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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol.

38, nº 4, e4306 (2016) Artigos Gerais


www.scielo.br/rbef cbnd
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0110 Licença Creative Commons

Os cem anos do átomo de Sommerfeld


A hundred years of Sommerfeld’s atom

J. P. Braga∗
Departamento de Quı́mica, Universidade Federal de Minas Gerais (31270-901) Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

Recebido em 19 de maio, 2016. Revisado em 20 de junho, 2016. Aceito em 21 de junho, 2016

O presente trabalho discute o modelo do átomo de Sommerfeld não relativı́stico no contexto da


mecânica quântica antiga. No intuito de deixar o trabalho completo são também discutidas as energias
da partı́cula na caixa, rotor rı́gido e oscilador harmônico. Uma introdução histórica da mecânica quântica
antiga e uma discussão qualitativa do correspondente modelo relativı́stico são também elaborados. O
texto apresentado pode ser acompanhado por estudantes de graduação.
Palavras-chave: Átomo de Sommerfeld, Mecânica quântica ântiga, Regras de Wilson-Sommerfeld.

The present work discuss the Sommerfeld atom in the non-relativistic domain, using the old quantum
mechanics formulation. The particle in a box, rigid rotor and harmonic oscillator energies are considered,
to make the text complete. An historical introduction and a qualitative presentation of the relativistic
formulation are also discussed. The text was prepared in a way to make it acessible to an undergraduated
student.
Keywords: Sommerfeld atom, Old quantum theory, Wilson-Sommerfeld quantization rules.

1. Introdução mente usado por sua didática clara [3]. No perı́odo


da mecânica quântica antiga, perı́odo entre a pro-
Arnold Johannes Wilhelm Sommerfeld(1869-1951) posta do quantum de ação por Max Planck até o
fundou uma escola respeitável de colaboradores surgimento da mecânica quântica, ele escreve o texto
como, Hans Bethe, Peter Debye, Werner Heisenberg Atombau und Spektrallinien [4], editado em 1919, e
e Wolfgang Pauli, todos alunos de doutorado e com quatro edições até 1924. Mesmo depois do surgi-
ganhadores do Prêmio Nobel. Na lista de outros mento da mecânica quântiga o livro foi dividido em
estudantes deve-se incluir Alfred Landé (fator g duas partes e chegou na sua sexta edição em 1944 [5].
de Landé em espectroscopia atômica) e Wilhelm
Lenz(do vetor de Laplace-Runge-Lenz). Dois ou- A combinação dos fundamentos teóricos com apli-
tros colaboradores importantes foram Walter Hei- cações práticas fez da escola de Sommerfeld única na
tler(estudo quântico da molécula de H2 , modelo de sua época. Por exemplo, em 1909, Sommerfeld teria
Heitler-London) e Linus Pauling, ganhador de dois recusado a escrever um curso de fı́sica teórica em
prêmios Nobel. Sommerfeld foi indicado, entre 1917 conjunto com Max Planck, pois achava que a fı́sica
e 1950, 81 vezes ao Prêmio Nobel de Fı́sica, mais teórica deveria ser baseada também em aplicações
do que qualquer outro fı́sico [1, 2]. práticas, além das teóricas. Diante dessa recusa
Planck escreve a Sommerfeld: I have been thinking
O seu curso de fı́sica em seis volumes, Mecânica that we would, in a certain sense, complement each
Clássica, Mecânica dos Corpos Deformáveis, Ele- other well [2].
trodinâmica, Óptica, Termodinâmica e Mecânica
Estatı́stica e Equações Diferenciais Parciais, é ampla-

Endereço de correspondência: jpbraga@ufmg.br.

