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NOZAKI, H. T.; PENNA, A. P. .

O novo papel do esporte no contexto da ofensiva


imperialista recolonizadora. Outubro (São Paulo), v. 16, p. 201-218, 2007.

O NOVO PAPEL DO ESPORTE NO CONTEXTO DA


OFENSIVA IMPERIALISTA RECOLONIZADORA

Hajime Takeuchi Nozaki


Professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

Adriana Machado Penna


Professora da Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro

Resumo

O presente artigo tem por objetivo identificar o novo papel do esporte, no contexto de
produção de políticas hegemônicas imperialistas, como estratégia de recomposição capitalista
de início de século XXI. Para tanto, apontará os esforços da ONU no estabelecimento de
consensos para o alívio da pobreza e para a promoção da paz entre os povos e o papel
atribuído por ela ao esporte. Em um segundo momento, abordará o caso da utilização do
esporte na política governamental brasileira, inserida no contexto das políticas neoliberais.

Palavras Chaves: Ofensiva Imperialista; Relatório da Força Tarefa da ONU; Política Nacional
do Esporte.

Abstract

The aim of this paper is to identify the sport’s new function in the context of imperialists’
politics, as a strategy of capitalist resetting, in the beginning of XXI century. For such, it
shows the efforts of the UN in the establishment of consensus for poverty relief and the peace
promotion between the people and the function attributed to the sport in this context. After
that, it analyzes the use of the sport in the Brazilian government politics, in the context of the
neoliberal politics.

Key words: Imperialism, UN Millennium Project Task Forces, National Politics of the Sport.
NOZAKI, H. T.; PENNA, A. P. . O novo papel do esporte no contexto da ofensiva
imperialista recolonizadora. Outubro (São Paulo), v. 16, p. 201-218, 2007.

No século XX, o papel hegemônico cumprido pelo fenômeno esportivo foi


extensamente analisado, sobretudo quando este se tornou uma das manifestações de maior
peso no campo cultural mundial. Desde o final da segunda Guerra Mundial, o esporte é
apontado como um elemento forjado para atuar como propaganda na guerra fria, utilizado em
larga escala, tanto pelos países do bloco capitalista, quanto do bloco dos Estados
burocráticos1. O sucesso esportivo teria sido explorado como sendo um equivalente, no
campo cultural, do desenvolvimento econômico de determinado Estado-Nação. Nas ditaduras
dos países da América Latina, o esporte teria sido utilizado como um amortizador da luta de
classes.
Já no século XXI, com a derrocada dos Estados burocráticos do Leste Europeu e
pseudo-predomínio do sistema capitalista, o esporte ainda tem sido utilizado em sua dimensão
da espetacularização, normalmente ligada à dimensão da mercadorização, no contexto de um
sistema que se colapsa pela sua superprodução de mercadorias. Podemos perceber o
predomínio do esporte enquanto mercadoria de consumo, bem como a própria forma de
veiculação e propaganda de outras mercadorias, nem sempre ligadas ao seu contexto, ou à sua
imagem em torno da saúde. De outro modo, pode-se perceber o esporte como algo fabricado
pelas grandes corporações, que agem adaptadas ao mais alto grau da exploração capitalista
para a maximização de lucros.
A despeito da eleição do esporte enquanto mais um filão para determinados setores da
burguesia produtiva, é possível perceber a sua utilização também por parte de Estados
nacionais, reconfigurando seu papel desde a guerra fria. Assim, o objetivo deste ensaio é
apontar o novo papel atribuído para o esporte, no contexto das políticas hegemônicas
imperialistas, enquanto marcos da recomposição capitalista do início do século XXI,
aprofundando, em particular, o caso de sua utilização na política governamental brasileira.

