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4 EGUES, Carlos. SEGOVIA, Juan Fernando. Los Derechos Del Hombre y La Idea
Republicana. Mendonza: Ediciones Depalma, 1994, p. 83.
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de bem, representando uma garantia de liberdade para o povo, assegurada pela própria
lei. Em Roma, a ideia de república foi muito bem definida por Cícero:5
Para Cícero, a república era compreendida como uma sociedade formada sob a
garantia das leis, tendo como objetivo a utilidade comum. Bidart Campos8
adverte que: “En este concepto aparecen dos elementos de primer orden: el acatamiento
a un orden jurídico común, y una finalidad también común de utilidad general”. Santo
Tomás de Aquino, por sua vez, segue a mesma classificação das formas de governo
formulada por Aristóteles, sustentando que a república constitui um regime misto que
combina democracia com oligarquia ou aristocracia, justificando que na democracia os
5 CÍCERÓN, Marco Tulio. Sobre La República, Madrid: Editorial Tecnos, 2ª ed., 1992, p. 27.
6 PRELOT, Marcel. Apud, VARELA, Alberto Rodríguez. História de las Ideas Políticas, Buenos
Aires: A – Z Editora, 3ª ed., 1995, p. 72.
7 VARELA, Alberto Rodríguez. Ob. cit., p. 73.
8 CAMPOS, Bidart. Apud, VARELA, Alberto Rodríguez. Ob. cit., p. 78.
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ocupantes do governo são todos iguais. Igualdade não em sentido absoluto ou
quantitativo, mas proporcional ou qualitativo, uma vez que à liberdade (princípio
democrático) adiciona-se a dignidade (princípio aristocrático) e/ou a riqueza (princípio
oligárquico), possibilitando uma justiça relativa ao equilibrar a participação de distintas
classes sociais.9
Segovia acrescenta que Santo Tomás de Aquino10 deixa transparecer que
existem bondades apreciáveis na república, especialmente porque nela o poder não
pertence a nenhuma classe social com exclusividade, mas a todas. Na prática, isto
conduz a um governo de classe média, cujos interesses mais se aproximam do bem
comum, sendo, portanto, mais representativo da cidade, concluindo que:
O citado autor destaca, ainda, que, para os humanistas, república era sinônimo
de liberdade, de governo livre, onde não existia opressão, tendo em vista que se
confiava a guarda da cidade aos próprios cidadãos e não a um príncipe. E, nesse sentido,
a república era concebida como um governo popular, no qual se permite a participação
cívica da comunidade.12
No pensamento florentino, todavia, a palavra “estado” designa uma expressão
genérica que abrange duas espécies: república ou principado, duas formas de governo,
ou seja, duas maneiras de governar o povo. Mario de La Cueva13 observa que, para o
historiador de Florença, a república ou principado nunca tiveram existência
Sob esse prisma, a análise da norma constante do art. 1º, da Constituição Federal
brasileira de 1988, permite concluir que o princípio republicano tomado como norma
impositiva de um sistema político, pressupõe a convivência segundo a lei e a
responsabilidade do poder público com a coisa pública.
A res publica pertence, pois, à coletividade e à cidade, devendo, por isso, ser
tratada de forma a preservar o interesse da coletividade, não se permitindo a concessão
de privilégios ou preferências a particulares ou a determinadas categorias, em razão de
44 ATALIBA, Geraldo. Apud, ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 101/102.
45 BALEEIRO, Aliomar. Apud, CARRAZZA, Roque Antônio. Ob. cit., p. 67.
46 CARRAZZA, Roque Antônio. Ob. cit., p. 67.
47 CARRAZZA, Roque Antônio. Ob. cit., p. 69.
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que realizam a situação de fato a que a lei vincula o dever de
pagar um dado tributo estão obrigados, sem discriminação
arbitrária alguma, a fazê-lo.
A tributação, como foi dito no item anterior, não pode ter finalidade outra senão
atender as necessidades de manutenção do Estado.
