Você está na página 1de 5

32ª aula

Sumário:
Lasers: noções básicas

Lasers: noções básicas

A Mecânica Clássica não se aplica a sistemas como moléculas, átomos ou


partículas sub-atómicas. Por vezes, ainda é possível tecer considerações de índole
clássica relativamente a esses sistemas mas, de uma maneira geral, é a Mecânica
Quântica que lhes é aplicável. A Mecânica Quântica é um corpo de doutrina
desenvolvido do primeiro quartel do séc. XX, que resultou do reconhecimento da
natureza ondulatória da matéria. Utiliza algumas ideias e conceitos que não têm paralelo
na Física Clássica, embora também faça uso de outros para os quais há
“correspondentes” na Física Clássica. Uma das inovações trazidas pela Mecânica
Quântica foi a descrição do sistema físico por uma função de onda. Como o próprio
nome indica trata-se de uma função matemática que tem a particularidade de conter toda
a informação relativa a um sistema quântico. Um electrão num átomo é uma partícula
quântica e o seu estado1 é descrito por uma função de onda. Quando um electrão deixa
um estado quântico e passa a estar noutro estado quântico, a sua função de onda
modifica-se.
Algumas ideias relativas aos estados quânticos dos electrões em torno do núcleo
atómico já são conhecidas do ensino secundário. Essas ideias bastam para se estudarem
os mecanismos básicos de funcionamento de um laser. Evidentemente que um
aprofundamento do tema exige um conhecimento também mais aprofundado de
Mecânica Quântica.
O modo de funcionamento de um laser, de facto, só pode ser descrito no quadro
da Mecânica Quântica pois a luz laser resulta da passagem de um electrão, em cada
átomo, de um estado excitado para um estado de energia mais baixa.
É sabido que cada estado quântico electrónico possui uma energia bem definida
e é descrito matematicamente por uma função de onda. Num átomo, as energias dos
vários estados electrónicos são discretas mas numa molécula ou num sólido podem
pertencer a um contínuo.
Um electrão num estado A, com energia EA pode transitar para um estado B,
com energia EB se absorver um quantum de radiação electromagnética com frequência
ν (lado esquerdo da Fig. 32.1). A energia do quantum deverá ser hν = E B − E A .

EB EB

absorção de fotão emissão de fotão


hν = EB−EA
(energia do fotão)

EA EA
EXCITAÇÃO DESEXCITAÇÃO
Figura 32.1

1
O Princípio de incerteza impede-nos de pormenorizar o estado cinemático de uma partícula quântica já
que, de acordo com a Mecânica Quântica, não é possível obter simultaneamente valores precisos de
posição e de momento linear. Esta impossibilidade não é tecnológica; é lógica.

1
Trata-se de um processo onde, evidentemente, há conservação de energia. O electrão
tem inicialmente energia EA e, depois da interacção com o fotão de energia hν , passa a
ter energia

E B = E A + hν . (32.1)

Insistimos − pois trata-se de um aspecto central − que a transição só pode ocorrer se a


energia do fotão for exactamente igual à diferença de energias dos dois estados A e B.
Na Fig. 32.1, estão representados dois níveis de energia. Mas para haver
transição de um estado A para um estado B não basta a presença de um fotão com a
frequência apropriada. Há certas transições que nunca ocorrem mesmo que o fotão
tenha a energia apropriada. A Mecânica Quântica diz-nos como se calcula a
probabilidade para a ocorrência da transição de um estado A para um estado de maior
energia tal como o estado B. No cálculo desta probabilidade entra o produto das funções
de onda dos estados A e B a multiplicar ainda por uma certa quantidade (notar que a
probabilidade não é simplesmente igual ao referido produto). Desta maneira, e sendo o
produto de funções uma operação comutativa, a Mecânica Quântica fornece para a
excitação uma probabilidade igual à da desexcitação. O processo de desexcitação está
representado no lado direito da Fig. 32.1. O estado B está inicialmente ocupado por um
electrão que pode transitar para um estado de energia mais baixa, como o estado A,
sendo o processo acompanhado da emissão de um fotão cuja frequência ν tem de
observar a Eq. (32.1).
A função de onda tem um significado físico claro: o quadrado do módulo dessa
função está directamente relacionado com a densidade de probabilidade de presença
(portanto o quadrado do módulo da função de onda, integrada em todo o espaço, é igual
à unidade pois o electrão tem de estar “lá”!). Os electrões não descrevem trajectórias
bem definidas (órbitas) em torno do núcleo. Contudo, não vamos sofisticar a
representação da “nuvem electrónica”: vamos antes representar um estado electrónico
por uma circunferência com centro no núcleo. Mas atenção! Trata-se de uma mera
representação esquemática, de algum modo inspirada no celebrizado “modelo de Bohr”
do átomo que não corresponde a uma descrição rigorosa da realidade... Na Fig. 32.2
representamos por circunferências os estados A e B. Na figura da esquerda o electrão
está no estado A e por absorção de um fotão de energia conveniente transita para o
estado B. Na parte direita mostra-se o processo inverso de desexcitação.