O novo papel do esporte: alívio da pobreza e promoção da paz

A última década do século XX foi marcada pela inserção dos países na assim chamada
globalização2. Por outro lado, foi concomitantemente caracterizada por crises que
repercutiram por várias partes do globo terrestre, sobretudo, em alguns casos, manifestadas na
volatilidade do capital financeiro. Desde a crise européia de 1992, a qual determinou a
desvalorização das várias moedas (marco alemão, lira italiana), passando pelo México, em
1994, no período do agravamento de sua crise política, até os países assim chamados de tigres
asiáticos, em 1997, repercutindo no Japão, além do mais emblemático exemplo da América
do Sul, a Argentina, já no início deste século, entre outros, todos se tornaram exemplos da
evidência de como as crises se tornam inevitáveis, mesmo para aqueles que se colocam no
processo da assim chamada integração à globalização (CARVALHO, 1999).
Já a entrada para o século XXI também não trouxe mudanças significativas quanto às

1 Consideramos que a experiência vivida por países do leste europeu, entre outros, no século XX, e comumente
denominados de países do socialismo real, tratou-se efetivamente de Estados de centralismo burocrático, desde
Stálin, e não Estados socialistas, na concepção de Marx. Dessa forma, o presente texto não se referirá a tais
Estados como sendo socialistas ou do socialismo real. O intuito é evidenciar que o dito socialismo real tratou-se
de uma falácia do modelo soviético, porquanto um modelo centralista e burocrático, com um estamento de
Estado, operado inicialmente por Stálin e propagado até a sua falência, no final da década de 80.
2
Consideramos o processo assim denominado globalização como um aprofundamento do capitalismo
monopolista, em sua fase imperialista.
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perspectivas de saída da crise mundial. Em verdade, os próprios Estados Unidos da América,


