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De escraw a liberto
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Governo do Estado do Rio Grande do Sul — 1988
Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural/CODEC
Instituto Estadual do Livro
De escrow a liberto
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Estaiiuaí
do Livro

Porto Alegre
1988
Pesquisa e textos
SandraJatahyPesavento (coord.),
LgiaKetzer Fagundes,
Lizete Oliveira Kummer e Maria Stephanou,
Departamento deHistória, Instituto deFilosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal doRio Grande doSul.
Maria Angélica Zubarán Izu Sailer
e NairaVasconcellos,
Secretaria de Educação doEstado do Rio Grande doSul.
ImaraLuiza Schneider,
Maria Luiza Morsch
e Maria EuniceMaciel,
Museu Antropológico, Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural

Reproduções fotográficas
Joselito Luiz Araújo,
Museu Universitário, Universidade Federaldo RioGrandedo Sul.

Editoração
VeraRegina Morganti,
Instituto Estadual do Livro, Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural.

Capa, trabalho sobre a foto "Negros ex-esaavos trabalhadores dasdocas dePorto Alegre"
Gerson Candeloro

Planejamento gráfico
Gerson Candeloro
Companhia Riograndense de Artes Gráficas

Revisão
Suzana Kanter,
Instituto Estadualdo Livro, ConselhoEstadualde Desenvolvimento Cultural.

De esCTavo a liberto, um dihcil ca


minho. Coord. Sandra Jatahy Pesa
vento. Porto Alegre, lEL, 1988.
136p. ilust.

CDU 326(81)"1850/1888"
326(81=%)
323.118(81=%)
301.172.1(81 =%)
Catalogação elaborada pela Bi
blioteca Pública do Estado em
04.11.1988

Instituto Estadualdo Livro


ISBN-85-7063-029-8 Rua Florencio Ygartua, 369 —Fone: (0512)32.3603 —90.410 —Porto Alegre —RS
SUMÁRIO
Apresentação 7

Onegro na África 9
Aescravidão no Brasil 27

Aescravidão no Rio Grande do Sul 47

Os caminhos da abolição 65

Depois da abolição 97
APRESENTAÇÃO
Ao longo da segunda metade do século XIX, uma questão con
centrou as preocupações das elites brasileiras: encontrar novas formas»
de subordinação do trabalhador ao capital frente à desagregação da or
dem escravocrata. Processava-se no país a transição capitalista, impli
cando, por um lado, o assentamento das bases materiaisdo mundo ca
pitalista de produção e, por outro, a estruturação de um aparato
político-administrativo e também ideológico, para a legitimação da no
va ordem burguesa emergente.
Aquestão nuclear deste processo em curso foi a passagem da for
çade trabalho escravo para a força de trabalho assalariado, trânsito que
implicou a conformação de um mercado de trabalho livre e a elabora
ção de novas formasde dominação.
Trata-se, pois, de um longo processo, não concluído na data oficial
de 13 de maio de 1888, que extinguiu a escravidão no país. Suas ori
gens também não se situam no ano de 1850, quando o governo impe
rial proibiu o tráfico negreiro para o Brasil.
Hoje, decorridos cem anos da Lei Áurea, deparamo-nos com um
país no qual a presença dos negros descendentes de escravos é muito
significativa no conjunto da população, no sistema produtivo e nas ma
nifestações culturais e artísticas. Um dado, contudo, se impõe: a maior
parte da população negra nacional pertence às camadas mais baixas da
população.
Se a discriminação, o racismo e a segregação correspondem, por
assim dizer, a questões bastante atuais, é preciso repensar o passado
para conseguir entender nosso presente.
Com tcd preocupação em mente, propusemos este trabalho, que
buscou recompor a trajetória dos negros desde a África, antes da che
gada dos europeus. Examina-se o transporte deles para a América, a
fim de serem usados como escravos no Brasil por mais de 300 anos e
discutem-se os controversos caminhos da abolição do regime servil no
país e o difícil ingresso do negro na sociedade brasileira, depois de liber
to.
Este trabalho teve muitos autores e colaboradores e dele resulta
ram uma exposição, um catálogo e umtexto didático. Caberia agrade
cerde forma especial às instituições que cederam materiais, documen
tose fotos paraa concretização dessas tarefas. São elas: Museu Júlio de
Castilhos, Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, Mu
seude Porto Alegre, Arquivo Histórico de Porto Alegre, Biblioteca Pú
blica do Estado do Rio Grande do Sul e Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Sul.

Sandra Jatahy Pesavento


Coordenadora
ONEGRONAAFRICA
Eleição de um chefe ashanti.
11

o NEGRO NA AFRICA Ahistória daÁfrica negra pré-colonial é pouco difundida en


tre nós. Prevalece a idéia de que os negros africanos teriam entra
do para a história a partir da expansão colonial européia no sécu
lo XV, em outras palavras, jána condição de esaavos, numa po
sição subalterna quecontribuiu fortemente paraacentuar a discri
minação contra toda uma raça.
Esta visão, bastante disseminada, desconsidera a longa e di
versificada história dos povos negros africanos antes da_chegada
do europeu. Todavia, assim como nãose podejulgar a África ne
grapré-colonial comose fosse umapágina em branco, não se de
ve pensar os povos africanos em termos de homogeneidade cul
tural.
Os vários povos que habitaram a África negra criaram, no
deconer de sua história, formas próprias e diferenciadas de repre
sentar o homem e o mundo, constituindo um conjunto heterogê
neo decostumes, credos, técnicas, linguagens e tradições. Éjus
to, pois, dar a conhecer essa riquezacultural originária dos povos
africanos.
Os negros africanos não possuíam escrita, e os registros dos
acontecimentos notáveis e dos costumes de cada povo eram
transmitidos oralmente. Alguns indivíduos em particular, como os
"griots", espécie de menestréis, ou os "doma", depositários de
conhecimentos, cumpriamo importantepapel de veiculadores do
saber tradicional.
O Correio da Unesco, em 1986, destaca a importância dessa
forma de transmissão das tradições: "Qualquer adjetivo seria fra
co para qualificar a importância que a tradição oral tem nas civili
zações e culturas africanas. Nelas, é pela palavra falada que se
transmite de geraçãoa geraçãoo patrimônio cultural de um povo.
A soma de conhecimentos sobre a natureza e a vida, os valores
morais da sociedade, a concepção religiosa do mundo, o domínio
12

