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Crônica dos Morenos

por Matheus Alves

Essa é uma história sobre os morenos. Criaturas fascinantes, que dominam a sociedade
brasileira e diversas outras, mas não pertencem a lugar nenhum, a não ser a si mesmos.

Não habitam lugar nenhum, porque em qualquer lugar do mundo onde você for, lá eles
estarão. Vivem entre diversas culturas e trazem em si, todas elas, mas sem pertencer a
nenhuma. Alguns até criaram suas próprias culturas, para pertencerem a algum lugar. São
brancos demais para serem negros e pretos demais, para serem brancos. E é exatamente
por isso, que eles são formidáveis. Eles são negros, brancos e nenhum dos dois.

Eles possuem uma maneira própria de viverem a vida. No Brasil, eles podem muito bem
irem à missa no domingo e no terreiro na segunda e ai daquele que diga que estão
errados. Afinal de contas, o que é estar errado, não é mesmo? E se for para começar uma
história sobre o Erro, ela já começa errando, porque o erro sempre está errado. Mas como
nossa história é sobre morenos, ela pode sim estar certa. Sendo até muito difícil estar
errada, mas não impossível.

Os hábitos dos morenos são bem simples. Eles vivem de música, de trabalho, de bebida
e de comida. Poucas coisas importam mais, para a maioria deles. Obvio que há
variações, como toda regra deve ter. Mas na verdade, nem sei ao certo se isso é uma
regra, ou se a regra, é não ser regra, ou ser uma regra regrada. Afinal as regras estão
sempre regrando e isso, pra ser bem sincero, é um saco.

Com tudo isso, os morenos acabam sendo únicos. São deles, são do que quiserem ser. A
grande maioria gosta dessa sensação e ideia de multi-pertencimento, ou não
pertencimento, como alguns podem preferir. No fim das contas, não faz muita diferença. A
não ser, é claro, que você queira muito pertencer a algo ou a algum lugar de qualquer
maneira. Ai então, talvez seja um problema ser moreno. Mas provavelmente não! É fácil
perceber, ao observar bem, que nunca é um problema ser moreno, a não ser que o
moreno seja um problema.

Mas eles estão ai. Fruto de uma alquimia humana. Isso deveria torná-los especiais. Mas
talvez, como tudo na Terra, essa mistura não seja tão especial assim. A maioria das
coisas não o são. Quer ver um exemplo? O palito de fósforo. Uma infinidade de poder e
conhecimento, concentrado em um simples pedaço de madeira, que até poderia estar
fazendo parte de uma árvore frondosa, em alguma outra realidade. Taí, importantíssimo!
Mas o domínio do fogo se tornou lugar comum. E o simples ato de riscar um fósforo, para
a grande maioria das pessoas, é a coisa mais natural e banal do mundo. Como os
morenos.

Fazendo uma regra básica de analogias, podemos até afirmar que Prometeus, aquele da
lenda grega condenado a ficar preso à uma rocha durante toda a eternidade, com o
fígado sendo devorado por uma águia, teria sido condenado por se atrever a dar um palito
de fósforo aos humanos. O simples, nem sempre é tão simples assim, mas sempre pode
ser formidável. Porque absolutamente tudo é formidável. Afinal de contas, estamos vendo
e vivendo todas essas coisas pela primeira vez. Ou não?

Sendo assim, os morenos, que são a mistura de duas cores diferentes, é, geneticamente,
esteticamente, artisticamente ou qualquer outra palavra bonita de terminação "mente" que
tenha haver com esse assunto, uma incrível e maravilhosa criação humana. Sim,
humana! Afinal foram os humanos que criaram os morenos, quando decidiram misturar
duas cores distintas. Mesmo que eles não tenham tanta certeza de como isso aconteceu.

Mas o fato é que em algum momento histórico, durante a seleção de cores da paleta da
vida, ao invés de cinza, ao fundir preto com branco, geraram-se morenos. O que por si só
já é bastante curioso, diga-se de passagem. Em termos práticos, isso pode até querer nos
dizer que, talvez, a mistura da magia negra com magia branca, acabe resultando na
magia morena, ao invés da magia cinza, como dizem por aí.

E o que isso quer dizer? Bem, isso quer dizer que tudo isso que os morenos fazem, essas
coisas deles, é magia. Como assim? Bem, eles comandam países, pessoas, vidas!
Determinam estilos musicais, de roupas, de artes, culinária e tudo que é a base da cultura
de diversas sociedades. E teoricamente, eles nem deveriam existir. Mas existem e
conquistaram para si um lugar de destaque entre pretos, brancos, amarelos e vermelhos.
E há tanta variação de cor e intesidade, que ninguém nunca sabe quem é o quê ou o que
é, mas acaba ficando engraçado. "Eu sou moreno claro", "Sou moreno escuro", "sou
moreno jambo", "sou moreno queimado de sol" e por ai vai...

Eles são tantos, que são maiores até que seus genitores, os pretos e brancos. E estão aí,
firmes e fortes. Uma criação humana, não divina. Deus não tem nada haver com as
misturas de cores. Se tem preto com branco, ou com amarelou ou vermelho, isso não é
da conta dele. Mas ainda bem que existem. O mundo definitivamente se torna cada vez
mais um lugar melhor, por causa dos morenos.

Essa habilidade e capacidade nata de pertencimento ao meio, à mistura, os fazem serem


ótimos diplomatas, principalmente para lidarem com problemas grandiosos. Também são
ótimos comerciantes, por conta de sua habilidade de convencimento e dialética. Os
morenos conseguem aproveitar o melhor e o pior de ambos os lados que lhes geraram e
desenvolver coisas incríveis com isso.

E isso me faz lembrar, que talvez o mundo fosse um lugar sem tanta coisa interessante,
legal e genial, se não existisse a magia da aleatoriedade das probabilidades infinitas (ou
se preferir, MAPI), que será explicada um dia, talvez, se a humanidade finalmente ficar
preparada. Se não, essa será a ultima vez que esse termo será visto. Mas não tem
problema! Se ninguém sabe, é porque não foi dito, logo, não é importante, mesmo que
toda a vida seja baseada nisso. E os morenos serem resultado dela.

A propósito, gostaria de esclarecer que essa crônica é como um daqueles contos que não
contam nada, mas que contam coisas. Ele serve para nos fazer rir e se distrair, enquanto
a chuva cai, as avós cozinham e as mães são mães. Só serve para ser lido em situações
bem específicas, como quando você não entende nada do que está acontecendo, nem
faz muita questão de entender, porque não é de sua conta, mas que não deixa de fazer
sentido.

E para terminar o conto que não tem mais nada para contar, a não ser palavras para o
contador de palavras do editor de textos, vou finalizar como as histórias começam, porque
os sentidos das coisas estão no fim, não no começo. E acompanhar as histórias do
começo ao fim, nos faz querer imaginar o que acontece depois. E começar do meio, sem
ter certeza do começo, nos faz criar toda a história e até mesmo o fim. Sendo assim, que
comecemos (ou terminemos):

Era uma vez os morenos... Eles existem, estão por toda parte e são as criaturas mais
incríveis do mundo. Fim!

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