a maior economia mundial, foram alvo de uma crise que, em certos aspectos, igualou algumas
dimensões sofridas somente nos dramáticos anos 30 do século passado. Um emblemático,
porém ainda fenomênico acontecimento que tomou atenção do mundo inteiro foi o ataque, em
11 de setembro de 2001, às torres gêmeas do World Trade Center e a outros pontos dos EUA,
entre eles, o Pentágono. Muito se comentou a respeito da desestabilização político-econômica
e da crise internacional que este episódio desencadeou, sobretudo por conta do desmonte do
capital financeiro, quando os índices NASDAQ e Dow Jones despencaram com equivalência
aos do crash da bolsa de 1929. Contudo, se transferirmos nosso olhar a um quadro de
contexto mais ampliado, perceberemos que a economia norte-americana já acumulava, em
setembro de 2001, doze meses consecutivos de queda na sua produção industrial, conforme
dados do próprio Federal Reserve Board (Fed), o seu Banco Central (GAZETA
MERCANTIL, 2001). A taxa de ociosidade da indústria, que em última instância reflete o
nível de desemprego, era a maior desde junho de 1983, data relativa, por sua vez, ao início de
implantação do neoliberalismo enquanto estratégia de gerência da crise internacional da
década de 70. O Departamento do Trabalho dos EUA, segundo Daniel Altman (2003),
divulgou que o índice de desemprego daquele país, em 2003, teve o valor mais elevado em
nove anos.
Foi justamente o ataque sofrido em território norte-americano que serviu como
justificativa, sob o pretexto do combate ao terrorismo, para lançar nova ofensiva imperialista
recolonizadora e, assim, tentar gerir a crise do capital. Desde então, assistimos às várias
notícias propagadas pela imprensa mundial, dos massacres do exército norte-americano no
Afeganistão e no Iraque, além do apoio tácito aos incessantes ataques do governo israelense
contra os palestinos, estratégias estas que escondem a tentativa de controle petrolífero e
ideológico da área. Se George Bush encontrava dificuldades para aprovar no Congresso
americano leis que diziam respeito aos armamentos, após o episódio de 11 de setembro,
conseguiu não só o consenso nacional, como de outras lideranças internacionais, entre elas a
do ministro Tony Blair, caudatário do trabalhismo inglês e que hoje se rende ao capital
financeiro. Em 2001, o orçamento militar dos EUA somava US$ 307 bilhões, aumentando
para US$ 339, em 2002, com a projeção de se chegar a US$ 451 bilhões, em 2007.
(WELMOWICKI, 2002)
É exatamente no contexto da ofensiva imperialista recolonizadora que devemos
compreender o novo papel atribuído ao esporte, sem descartar os demais papéis já analisados
e expostos sucintamente no início do texto. Para tal, apontamos os esforços internacionais,
organizados pela Organização das Nações Unidas (ONU), no intuito de estabelecer consensos
para o alívio da pobreza e promoção da assim chamada paz entre os povos, nos marcos da
recomposição capitalista. Neste ponto, destacamos que, desde setembro de 2000, reuniram-se,
em Nova York, líderes de 191 países, membros da ONU, na intenção de definir estratégias até
2015, denominadas Metas do Milênio, para garantir a qualidade de vida e a diminuição da
pobreza em todo mundo. O Projeto do Milênio foi constituído pelo Secretário-Geral das
Nações Unidas, Kofi Annan, em 2002, para desenvolver um plano de ação concreto para que
se reverta o quadro de pobreza, fome e doenças o qual afeta bilhões de pessoas no mundo. O
Plano Global propunha soluções para que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
fossem alcançados até 2015 (BRASÍLIA, 2005b).
Como parte deste mesmo projeto, em 2002, Annan reuniu uma Força Tarefa com
intuito de envolver o esporte no sistema das Nações Unidas. Tal esforço foi registrado em um
documento denominado “Relatório da Força Tarefa entre Agências das Nações Unidas
sobre o Esporte para o Desenvolvimento e a Paz: em direção à realização das metas de
desenvolvimento do milênio” (ONU, 2003). A idéia central do relatório, concentra-se em
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apontar as inúmeras contribuições que o esporte pode oferecer para a concretização das Metas
de Desenvolvimento para o Milênio (MDMs) e que, para tanto: “Os esforços das Nações
Unidas no sentido de prestar assistência a diferentes países para que consigam as MDMs
incluem vários atores que trabalhem em parceria para o desenvolvimento sustentável e a
paz” (ibid.).
Assim, se por um lado o relatório ressalta os aspectos da pobreza e das desigualdades
espalhadas por todo o mundo, por outro, reforça o discurso da necessidade de elaboração de
regras que pautem atitudes individuais dentro das diversas culturas e sociedades. Tal proposta
defende que a harmonia do mundo, ainda que na sua lógica de funcionamento exploratória e
desumanizadora, deverá ser conquistada através da condução das ações de cada indivíduo,
dentro de suas especificidades, o que geraria uma convivência mundialmente tolerante.
Há, em toda a extensão do documento, a supervalorização de aspectos individuais e
que desligam o sujeito, enquanto ser social e coletivo, de sua história. Ou seja, reforça-se a
idéia de uma sociedade construída por sujeitos abstratos, discurso este marcante nas relações
sociais produzidas na atualidade. Partindo deste princípio, o Relatório alega que por ser “uma
ferramenta eficaz para a mobilização social” (ibid.), o esporte é, nesse sentido, capaz de
exercer influência sobre a saúde, reduzindo probabilidade de doenças, através da mobilização
social. Além deste aspecto, o relatório sinaliza para o potencial econômico significativo
contido no esporte, afirmando ser este um importante setor para a geração de empregos.
Afirma que o esporte constitui “também um ambiente-chave e uma atração natural para a
participação de voluntários. Além, disso, a prática de esporte apóia a preservação de um
meio ambiente limpo e saudável” (ibid.).
O esporte figura como uma ferramenta viável para conservar ou regenerar a estrutura e
a lógica de funcionamento capitalista. As contradições vividas no seio das relações sociais
assumem, neste contexto, uma aparência harmônica e natural.

“O esporte pode atravessar as barreiras que dividem as sociedades, tornando-o


assim uma poderosa ferramenta para apoiar esforços de prevenção de conflitos
e de construção da paz, tanto simbolicamente no nível global, quanto de
maneira bastante prática dentro das comunidades. Quando aplicados
eficazmente, os programas de esportes promovem a integração social e
fomentam a tolerância, ajudando reduzir a tensão e gerar diálogo. O poder
de organização e reunião do esporte o torna uma ferramenta ainda mais eficaz
para a comunicação e a conscientização” (ibid.).