das forças ocultas que cercam o homem, o segredo da iniciação


nos diversos ofícios, o relato dos eventos passados ou contempo
râneos, o canto ritual, a lenda, a poesia — tudo isso é guardado
pela memória coletiva, a verdadeira modeladora da alma africana
e arquivo de sua história — Por isso já se disse que "cada ancião
que monenaÁfrica é uma biblioteca queseperde".
No decorrer do século XV, teve início a expansão comercial
e colonial européia. A chegada dos brancos europeus na África
inaugurou um gigantesco tráfico de seres humanos, aprisiona
dos e transportados sobretudopara a América, cuja história e cul
tura passaram a depender de sua participação.
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"Captura de negros na África". Gravura do século XIX.


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"Caravana de negros acorrentados". Gravura do século XIX.


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Produção de açúcar na Jamaica.
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Produção de rum e melado nas Antilhas.


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Produção de rum e melado nas Antilhas.


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Plantação de algodão no Mississipi. Século XIX.


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"Capitão do mato". Gravura de Debret.
29

A ESCRAVIDÃO NO BRASIL O desenvolvimento do capitalismo na sua fase de acumula


ção primitiva implicou a ocupação, o povoamento e a valorização
econômica das novas terras descobertas através da expansão ul
tramarina européia.
Neste sentido, a produção colonial deveria preencher as ne
cessidades da economia européia. Naquelasregiõesque não pos
suíam metais preciosos, como o Brasil, onde as minas de ouro só
foram descobertas maistarde, a exploração econômica das terras
se deu através da produção de gêneros agrícolas tropicais para a
exportação internacional.
A pré-existência de um tráfico negreiro lucrativo aplicado na
escravização dos africanos indicou o caminho para solucionar a
questãoda mão-de-obrana lavoura de grande escala. Portanto, a
colonização brasileira fundamentou-se nas relações escravistas de
produção, predominantes na sociedade brasileira por quase três
séculos.
Capturados no interior da África, processo que desencadeou
inúmeras guerras entre as tribos, os negros eram levados até às
feiras de escravos do litoral, onde eram vendidos aos traficantes.
Embarcados em navios negreiros —"os tumbeiros" —e transpor
tados em condições subumanas, os sobreviventes eram desem
barcados nas principais praças litorâneas do Brasil, onde os
aguardavam os comerciantes locais de escravos.
Vendidos aos senhores de terra, os negros africanos desem
penharam as mais diversas tarefas na sociedade brasileira ao lon
go de três séculos.
Pode-se afirmar que, no conjunto do contexto americano,
no Brasil o escravismo colonial alcançou o seu mais completo de
senvolvimento. Nas plantações, minas, portos e cidades, a força
de trabalho negra se fez presente, marcando profundamente não
apenasas atividades econômicas, como também a sociedade bra-
30

sileira, seus valores e costumes. Constituindo-se num regime de


trabalho que funciona mediante a coação física, o escravismo im
pôs práticas violentas e brutais nas relações de dominação/subor
dinação. Contra essa situação, os negros escravos reagiram desde
cedo, através de comportamentos e iniciativas que variavam na
forma e na intensidade, estendendo-se desde a sabotagem, o cri
me, o assassinato e o suicídio até à fuga, a rebelião e a formação
de quilombos.
O binômio senhor-escravo, determinado pelas relações de
produção fundamentais, estabeleceu uma dicotomia básica na so
ciedadebrasileira, orientando padrões de conduta e valores. Nes
te contexto, o escravismo foi responsável pelo desprestígio do tra
balho braçal, considerado como "tarefas de escravo", só com
patíveis com o negro.
A escravidão moderna, surgida com o capitalismo, trazia
consigo uma nova faceta: a discriminação.
A presença de negros de destaque no Brasil do século XIX
não pode dar a ilusãode que uma "democracia racial"possibilitou
a ascensão de elementos de cor. A sociedade os aceitava desta
cando suas aptidões pessoais, "apesar" de serem negros. Eram
qualificados de "negros de alma branca", designação que antes
confirma a discriminação racialdo que a nega.
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"Negros no porão do navio". Gravura de Rugendas.


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34

Tal é, síenhores, o estíado de um cativo, é homem,


mas sem vontade, e sem entendimento; trabalha e trabalha
sempre, mas sem lucro; vive, maJs como se não vivesse; e
sendo por natureza igual a seu senhor, porque é homem,
pelo cativeiro se faz muito inferior e cotno se não fosse
homem, é o mais víl^ o mais abatido, e o mais desprezado
de todos os homens. Enfim, cativo. E quem não vê que
por todas estas razões deve quem é senhor compadecer^se
de quem é escravo?

Padre Jesuíta Jorge Benci. Século XVIII.


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"Lavagem de diamantes em curralinho". Gravura de Splx e Martius.


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"Cena doméstica". Gravura de Debret.


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Escravos secando café na fazenda Quitité. Jacarepaguá. Rio de Janeiro. 1875.