B electrão B
A + A +
núcleo

EXCITAÇÃO DESEXCITAÇÃO

Figura 32.2

2
Quando um electrão está num estado de energia alta acabará, mais tarde ou mais
cedo, por “decair” radiativamente para um estado de energia mais baixa. Ora, o tempo
de vida dos estados excitados não é sempre o mesmo. Podem os estados excitados
“viver” pouco tempo − tempos da ordem de 10−8 s − ou tempos muito grandes − da
ordem de alguns milissegundos. Os estados excitados com longos tempos de vida − da
ordem de 10−3 s − são designados meta-estáveis.
Já dissemos que se um fotão de energia apropriada é absorvido por um electrão,
induz uma transição deste para um estado de energia mais alta. Ora, também um fotão
do mesmo tipo pode provoca (ou estimula) a imediata desextitação de um átomo que se
encontre num estado meta-estável! Concretamente, se o átomo com o electrão no estado
B absorver radiação electromagnética de frequência ν , desexcita imediatamente com
emissão de um fotão idêntico ao que levou à excitação, como se mostra na Fig. 32.2.


radiação
incidente
radiação (estimulada)
emergente
B
A + hν

Figura 32.3

Fala-se, neste caso, em emissão estimulada. O aspecto crucial desta emissão


estimulada é o facto de os dois fotões (o incidente e o emitido de forma estimulada) se
propagarem em fase, numa mesma direcção, reforçando-se assim mutuamente. A
radiação produzida diz-se coerente. Então, se tivermos uma amostra de átomos
excitados no estado B, um simples fotão inicial pode desencadear um processo em
cadeia de desexcitação estimulada: um fotão “inicial” induz o aparecimento de dois
fotões idênticos; cada um deles induz o aparecimento de outros dois, e rapidamente
todos os átomos são afectados pelo processo em avalanche. O acrónimo LASER
significa justamente “Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”.
Poder-se-ia pensar que a mesma radiação se poderia obter esperando
simplesmente pelo decaimento espontâneo dos átomos excitados. Contudo, no
decaimento espontâneo, cada átomo emite numa direcção aleatória, independentemente
uns dos outros e em instantes diferentes. A radiação assim não é intensa. A grande
vantagem da emissão estimulada é a radiação ser proveniente de todos os átomos que
emitem praticamente em simultâneo e em fase (há interferência construtiva).
Numa amostra de átomos, na sua maioria estão no estado fundamental, embora
alguns possam estar em estados excitados que vão decaindo, ao mesmo tempo que
outros vão sendo excitados. Para haver efeito de emissão laser tem de haver inversão de
população, isto é terão de ser mais os átomos no estado excitado do que no
fundamental. Ora, muitos estados excitados têm tempos de vida da ordem do centésimo
de milionésimo de segundo o que é manifestamente pouco para que a emissão

3
estimulada seja efectiva: neste caso, a grande maioria dos decaimentos dá-se
espontaneamente.
Há, porém, estados que vivem muito mais tempo − da ordem do centésimo de segundo
− o que lhes confere condições para que possam participar em emissão laser.
Uma maneira de criar inversão de população entre um estado fundamental A e
um estado com potencialidade de emissão laser B, é através de um terceiro estado C que
viva pouco tempo. Por colisões ou descargas eléctricas pode excitar-se o átomo para o
estado C que é um típico estado instável com tempo médio de vida muito curto. A
escolha deste estado é determinada por ele decair rapidamente e predominantemente
para o estado meta-estável B, como se mostra na parte esquerda da Fig. 32.4. Quando
um fotão de energia hν = E B − E A incide no átomo no estado B dá-se a emissão laser
(lado direito da Fig. 32.4).

EC EC

EB EB

emissão laser

EA EA

Figura 32.4

É pertinente perguntar por que motivo não se “bombeiam” directamente os electrões do


estado A para o estado B? Recordemos que as transições A → B e B → A são
equivalentes e, sendo B um estado de vida longa, a probabilidade de decair
espontaneamente é pequena. Logo, a probabilidade de o popular também é pequena. Por
isso a bombagem de electrões de A para B é feita através de um terceiro estado C.
Uma dificuldade prática com a bombagem ser feita via estado C é a energia
deste estado ser bem definida o que exige, para a sua excitação exactamente a energia
E C − E A . Ora, se a excitação for feita por luz branca, o processo de bombagem é pouco
efectivo pois apenas uma frequência de todas as presentes servirá!
Em 1960 descobriu-se que os cristais de rubi possuíam uma propriedade que
permitia solucionar esta dificuldade. O rubi é óxido de alumínio, que é uma substância
incolor, contaminado por crómio que dá ao rubi a sua característica cor vermelha. Num
cristal de rubi os átomos de crómio apresentam bandas de energia e não níveis de
energia muito bem definidos. Estas bandas, que se representam na Fig. 32.5, são
“largas” (em energia, entenda-se!) pelo que bombear electrões para lá com luz branca a
partir do estado fundamental é muito mais efectivo do que no caso em que as bandas se
reduzem a um só nível. Cada uma das bandas radia para o estado B (este sim, sem
“largura”, ou “sharp” como se diz em inglês) susceptível de produzir emissão laser. A

4
luz branca que permite a excitação provém de uma lâmpada de flash. No caso do laser
de rubi a radiação tem comprimento de onda 693,4 nm.

ED

EC

EB

emissão laser

EA

Figura 32.5

Há muitos materiais − sólidos, líquidos ou gases − que, tal como o rubi têm
capacidade de emissão laser. O laser de hélio-néon que também emite no vermelho com
comprimento de onda 632,8 nm, usa um processo diferente do descrito para o rubi. Uma
corrente eléctrica permite a excitação de átomos de hélio do estado fundamental A para
o estado excitado B. Quando um átomo de hélio neste estado colide com um de néon no
estado fundamental A’, deixa-o num estado excitado C’ que tem acção laser quando
decai para um estado intermédio B’, como mostra o esquema da Fig. 32.6.

colisão
B C' emissão laser

B' λ = 632,8 nm
excitação
por impacto
de electrões
He Ne

A A'

Figura 32.6

Você também pode gostar