Copyright by Sociedade Brasileira de Fı́sica. Printed in Brazil.


e4306-2 Os cem anos do átomo de Sommerfeld

É preciso deixar claro que Sommerfeld procu- o estudo detalhado do átomo de Sommerfeld, ao
rava a combinação de aspectos teóricos e práticos, contrário do estudo do átomo de Bohr, não é geral-
não evitando nenhum dos dois. O trabalho desen- mente abordado em livros texto.
volvido no átomo de Sommerfeld, como discutido
no presente trabalho, deixará esse ponto evidente.
O tratamento matemático rigoroso, do ponto de
vista relativı́stico e não relativı́stco, tinha um obje- 2. Max Planck na conferência Solvay de
tivo claro: explicar as linhas adicionais no espectro 1911
atômico. Na escola de Sommerfeld o estudante
era incentivado a discutir questões de economia, A importância do quantum de ação proposta por
questões militares e aplicações tecnológicas. Uma Max Planck em 1901 fica evidenciada quando, em
discussão aprofundada e mais detalhada da escola 1911, os cientistas de maior expressão da época
de Sommerfeld pode ser encontrada na referência [2]. se encontraram na primeira Conferência Solvay,
cujo tema foi The Theory of Radiation and the
Entende-se por mecânica quântica antiga a teoria Quanta [12]. Planck e Sommerfeld estavam presen-
desenvolvida no perı́odo aproximadamente de 1900 tes nessa conferência, mas há de se notar a ausência
até 1925, em que conceitos clássicos eram aplicados de Niels Bohr.
em conjunto com a ideia do quantum de ação [6].
Nesse mesmo perı́odo, desenvolve-se um conjunto de Planck tinha convicção de que uma explicação
propostas revolucionárias que abandonavam os con- do quantum de ação teria de envolver a mecânica
ceitos clássicos, como por exemplo, a lei da radiação clássica. Para tentar achar um lugar da discretização
de Rayleigh-Jeans, estudo do efeito fotoéletrico, na mecânica clássica, Planck apoiava-se no princı́pio
experiência de Franck-Hertz, estudo da capacidade da ação mı́nima, certamente o princı́pio mais ge-
calorı́ficas a baixas temperaturas, efeito Compton, ral da mecânica clássica com aplicações em várias
dualidade onda-partı́cula, princı́pio de exclusão de áreas [13].
Pauli. Vários outros exemplos desse perı́odo po-
dem ser mencionados como discutidos em livros Quando as equações de movimento da mecânica
históricos ou conceituais da teoria quântica [7, 8]. clássica são escritas, fica implı́cito a validade do
princı́pio da ação mı́nima. Para que a forma das
O principal objetivo do presente trabalho é o equações de movimento ficasse invariante numa
de discutir o átomo de Sommerfeld [9] no con- transformação devia-se satisfazer o teorema de que
texto da mecânica quântica antiga, com etapas que a área no espaço de fase, espaço p × q, ficasse
possam ser acompanhadas por estudantes de gra- constante nesse transformação, transoformação dita
duação. Uma discussão detalhada será apresentada canônica [14]. Planck investigou a relação teórica
no contexto não relativı́stico, enquanto as etapas desse teorema com a quantização da energia, pos-
necessárias para o entendimento do modelo rela- tulando que a área no espaço de fase deveria ser
tivı́stico serão indicadas. Os resultados obtidos pela proporcional à constante h(constante de Planck),
mecânica quântica antiga para o caso da partı́cula
na caixa, rotor rı́gido e oscilador harmônico são
também apresentados, com o intuito de deixar o
Z Z
A= dpdq = h (1)
texto mais completo. A aceitação dessas energias
é introduzida normalmente sem prova (exceto pela
energia do átomo de Bohr) nos cursos básicos de
quı́mica e fı́sica. A mecânica quântica antiga serve, Observe que a unidade da área [pq] = [mvvt] = J × s
portanto, para suprir essa deficiência inicial, facili- e [h] = J×s são, obviamente, as mesmas. A condição
tando também futuros estudos na mecânica quântica. (1) quando aplicada ao oscilador harmônico, for-
O desenvolvimento do átomo de Bohr não será dis- nece E = hν, como elaborado por Planck nessa
cutido, pois, além de ser um caso especial do átomo conferência. Sommerfeld estava ciente desse traba-
de Sommerfeld, esse desenvolvimento já foi abor- lho, mas em 1911 preocupava-se com espalhamento
dado com detalhes previamente [10, 11]. Entretanto, de raios X, como é evidenciado nos Anais da con-
ferência.