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"Negras vendendo na feira". Gravura de H. Chamberlain.


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"Negros de ganho". Gravura de H. Chamberlain.
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"Castigo no pelourinho". Gravura de Debreí.
43

Do mesmo modo se há-de haver o senhor com o escravo,


quando o crime, que com'eteu, merece maior número de
açoites do que acabamos de dizer. Os açoites são medicina
da culpa; e se os merecerem os escravos em maior número
do que de ordinário se lhes devem dar, dêem-se-lhes por
partes, isto é, trinta ou quarenta hoje, outros tantos daqui
a dois dias, daqui a outros dois dias outros tantos; e assim
dando^-lhes por partes, e divididos, poderão receber todo
aquele número, que se o recebessem por junto em um dia,
chegariam a ponto ou de desfalecer dessangrados, ou de
acabar a vida.

Padre Jesuíta Jorge Benci. Século XVIII.


44

sooSooo
Fogia da fazenda de José de Campos Sslle$, em Ceropínas,
no dia 3 de Janeiro de 1873, um escravo com es signaes se
guintes :
Benedicto, idade 24 annos, pouco mais ou menos, altura re
gular, côr preta, rosto redondo, bonito de cara, bem feito de
corpo, boa dentadura, tem pouca barba, falia bem, é criouloda
cidade de S. Paulo; levou camisa e calca de algodão da fabrica
de S. Luiz de Itd, camisa de baeta azuf ainda nova, chapéo de
panno preto, já velho. O mesmo foi encontrado na estrada
que do Rio Claro segue para S. Carlos do Pinhal.
Quem o prender e entregar em Campinas ao seu senhor
será gratiflcado com a quantia de duzentos mil réis.

Anúncio de fugas de escravos. Jornalde Campinas, 1873.


Planta do Quilombo Buraco do Tatu, Bahia.
"Preto acorrentado e chicoteando outro"
Gravura de Herrmann R. Wendroth, 1852.
49

A ESCRAVIDÃO A presença dos negros no Rio Grande do Sul se confunde


NO RIO GRANDE DO SUL com a própria ocupação da região pelos luso-brasileiros. Os pri
meiros lagunistas e vicentinos que desceram ao Rio Grande em
busca de gado para abastecer as Minas Gerais na passagem do
séc. XVII para o XVIII já traziam consigo negros escravos. Entre
tanto, essas atividades de preia e tropeio de gado, realizadas sem
pre com bandos armados,-num enfrentamento direto com os cas
telhanos, não se prestavam à ampla utilização do trabalho servi!,
nem possibilitavam uma lucratividade capaz de garantir o investi
mento continuado em escravos.
Apenas no século XVIII, com o estabelecimento de estâncias
de criação de gado, implantação das lavouras de trigo cultivadas
pelos açorianos e, principalmente, a instalação das primeiras
charqueadas, a presença do negro tornou-se constante na socie
dade gaúcha. Portanto, só quando a economia gaúcha integrou-
se de modo regular ao mercado internobrasileiro, o negro passou
a ser utlizado como mão-de-obra nas diferentes atividades.
Nas estâncias, não predominou o trabalho escravo; os cati
vos atuavam ao lado de homens livres, brancos, mestiços e
índios, nas mais diversas tarefas da criação de gado. Nas lavouras
de trigo, os açorianos enriquecidos com a venda do produto
abandonaram a força de trabalho familiar e passaram a utilizar a
mão-de-obra escrava.
Com o desenvolvimentoda exportação do charque, a entra
da de escravos passou a se fazer de forma regular. Nas charquea
das, o negro se constituiu na mão-de-obra predominante desses
estabelecimentos. Trabalhando em condições excepcionalmente
duras, com um trabalho intensivo ao longode prolongadas jorna
das, as charqueadassulinas eram consideradas no Brasil como "o
purgatório dos negros".
50

Assim como em outras partes do Brasil, as cidades gaúchas


abrigaram o trabalho negro, executado tanto nos serviços domés
ticos, quanto nos serviços dos "negros de ganho" e de "aluguel".
Estes realizavam os mais diversos serviços e ofícios e garantiam
uma renda para o seu senhor.
Nas colônias alemãs, a lei imperial proibia os imigrantes de
adquirirem escravos; todavia, sabe-se por documentos da época
que muitos colonos compravam negros para utilizar seu trabalho
na lavoura.
No Rio Grande do Sul, como em todo o Brasil, a resistência
dos negros à escravidão se fez sentir das mais diversas formas. Os
relatórios de Polícia e os processos que corriam na Justiça dão
conta de crimes, fugas, suicídios, revoltas e formação de quilom
bos em terras gaúchas, testemunhando a resistência continuada
dos negrosàs duras condiçõesservis a que se viam reduzidos.
"Charqueada". Gravura de Debret.
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"Tropéis de muares." Gravura de Debret.


'Tropa vacum atravessa o Jaguarão." Gravura de Debret.
55

Boa Vista, 18 de junho. — A fazenda da Boa Vista tem 28 léguas de


superfície e é dotada de excelentes pastagens. Diz-se que trinta mil bois poderão
viver facilmente em tal área, mas atualmente o rebanho não vai além de seis
mil cabeças, devido à má administração a que esteve entregue até bem pouco
tempo. Quanto aos cavalos necessários aos serviços da propriedade são contados
em número de quinhentos, quantidade essa julgada suficiente.
Nas estâncias desta região, quase puramente pastoril, não são precisos tão
tlumerosos escravos como acontece nas regiões açucareiras ou na exploração de
minérios. Cerca de oitenta negrós, apenas, ocupam-se da construção do curtume,
e depois nele trabalharão.
Quase todos os escravos do Barão são neg; os-minas, tribu bem superior a
todas as outras, por sua inteligência, fidelidade e amor ao trabalho.