O constitucionalismo moderno tem suas raízes mais remotas fincadas no
iluminismo e no liberalismo, identificadas nos ideais da Revolução Americana e da
Revolução Francesa, cujas doutrinas foram consubstanciadas, sobretudo, no pensamento
dos founding fathers, de John Locke, de Montesquieu e de Rousseau.
Na verdade, o fundamento para a instituição de uma Constituição como um
instrumento solene e expresso é encontrado no art. 16 da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão: “Una sociedad en la que no está asegurada la garantía de los
derechos, ni determinada la separación de poderes, carece de Constitución”. 50
59
CROISAT, Maurice apud MARTINS, Cristiano Franco. Princípio federativo e mudança
constitucional: Limites e possibilidades na constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003, p. 32.
60
WATTS, Ronald L. Sistemas federales comparados. Madrid: Marcial Pons Ediciones Jurídicas y
Sociales, 1999, p. 105.
61
MARTINS, Cristiano Franco, op. cit., 2003, p. 33.
62
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 26. Nota: Sanchez Agesta, que entende que o Estado federal é simplesmente
uma ampla forma de descentralização e de divisão territorial do poder, de caráter constitucional;
Montes de Oca, que assevera que não é apenas a acumulação de atribuições do poder central que
caracteriza a federação, mas a coexistência de autoridades centrais e centros seccionais de poder;
Marcel Prelot, que entende que além de Estado unitário descentralizado, o Estado federal não é apenas
um Estado complexo, mas Estado composto, que forma, como Karl Strupp, uma união de Direito
Constitucional, por ocasião às uniões de Direito Internacional; Mouskheli, que diz que o que caracteriza
essencialmente o Estado federal é a dualidade de aspectos que apresenta: em certas relações, aparece
como Estado unitário, em outras apresenta-se como um agrupamento federativo de coletividades
inferiores, descentralizadas e que fazem parte na formação da vontade do Estado, salientando ainda,
que esse duplo caráter de Estado federal é determinado pela necessidade de realizar a união e não a
unidade. No que diz respeito a sua estrutura, ressalta que uma das características principais desse
sistema é a existência de duas Câmaras.
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I. Toda Federación tiene, como tal, una existência política con un ius belli
independente. En cambio, la Federación no tiene un Poder constituyente
proprio, sino que se apoya en el pacto. Cualquer especie de competencia
para revisar los postulados de la Federación no es, por eso, Poder
constituyente.
II. Toda Federación, como tal, es sujeto, tanto de Derecho internacional
como de Derecho político. 66
63
ELAZAR, Daniel J. The federalist. Jerusalem Center for Public Affairs. Disponível em:
<http://www.jcpa.org/dje/articles/federalist.htm> Acesso em: 23 mar. 2012. Tradução da autora: “O
instrumento através do qual o povo delega poderes aos vários governos é a constituição do todo, ao qual eles
devem consentir e que é melhor adotada tanto pela sua ação direta ou através de seus representantes e é o que
se torna a lei suprema da terra. [...] Os freios e contrapesos da República são vitais para um governo
republicano pois fornecem „remédios republicanos para doenças republicanas‟”.
64
SCHMITT, Carl. Teoría de la constitución. Madrid: Alianza, 1996, p. 350.
65
Ibid., 1996, p. 350.
