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Resumo
O presente artigo tem por objetivo identificar o novo papel do esporte, no contexto de
produção de políticas hegemônicas imperialistas, como estratégia de recomposição capitalista
de início de século XXI. Para tanto, apontará os esforços da ONU no estabelecimento de
consensos para o alívio da pobreza e para a promoção da paz entre os povos e o papel
atribuído por ela ao esporte. Em um segundo momento, abordará o caso da utilização do
esporte na política governamental brasileira, inserida no contexto das políticas neoliberais.
Palavras Chaves: Ofensiva Imperialista; Relatório da Força Tarefa da ONU; Política Nacional
do Esporte.
Abstract
The aim of this paper is to identify the sport’s new function in the context of imperialists’
politics, as a strategy of capitalist resetting, in the beginning of XXI century. For such, it
shows the efforts of the UN in the establishment of consensus for poverty relief and the peace
promotion between the people and the function attributed to the sport in this context. After
that, it analyzes the use of the sport in the Brazilian government politics, in the context of the
neoliberal politics.
Key words: Imperialism, UN Millennium Project Task Forces, National Politics of the Sport.
NOZAKI, H. T.; PENNA, A. P. . O novo papel do esporte no contexto da ofensiva
imperialista recolonizadora. Outubro (São Paulo), v. 16, p. 201-218, 2007.
A última década do século XX foi marcada pela inserção dos países na assim chamada
globalização2. Por outro lado, foi concomitantemente caracterizada por crises que
repercutiram por várias partes do globo terrestre, sobretudo, em alguns casos, manifestadas na
volatilidade do capital financeiro. Desde a crise européia de 1992, a qual determinou a
desvalorização das várias moedas (marco alemão, lira italiana), passando pelo México, em
1994, no período do agravamento de sua crise política, até os países assim chamados de tigres
asiáticos, em 1997, repercutindo no Japão, além do mais emblemático exemplo da América
do Sul, a Argentina, já no início deste século, entre outros, todos se tornaram exemplos da
evidência de como as crises se tornam inevitáveis, mesmo para aqueles que se colocam no
processo da assim chamada integração à globalização (CARVALHO, 1999).
Já a entrada para o século XXI também não trouxe mudanças significativas quanto às
1 Consideramos que a experiência vivida por países do leste europeu, entre outros, no século XX, e comumente
denominados de países do socialismo real, tratou-se efetivamente de Estados de centralismo burocrático, desde
Stálin, e não Estados socialistas, na concepção de Marx. Dessa forma, o presente texto não se referirá a tais
Estados como sendo socialistas ou do socialismo real. O intuito é evidenciar que o dito socialismo real tratou-se
de uma falácia do modelo soviético, porquanto um modelo centralista e burocrático, com um estamento de
Estado, operado inicialmente por Stálin e propagado até a sua falência, no final da década de 80.
2
Consideramos o processo assim denominado globalização como um aprofundamento do capitalismo
monopolista, em sua fase imperialista.
NOZAKI, H. T.; PENNA, A. P. . O novo papel do esporte no contexto da ofensiva
imperialista recolonizadora. Outubro (São Paulo), v. 16, p. 201-218, 2007.
apontar as inúmeras contribuições que o esporte pode oferecer para a concretização das Metas
de Desenvolvimento para o Milênio (MDMs) e que, para tanto: “Os esforços das Nações
Unidas no sentido de prestar assistência a diferentes países para que consigam as MDMs
incluem vários atores que trabalhem em parceria para o desenvolvimento sustentável e a
paz” (ibid.).
Assim, se por um lado o relatório ressalta os aspectos da pobreza e das desigualdades
espalhadas por todo o mundo, por outro, reforça o discurso da necessidade de elaboração de
regras que pautem atitudes individuais dentro das diversas culturas e sociedades. Tal proposta
defende que a harmonia do mundo, ainda que na sua lógica de funcionamento exploratória e
desumanizadora, deverá ser conquistada através da condução das ações de cada indivíduo,
dentro de suas especificidades, o que geraria uma convivência mundialmente tolerante.