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3. Regras de Wilson-Sommerfeld Para a energia obter-se-á

Cinco anos mais tarde, certamente influenciado pelo Pθ2 n2 ~2


Erot = = θ (7)
trabalho de Planck, Sommerfeld sugere a equação, 2I 2I
I que difere do resultado quântico na interpretação
pdq = nh (2) do número quântico. Esse ponto será abordado
novamente.
que aparece como uma consequência
H
natural da
proposta de Planck, pois pdq é também a área A quantização da ação será aplicada ao oscilador
interior à função p = p(q). É muito interessante p2
harmônico, cuja energia total é E = 2m + 12 kx2 , ou,
notar que essa equação foi usada por Niels Bohr no
seu modelo atômico. p2 x2
+  =1 (8)
(2mE) 2E
H k
Atribui-se a autoria de pdq = nh a três cientis-
H
tas, Sommerfeld, Wilson e Ishara [8], mas somente Entretanto a integral a ser quantizada, pdq, é a
Sommerfeld aplicou a quantização da ação a pro- área da elı́pse, isto é,
blemas de espectros atômicos, fato evidente no seu I
livro [4]. Na verdade, as idéias vieram de Planck pdq = π × Produto dos semi-eixos
ao quantizar o espaço de fase ou mesmo de Niels 1 1
2E m
 
2 1 2
Bohr que usou essa relação de forma intuitiva. Aqui =π (2mE) 2 = 2πE = nh (9)
adota-se a mesma convenção de quem vivenciou de k k
perto a situação, Linus Pauling [6], que usa o termo, Como a frequência clássica do oscilador harmônico
regra de Wilson-Sommerfeld.  1
1 k 2 E
vale ν = 2π m pode-se escrever, ν = nh ou

4. Exemplos iniciais da mecânica E = nhν (10)


quântica antiga
recuperando-se a hipótese da Planck [16].
Para uma partı́cula numa caixa de tamanho a, tem-
p2
se p constante, pois E = 2m com energia poten- 5. O átomo de Sommerfeld e as órbitas
cial igual a zero. A aplicação da regra de Wilson- elı́pticas
Sommerfeld fornece [15],
I Z a/2 Para o cálculo das trajetórias, ou órbitas, precisa-
pdq = 2p dx = p2a = nh (3) se saber inicialmente o valor da dependência do
−a/2 ângulo de espalhamento em função da coordenada
nh θ = θ(R). Por Pθ = µR2 dθ dR
dt e PR = µ dt , juntamente
ou p = 2a . A energia total será:
com dθ dθ dR
dt = dR dt , [14], retira-se,
p2 n2 h2
E= = (4) dθ ( dθ
dt ) Pθ
2m 8ma2 = dR = 2
dR ( dt ) R PR
que é o mesmo resultado quântico. Pθ
=±  1/2 (11)
Ze2 Pθ2
A aplicação da mecânica quântica antiga ao rotor 2
R 2µE + 2µ R − 2µ R2
rı́gido fornece,
I I Z 2π em que a  conservação da energia, E =
pdq = Pθ dθ = Pθ dθ = nh (5) 1 Pθ2 Ze2
0 2µ PR2 + R2
− R foi utilizada. Substituindo,

em que o momento angular do rotor, Pθ , é constante. x = R1 , (dx = − R12 dR) e integrando-se(com o ângulo
A variável θ é o ângulo associado com esse momento inicial igual a zero e após divisão por Pθ ), tem-se,
angular. Portanto: Z x
1
θ=±  1/2 dx (12)
nθ h x0 2µE 2µZe2
Pθ = (6) Pθ2
+ Pθ2
x − x2