É, portanto, pautado nos princípios aqui apresentados, que a Força Tarefa da ONU
recomenda, fortemente, que os países membros das Nações Unidas, se engajem na
implantação deste programa. O esporte, neste contexto, assume o papel da construção de
consensos e tolerância entre diferenças de todos os tipos, sobretudo as étnicas e raciais, tendo
em vista a cultura do medo e da intolerância retroalimentada a partir dos acontecimentos de
11 de setembro de 2001. Assim, o supracitado relatório utiliza-se do princípio de igualdade,
da participação e responsabilidade de cada indivíduo na conquista de benefícios para a
sociedade sem, em momento algum, identificar qualquer contradição entre classes sociais,
raça, religião, cultura, poder econômico, etc. Nesse sentido, o esporte é tratado como um
instrumento compensatório capaz de – desligado da totalidade das relações sociais – facilitar a
inclusão, sobretudo, dos pobres, mulheres, crianças e todos aqueles considerados incapazes,
portanto, à margem da sociedade. O esporte é perspectivado enquanto um agente do
desenvolvimento – capitalista – porquanto é promotor da paz. Destaca-se ainda a visão
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empresarial quando o documento sugere a realização de parcerias para a implantação de


programas esportivos:

“1. O esporte deve ser bem integrado na agenda do desenvolvimento. 2.


O esporte deve ser incorporado como uma ferramenta útil nos
programas para o desenvolvimento e a paz. 3. As iniciativas baseadas
no esporte devem ser incluídas nos programas de país das Agências das
Nações Unidas conforme apropriado e de acordo com necessidades
localmente avaliadas. 4. Programas que promovem o esporte para o
desenvolvimento e a paz necessitam de mais atenção e recursos por parte
dos Governos e sistema das Nações Unidas. 5. As atividades baseadas na
comunicação que utilizam o esporte devem focalizar na mobilização
social e na conscientização do bem-direcionados, particularmente nos
níveis nacional e local. 6. Uma recomendação final da Força Tarefa é que
a maneira mais eficaz de implementar os programas que usam o esporte
para o desenvolvimento e a paz é através de parcerias” (ibid., grifos
nossos).

Portanto, nos marcos da ofensiva econômica, política e militar, situam-se também as


ofensivas cultural e ideológica, incluindo-se a utilização do esporte como instrumento
apaziguador dos conflitos. É claro o seu papel domesticador no contexto das invasões
militares promovidas pela ofensiva imperialista. De um lado, assistimos a incursão norte-
americana no Oriente Médio. Por outro lado, a ONU, responsável por políticas de amenização
das desigualdades sociais e organizadora de missões de paz pelo mundo inteiro, autorizou o
envio de tropas brasileiras para o Haiti, as quais, desde junho de 2004, ocupavam o país, à
época da deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide, reprimindo mobilizações e ações
insurgentes contra a ordem capitalista. Em meio à crise e à guerra, a seleção brasileira de
futebol foi enviada para amistoso contra a seleção haitiana, como gesto de paz e
confraternização, configurando-se em um evento amplamente divulgado pelos meios de
comunicação.
Segundo o governo brasileiro, o objetivo era o de fortalecer a paz e a amizade entre os
dois países, além de elevar a auto-estima daquele povo. Nesta oportunidade, o presidente Lula
disse estar confiante na missão que coube às Forças Amadas brasileiras de “levar a paz e
restabelecer a democracia naquele país” (BRASÍLIA, 2004d). Afirmou, ainda, na mesma
oportunidade, que “a manutenção da paz tem seu preço, e esse preço é o da participação”
(ibid.).
Os jogadores brasileiros, os mesmos que possuem contratos milionários e são
patrocinados por grandes corporações esportivas, desfilavam em tanques pela capital haitiana,
seguidos por uma multidão de fãs, os quais corriam atrás dos tanques, como se aguardassem
que um verdadeiro milagre, vindo daqueles jogadores, pudesse modificar suas reais condições
de existência.

