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O MUNDO JUSTIFICADO PELO CULTO, MAS DENUNCIADO PELO

PROFETA

Cada obra cria um mundo. E assim o faz o livro do profeta Amós enquanto obra
literária. Uma obra literária pode ser comparada a uma pintura. Um quadro possui uma
quantidade de cores resumida, mas estas mesmas cores lançam um novo olhar para o
mundo, abrem novas perspectivas a partir de seu contraste de cores. O livro de Amós
não é longo, mas abre aos seus leitores um mundo de cores vivas e intensas. Se Amós
fosse pintor, seria daqueles que preferem cores fortes para criar novos mundos. Nele o
mundo de Javé nasce em contraposição/denúncia a um mundo onde os seres humanos
transformaram o direito em veneno e a justiça em absinto.

Convém neste ponto expandir os limites da perícope e olhar para alguns detalhes
do mundo que o texto de Amós cria/denuncia. Dentre as palavras que se repetem no
ciclo de profecias contra as nações (1.3-2.16) pode-se destacar: castelos, cetros,
ferrolhos, muros, príncipes, juízes. Termos que descrevem poder político, econômico,
militar, judicial, etc. Comumente o número sete é visto como um número perfeito, o
clímax de um ciclo. Porém, quando parece que a denúncia profética encerrou-se, o
profeta fala de Israel, extrapola o ciclo de sete, e para tanto não economiza palavras
(2.6-16). Amós denuncia um mudo em que os que tem poder exploram os mais frágeis e
vulneráveis – o justo, o necessitado, os pobres, os mansos, a mulher.

Amós convida Asdode, uma cidade filisteia, e o Egito, ambos símbolos de


opressão, a fim de que observassem os tumultos e opressões que ocorriam na capital do
reino do Norte, Samaria. O tesouro encontrado em seus castelos era violência e
devastação (3.9-10). No mundo do texto de Amós há casas de inverno, casas de verão,
casas de marfim, grandes casas, casas de pedras lavradas e vinhas desejáveis edificadas
e construídas sobre a opressão do pobre e o esmagamento do necessitado (3.15; 4.11).
Nessas casas luxuosas as pessoas dormiam em camas de marfim, espreguiçavam-se em
leitos, comiam da melhor carne, cantavam à toa e se ungiam com os melhores óleos. E,
ao pensarem estar longe o dia do Senhor, faziam chegar “o trono da violência” (6.3-6).

Porém, no mundo do texto de Amós, essas pessoas também eram religiosas.


Participavam de uma vida litúrgica agitada e suntuosa. No entanto a ambição deles era
tanta, que não conseguiam se concentrar no culto. Por um momento Amós dá voz às
suas palavras: “Preciso vender meus cereais, quando essa festa vai acabar? Preciso abrir
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meus celeiros no sábado, diminuir a medida trigo, aumentar o preço, adulterar a balança
e vender o refugo do trigo!”. E assim iam ao culto e do culto saíam, retornando às suas
casas sob a bênção sacerdotal. Amós denuncia este mundo justificado pelo culto
prestado pelos israelitas com cores fortes e extravagantes.

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