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Essa integral tem solução analı́tica na forma, Os semi-eixos da elı́pse podem ser calculados
por comparação com resultados elementares de geo-
1
Z
Ia = dx metria analı́tica. A equação básica para essa com-
(α + βx + δx2 )1/2 paração é escrita na forma,
1 β + 2δx
= ±√ cos−1 (− p 2 ) (13) b2 b2
−δ β − 4αδ a a
R= c = q (18)
1+ a cos θ 1+ 1− b2
cos θ
2µZe2 a2
com, α = 2µE Pθ2
, β = P 2 e δ = −1. A prova dessa
θ
integral envolve basicamente a análise do termo do Por comparação com a equação (15),
qual se extrai a raiz quadrada. Após colocar δ em
2

evidência (as constantes são absorvidas no resultado b2
a = µZe2
final), completa-se o quadrado e faz-se uma subs- 2EP 2 (19)
b2
tituição para a obtenção da integral conhecida de a2
= − µZ 2 eθ4
arco coseno. Essa integral é desenvolvida em cursos
com solução,
de cálculo [17] e não será provada aqui. O resultado 2
obtido para o ângulo será, a = − Ze
2E
Pθ (20)
b = √−2µE
 
Pθ2 b2

1 − µZe2 x  Observe que se a = b, órbitas circulares, R = a,
−1  s
 
θ(x) = ± cos −  
 (14) recuperando-se o átomo de Bohr.
 2EPθ2 
1+ µZ 2 e4
6. Quantização radial e angular
Rearranjando obtém-se,
A aplicação da mecânica quântica antiga a átomos
Pθ2 hidrogenóides resume-se a resolver as integrais,
µZe2
R= (15) H
1 + ε cos θ IR = HC PR dR = nR h
(21)
com, Iθ = C Pθ dθ = nθ h
v !
2EPθ2
u
u correspondendo aos dois graus de liberdade. Ob-
ε= t 1+ (16)
µZ 2 e4 serve que nR = 0, 1, 2... e nθ = 1, 2, 3... . Para uso
posterior define-se também o equivalente ao número
que representa a equação de uma cônica em coorde- quântico principal, n = nR + nθ = 1, 2, 3... .
nadas polares.
Para o cálculo de IR , com R = R(θ), desenvolve-
Desobedecendo o contexto histórico do presente se,
estudo, pode-se usar a mecânica quântica, P 2 θ =
2 e4
l(l + 1)~2 e E = − µZ dR dR dθ dR
  
2n2 ~2
(que poderia vir do modelo PR dR = µ dR = µ dθ
de Bohr) para desenvolver, dt dθ dt dθ
dR 2 dθ 1 dR 2
   
s =µ dθ = Pθ dθ (22)
l(l + 1)

dθ dt R dθ
ε= 1− (17)
n2

em que dθdt = µR2 foi utilizado. Usando o resultado
Já que lmax = n − 1, retira-se ε = n1 , que será menor da trajetória, equação (15), desenvolve-se,
do que a unidade, provando que a equação (15)
1 dR dlnR
   
representa uma elı́pse. Obviamente que Sommer- =
feld não sabia desses resultados, mas conclui que R dθ dθ
!
d 2

as órbitas seriam elı́pticas, pois estava resolvendo
= ln( ) − ln(1 + εcosθ)
um problema análogo ao de Kepler, movimento de dθ µZe2
planetas ao redor do sol. εsenθ
= (23)
1 + εcosθ

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1−t2
Portanto, Usando as subsituições, t = tan( 2θ ), cos θ = 1+t2
e
dt = sec2 ( 2θ ) dθ 2 dθ
2 = (1 + t ) 2 retira-se
1 dR 2
I I  
R∞ 1+t2

