uma organização hierárquica da sociedade (ibidem, 140).
Também nesse caso, os efeitos da conjuntura político-ideológica sobre esses
trabalhadores (assalariados improdutivos) não devem ser menosprezados.
Analisando as manifestações contra o governo Dilma Rousseff em 2015, convocadas
por movimentos como VPR, MBL e “Revoltados Online”, Cavalcante destaca o peso
do histórico conservadorismo liberal da classe média brasileira e, em especial da alta
classe média, balizado por valores como a “meritocracia” e sua aversão a políticas de
inclusão social. Adverte contra o risco de superestimação do impacto econômico das
políticas promovidas pelos governos do PT sobre a classe média em geral, o que
resvalaria numa leitura de viés “economicista”, ao desconsiderar como o componente
ideológico potencializa, de forma mais aguda que o econômico, a revolta da classe
média (Cavalcante, 2015, 178; 183-4). Assinala ainda o parentesco entre esse
conservadorismo liberal, que ganha espaço no debate público e a tradição liberal
conservative inglesa, que tem inspirado o surgimento de grupos liberais e libertários (ou
libertarianos) no Brasil (idem, 192).
Tendo em vista a rapidez com que a conjuntura política nacional tem se alterado, e cuja
máxima expressão, a nível da cena política, é hoje o provável afastamento de Dilma
Rousseff (PT) da presidência da república, o papel assumido pelo VPR e MBL (que se
fortaleceram e ganharam projeção a partir dos atos pró-impeachment), bem como a
relação prática com sua base social de apoio permanecem indefinidos. Outro elemento
que deve ser considerado são as eleições municipais de outubro de 2016, as quais
deverão contar com a presença de algumas das lideranças desses movimentos. De toda
forma, e sem arriscarmos uma leitura prospectiva carente de elementos que a sustentem,
pensamos que uma análise dos movimentos é fundamental para se compreender as
inclinações político-ideológicas dos setores médios que, no último ano, têm ido em peso
às ruas, e sua relação com os conflitos político-sociais mais amplos.
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