Viagem ao Rio Grande do Sul. Auguste de Saint-Hilaire. (1820-1821).


56

Normalmente, o dono dá a seu


escravo permissão para trabalhar na cidade por dinheiro; contudo,
o mesmo deve entregar-lhe, cada tarde, uma ou uma e meia pataca,
(8 a 12 Groschen de prata); quando, porém, volta para fazer as
refeições em casa, deve entregar, geralmente, duas patacas
(16 Groschen de prata)®^. Disso resulta que uma família pobre
que possui dois a trés escravos, possa viver decentemente, apesar
de sua ociosidade. O sinal de distinção, consagrado pelo uso, entre
o moreno livre e o escravo, consiste em que o último não pode
usar calçado.
Os meios de conter uma tão numerosa massa de escravos que
quase perfazem um terço de toda a população, oferece-os a Igreja
Católica. Os muitos dias de festa, as procissões e fogos de artifício,
ligados a isso, e os dias de descanso dos escravos destarte causados,
fazem dos mesmos, sem que entendam muito daquilo, os mais
fervorosos adeptos da Igreja unicamente salvadora; e raras vezes o
cortejo de um dos Santos consta de menos de 2.000 escravos de
todas as matizes, a tagarelar e a gritar. E visto que um escravo
castigado com chicoteada nunca mais se possa juntar a uma tal
cerimônia, essa massa de público é uma satisfaçãopara o filantropo,
constituindo uma grande honra para o brasileiro possuidor de
escravos.

Relato do viajante alemão Hõrmeyer sobre os escravos em Porto Alegre, 1850.


57

D. Anna Carolina do Oliveira, havenda


fixado sua residonci i n'esta capital, á rua
da Vnrzinha, casa com freulccío pratibau-
das ornada com quatro pinhas, oin frente
ao portão do Sr. Carlos llesin Filho, resoU
veii estabelecer uma escola de costuras,
bordados brancos, de matiz e ouro, e to
dos os trabalhos de agulha. Aos Srs. paes
oíTerece-se a ensiiuiT suas filhas esmerada
mente, assim também á raparigas escra
vas, para o que tem pivparadas duas sa
las, uma para as meninas c outra para as
escravas, ás qnaes tfirnbem ensinará alôr,
escrever c contar,para o que possuo licen
ça concedida pelo Illrn. Sr. líispector dá
inslrucçào publica, havendo-se subrnetti-
do a cxarne em l(S71. A escola acha-se
funccionando desde o dia 8 do corrente
moz de Janeiro.
N. 8:2—^—2

Jornal do Comércio, Porto Alegre, 10/01/1877.


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Maria, preta crioula, escrava deAlexandre Vaz daSilva, condenada à prisão perpétua com trabalho pelo
Dr. Juiz de Direito respectivo em Santa Ana doLivramento, a 15 dejunho de1870 pelo crime de morte
napessoa do menor Antônio, filho deFlorisbelo Alves, no dia 19 deoutubro de1869...

Relatório da Cadeia de Justiça, Porto Alegre, 1875.


63

Levo ao conhecimento de Vossa Excelência que chegando ao meu


conhecimento ter no dia 17 do corrente um grupo de escravos de
Charqueada do Major Joaquim Rasgado passado por esta cidade,
receosos decastigo doSenhor ou Capataz, apenas pude conseguir
fazer montar cinco praças a cavalo a fim de me certificar do que
ocorria e sendo que aí conhecemos, pelas diligências que procedi,
serem os cabeças daquele movimento sete desses escravos, os fiz
conduzir à Cadeia Civil onde, com assistimento do ditoMajor, foram
moderadamente castigados como para prevenir-se a repetição de
futuras cenas.

Relatório da Delegacia de Polícia de Pelotas, 1870.


os CAMINHOS DA ABOLIÇÃO
Czuricatura sobre a Abolição da escravatura no Brasil.
67

OS CAMINHOS DA ABOLIÇÃO ^ p^^ir da segunda metade do século XIX, a elite do País se


defrontou com o problema da formação de um mercadode traba
lho livre que desse continuidade à acumulação de capital e às
condições de dominação dos subalternos. Tratava-se, pois, de
encontrar outras maneiras de sujeitar o trabalhador, distintas da
quelas vigentes na sociedade escravocrata, face à nova realidade
que se criava, decorrente da pressão inglesa e extinção do tráfico
negreiro em 1850.
Nação pioneira na concretização históricado modo capitalis
ta de produção, a Inglaterra passou a difundir internacionalmente
os princípios do liberalismo econômico como-forma de destruir os
monopólios, ampliar o mercado consumidor para os seus produ
tose obter matéria-prima a baixo preçopara as suasfábricas. Nes
secontexto, a Inglaterra desencadeou uma campanha de comba
te ao tráfico negreiro, forçando sua extinção.
Decretada a ilegalidade do tráfico, expandiu-se o contraban
dode negros da África parao Brasil. Entretanto, com o passar do
tempo, o escravo tornou-se uma mercadoria de alto custo e risco,
e os negros contrabandeados não correspondiam ao volume exi
gido pela lavoura do café em expansão. Além disso, as reservas
internas de mão-de-obra não preenchiam as necessidades da la
voura cafeeira. O trabalhador livre nacional era considerado "im
prestável para o trabalho", e a compra de escravos de outras
províncias não supriaa demanda da cafeicultura em expansão.
Desta maneira, o mercado livre formou-se na sociedade bra
sileira do século XIX, a partir de dois processos de desenvolvi
mento simultâneo: o abolicionismo e o imigrantismo.
Aimigração foi promovida pelos representantes da burguesia
cafeicultora do oestepaulista, que viam na entrada em massa dos
imigrantes europeus a alternativa mais barata, abundante e eficaz
de resolver o problema da mão-de-obra, do que dependia a ex-
68