Há, em toda a extensão do documento, a supervalorização de aspectos individuais e
que desligam o sujeito, enquanto ser social e coletivo, de sua história. Ou seja, reforça-se a
idéia de uma sociedade construída por sujeitos abstratos, discurso este marcante nas relações
sociais produzidas na atualidade. Partindo deste princípio, o Relatório alega que por ser “uma
ferramenta eficaz para a mobilização social” (ibid.), o esporte é, nesse sentido, capaz de
exercer influência sobre a saúde, reduzindo probabilidade de doenças, através da mobilização
social. Além deste aspecto, o relatório sinaliza para o potencial econômico significativo
contido no esporte, afirmando ser este um importante setor para a geração de empregos.
Afirma que o esporte constitui “também um ambiente-chave e uma atração natural para a
participação de voluntários. Além, disso, a prática de esporte apóia a preservação de um
meio ambiente limpo e saudável” (ibid.).
O esporte figura como uma ferramenta viável para conservar ou regenerar a estrutura e
a lógica de funcionamento capitalista. As contradições vividas no seio das relações sociais
assumem, neste contexto, uma aparência harmônica e natural.
É, portanto, pautado nos princípios aqui apresentados, que a Força Tarefa da ONU
recomenda, fortemente, que os países membros das Nações Unidas, se engajem na
implantação deste programa. O esporte, neste contexto, assume o papel da construção de
consensos e tolerância entre diferenças de todos os tipos, sobretudo as étnicas e raciais, tendo
em vista a cultura do medo e da intolerância retroalimentada a partir dos acontecimentos de
11 de setembro de 2001. Assim, o supracitado relatório utiliza-se do princípio de igualdade,
da participação e responsabilidade de cada indivíduo na conquista de benefícios para a
sociedade sem, em momento algum, identificar qualquer contradição entre classes sociais,
raça, religião, cultura, poder econômico, etc. Nesse sentido, o esporte é tratado como um
instrumento compensatório capaz de – desligado da totalidade das relações sociais – facilitar a
inclusão, sobretudo, dos pobres, mulheres, crianças e todos aqueles considerados incapazes,
portanto, à margem da sociedade. O esporte é perspectivado enquanto um agente do
desenvolvimento – capitalista – porquanto é promotor da paz. Destaca-se ainda a visão
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imperialista.
Observamos, nesta direção, a necessidade de uma análise crítica sobre a
institucionalização das atuais políticas para o esporte nacional, executadas pelo governo Lula
da Silva (2002 a 2006). Na perspectiva dos interesses deste governo, o esporte é eleito como
instrumento, por excelência, de inclusão social. Nossa reflexão objetiva, portanto, apontar a
utilização do esporte como parte da política assistencialista que busca legitimar os discursos
que seguem o caminho da efetiva construção da ofensiva recolonizadora do capital.
Iniciamos chamando a atenção para a consonância das políticas esportivas brasileiras
com as orientações dadas pela ONU para este setor. Tal constatação explicita-se na medida
em que passamos uma análise detida da construção da Política Nacional do Esporte.
Em meados de 2003, o Ministério do Esporte apresentou um documento que previa as
ações que serviriam de guia à construção da Política Nacional do Esporte, enfatizando seus
efeitos inéditos junto ao país (BRASÍLIA, 2004a). Reforçou, ainda, que tais políticas
“abrangem todos os tipos de esportes, da recreação à competição, e visam a beneficiar todos
os brasileiros, em especial os social e economicamente excluídos” (ibid.).
No mesmo documento, o Ministério do Esporte destacou a publicação do Relatório da
Força Tarefa da ONU (ONU, op. cit.), além de dar ênfase às palavras do Ministro quando o
mesmo afirma que: “é impressionante ver a sintonia que existe entre o que já estamos
fazendo aqui no Brasil e o que propõe a ONU” (BRASÍLIA, op.cit.). A partir destas
observações, o documento do Ministério do Esporte passa a discorrer sobre as semelhanças
entre as metas traçadas pelo relatório da ONU e as políticas para o esporte nacional.
O Ministro do Esporte ressalta que o esporte é capaz de introduzir nas crianças valores
como a “solidariedade, o respeito ao próximo, a tolerância, o sentido coletivo e a
cooperação” (ibid.). Além dessas qualidades, outras como vida saudável, capacidade de
liderança, disciplina, respeito às regras, noções de trabalho coletivo, também merecem
destaque no discurso do Ministro. Afirma, ainda, que o desenvolvimento desta política é
capaz de incluir socialmente 32 milhões de crianças pobres, alegando que a elas sempre foi
negado o acesso de esporte e lazer (ibid.). Cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio – tal como propõe a ONU – passa a ser, portanto, a prioridade nas ações do
Ministério do Esporte.