66
Ibid., 1996, p. 360-361. Segundo o autor, a federação se torna sujeito de direito internacional
independente em razão de deter o ius belli. Acrescenta-se ademais, que as relações entre a Federação e
os Estados-membros que a compõem possuem natureza política e que a Federação se faz representar
externamente porque é titular da soberania em razão da renúncia parcial dos Estados, como salientado
em seguida: “1. Toda Federación tiene ya en sí la peculiaridad del sujeto independiente de Derecho
internacional, porque toma sobre sí necessariamente un ius belli, y los Estados-miembros renuncian en
todo o en parte a su ius belli en favor de la Federación. Esta renuncia no se hace en el vacío, sino en
favor de la Federación. 2. Como sujeto de Derecho político, la Federación existe, porque es titular,
frente a los Estados-miembros, de faculdades jurídico-políticas proprias, y las relaciones entre
Federación y Estados-miembros tienen caráter de Derecho político. El status de cada uno de los
Estados-miembros se encuentra cualificado de modo especial, no sólo hacia el exterior, por la
condición de miembro y, por lo tanto, la pertenencia a la Federación tiene consecuencias inmediatas
_
Proudhon sustentava que todos os artigos de uma Constituição poderiam ser
condensados em um único artigo, que seria, em resumo, aquele que diz respeito ao
papel e a competência do grande funcionário chamado Estado.67 Nesse sentido, as
consequências apontadas por Carl Schmitt acerca do conceito de Estado Federal deixam
claro que em sua formação três aspectos se sobressaem: i) a federação considerada em
sua totalidade possui existência política independente e é precisamente isso que lhe
confere poder para decidir sobre a guerra e a paz; ii) o Estado federal apoia-se no pacto
federativo; iii) a existência de uma Constituição é um dado comum entre os Estados
federais. Pode-se ressaltar, ademais, que as relações travadas entre a Federação e os
Estados é uma relação de direito político, o que torna possível a intervenção da
Federação nos Estados.
Todavia, como destaca Karl Doehring, o critério decisivo para caracterizar um
Estado Federal, na concepção de Carl Schmitt, reside na resposta à pergunta sobre o ius
ad bellum, haja vista que somente a federação pode decidir sobre a guerra e a paz. 68
No Estado federal, a União detém o monopólio da representação política e da
soberania, que possui caráter indivisível, constituindo sua característica fundamental.
Contudo, o próprio conceito de soberania, não sendo uníssono entre os doutrinadores,
suscita questionamentos relativos à forma de interação entre o Estado federal, ou poder
central, e os demais Estados-membros, como poderes descentralizados. Esse tema,
atualmente, ultrapassa as fronteiras nacionais, em face do surgimento de um novo tipo
de organização no mundo globalizado, representada, por exemplo, pela comunidade
europeia.
A limitação de poderes está presente na concepção de Estado federal e passa pela
definição da relação estabelecida entre os poderes constituídos manifestados através da
União Federal e os Estados membros. Conforme anota Baracho, a soberania confere
personalidade jurídica de direito público à União enquanto a autonomia caracteriza os
Estados membros como entidades federativas componentes, resultando daí que as
competências atribuídas a estes entes são aquelas efetivamente marcadas, traçadas e
apontadas pela Constituição. 69
A formação de um Estado federal, por conseguinte, pressupõe distribuição
espacial do poder político, distintas esferas de governo e repartição de competências, na
forma estabelecida pela respectiva Constituição. Deve ser ressaltado, entretanto, que a
construção de uma teoria geral do federalismo remete à noção de soberania, que é
inerente à Teoria do Estado, da qual não é possível se afastar quando se pretende
discorrer sobre ordenamento federativo. Como observa Celso Bastos, o princípio
federativo permanece atual porque soube se adaptar e encontrar novos fundamentos: “O
federalismo é, ainda em nossos dias, um princípio rector que encontra grande
receptividade e ressonância na vida de muitos países. Ele não se desatualizou porque
soube encontrar novos fundamentos em substituição àqueles que lhe deram origem”. 70
Esse entendimento sintetiza o pensamento de Proudhon, para quem o sistema
federativo é aplicável a todas as nações e em todas as épocas. Não há como refutar essa
de Derecho político. No hay ninguna Federación que consista tan sólo en una relación externa de
caráter internacional de los miembros. Basta con dos de aquellas instituciones esenciales a toda
Federación para demonstrar su condición de sujeto de Derecho político: la ejecución federal y la
intervención federal.”
67
PROUDHON, Pierre-Joseph. Do princípio federativo. São Paulo: Nu-Sol: Imaginário, 2001, p. 98.