O esporte no Brasil, no contexto da ofensiva imperialista

Ao caracterizarmos o fenômeno esportivo dentro do atual cenário mundial, de


constante busca de recomposição do capital, torna-se relevante uma investigação de como tal
fenômeno se apresenta no Brasil em tempos de adesão e aprofundamento da ofensiva
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imperialista.
Observamos, nesta direção, a necessidade de uma análise crítica sobre a
institucionalização das atuais políticas para o esporte nacional, executadas pelo governo Lula
da Silva (2002 a 2006). Na perspectiva dos interesses deste governo, o esporte é eleito como
instrumento, por excelência, de inclusão social. Nossa reflexão objetiva, portanto, apontar a
utilização do esporte como parte da política assistencialista que busca legitimar os discursos
que seguem o caminho da efetiva construção da ofensiva recolonizadora do capital.
Iniciamos chamando a atenção para a consonância das políticas esportivas brasileiras
com as orientações dadas pela ONU para este setor. Tal constatação explicita-se na medida
em que passamos uma análise detida da construção da Política Nacional do Esporte.
Em meados de 2003, o Ministério do Esporte apresentou um documento que previa as
ações que serviriam de guia à construção da Política Nacional do Esporte, enfatizando seus
efeitos inéditos junto ao país (BRASÍLIA, 2004a). Reforçou, ainda, que tais políticas
“abrangem todos os tipos de esportes, da recreação à competição, e visam a beneficiar todos
os brasileiros, em especial os social e economicamente excluídos” (ibid.).
No mesmo documento, o Ministério do Esporte destacou a publicação do Relatório da
Força Tarefa da ONU (ONU, op. cit.), além de dar ênfase às palavras do Ministro quando o
mesmo afirma que: “é impressionante ver a sintonia que existe entre o que já estamos
fazendo aqui no Brasil e o que propõe a ONU” (BRASÍLIA, op.cit.). A partir destas
observações, o documento do Ministério do Esporte passa a discorrer sobre as semelhanças
entre as metas traçadas pelo relatório da ONU e as políticas para o esporte nacional.
O Ministro do Esporte ressalta que o esporte é capaz de introduzir nas crianças valores
como a “solidariedade, o respeito ao próximo, a tolerância, o sentido coletivo e a
cooperação” (ibid.). Além dessas qualidades, outras como vida saudável, capacidade de
liderança, disciplina, respeito às regras, noções de trabalho coletivo, também merecem
destaque no discurso do Ministro. Afirma, ainda, que o desenvolvimento desta política é
capaz de incluir socialmente 32 milhões de crianças pobres, alegando que a elas sempre foi
negado o acesso de esporte e lazer (ibid.). Cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio – tal como propõe a ONU – passa a ser, portanto, a prioridade nas ações do
Ministério do Esporte.
A 1ª Conferência Nacional do Esporte, realizada entre 17 a 20 de junho de 2004, em
Brasília, teve por principal objetivo, segundo o Ministério do Esporte, “debater o esporte
como política pública de inclusão social” (BRASÍLIA, 2004b), aprovando as bases para a
construção da Política Nacional do Esporte, aprovada pelo Conselho Nacional do Esporte em
junho de 2005, com forte ênfase na inclusão social e a indicação da necessidade de criação do
Sistema Nacional de Esporte e Lazer, temática da II Conferência, prevista para abril de 2006
(BRASÍLIA, 2005a)3.
Segundo o Ministério do Esporte, o governo Lula tem sido pioneiro na elaboração do
“Sistema Nacional do Esporte e Lazer, com eixos em políticas nacionais de gestão
participativa e controle social, de recursos humanos e de financiamento” (BRASÍLIA,
2004c). Constatamos que, desde as primeiras discussões até o desenvolvimento e implantação
da Política Nacional do Esporte, o governo federal segue o balizamento dado pelos
organismos de financiamento internacionais e, sobretudo, as orientações da ONU no que
tangem às Metas de Desenvolvimento para o Milênio.

3
Coletânia de Textos: Conferência Nacional do Esporte. Recentemente, aconteceu a 2ª Conferência Nacional do
Esporte, em Brasília, de 4 a 7 de maio de 2006. Este evento teve como eixo principal de seus debates a
construção do Sistema Nacional de Esporte e Lazer, além do incremento da campanha que tem por objetivo a
aprovação do projeto de Lei de Incentivo ao Esporte no Congresso Nacional.
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O governo Lula tem sido alvo de inúmeras críticas em função da sua subserviência ao
capital estrangeiro e às orientações dos organismos internacionais. É, portanto, diante da
adequação às políticas neoliberais, que o país tem pautado suas políticas de incentivo ao
esporte nacional e, sobretudo, ao esporte escolar. O esporte, ao ser revestido pelo discurso do
acesso à cidadania, direito de todos, responsabilidade empresarial, dentre outros, ganha, no
governo Lula, status de esporte social. Nas declarações deste governo, o esporte é um
eficiente instrumento para a inclusão de crianças e jovens em situação de risco e que,
portanto, efetivar tal política representa dar oportunidade a uma parcela da população
brasileira de sentirem-se verdadeiros cidadãos. Para tanto, o discurso que tem sido veiculado
pela grande mídia se materializa na idéia do esporte como ferramenta da inclusão social e do
desenvolvimento humano, posto que o mesmo passa a ser considerado uma escola para a
vida.
Focado na viabilização dos denominados “Projetos Esportivos Sociais”, o governo
federal defende ser imprescindível a constituição de parceiros, afirmando que:

“O esporte e a prática regular de atividades físicas são instrumentos de


desenvolvimento humano e de melhoria da qualidade de vida de toda a
sociedade. O acesso a atividades de esporte e lazer, em nosso país, deve ser
assegurado a todas as pessoas, independente de idade, de gênero ou de raça.
Para ampliar o acesso a essas atividades, o Ministério do Esporte mantém
programas como o Segundo Tempo4 e o Esporte e Lazer da Cidade. O
Segundo Tempo, que atende um público de crianças e adolescentes, tem
grande repercussão por funcionar em parceria tanto com o setor público
quanto com o privado. O Segundo Tempo já é considerado o maior programa
sócio-esportivo do mundo, desenvolvendo atividades esportivas em um
segundo turno escolar, com reforço alimentar e escolar gratuitos. A parceria
com empresas pode ser viabilizada sem custo financeiro e com impacto
positivo na imagem do investidor. Basta que a empresa elabore ou
identifique um projeto para atender crianças e adolescentes de
comunidades em situação de risco social e destine parte do seu imposto de
renda para o financiamento desse projeto” (BRASÍLIA, 2006a).

No que tange ao Programa Segundo Tempo, o Ministério do Esporte esclarece que


este prevê um horário adicional na escola, ocupado com atividades esportivas, “sob a
orientação de uma enorme rede de professores de educação física e monitores estagiários,
treinados e contratados para este fim” (ibid.).
O Ministério do Esporte conta com a parceria de várias instituições para a execução do
Programa Segundo Tempo. Entre elas estão o Ministério da Educação, da Segurança
Alimentar, da Defesa, do Trabalho e da Assistência Social. Participam dele, também empresa,
clubes sociais e esportivos, ONGs, universidades, Forças Armadas, os governos estaduais e
municipais, o Corpo de Bombeiros e os policias, os sindicatos e as associações profissionais.
No tocante às parcerias com empresas privadas, o Ministério do Esporte tem se empenhado
no sentido de acelerar o processo de aprovação da Lei de Incentivo ao Esporte Nacional.

4
Como informa o Ministério do Esporte, sobre o Programa Segundo Tempo: “Trata-se de uma enorme
parceria, um verdadeiro pacto nacional pelo desenvolvimento humano de nossas crianças, por meio do esporte.
(...) Sua finalidade é, em primeiro lugar, democratizar o acesso à prática esportiva. Além de estender a
permanência da criança e do adolescente na escola, possibilitando o seu desenvolvimento integral” (Brasília,
op. cit.).
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Segundo o Ministério, esta lei cria a possibilidade de “incentivo ao esporte por meio de
doações e patrocínios de pessoas físicas e jurídicas que poderão abater 4% e no caso de
pessoas físicas, a dedução pode chegar a 6%” (BRASÍLIA, 2006b).
Durante discurso de abertura da 1ª Conferência Nacional do Esporte, o presidente Lula
deu ênfase ao programa Segundo Tempo reforçando, mais uma vez que “o eixo central da
política do esporte é a escola” (BRASÍLIA, 2004b). Na mesma oportunidade, o presidente
Lula ressaltou “a importância do esporte na formação do povo brasileiro” (ibid.), afirmando,
que, “junto com a educação, o esporte é a forma mais barata e importante de combater os
males que tomam conta da juventude brasileira, como o uso de drogas, a criminalidade e a
evasão escolar” (ibid.). Fez, ainda, o seguinte destaque:

Queremos fazer do esporte em nosso país uma política tão comum como
escovar os dentes. Desde a fase da disputa eleitoral, assumi o esporte como
instrumento fundamental do povo e o compromisso de que era preciso criar um
Ministério do Esporte no Brasil, separado do turismo que é hoje um setor
gerador de grande fonte de renda. O papel do Ministério do Esporte hoje é o de
fazer desabrochar milhares de talentos que temos no setor.(ibid.)