A 1ª Conferência Nacional do Esporte, realizada entre 17 a 20 de junho de 2004, em
Brasília, teve por principal objetivo, segundo o Ministério do Esporte, “debater o esporte
como política pública de inclusão social” (BRASÍLIA, 2004b), aprovando as bases para a
construção da Política Nacional do Esporte, aprovada pelo Conselho Nacional do Esporte em
junho de 2005, com forte ênfase na inclusão social e a indicação da necessidade de criação do
Sistema Nacional de Esporte e Lazer, temática da II Conferência, prevista para abril de 2006
(BRASÍLIA, 2005a)3.
Segundo o Ministério do Esporte, o governo Lula tem sido pioneiro na elaboração do
“Sistema Nacional do Esporte e Lazer, com eixos em políticas nacionais de gestão
participativa e controle social, de recursos humanos e de financiamento” (BRASÍLIA,
2004c). Constatamos que, desde as primeiras discussões até o desenvolvimento e implantação
da Política Nacional do Esporte, o governo federal segue o balizamento dado pelos
organismos de financiamento internacionais e, sobretudo, as orientações da ONU no que
tangem às Metas de Desenvolvimento para o Milênio.
3
Coletânia de Textos: Conferência Nacional do Esporte. Recentemente, aconteceu a 2ª Conferência Nacional do
Esporte, em Brasília, de 4 a 7 de maio de 2006. Este evento teve como eixo principal de seus debates a
construção do Sistema Nacional de Esporte e Lazer, além do incremento da campanha que tem por objetivo a
aprovação do projeto de Lei de Incentivo ao Esporte no Congresso Nacional.
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imperialista recolonizadora. Outubro (São Paulo), v. 16, p. 201-218, 2007.
O governo Lula tem sido alvo de inúmeras críticas em função da sua subserviência ao
capital estrangeiro e às orientações dos organismos internacionais. É, portanto, diante da
adequação às políticas neoliberais, que o país tem pautado suas políticas de incentivo ao
esporte nacional e, sobretudo, ao esporte escolar. O esporte, ao ser revestido pelo discurso do
acesso à cidadania, direito de todos, responsabilidade empresarial, dentre outros, ganha, no
governo Lula, status de esporte social. Nas declarações deste governo, o esporte é um
eficiente instrumento para a inclusão de crianças e jovens em situação de risco e que,
portanto, efetivar tal política representa dar oportunidade a uma parcela da população
brasileira de sentirem-se verdadeiros cidadãos. Para tanto, o discurso que tem sido veiculado
pela grande mídia se materializa na idéia do esporte como ferramenta da inclusão social e do
desenvolvimento humano, posto que o mesmo passa a ser considerado uma escola para a
vida.
Focado na viabilização dos denominados “Projetos Esportivos Sociais”, o governo
federal defende ser imprescindível a constituição de parceiros, afirmando que:
4
Como informa o Ministério do Esporte, sobre o Programa Segundo Tempo: “Trata-se de uma enorme
parceria, um verdadeiro pacto nacional pelo desenvolvimento humano de nossas crianças, por meio do esporte.
(...) Sua finalidade é, em primeiro lugar, democratizar o acesso à prática esportiva. Além de estender a
permanência da criança e do adolescente na escola, possibilitando o seu desenvolvimento integral” (Brasília,
op. cit.).
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Segundo o Ministério, esta lei cria a possibilidade de “incentivo ao esporte por meio de
doações e patrocínios de pessoas físicas e jurídicas que poderão abater 4% e no caso de
pessoas físicas, a dedução pode chegar a 6%” (BRASÍLIA, 2006b).
Durante discurso de abertura da 1ª Conferência Nacional do Esporte, o presidente Lula
deu ênfase ao programa Segundo Tempo reforçando, mais uma vez que “o eixo central da
política do esporte é a escola” (BRASÍLIA, 2004b). Na mesma oportunidade, o presidente
Lula ressaltou “a importância do esporte na formação do povo brasileiro” (ibid.), afirmando,
que, “junto com a educação, o esporte é a forma mais barata e importante de combater os
males que tomam conta da juventude brasileira, como o uso de drogas, a criminalidade e a
evasão escolar” (ibid.). Fez, ainda, o seguinte destaque:
Queremos fazer do esporte em nosso país uma política tão comum como
escovar os dentes. Desde a fase da disputa eleitoral, assumi o esporte como
instrumento fundamental do povo e o compromisso de que era preciso criar um
Ministério do Esporte no Brasil, separado do turismo que é hoje um setor
gerador de grande fonte de renda. O papel do Ministério do Esporte hoje é o de
fazer desabrochar milhares de talentos que temos no setor.(ibid.)