pansâo de sua lavoura. Posicionaram-se com muita cautela em


relação ao movimento abolicionista, procurando evitar atritos
com outras frações da classe dominante nacional desvinculadas
da atividade agroexportadora cafeeira e com menosdisponibilida
de de capitais para patrocinar a vinda de colonos europeus. Os
imigrantistas foram ainda os responsáveis pela difusão da noção,
de cunhò ideológico, de que o trabalhador europeu era superior
enquanto mão-de-obra "regeneradora e sem mácula", avalista do
progresso, construtora da riqueza nacional e "artífice da civiliza
ção".
Os agentes do abolicionismo provinham, por um lado, dos
próprios escravocratas que, convencidos da inviabilidade econô
mica da manutenção da escravidão, adotaram a estratégia da
emancipação gradual, como forma de prolongar a utilização do
escravo e reter a mão-de-obra junto aos locaisde trabalho. Outro
sentido não tiveram as leis abolicionistas ou a elaboração dos có
digosde posturas municipais, compondo parte de uma estratégia
para organizar e disciplinar o mercado de trabalho livre e marcan
do a intervençãodo Estado no processo.
Por outro lado, abolicionistas foram também as classes mé
dias urbanas emergentes, descompromissadas em termos objeti
vos com o regime servil e que, sob o influxo da onda romântica
chegada ao Brasil, responsabilizaram-se pela formação de uma
opiniãopúblicafavorável à emancipação dos escravos.
Ao contrário dos imigrantistas, os abolicionistas falavam em
incorporar o trabalhador livre nacional, numa atitude típica de se
tores com menos capital, dispostos a utilizar trabalhadores de "se
gunda categoria".
A análise dos agentes não ficaria completa sem a presença
daqueles responsáveis diretos pela aceleração final do processo:
os escravos. A resistência escrava e o incremento das fugas fo
ram, sem dúvida, os elementos deflagradores do ato final da ex
tinção do sistema servil a 13 de maio de 1888.
Não é possívelesquecer, portanto, a contribuição dos negros
na sua permanente resistência ao regime servil.
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A exploração do carvão inglês.


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Indústriainglesa do século XIX.


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"Capital e Trabalho". Caricaturade Punch, 1843.
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Fases do processo artesanal da fiação da lã. Século XVIIl.


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Cotonifício inglês. Século XIX.


Bomba hidráulica.
Barcos a vapor.
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Porto de Bristol. Inglaterra.


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Trapiche Maxwell, o prédio do Lloyd's, seucais emconstrução e armazéns. Rio de Janeiro, 1865-70
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continuação da minha viagem. Em uma conversação que tive com o dito tabelião e
sem que ele suspeitasse minhas intenções, soube que ali, em outro tempo, há três anos mais
ou menos, se tinha efetuado o desembarque de africanos. Nesse tempo, tinham parte nesse
tráfego o Coronel José Inácio da Silva Ourives, Joaquim Mendes Ribeiro e outros, cujo nome
ignorava. Declarou-me mais que os africanos passaram por caminhos desertos da serra e que
foram distribuídos por alguns pontos da campanha.e finalmente que foram apreendidos a um
João Matheos dez escravos e que ignorava o destino que tiveram. E, por último, me disse
mais o referido tabelião que se falava em um desembarque de africanos em Tramandaí, ou
próximo do rio Araranguá, além das divisas desta província e Santa Catarina.

Correspondência da Chefatura de Polícia da Província sobre tráfico ilegal de escravos. 1858.


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laiArico 3.10
PREÇO MÉDIO DOS ESCRAVOS 00 SEXO MASCULINO (22-33ANOS)
SÃO ^AuLO i(4S-sr K.

Preço médio de escravos do sexo masculino (15-21


anos) em São Paulo, entre os anos de 1845 e 1887.
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Colheita do café por escravos numa fazenda no vale do Paraíba, 1887.
r

"Pobres tropeiros de Minas". Gravura de Debret.


83

TABELA 9

AUMENIOS E Pr.aDAS ni-CISTRADOS DE ESCHAVOS ATUAVÉS DO COMÉRaO


iNTEnrKOYiNCLVL, 1874-1884

Total por região

A umento Perda
Província liquido líquida Aumento Perda

Extremo Norte

Amazonr.r. 344
Pará 663
Maranhão 4.157

1.007 4.157 3.150

Nordeste

Piauí 2.725
Ceará 7.104
Rio Grande do Norte 1.876'
Paraíba 3.41«
Pernambuco 4.426
Alagoas 2.082
Sergipe 2.342
P-Via 4.041

28.008 28.008

Oeste c Sul

hiato Grosso 311


G-riás 360
P-raná 212
Santa Catarina 905
Rio Grande do Sul 14.302

311 15.779 15.468

Centro-Sul

Minas Gerais 5.936


Espírito Santo 3.187
Rio de Janeiro 31.941
Município Neutro 7.353
São Paulo 41.008

89.425 89.425

Totai;: 89.425 46.626

Fonte-, Ct^mpilado do Relatório do Ministério da Agricultura 7 de maio


de 1884, p.lgina 191.

Relatório do Ministério da Agricultura de 07/05/1884 sobre


aumentos e perdas de escravos através do comércio
interprovincial. 1874-1884.
84

Brasil

SSo Pauto

1874 1880 1883 1890 1895 1900 1905 1910 1913 Anos

Gráfico da entrada de italianos no Brasil.