68
DOEHRING, Karl. Teoria do Estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 119-120. De acordo com
Karl Doering, a ideia central de Carl Schmitt era a seguinte: Soberano é quem dispõe sobre a decisão
definitiva, em especial quando se trata de um estado de exceção, no qual o estado de guerra pode e deve
valer como tal.
69
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 21.
70
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 246.
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ideia, haja vista que o sistema federativo tem sido utilizado em vários países,
precisamente por sua capacidade de se adaptar as mais diversas realidades. 71
Não foi diferente no caso do Brasil. O federalismo adotado pelo
constitucionalismo brasileiro difere do modelo clássico, tipo dual, repousando seus
alicerces em três distintas esferas de poder. Observa-se que a Constituição Federal
brasileira de 1988 elegeu, no § 4º de seu art. 60, como princípios intocáveis, a forma
federativa de Estado e a separação de poderes. A não centralização política promovida
pelo federalismo decorre da aplicação da doutrina da separação de poderes,
constituindo, assim, a base do sistema político brasileiro. A análise de cada tipo de
Estado federal é que permitirá identificar suas características e avaliar a compatibilidade
entre as normas contidas no texto constitucional e sua efetiva aplicação prática.
Somente a partir da verificação destes dados será possível fazer um exame comparativo
dos diferentes sistemas. É nesta perspectiva, portanto, que deve ser analisada a atual
formatação do Estado Federal brasileiro.
É necessário que o federalismo brasileiro seja compreendido sob outra
perspectiva, sob uma ótica que privilegie a participação de todos os entes políticos e
lhes assegure condições igualitárias de atuação para que possam defender seus
interesses e atender suas demandas. O caminho sugerido por Wilba Bernardes é a
revisão da repartição de receitas com base em um federalismo assimétrico. 72 Esta opção
poderá favorecer os municípios se os critérios estabelecidos considerarem suas
particularidades e realidades distintas. Pode-se, portanto, realçar com Ronald Watts73
que dentre as características mais significativas dos processos de federalização, é
possível destacar uma forte tendência à democracia, haja vista que tais processos
pressupõem o consentimento voluntário dos cidadãos das unidades federadas, assim
como a não centralização, ora considerada como princípio materializado por meio de
vários centros de decisão política, a abertura política como forma de conduzir as
negociações, o funcionamento de um sistema de controles internos para evitar a
concentração de poder político e o respeito ao constitucionalismo, considerando-se que
qualquer decisão governamental deriva sua autoridade da Constituição.
O modelo de federalismo brasileiro é politicamente assimétrico, na medida em
que existe uma desigualdade inerente às condições culturais, econômicas e sociais do
país, que demandam medidas niveladoras para correção. Esse nivelamento exige
também o exercício pleno da autonomia dos municípios, aliado a outras medidas de
incentivo ao desenvolvimento de sua economia como se demonstrará adiante.
3 O significado da autonomia
75
FERREIRA, Manuel Gonçalves Pinto. A Democracia no Limiar do Século XX. São Paulo: Saraiva,
2001, p. 126.
76
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e federação no Brasil: traços constitucionais da
organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 185.
77
MARCHIARO, Enrique José. El derecho municipal como derecho posmoderno: casos, métodos y
princípios jurídicos. Buenos Aires: Ediar, 2006, p. 276.
78
HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 457.
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que nestes possam coexistir a autonomia política e administrativa que lhes é
indispensável. Note-se que a autonomia não abriga em si somente a capacidade de auto-
organização do ente político através de sua própria Constituição, com competência
legislativa e administrativa, além de um Poder Judiciário, quando se tratar de Estado-
membro, mas requer, fundamentalmente, a existência de autonomia financeira.
A autonomia financeira dos entes políticos, consequentemente, é inerente ao
Estado Federal, e tem por finalidade assegurar o cumprimento do princípio da igualdade
entre as entidades que o integram. Essa autonomia financeira é assegurada por meio do
sistema de repartição de competências tributárias, técnica adotada pela Constituição
Federal brasileira de 1988 para dar concretude ao cumprimento desse princípio,
consentâneo com o federalismo de equilíbrio inicialmente proposto.