Outra face a ser destacada é a produção das campanhas do governo federal na busca de
promover e reforçar o sentimento nacionalista e o orgulho de ser brasileiro. Tais campanhas
apresentam-se como instrumento na disputa pela adesão das massas. Nesta direção, vários são
os projetos executados na construção do consenso no seio da sociedade brasileira. Dentre eles,
chamamos a atenção para a forma como vem sendo utilizada a imagem do esporte como
elemento de superação para toda e qualquer dificuldade vivenciada pelo povo e pela Nação
brasileira.
Destacamos, portanto, a insistência por parte do governo federal na divulgação de
campanhas que valorizem as conquistas esportivas em nosso país e os esforços
desempenhados pelos atletas brasileiros, profissionais e amadores. Imagens e depoimentos de
grandes nomes do esporte nacional ou a utilização de exemplos da vida de cidadãos comuns e
esportistas anônimos, os quais conseguem alcançar um lugar no pódio (do esporte ou da vida),
são exibidos como um incentivo à competitividade e constante busca pelo sucesso e, mais que
tudo isso, como conquista da cidadania.
A idéia central dessas campanhas passa pela valorização da força de vontade do
indivíduo, sendo este considerado o único responsável por suas vitórias e derrotas no jogo da
vida. Força de vontade, elevação da auto-estima entre outros sentimentos, parecem ser os pré-
requisitos para alcançar a superação das diversidades econômicas, sociais e culturais do
brasileiro.
Por outro lado, o tema Fator de desenvolvimento econômico é tratado pelo Ministério
do Esporte (op. cit.) como uma questão relevante, pois defende a idéia de que ao redor do
setor da economia ligado às atividades esportivas, funciona uma dinâmica econômica com
capacidade de gerar emprego e renda no mundo inteiro. Segundo o Ministério, graças a esta
dinâmica presente na economia brasileira, milhares de pessoas no país estão empregadas,
direta ou indiretamente.
Ressalta, também, a importância de se trazer para o país grandes eventos esportivos e
cita o exemplo dos Jogos Pan-americanos de 2007, que acontecerão no Rio de Janeiro. Chama
a atenção, para o fato de que estes eventos, “movimentam vultosas somas em obras físicas (...)
para cumprir exigências internacionais” (ibid.), além de abrir milhares de vagas de empregos
temporários.
A título de conclusão, destacamos nossa compreensão de que a utilização do esporte
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como instrumento capaz de, por si só, superar as desigualdades e promover a inclusão,
caracteriza a intimidade com as orientações que incentivam e propagam as políticas de alívio
à pobreza e de inserção de grupos específicos como o de mulheres e negros, por exemplo.
Essas políticas são fomentadas por organismos internacionais que propagam pelo mundo a
soberania da agenda neoliberal como indispensável ao desenvolvimento e sustentabilidade
dos Estados-Nação. Ao que tudo indica, essas políticas encontram um terreno muito fértil no
atual governo Lula da Silva. Como resultado de toda esta engrenagem, constata-se o enorme
déficit, ou, quase inexistência na prestação dos serviços públicos de qualidade e dos direitos
básicos à sociedade. É notável o acelerado desmoronamento do espaço público em detrimento
do espaço privado que remonta ao discurso construído em âmbito mundial, em plena crise
capitalista nas décadas de 1970-80, que apontava a hipertrofia do Estado-Nação como o
grande responsável pela crise do capitalismo. Portanto, o Estado enquanto figura responsável
pela promoção dos direitos sociais, orientador e organizador da sociedade aparece no discurso
liberal como um poder totalitário, capaz de sufocar a liberdade dos cidadãos e, na mesma
medida, ferir e comprometer a assim chamada democracia. Grosso modo, este foi o discurso
que deu origem à construção dos projetos neoliberais e que promoveu sua invasão, sobretudo,
nos países de economia periférica que o adotaram como política de Estado.
NOZAKI, H. T.; PENNA, A. P. . O novo papel do esporte no contexto da ofensiva
imperialista recolonizadora. Outubro (São Paulo), v. 16, p. 201-218, 2007.
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