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Colonos na fazenda de café.


i

"Emancipação: uma nuvem que cresce cada vez mais".


88

Escravos fugidos
Fugiram em dias de Março do correotc anno,
da fazenda de José Fernando d'A.lnaeida Barroa
do raanicipio de Piracicaba, os escravos :
PantsleSo, alto, fulo, nariz afílado, boa den
tadura, bahiano, (alia macia, 30 anitos.
Fernando, prelo, baixo, corpulento, boa
dentadura, bahiano, 25 annos mais ou menos.
Estes escravos foram trazidos a esta provín
cia ha pouco tempo, pelo sr. Raphael Âscoli;
levaram alguma roupa fina e blusa de baeta
vermelha, e olTerece-se uma boa gratificação a
quem os prender e entregar a seu senhor ou
em S. Paulo ao sr. José Àlves de Sá Rocha.
3—3

Correio Paulistano, 15/04/1874.


"Já não há mais partidos políticos. Nem liberais nem conservadores.
Ou abolicionistas ou negreiros".
I-

i:. * 1^' -U : u».\. ^ ^ ^ V • '' ' C': .• .-.'t '

A t. • r # ••T \ * ^' <.• ^ . • Íp » »-•-,* I ^ i& ' • , - _* ' .

A Princesa Isabel, com o Conde D'Eu, na sacada do Paço da Cidade,


aclamados pela multidão após a assinatura da Lei Áurea.
91

Tia liviv» ])ara cada libn^tv o


que tíilc fthi po.ssH ler, que a
Ia tainbsm pôde che;L^*ar a ser—casa
cducaLUVa, e o iastruin "uto Ja op-
pressão—instruuiento do trabalhei
1*1 então SC verá,-<pic. o Brazil ha
<lc orirulhar-so dc ser aconselhado
])chi racii ueíjral

Jornal A Luz. Rio Grande, 15/10/1884.


92

A ngriculluca <5 a fonto do no3-


30 futuro, princij-ja!monto para o
nosso Rio Grando agora,que nos
escravos do norte, hoje libertos,
perdeu os unio.os cousurnmidores
do sejis produclos pastoris .
Fundemos colonias agricuias,
crieínos,' por meio do leis provin-
ciaese munidpacs, o trabalho
obrigatòrto'^ ÍÍ3. industria febrd
a na lavoura.
Guerra -a ociosidade.
Dizia um Imperador da China.
Se ha .algum homem que nào
trabalha, alguma mulher que na
da faz— alguém deve ter tome e
frio neste império
Ha múilos braqos perdidos e
ociosos, ílcpots da lei de Maio
urge ocçupaí-os para o bem com
mun.

Jornal O Canabarro, Santana do Livramento, 15/07/1888.


93

Oii;i=lril!i;iS lití iailnus c iiialfcílorus infcslàn a caüijMiilii l-sa i-i-. .


rouiiii lí o assassinai o por loila |iaric.
To.los i[iianlos possiiiMU iji-oprieda-l-?, holiisiria c ai ii\iil:i !i' hu-.n' ; i
vivem em soiírcstllo roíisliisle.
As aiilorhiailos imliclaes ear.-cciiilo tie íonja o ilc lllior.la.lc >1-
ção, não «lispãem ilo elemenlos ile fazer clfecliva a sua boa vonbole u
enorela.
As caijsas tlc tão lamcnlavei esbulo de cousas e\ccdem os acliiaes
inciüi ileaceão: são males qiic sò podem ser dobcilados per medidas
sociacs e não por meios poiiciacs: são vícios profundainenle radicados
nos coslinocs cjnc só da reforma desics poderão es|ierar remédio.
.\ ilccoleacia do cspiriio reliííio.so ciu primeiro bvar: a falia de
insirnc.ão c principalmenlc de educação moral; a frouxidão de uma
lo;^'islai;ào ijiie adianlamlo se ao eslado real da nossa civilisação deu úm
idas liuranlias á liberdade com [ircjiiizo da segurança íiulividual e de
propriedade: leis qnc em dclrimcnlo das classes pacilic;i> c laboriosas
deram carta branca ao bindílismo com inteiro desprcsligio lía autorida
de complclamenle tolhida em seus meios de acção. o que faz com qiio
sejam diuriaincníc recusados os cargos públicos, especialmeide os poli-
ciacs: a indulgência do jiiry inclínadu sempre a absolver: a falia do
uma lei de iccrulamcnio que conlonha c sajcile a vadiagcni que ê a
maioria prima de que se formão os grupos de criminosos e bamlitlos :
Iodas eslas cansas que vão ser aggravadas com a emancipação dos escra
vos, já próxima, c ipianilo os ing-mms já avesaiios na [iralica d ' Iodos
os vic es que liies inocidoii a servidão, ciiirarem no gozo da lil>erdade
plena. Iolos os facloros dosle eslado precário m» jneseiile e lemoroso no
fuimo. ii.Ho podem .<on.Vi em parle s r deslrni-ios oo iieiilralisadi)> naj
circiiinslancias acliiae.-;.
.\s Of. ccjsidiidc.-; lie e Si'-.'iii;iiii'a |ioidic;i. ciilic!;iid«> s;m di'
im! ir /I a iiao .-oMn-r licoi na- c iniii ii piapiio- ii-- lu -o.- ii>- •piç ili-pi-c
üildi i.i dt' ilio. ni -Cl .1.üdi.j.i..