Salienta-se, ainda, que a autonomia dos entes federados depende do regular
funcionamento do sistema de distribuição de competências tributarias, bem como da
distribuição de receitas constitucionais tributarias, sendo a inobservância dessas normas
enquadrada como inconstitucionalidade, conforme assinalado por Sacha Coelho.79
Alexander Hamilton sustentava que o poder de tributar está diretamente
relacionado à própria estrutura do governo, sendo indispensável sua inserção no texto
constitucional, a fim de que os entes políticos tenham assegurados os recursos
necessários ao custeio das despesas públicas:
79
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999, p. 63. De acordo com Sacha Coelho: “Essa autonomia resguarda-se mediante a
preservação da competência tributária das pessoas políticas que convivem na Federação e, também, pela
equidosa discriminação constitucional das fontes de receita tributária, daí advindo à importância do tema
referente à repartição das competências no Estado Federal, assunto inexistente, ou pouco relevante, nos
Estados unitários (Regiões e Comunas). Sendo a federação um pacto de igualdade entre as pessoas
políticas, e sendo a autonomia financeira o penhor dos entes federados, tem-se que qualquer agressão,
ainda que velada, a estes dogmas, constitui inconstitucionalidade.” No mesmo sentido se pronuncia REIS,
Elcio Fonseca. Federalismo fiscal: competência concorrente e normas gerais de direito tributário. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 42-43.
80
MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os artigos federalistas. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1993, p. 232.
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A importância do poder local já era ressaltada por J. Stuart Mill,81 ao destacar que
além da representação nacional é necessário que existam representações provinciais e
municipais, restando duas questões a resolver: i) como deverão constituir-se os corpos
representativos locais e, ii) qual a extensão de suas funções. Em consequência destas
questões, dois pontos merecem atenção: i) como se poderá melhor realizar a própria
atividade local de governo; ii) como a sua realização pode tornar-se mais proveitosa à
manutenção do espírito público e ao desenvolvimento da inteligência do povo.
Como se pode verificar, as preocupações reveladas por Mill permanecem atuais,
não sendo possível afirmar qual é a melhor forma de funcionamento dos municípios,
nacionais e estrangeiros. O que se pode dizer é que os Estados encontraram diferentes
formas de organização política para os municípios e que os municípios brasileiros
possuem características bastante peculiares.
Nesse sentido, sustenta-se que os valores ressaltados pela Constituição de 1988
aliados ao conjunto de princípios explícitos e implícitos que a integram e informam
permitem extrair, pelo menos três conclusões: em primeiro, é possível concluir que os
municípios brasileiros, diferentemente do que acontecia no passado, não estão mais sob
a tutela dos Estados; em segundo, é possível concluir que o modelo de ordenamento
federativo adotado pelo Estado brasileiro estabeleceu três níveis de poder – federal,
estadual e municipal – mediante a técnica da repartição de competências, não sendo
correto, portanto, falar em hierarquia entre os entes da federação, mas sim em
distribuição de competências e sendo assim, é razoável também a terceira conclusão, ou
seja, a de que os municípios brasileiros são entes da federação. Não obstante pareça
desarrazoada esta discussão, o fato é que ainda existem na doutrina nacional autores que
divergem deste entendimento, como é o caso de José Nilo de Castro 82 para citar apenas
um deles.
Ora, a imposição de mecanismos para delimitação do poder ocorreu em virtude da
evolução do próprio Estado e das mudanças sociais que o impulsionam, trazendo
reflexos diretos nos direitos fundamentais. O exercício da democracia e da participação
popular é assegurado pela Constituição de 1988, haja vista que a doutrina da soberania
popular é a que prevalece, tendo sido abrigada nos artigos 1º, parágrafo único e 14. Os
municípios são os espaços de convivência que permitem a prática da democracia. Como
ressalta Milton Santos “Ser „cidadão de um país‟, sobretudo quando o território é
extenso e a sociedade muito desigual, pode constituir, apenas, uma perspectiva de
cidadania integral, a ser alcançada nas escalas subnacionais, a começar pelo nível
local.”83
A ousadia do legislador constituinte representa um avanço significativo para o
reconhecimento da importância do poder local no constitucionalismo brasileiro e, de
outra parte, concorre para fortalecer a democracia, considerando-se que a participação
popular na busca por soluções de problemas da comunidade permite o exercício da
cidadania e a construção de uma sociedade melhor, mais civilizada.