2dt
PR dR = Pθ dθ Ic = 2 0 1+t2 +ε(1−t2 ) 1+t2
C C R dθ
sen2 θ
Z 2π
4 R∞
= ε2 Pθ dθ = Pθ Ib (24) = 1−ε 0
dt
2
(1 + εcosθ)2
q
0 t2 + 1+ε
1−ε

com, = 4 q1
tan−1 q t |∞
1−ε 1+ε 1+ε
0 (29)
1−ε 1−ε
sen2 θ
Z 2π
Ib = ε2 dθ (25)
0 (1 + εcosθ)2 = 4 q1 π
1−ε 1+ε 2
1−ε

O desenvolvimento dessa integral deve ser feito, para


que o tratamento fique completo. = √ 2π
1−ε2

Portanto,

sen2 θ
Z 2π
1
 
7. Uma integral intermediária Ib = ε 2
dθ = 2π √ −1
(1 + εcosθ)2
0 1 − ε2
A solução da integral Ib será desenvolvida na forma, (30)
Essa integração pode ser desenvolvida de maneira
mais eficiente pela teoria de resı́duos, mas evita-
R 2π sen2 θ
I b = ε2 0 (1+εcosθ)2
dθ se esse tratamento para que um número maior de
leitores possa acompanhar o tratamento.
R 2π ε2 sen2 θ d(1+ε cos θ)
=− 0 (1+εcosθ)2 ε sin θ
(26)
8. Parte final integração radial
R 2π senθ
= −ε 0 (1+εcosθ)2
d(1 + ε cos θ)
Substituindo o resultado de Ib na equação (24),

1
I  
Fazendo a integração por partes com, u = senθ, PR dR = 2πPθ − 1 = nR h (31)
1 C (1 − ε2 )1/2
v = − 1+cosθ , retira-se,
A solução da parte angular é exatamente a mesma
R 2π senθ
da desenvolvida no rotor rı́gido ou átomo de Bohr,
Ib = −ε 0 (1+εcosθ)2
d(1 + ε cos θ) em que se obteve, Pθ = nθ ~. Esse resultado, quando
h R 2π cosθdθ i substituido na equação (31) fornece finalmente,
−senθ 2π
= −ε 1+cosθ |0 + 0 1+εcosθ
1 nR
 
2 1/2
−1 = (32)
(1 − ε ) nθ
= −ε 02π 1+εcosθ
cosθdθ
R
(27)

R 2π  1
 9. A energia total
= 0 1+εcosθ − 1 dθ
R 2π Desenvolvendo a equação (32),
1
= 0 1+εcosθ dθ − 2π
1 nR nR + nθ n
2 1/2
=1+ = = (33)
(1 − ε ) n θ n θ n θ
R 2π 1
Uma nova integral, Ic = 0 1+εcosθ dθ, deve ser tra-
Por outro lado,
balhada. Tem-se,
1 1 a a
2 1/2
= c2 = 2 2 1/2
=
Z 2π
1
Z π
1 (1 − ε ) (1 − a2 )1/2 (a − c ) b
Ic = dθ = 2 dθ (28) (34)
0 1 + ε cos θ 0 1 + εcosθ

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mostrando que, 1. A massa é substituı́da pela massa relativı́stica,


a nR + nθ n m = √m0 2 , com β = vc ;
= = (35) 1−β
b nθ nθ 2. Em analogia com a equação (11), que repre-
As órbitas serão elı́pticas se o número quântico senta um rearranjo das equações de movi-
radial for diferente de zero. O caso especial com mento, Sommerfeld escreve as equações de
nR = 0 representa novamente o átomo de Bohr, um movimento relativı́sticas para o problema de
movimento circular. átomos de um elétron,
d2 σ Zm0 e2 1
A energia total de átomos hidrogenóides na +σ = (39)
p2
p
dθ 1 − β2
mecânica quântica antiga é nesta altura do desen-
volvimento facilmente obtida pois, por (16) e (33), com σ = 1r e p = Pθ .
2 3. Usa aconservaçãoda energia total(W ), W =
2EPθ2 nθ

