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CARL E. SCHORSKE Pensando com a hist6éria Indagagées na passagem para o modernismo Traducao Pedro Maia Soares A ne OOLk COMPANHIA = AS y.A historia e o estudo da cultura Ahistria é uma das poucas disciplinas que pode se gabar de ter uma musa, Clio, gracas a intelligentsia académica de Alexandria, que a designou para nosso oficio. Se hé alguma musa que tenha partilhado mais do que outras a naturezae odestino de uma mulher num mundo masculino, esta é Clio. Em 1988, realizou-se uma conferéncia no Scripps College* que enfatizouo grau em que a vida de Clio tem sido dependente. O titulo do simpésio era “Historia e...”.| Os participantes de varias disciplinas nao histéricas deveriam examinar suas relagdes com a histéria, numa série de pares ou acasalamentos: histéria e filosofia, histéria e antropologia etc. Eles deveriam refletir sobre os novos interesses pela historia que surgiram na cultura universitdria pés-moder- na, Mas observem que a histéria, embora no centro da investigagao, nao propde asquestdes. A conferéncia retine-se para investigar 0 valor de Clio como parcei- ta presente ou futura: ela € uma companheira satisfatoria? Ela enriquece, pode ou poderia enriquecer 0 desempenho de seus parceiros de outras disciplinas na contradanga académica? Como Clio deveria se comportar nesse jogo de encontros? “Instituigdo universitaria da Calif6rnia que oferece cursos de graduagao somente para mulheres. wt) Para o bem ou para o mal, a tinica coisa em que ela é realmente boa éem encontros. Em ambos os sentidos da palavra inglesa date: comouma medidae un, locus no tempo e como um encontro erético exploratério que pode levar auma relagao gratificante de duragao indeterminada. A fixago de Clio em datas, nop. meiro sentido, é profunda e séria. O calendério é para ela uma espécie de livo sagrado, mas ele a equipou mal para estabelecer uma existéncia auténoma oy uma fé encorpada. Todas as outras disciplinas se definem pelo tema, pelo campo ou pelos objetos de seus estudos (como a antropologia, a critica literdria,abiolo. gia), ou, ainda, por perseguir principios mediante rigorosos procedimentosmen- tais internos para criar um mundo de sentido (filosofia, matemitica).Nao €oque acontece com ahistéria. Ela nao tem campo nem principios proprios. Os histo- riadores podem escolher seu assunto €m qualquer dominio da experiéncia humana. As vezes, temos historiadores universais, que aspiraram a fazer do mundo inteiro sua ostra. Em momentos mais modestos, os historiadores fazem da ostra seu mundo — como quando estudam um episédio pequeno: um inci- dente diplomatico, ou, como hoje em dia, uma festa camponesa ou um dnico texto. Entretanto, eles sempre se preocuparam em descrever seus objetos de estu- do sob oaspecto da mudanga, sob a ordenagao do tempo. Eles podem delinear um temacomasimplicidade linear mais pura oucom a complexidade de textura mais densa, mas sempre sao fiéis a conviccao elementar de que o comego da sabedoria € saber se algo aconteceu antes ou depois de outra coisa. Desse modo, 0 historia- dor nao isola um poema ou um texto, como o analista literario, deixando-o ilu- minar sua particularidade autocontida, mas busca significagao observando 0 poema em sua relagéo com outros objetos numa série temporal. Ele nao dara ouvidos ao clamor irado do poeta Archibald MacLeish — “um poema nio deve significar, mas ser” —,? grito repetido mais tarde pelos adeptos do New Criticism e seus sucessores intratextualistas em todos os campos das artes, depois de anos de servidao ao efeito nivelador da historicizagao nas artes. Ha algo de parcial e duvidoso com respeito a fidelidade do historiador ao seu objeto, em comparagio (coma do especialista de uma disciplina definida por seu tema{O historiador per- | segue a anilise da particularidade do objeto (seja um poema, seja uma instituigio | ou uma unidade de cultura) somente até o ponto em que pode se apropriar dele - a5 como um elemento para teceram “um padrao plausivel de mudanga.

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