É preciso, portanto, repensar o papel dos municípios e outras formas de viabilizar
soluções para os graves problemas econômicos e sociais do país, no intuito de alcançar
a realização dos objetivos propostos pela Constituição de 1988. Vale ressaltar, ainda,
que a cidade é o lugar onde residem as pessoas que participam das decisões, a base
geográfica onde está instalado o município, a sede do governo municipal. Contudo, é no
cenário de desigualdade econômica e social que se deve empreender a busca por
soluções efetivas para os problemas que assolam as comunidades locais, ressaltando-se
81
MILL, John Stuart. O governo representativo. Tradução: E. Jacy Monteiro. 2. ed. São Paulo: IBRASA, 1983,
p. 185.
82
CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 27.
83
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único a uma consciência universal. 6.
ed. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 113.
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que os direitos fundamentais e as garantias asseguradas aos cidadãos são valores e
instrumentos essenciais à democracia, possibilitando a redefinição do que
modernamente se denomina de cidadania ampliada.84
Salienta-se, ademais, que o exercício da cidadania não se restringe à participação
no processo eleitoral, não se refere apenas ao direito de votar e de ser votado. Não é este
o sentido de cidadania inferido do texto constitucional. Há que se considerar que o
Estado Democrático de Direito concebido pelo legislador constituinte prestigiou os
direitos fundamentais e o direito de participação dos cidadãos no processo político,
visando consolidar a democracia. Dizendo de outra maneira, a Constituição de 1988
assegura a participação da sociedade na seara das questões e políticas públicas inerentes
ao Estado, sendo resultado da luta contra o regime militar. A redemocratização do país é
marcada por dois importantes fatores: i) o restabelecimento da democracia formal, com
eleições livres e a organização dos partidos políticos; ii) criação de espaços públicos
para compartilhamento do poder do Estado pela sociedade.85
A Constituição de 1988 é fruto de um movimento popular contrário ao regime
militar, ao autoritarismo e formas de dominação do poder estabelecido pela força. Ela
representa uma mudança no pensamento político e social do país, destacando desde o
seu preâmbulo os valores traduzidos por suas normas, haja vista a ênfase conferida aos
direitos fundamentais contidos no art. 5ª e a cláusula de abertura inserida no § 2º do
mesmo art. 5º. Surgida depois de um longo período de ditadura militar no país, ela
consolidou aspirações do povo brasileiro, revelando-se seu ineditismo no tratamento
conferido pelo direito constitucional positivo ao tema dos direitos fundamentais, os
quais passaram a usufruir status jurídico privilegiado no âmbito do ordenamento
jurídico pátrio. Além de seu caráter analítico e pluralista, refletidos na grande extensão
de dispositivos legais e na ampla gama de direitos sociais e direitos de liberdade e
políticos, a Constituição de 1988 possui acentuado cunho programático, caracterizado
pelos inúmeros dispositivos que ficaram a depender de regulamentação.86 Trata-se, por
conseguinte, de um sistema compatível com o princípio democrático, que viabiliza a
concessão de novos direitos fundamentais aos cidadãos.
Conclusão
84
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, direito e Estado: O direito administrativo em tempos
de globalização. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 93.
85
DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? In:
MATO, Daniel (Coord.). Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de
globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, 2004, p. 95-96.
86 SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2005, p. 75.
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assunto, ou seja, envolve matéria específica, tratando-se, portanto, de mecanismos de
democracia direta.