Outra face a ser destacada é a produção das campanhas do governo federal na busca de
promover e reforçar o sentimento nacionalista e o orgulho de ser brasileiro. Tais campanhas
apresentam-se como instrumento na disputa pela adesão das massas. Nesta direção, vários são
os projetos executados na construção do consenso no seio da sociedade brasileira. Dentre eles,
chamamos a atenção para a forma como vem sendo utilizada a imagem do esporte como
elemento de superação para toda e qualquer dificuldade vivenciada pelo povo e pela Nação
brasileira.
Destacamos, portanto, a insistência por parte do governo federal na divulgação de
campanhas que valorizem as conquistas esportivas em nosso país e os esforços
desempenhados pelos atletas brasileiros, profissionais e amadores. Imagens e depoimentos de
grandes nomes do esporte nacional ou a utilização de exemplos da vida de cidadãos comuns e
esportistas anônimos, os quais conseguem alcançar um lugar no pódio (do esporte ou da vida),
são exibidos como um incentivo à competitividade e constante busca pelo sucesso e, mais que
tudo isso, como conquista da cidadania.
A idéia central dessas campanhas passa pela valorização da força de vontade do
indivíduo, sendo este considerado o único responsável por suas vitórias e derrotas no jogo da
vida. Força de vontade, elevação da auto-estima entre outros sentimentos, parecem ser os pré-
requisitos para alcançar a superação das diversidades econômicas, sociais e culturais do
brasileiro.
Por outro lado, o tema Fator de desenvolvimento econômico é tratado pelo Ministério
do Esporte (op. cit.) como uma questão relevante, pois defende a idéia de que ao redor do
setor da economia ligado às atividades esportivas, funciona uma dinâmica econômica com
capacidade de gerar emprego e renda no mundo inteiro. Segundo o Ministério, graças a esta
dinâmica presente na economia brasileira, milhares de pessoas no país estão empregadas,
direta ou indiretamente.
Ressalta, também, a importância de se trazer para o país grandes eventos esportivos e
cita o exemplo dos Jogos Pan-americanos de 2007, que acontecerão no Rio de Janeiro. Chama
a atenção, para o fato de que estes eventos, “movimentam vultosas somas em obras físicas (...)
para cumprir exigências internacionais” (ibid.), além de abrir milhares de vagas de empregos
temporários.
A título de conclusão, destacamos nossa compreensão de que a utilização do esporte
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como instrumento capaz de, por si só, superar as desigualdades e promover a inclusão,
caracteriza a intimidade com as orientações que incentivam e propagam as políticas de alívio
à pobreza e de inserção de grupos específicos como o de mulheres e negros, por exemplo.
Essas políticas são fomentadas por organismos internacionais que propagam pelo mundo a
soberania da agenda neoliberal como indispensável ao desenvolvimento e sustentabilidade
dos Estados-Nação. Ao que tudo indica, essas políticas encontram um terreno muito fértil no
atual governo Lula da Silva. Como resultado de toda esta engrenagem, constata-se o enorme
déficit, ou, quase inexistência na prestação dos serviços públicos de qualidade e dos direitos
básicos à sociedade. É notável o acelerado desmoronamento do espaço público em detrimento
do espaço privado que remonta ao discurso construído em âmbito mundial, em plena crise
capitalista nas décadas de 1970-80, que apontava a hipertrofia do Estado-Nação como o
grande responsável pela crise do capitalismo. Portanto, o Estado enquanto figura responsável
pela promoção dos direitos sociais, orientador e organizador da sociedade aparece no discurso
liberal como um poder totalitário, capaz de sufocar a liberdade dos cidadãos e, na mesma
medida, ferir e comprometer a assim chamada democracia. Grosso modo, este foi o discurso
que deu origem à construção dos projetos neoliberais e que promoveu sua invasão, sobretudo,
nos países de economia periférica que o adotaram como política de Estado.
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