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J. P. Braga∗
Departamento de Quı́mica, Universidade Federal de Minas Gerais (31270-901) Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
The present work discuss the Sommerfeld atom in the non-relativistic domain, using the old quantum
mechanics formulation. The particle in a box, rigid rotor and harmonic oscillator energies are considered,
to make the text complete. An historical introduction and a qualitative presentation of the relativistic
formulation are also discussed. The text was prepared in a way to make it acessible to an undergraduated
student.
Keywords: Sommerfeld atom, Old quantum theory, Wilson-Sommerfeld quantization rules.
É preciso deixar claro que Sommerfeld procu- o estudo detalhado do átomo de Sommerfeld, ao
rava a combinação de aspectos teóricos e práticos, contrário do estudo do átomo de Bohr, não é geral-
não evitando nenhum dos dois. O trabalho desen- mente abordado em livros texto.
volvido no átomo de Sommerfeld, como discutido
no presente trabalho, deixará esse ponto evidente.
O tratamento matemático rigoroso, do ponto de
vista relativı́stico e não relativı́stco, tinha um obje- 2. Max Planck na conferência Solvay de
tivo claro: explicar as linhas adicionais no espectro 1911
atômico. Na escola de Sommerfeld o estudante
era incentivado a discutir questões de economia, A importância do quantum de ação proposta por
questões militares e aplicações tecnológicas. Uma Max Planck em 1901 fica evidenciada quando, em
discussão aprofundada e mais detalhada da escola 1911, os cientistas de maior expressão da época
de Sommerfeld pode ser encontrada na referência [2]. se encontraram na primeira Conferência Solvay,
cujo tema foi The Theory of Radiation and the
Entende-se por mecânica quântica antiga a teoria Quanta [12]. Planck e Sommerfeld estavam presen-
desenvolvida no perı́odo aproximadamente de 1900 tes nessa conferência, mas há de se notar a ausência
até 1925, em que conceitos clássicos eram aplicados de Niels Bohr.
em conjunto com a ideia do quantum de ação [6].
Nesse mesmo perı́odo, desenvolve-se um conjunto de Planck tinha convicção de que uma explicação
propostas revolucionárias que abandonavam os con- do quantum de ação teria de envolver a mecânica
ceitos clássicos, como por exemplo, a lei da radiação clássica. Para tentar achar um lugar da discretização
de Rayleigh-Jeans, estudo do efeito fotoéletrico, na mecânica clássica, Planck apoiava-se no princı́pio
experiência de Franck-Hertz, estudo da capacidade da ação mı́nima, certamente o princı́pio mais ge-
calorı́ficas a baixas temperaturas, efeito Compton, ral da mecânica clássica com aplicações em várias
dualidade onda-partı́cula, princı́pio de exclusão de áreas [13].
Pauli. Vários outros exemplos desse perı́odo po-
dem ser mencionados como discutidos em livros Quando as equações de movimento da mecânica
históricos ou conceituais da teoria quântica [7, 8]. clássica são escritas, fica implı́cito a validade do
princı́pio da ação mı́nima. Para que a forma das
O principal objetivo do presente trabalho é o equações de movimento ficasse invariante numa
de discutir o átomo de Sommerfeld [9] no con- transformação devia-se satisfazer o teorema de que
texto da mecânica quântica antiga, com etapas que a área no espaço de fase, espaço p × q, ficasse
possam ser acompanhadas por estudantes de gra- constante nesse transformação, transoformação dita
duação. Uma discussão detalhada será apresentada canônica [14]. Planck investigou a relação teórica
no contexto não relativı́stico, enquanto as etapas desse teorema com a quantização da energia, pos-
necessárias para o entendimento do modelo rela- tulando que a área no espaço de fase deveria ser
tivı́stico serão indicadas. Os resultados obtidos pela proporcional à constante h(constante de Planck),
mecânica quântica antiga para o caso da partı́cula
na caixa, rotor rı́gido e oscilador harmônico são
também apresentados, com o intuito de deixar o
Z Z
A= dpdq = h (1)
texto mais completo. A aceitação dessas energias
é introduzida normalmente sem prova (exceto pela
energia do átomo de Bohr) nos cursos básicos de
quı́mica e fı́sica. A mecânica quântica antiga serve, Observe que a unidade da área [pq] = [mvvt] = J × s
portanto, para suprir essa deficiência inicial, facili- e [h] = J×s são, obviamente, as mesmas. A condição
tando também futuros estudos na mecânica quântica. (1) quando aplicada ao oscilador harmônico, for-
O desenvolvimento do átomo de Bohr não será dis- nece E = hν, como elaborado por Planck nessa
cutido, pois, além de ser um caso especial do átomo conferência. Sommerfeld estava ciente desse traba-
de Sommerfeld, esse desenvolvimento já foi abor- lho, mas em 1911 preocupava-se com espalhamento
dado com detalhes previamente [10, 11]. Entretanto, de raios X, como é evidenciado nos Anais da con-
ferência.