A iniciativa popular, por sua vez, encontra-se prevista no inciso III do art. 14 do
texto constitucional, podendo ser exercida junto à Câmara dos Deputados, às
Assembleias Legislativas Estaduais ou às Câmaras Municipais, conforme preceituam os
arts. 27, § 4º e inciso XIII do art. 29, todos da Constituição de 1988.
Além destes instrumentos de democracia direta, o sistema político brasileiro
contempla, ainda, outros mecanismos de participação popular, a saber: os conselhos
constituídos em diversas esferas de poder, a audiência pública, prevista em várias leis e
resoluções.
Não obstante a previsão de mecanismos de participação popular, o fato é que os
governos brasileiros – nas três esferas de poder - não fazem uso destes instrumentos
para orientar suas ações, ou seja, questões de grande interesse da população, como, por
exemplo, a reforma política, não é debatida com a sociedade. No âmbito local não é
diferente. A gestão democrática da cidade, prevista no Estatuto da Cidade ainda não
saiu do papel, não se tornou realidade para os munícipes. O discurso democrático não
corresponde a realidade. Outro exemplo disso é a previsão constante do art. 9º, inciso
XIV, alínea “a” da Lei Complementar nº 140/2011, haja vista que retira dos municípios,
contrariando afrontosamente o texto constitucional, a possibilidade de definir por meio
de sua própria legislação a tipologia de obras, atividades ou empreendimentos de
impacto local. Vale dizer, a mencionada Lei Complementar nº 140/2011, estabeleceu
por meio do dispositivo acima transcrito que o licenciamento ambiental realizado pelos
municípios dependerá de prévia anuência dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente,
restringindo, portanto, os limites de sua autonomia.
Ferir a autonomia de um ente federado é uma violação ao texto da Constituição de
1988, na medida em que despreza o sistema de repartição de competências e o
ordenamento federativo. A lei em questão deturpa o princípio democrático porque retira
da população local o legítimo direito de deliberar, por meio de seus representantes,
sobre matéria de competência indiscutivelmente municipal.
Não se pode considerar realmente democrático o debate político realizado apenas
no âmbito do congresso nacional, em especial quando manifestações sociais se
reproduzem pelo país em menor ou maior escala, mas sem deixar dúvida quanto a
insatisfação das pessoas ou grupos, não obstante não seja possível identifica-los. O que
se percebe com clareza é o evidente distanciamento, prá não dizer abismo, entre a
sociedade e o Estado.
O atual sistema político brasileiro dá sinais de exaustão e de aparente
incapacidade de se renovar. É preciso dialogar com a sociedade, permitir a efetiva
participação do cidadão e repensar o funcionamento dos três poderes para que sejam
representativos de uma república e não de uma classe política distanciada da sociedade.
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REFERÊNCIAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Editora Saraiva,
11ª ed., 1989.
BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Federação e federalismo. Belo Horizonte: Del Rey,
2010.
CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
CÍCERÓN, Marco Tulio. Sobre La República, Madrid: Editorial Tecnos, 2ª ed., 1992.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1999.
CUEVA, Mario de la. La Idea del Estado, Mexico: Fondo de Cultura Econômica, 1996.
EGUES, Carlos. SEGOVIA, Juan Fernando. Los Derechos Del Hombre y La Idea
Republicana. Mendonza: Ediciones Depalma, 1994.
ELAZAR, Daniel J. The federalist. Jerusalem Center for Public Affairs. Disponível em:
http://www.jcpa.org/dje/articles/federalist.htm
HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
MADISON, James. The federalist No. 51. The Structure of the Government Must
Furnish the Proper Checks and Balances Between the Different Departments.
_
Independent Journal, Wednesday, February 6, 1788. Disponível em:
http://constitution.org/fed/federa51.htm
MILL, John Stuart. O governo representativo. Tradução: E. Jacy Monteiro. 2. ed. São
Paulo: IBRASA, 1983.
PRELOT, Marcel. Apud, VARELA, Alberto Rodríguez. História de las Ideas Políticas,
Buenos Aires: A – Z Editora, 3ª ed., 1995.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único a uma consciência
universal. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2011.
SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005.