Relatório do Presidente da Província


do Rio Grande do Sul. 1888.
94

IJbcrtos no poHamcnto

Dosfacíitnos os .«•eiíuinles trechos


<le dons notavoís cditoríaes do Jor-
nal (In Coinhiercio cjue tratando «ia
ivtorma ''U itoral, assim sc cxprim^
sobro a elag^ibillda 1e do libcrt» e da
questtlpservil que lhe è correlativa.
(vaivdin notar que o direito.de vo
to, dado ao lib-rto pela nova lei elei
toral, (\ combalido por chefes libe-
racs e conservadores da ordem dos
Srs. senadore-j Silveira Martins e ba
rão do C(degipe,

Jornal A Voz do Escravo, Pelotas, 16/01/1881.


95

O que haveis de offerecer a esses entes degradados que vao surgir das senza
las para a liberdade ? O baptisino da instrucção.
O que reservareis para siister as forças productoras esmorecidas pela eman
cipação ? O ensino, esse agente invisível que, centuplicando a energia do braço
humano, é sem duvida a mais poderosa das machinas do trabalho.
Ninguém mais ignora que.da instrucção é que nascem os bons costumes, o
amor ao trabalho e todas as virtudes que fazem a felicidade das nações. Que os
povos contam seus progressos pela destruição das barreiras da ignorância, ou pe
los elementos novos que as conquistas do espirito olForecem ao desenvolvimento ila
civilisaçao.

Relatório do Presidente da Província do Rio Grande do Sul. 1888.


Ex-escravos.
99

DEPOIS DA ABOLIÇÃO Dprocesso de desescravização do país foi acompanhado da


popularização de novos valores: difundia-se a ideologia do pro
gresso e da mobilidade social. O trabalho braçal, até então
encarado como atividade pertinente aos negros e, como tal, de
gradado pelo estigma da escravidão, passou a ser visto como
enobrecedor e construtor da riqueza. Proclamava-se o princípio
da solidariedade entre as classes, tão caro à sociedade burguesa,
afirmando que os homenssão iguais perante a lei, mas ocultando
a evidência de que são desiguais frente à distribuição da riqueza.
A nova concepção,de trabalho, agora valorizado positiva
mente, foi associada ao trabalhador branco de origem européia.
Por umacuriosa inversão, aquele que por mais de trêsséculos ha
via sido a força de trabalho por excelência da sociedade brasileira,
passou a ser confundido com o não-trabalho, a vagabundagem, o
vício, a predileção pelo ócio, a incompetência para a atividade re
gular e ordeira. O estigma da escravidão acompanhava o liberto
na sua difícil trajetóriacomo cidadão na sociedade brasileira.
Nessas condições, o seu ingresso no mercado de trabalho foi
particularmente penoso, cabendo ao negro a problemática posi
çãode mão-de-obra de "terceira linha". Primeiro, preferiam-se os
brancos de origem estrangeira, depois, os brancos nacionais e,
porfim, enquanto mão-de-obra de reserva, os libertos.
Embora sejapossível detectar no fim de século XIX e naspri
meiras décadas do século XX, a presença de negrosoperáriosnas
fábricas, esta aparece de forma esporádica e minoritária frente o
contingente de trabalhadores, em tarefas de menor qualificação e
mais baixos salários.
100

Aos cx-escravGS restou a colocação nos ofícios socialmente


menos prestigiados, de antemão rotulados na antiga sociedade
escravoCTata de "tarefas de negro": o emprego nas charqueadas
no sul; o enganjamento nas atividades à margem do mercado de
trabalho, comoos serviços irregulares de biscate; o desempenho
de tarefas que não demandavam qualificação, como capina de
ruas, limpeza de calhas, carregamento de mercadoria nas docas;
ou ainda os tradicionaisserviçosde criadagem doméstica.
Criançasnegrascom flores.
102

Diversos professores recusavam-se a matricular em suas escolas


crianças de cor preta, recebeiulo reclamações contra este procedi
mento. Para sanar todas eslas irregularidades lomei as providencias
necessárias.

Relatório do Presidente da Província do Rio Grandedo Sul, 1887.


103

'Vandalismo
Hontem á noute, tres praças do 7» da
guarda nacionãl, entre as quaes uma de
nome Affonso, na ponte do Menino Deus,
practicaram um acto verdadeiramente
vandalico.
Por motivo das obras da dita ponte a
companhia Carris tom, do lado de lá,
dous carros que couíiou á guarda, um
preto. Dormia o ini«liz quando o carro
foi assaltado pelos taes guardas que es
pancaram e feriram, com reflo o pobre
preto que recebeu mais do 20 golpes,
sendo grave o seu estado.
O factü foi levado ao conliocimonto do
dr. chefe de policia.

Jornal Gazeta da Tarde, Porto Alegre, 07/06/1895.


m

^2' '
t

Negro liberto.
105

DIA A DIA
E' raro qno píiMso um dia 8um qao >%
policia cheguü o couheciuiüiito de juais
uma occurroiicia dcsapradavol, um .i'*
tüutado qualquer, tendo por tlioatro a
nunca asaaz decantada Coionia Africana.
Roubos, assassinatos, estupros, facadas,
tudo se dá naqueile lugar maldito, va-
ITiacouto de quanto bandido ha poi esia
cidade, refugio de quanta baixa nieretiiz
por ahi rive.
Nâo passa um dia som que os joniaes
rogiatrem um novo crime para a
dos muitos que jà Ulo cólebre tornauui '.
a tal coionia e no emtanto até agora
se tomou uma medida enorgica no suii*
tido de acabar-se com aquelia cova d^.
Caco e assegurar-se a vida dos que p ji
alli transitam.

Jornal Gazetada Tarde, Porto Alegre, 10/07/1895.