1 − ε2 = − = (36) 2
µZ 2 e4 n m0 c2 √ 1
− 1 − Ze
R , para retirar a quan-
1−β 2
ou,
tidade √ 1 , reescrevendo a equação de mo-
µZ 2 e4 µZ 2 e4


2
µZ 2 e4 1−β 2
E=− = − =− 2 2 vimento na forma,
2Pθ2 2(nθ ~)2 n 2n ~  !2 
(37) d2 σ Ze2
Com n = nR + nθ , + σ 1 − 
dθ pc
µZ 2 e4
E=− (38) Ze2 m0 W
 
2(nR + nθ )2 ~2 = 1+ (40)
p2 m0 c2
expressão obtida por Sommerfeld, resultado idêntico
ao trabalho de Niels Bohr. Apesar de o resultado 4. Uma solução é proposta na forma,
numérico das energias ser o mesmo, deve-se perceber
σ = A cos γθ + B sin γθ + C (41)
que existe um número quântico adicional, nR , em
relação ao modelo de Bohr. A combinação desses Com substituição nas equações de movimento,
2
dois números quânticos parecia prever o formato Sommerfeld obteve γ 2 = 1 − ( Ze 2
pc ) e C =
dos orbitais atômicos. Ze2 m0
+ mW
(1
γ 2 p2 2 ).
0c
5. Com rearranjo da solução obteve,
Já que as energias do átomo de Sommerfeld são
iguais à do atomo de Bohr, quais vantagens traria o 1
= σ = C(1 + ε cos γθ) (42)
modelo de Sommerfeld para o entendimento do es- r
pectro atomico? Em termos energéticos não haveria em analogia com as orbitas descritas pela
nenhuma vantagem. Todas as previsões do àtomo de equação (15);
Sommerfeld seriam equivalentes à de Bohr. E isso 6. Usando as equações (21) e procedendo de
não resolvia o problema de se entender o espectro do forma análoga obteve o resultado da energia to-
átomo de hidrogênio, pois sabia-se que, por exemplo, tal relativı́stica. É interessante observar que a
na transição de n = 2 para n = 1 outras linhas esta- integral envolvida nessas passagens é a mesma
vam presentes [8, 18]. Nenhum dos dois modelos não desenvolvida no item 7 e as passagens, ape-
relativistı́sco, Bohr ou Sommerfeld, poderia explicar sar de trabalhosas, podem ser feitas por um
esse fato. estudante de graduação.
7. A energia obtida por Sommerfeld, como ora
descrito, foi,
10. Discussão qualitativa dos resultados ( 2 −1/2 )
relativı́sticos
 
2 αZ
E = −m0 c 1− 1+
(n − nθ ) + (n2 − α2 Z 2 )1/2
θ

Sommerfeld estava consciente da limitação do seu (43)

modelo não relativı́stico e na segunda parte do tra- em que m0 é a massa de repouso do eletron, c
2
balho de 1916 desenvolve o tratamento relativı́stico. a velocidade da luz e α = e~c a constante de es-
Seguindo o trabalho de Sommerfeld [9], enumera-se trutura fina. Deve-se a Sommerfeld a dedução
os passos principais dessa dedução: teórica, pela primeira vez, dessa constante.

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Braga e4306-7

O uso da mecânica quântica relativı́stica fornece o resultado [19, 20],


 

 !2 −1/2 
 αZ 
E = −m0 c2 1 − 1 + 1 1 2
 (44)

 (n − (j + 2 )) + ((j + 2 ) − α2 Z 2 )1/2 

com n = 0, 1, 2... e j = 12 , 23 [19], para a energia de átomos de um elétron. A semelhança das duas expressões
é evidente, mudando apenas a interpretação dos números quânticos. As transições finas do espectro
atômico, como a transição do estado 2p3/2 para o estado 2s1/2 , 2p1/2 podiam ser explicadas, com a devida
interpretação dos números quânticos, pela teoria relativı́stica de Sommerfeld.

