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Projeto de cidade e o papel do esporte

Luís Fernando Santos Corrêa da Silva


Professor de Sociologia da Universidade Federal da Fronteira Sul
E-mail: lfscorrea@gmail.com

I. Em âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou


resolução, em 2014, que destaca o papel do esporte para a promoção da saúde, da
educação, do desenvolvimento e da paz. Já no Brasil, o Estatuto da Juventude, aprovado
em 2013, estabelece que o lazer e o acesso às práticas desportivas são direitos
considerados fundamentais para as populações jovens, porque são atividades essenciais
para a construção da cidadania. Como diretrizes comuns, esses documentos reforçam a
importância do esporte como aspecto relevante para a formação humana, estabelecendo
inclusive a sua relação com outros âmbitos, como as práticas educativas, de saúde e de
prevenção à violência.

II. Já faz algum tempo que a prática de atividades esportivas deixou de ser considerada
uma simples fruição, diversão fortuita sem repercussões mais amplas para o indivíduo e
para a sociedade. Ao longo das últimas décadas, estudos científicos têm consolidado a
tese de que o indivíduo que pratica esportes é mais saudável, visto que a atividade física
reduz os riscos de acometimento por problemas como a obesidade, a hipertensão, o
diabetes, a depressão e as mais variadas doenças cardíacas. Ademais, a prática esportiva
na infância possui um potencial formativo importante, relacionado à educação,
permitindo que a criança desenvolva habilidades de relacionamento em grupo,
disciplina, liderança, autoestima, entre outros aspectos relevantes na construção da
personalidade.

III. Então, se concordarmos que o esporte é importe para a formação humana, e que essa
mesma formação humana se realiza nas cidades e nas instituições que dela fazem parte,
se torna mais do que necessário indagar sobre o papel do esporte na construção de um
projeto de cidade para todos, que pense a prática esportiva como ferramenta de inclusão
social e qualidade de vida. Nesse sentido, considero que é fundamental que o poder
público local se mantenha aberto ao diálogo com a sociedade e com as instituições que
promovem o esporte no município, de modo a planejar um projeto de cidade que
contemple o esporte, e que também apóie, inclusive financeiramente, as instituições que
possuem finalidade esportiva.

IV. Erechim contava até o ano passado com uma Secretaria Municipal de Cultura,
Esportes e Turismo, que dentre as suas atribuições se destacavam o estudo, a elaboração
e a implantação das políticas públicas na área do esporte, por meio do aprimoramento
das relações com a comunidade. Contudo, no início deste ano, uma das primeiras ações
do governo Luiz Francisco Schmidt foi extinguir essa estrutura de gestão, no contexto
de uma reformulação do quadro de secretarias promovida logo após a posse. Para
cumprir o papel das antigas secretarias foram criadas estruturas de gestão específicas,
dentro os quais o Departamento de Esportes, que até o momento se encontra esvaziado,
em termos de ações, de visibilidade e de destinação de recursos financeiros.

V. Um dos efeitos da extinção da Secretaria Municipal da Cultura, Esportes e Turismo,


e do esvaziamento financeiro do recém criado Departamento de Esportes, foi o fim da
parceria entre a prefeitura e os principais clubes esportivos da cidade, o CER Atlântico e
o Ypiranga Futebol Clube. O montante de recursos repassados aos dois clubes
mensalmente girava em torno de algo próximo a 27 mil reais para o Atlântico e 29 mil
reais para o Ypiranga. Como contrapartida, a prefeitura fazia uso das instalações dos
respectivos clubes em atividades esportivas e comunitárias organizadas ao longo do
ano. No caso do Atlântico, a estrutura do ginásio, banheiros, arquibancadas e
imediações eram utilizadas três vezes por semana na organização do campeonato
municipal de futsal, para as mais diversas categorias. Isso possibilitava que a
comunidade erechinense tivesse acesso a uma estrutura de grande qualidade, na qual,
inclusive, são disputadas competições nacionais e internacionais, com a participação de
atletas de ponta do futsal. Não há dúvida que a parceria era importante para todos: para
a comunidade, porque tinha acesso às instalações qualificadas dos dois clubes, e aos
clubes, porque, em tempos de vacas magras, recebiam um aporte financeiro mensal que
permitia qualificar a participação de suas equipes nas competições regionais e nacionais,
levando o nome da cidade para fora do Rio Grande do Sul.

VI. Certamente, um projeto de cidade que valoriza a prática esportiva não passa
exclusivamente por uma estrutura de gestão específica, ou pela relação da gestão
municipal com as principais entidades esportivas locais, contudo, não é possível
planejar o esporte na cidade sem considerá-las. Uma estrutura de gestão forte, com
visibilidade e dotada de recursos financeiros permite a qualificação do diálogo com a
comunidade sobre o esportes e o seu papel na cidade. Por outro lado, instituições
esportivas como o Atlântico e o Ypiranga são patrimônio da cidade e orgulham todos
nós, nascidos em Erechim ou que aqui decidimos construir nossas vidas. O governo
Schmidt está apenas no início de gestão e ainda há tempo para a mudança de rumos.
Erechim precisa de um projeto de cidade que contemple o esporte e o poder público tem
um papel decisivo nisso, sobretudo quando se divulga que o município possui mais de
10 milhões de reais em caixa.

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