%
107

IDIA. A ;dia
Os jorriiiuH <l;i torr;i fjijo n.i
inadrufíada do lionfoin ajipnrocfn morfu,
enroKoIadu, o proto afi icaiio í inilliormc,
coin 120 aniios.
Coitado !
E.sta ha do tor sicio a oxclainação do
muita tíoiilo, ao lor a noticia sinj/oia,
som uin conimoiitaiio., da impronsa iu-
üigona, lâo A dospomlor so
bro os tumulos considorai^.õtjs pliiio-
«ophlcíwí Apenas*'m» .iwnal, yui
ponto do adiniracilo com o nogro volho
o isto mesmo indirectamonto, no íinal
da nota em ípie consigna íjue a Sama
Casa negiiia a sua porta ao infoli/. (pie
alii íòra bater tiritando dotVio.
.Sempre mcrocou isto o Ciuilhorine, o
que não é muito nos tompos que cor-
rom.

K' verdade quo o morto tinha 120 an


nos; o seu logar Já não ora n*oste mu.-i
do, onde teimava em arrastar cs sor..j
velhos ossos o o lombo cncurvado, onòo
o chicote dos seus antigos senhores dei
xou escripta a historia de um. secih.»
atra/.. Não fossem o frio da noute doau-
te-honteni e a negativa da Santa Cas.i,
talvo2 o Guilherme andasse ainda hojo
por oste valle de lagrimas, onde ol!c r.s
deve ter vertido mais do quo nenhum
outro, pela razão do tor sido escravo
durante cem annos o haver vivido ccmr»
o vinte.

Jornal Gazeta da Tarde, Porto Alegre,


18/07/1895.
•v.

jübuiOy
í
109

(Jr^ü tanibcm^não fazor mão levo


fr'übre csHU malta dcübrag:i;la de al
guns homoiiH do eôr, sem oíllcio
dilinido, que de dia, se apegam ao
n< jcnto balcão das tascas, até a
lipra de se trancarem as portas.
K.stumos ccrto.s de que, si as au<
toridades levarem cm conta a ver
dade lógica de nossas palavras, se -
guindo ã risca o que a cima pres
crevemos, dentro em breve recalii-
remcs novamente no mais comple-
pleto socego.

ôomàlA Gazetinha, Porto Alegre, 08/03/1896.


í

Negraliberta
111

« Ft)rlo Aleí^Te, Dezembro 19 de


1891). — Sr. propr etanu o redacloi
la ,,Gdzeuiilia". — Ter.dü preseii
-:iadü um íVctü que mereceu a ceu-
nura de todos quantos o assistiram
como sabemos o iiUeresse que
sempre tomais nas causas justas
passamos a narrar-llie o sei^uinte :
la tarde de sexta-ítura foi eiíe-
Jiuada por diveraos vigil.intes ur-
oanos a pnsjio de um indivíduo de
jur preta, histe, co:no era muitc
natural, procurou apresentar a>
luas razões.
« Mas para maior seu caiporis-
mo appareceu iml-iocal o auxiliar
ia mesma corporação Juào a'Aüreu
\laya que dirn.^inao-se á um dob
vigilantes pediu-lhe o refle, vibran-
io sobre o prezo vários prancha-
;üs a ponto de partir a cabeça do
infeliz. Tão repugnante e censurá
vel procedimento teve logar em
irente ao ,,Dden Tamilar'*.
« Kicàmos certos de que pro-
eurareis a conlirmaçào de nossa
jominunicaçào, pedindo om segui-
la providencias ao digno liiLcn
lente para que factos d'e6ta ordem
não tenham reproducção.
Diversos assignatites ».

òoxn^ AGazetinha, Porto Alegre, 24/12/1896.


m

Trabalhadores da Charqueada Guaíba, 1918.


immè

Copeiro.
I

a
Cozinheiro.
•V
I

Y'W
^
i 'v.•-
"Chauffeur de família
"•irilliT t' Sf." "kV
Ex-escrava, empregada da família Ochotorena, Uruguaiana,
Descendentes de escravos, empregados no serviço doméstico.
Família Jacinto da Silveira, Dom Pedrito.
m
Operários da Pabst, fábrica de espartilhos egravatas. Porto Alegre, 1916.
Operáriosda fábrica de móveisGerdau. Porto Alegre, 1916.
V

~ í'- *
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« 'f
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11«-x*,. sSf •. JHin^
^
C.Al

I <
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Operários da fábrica de calçados Progresso Industrial. Porto Alegre, 1905.


i:r t-rsi
*" ^ X-J

r - 3g^

V UV;»; flj ^.-1 .,r


» .!^

Operáriosda CarpintariaPortoaiegrense. Porto Alegre, 1905.


''fi-
I

Acendedores de lampiões.
•<. jvrí•:?'•' f. •. ••'^•^,>r-
«•L.-V •
-• . . --r

Carreteiros da Várzea.
à

Vendedores ambulantes.
X--
íí
4> *

• i W*
t"'- • ri

Príncipe Custódio
135

FONTES DO MATERIAL ICONOGRÁFICO

ÃLBUM DO RIOGRANDE DOSUL 1905. Porto Alegre, César Reinhardt(s.d.).


ALVIM, Zuletka. Brava gente. Sâo Paulo, Brasiliense, 1986.
ANTOLOGIA DO CORREIO DA UNESCO. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, jul/ago, 1986.
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BENCI, Jorge. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos. São Paulo, Grijalbo, 1977.
BIBLIOTECA UNIVERSAL LIFE. Ãfrica tropical. Rio de Janeiro, José Olimpio, 1%3.
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FERREZ, Gilberto. O Rio Antigo do fotógrafo Marc Ferrez. Paisagens e tipos humanos do Rio de janeiro: 1865-1918. APUD FRITSCH,
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