11. Conclusões Não se pode negar a simplicidade e a beleza da


combinação dos resultados da mecânica clássica
com o quantum de ação. No perı́odo em que a
Os resultados da mecânica quântica antiga são mecânica quântica antiga foi empregada, os cien-
surpreendentes. As energias da partı́culas na caixa, tistas baseavam-se na intuição para propor novas
oscilador harmônico(exceto pela energia de ponto teorias. As palavras de Max Born no obituário de
zero) e átomos de um életron, relativı́stico e não re- Sommerfeld [25], ...he developed a gift for the di-
lativı́sticos(com a devida interpretação dos número vining or guessing of mathematical relations from
quânticos), foram previstas corretamente pela experimental data..., expressam esse sentimento e
mecânica quântica antiga. A semelhança dos re- são inspiradoras. A gift for the divining or guessing
sultados relativı́sticos com o não relativı́stico é ... seria a melhor maneira de entender os cientistas
também impressionante, indicando a associação desse perı́odo.
nθ = j + 12 , resultado que encontra explicação no
método WKB [19] e conhecido como correção de
Langer [21]. Agradecimento

De fato as regras de Wilson-Sommerfeld encon- Gostaria de agradecer ao CNPq pela ajuda finan-
tram sua explicação na teoria de perturbação na ceira
mecânica quântica. Por exemplo, a fase de espalha-
mento semi-clássica tem uma excelente concordância Referências
com a fase quântica [22] se a correção de Langer
é levada em consideração. O mesmo efeito acon- [1] M. Eckert, Arnold Sommerfeld: Science, Life and
tece na energia do rotor rı́gido, que só equivale ao Turbulent Times 1868-1951 (Springer, New York,
resultado quântico para valores muito altos de nθ . 2013).
Essa restrição pode ser relaxada se a associação [2] S. Seth, Crafting the Quantum (The MIT Press,
Massachusetts, 2010).
nθ = j + 12 é empregada. Reescrevendo a energia
n2 (j+ 1 )2
[3] A. Sommerfeld, American Journal of Physics 17,
do rotor na forma, E = 2Iθ = 2I2 , observa-se 315 (1949).
uma melhor aproximação para a energia exata, pois [4] A. Sommerfeld, Atombau und Spektrallinien (F.
(j + 12 )2 = j 2 + j + 14 ≈ j(j + 1). Vieweg, Braunschweig, 1919).
[5] M. Badino and J. Navarro, A History of Quantum
A energia de ponto zero era algo que faltava na Physics through Its Textbooks (Max Planck Library
energia do oscilador harmônico, mas mesmo essa for History and Development of Knowledge, Berlin,
2013).
energia foi também inferida na mecânica quântica
[6] L. Pauling and E. Wilson, Introduction to Quantum
antiga. Numa expansão até segunda ordem em kT hν , Mechanics with Applications to Chemistry (Dover
Einstein e Stern [23] verificaram que a energia de Publications, Mineola, 2012).
ponto zero teria de ser considerada, num caso es- [7] F. Hund, The History of Quantum Theory (Harrap,
pecı́fico do cálculo da capacidade calorı́fica. Mesmo London, 1974).
que isso não seja em geral necessário [24], a energia [8] M. Jammer, The Conceptual Development of Quan-
de ponto zero já estava sendo considerada. tum Mechanics (McGraw-Hill, New York, 1966).
[9] A. Sommerfeld, Ann. d. Phys. 51, 1 (1916).

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0110 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 4, e4306, 2016
e4306-8 Os cem anos do átomo de Sommerfeld

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