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 4, e4306, 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0110
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em que o momento angular do rotor, Pθ , é constante. x = R1 , (dx = − R12 dR) e integrando-se(com o ângulo
A variável θ é o ângulo associado com esse momento inicial igual a zero e após divisão por Pθ ), tem-se,
angular. Portanto: Z x
1
θ=± 1/2 dx (12)
nθ h x0 2µE 2µZe2
Pθ = (6) Pθ2
+ Pθ2
x − x2
2π
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0110 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 4, e4306, 2016
e4306-4 Os cem anos do átomo de Sommerfeld
Essa integral tem solução analı́tica na forma, Os semi-eixos da elı́pse podem ser calculados
por comparação com resultados elementares de geo-
1
Z
Ia = dx metria analı́tica. A equação básica para essa com-
(α + βx + δx2 )1/2 paração é escrita na forma,
1 β + 2δx
= ±√ cos−1 (− p 2 ) (13) b2 b2
−δ β − 4αδ a a
R= c = q (18)
1+ a cos θ 1+ 1− b2
cos θ
2µZe2 a2
com, α = 2µE Pθ2
, β = P 2 e δ = −1. A prova dessa
θ
integral envolve basicamente a análise do termo do Por comparação com a equação (15),
qual se extrai a raiz quadrada. Após colocar δ em
2
PΘ
evidência (as constantes são absorvidas no resultado b2
a = µZe2
final), completa-se o quadrado e faz-se uma subs- 2EP 2 (19)
b2
tituição para a obtenção da integral conhecida de a2
= − µZ 2 eθ4
arco coseno. Essa integral é desenvolvida em cursos
com solução,
de cálculo [17] e não será provada aqui. O resultado 2
obtido para o ângulo será, a = − Ze
2E
Pθ (20)
b = √−2µE
Pθ2 b2
1 − µZe2 x Observe que se a = b, órbitas circulares, R = a,
−1 s
θ(x) = ± cos −
(14) recuperando-se o átomo de Bohr.
2EPθ2
1+ µZ 2 e4
6. Quantização radial e angular
Rearranjando obtém-se,
A aplicação da mecânica quântica antiga a átomos
Pθ2 hidrogenóides resume-se a resolver as integrais,
µZe2
R= (15) H
1 + ε cos θ IR = HC PR dR = nR h
(21)
com, Iθ = C Pθ dθ = nθ h
v !
2EPθ2
u
u correspondendo aos dois graus de liberdade. Ob-
ε= t 1+ (16)
µZ 2 e4 serve que nR = 0, 1, 2... e nθ = 1, 2, 3... . Para uso
posterior define-se também o equivalente ao número
que representa a equação de uma cônica em coorde- quântico principal, n = nR + nθ = 1, 2, 3... .
nadas polares.
Para o cálculo de IR , com R = R(θ), desenvolve-
Desobedecendo o contexto histórico do presente se,
estudo, pode-se usar a mecânica quântica, P 2 θ =
2 e4
l(l + 1)~2 e E = − µZ dR dR dθ dR
2n2 ~2
(que poderia vir do modelo PR dR = µ dR = µ dθ
de Bohr) para desenvolver, dt dθ dt dθ
dR 2 dθ 1 dR 2
s =µ dθ = Pθ dθ (22)
l(l + 1)
dθ dt R dθ
ε= 1− (17)
n2
Pθ
em que dθdt = µR2 foi utilizado. Usando o resultado
Já que lmax = n − 1, retira-se ε = n1 , que será menor da trajetória, equação (15), desenvolve-se,
do que a unidade, provando que a equação (15)
1 dR dlnR
representa uma elı́pse. Obviamente que Sommer- =
feld não sabia desses resultados, mas conclui que R dθ dθ
!
d 2
Pθ
as órbitas seriam elı́pticas, pois estava resolvendo
= ln( ) − ln(1 + εcosθ)
um problema análogo ao de Kepler, movimento de dθ µZe2
planetas ao redor do sol. εsenθ
= (23)
1 + εcosθ
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1−t2
Portanto, Usando as subsituições, t = tan( 2θ ), cos θ = 1+t2
e
dt = sec2 ( 2θ ) dθ 2 dθ
2 = (1 + t ) 2 retira-se
1 dR 2
I I
R∞ 1+t2
2dt
PR dR = Pθ dθ Ic = 2 0 1+t2 +ε(1−t2 ) 1+t2
C C R dθ
sen2 θ
Z 2π
4 R∞
= ε2 Pθ dθ = Pθ Ib (24) = 1−ε 0
dt
2
(1 + εcosθ)2
q
0 t2 + 1+ε
1−ε
com, = 4 q1
tan−1 q t |∞
1−ε 1+ε 1+ε
0 (29)
1−ε 1−ε
sen2 θ
Z 2π
Ib = ε2 dθ (25)
0 (1 + εcosθ)2 = 4 q1 π
1−ε 1+ε 2
1−ε
Portanto,
sen2 θ
Z 2π
1
7. Uma integral intermediária Ib = ε 2
dθ = 2π √ −1
(1 + εcosθ)2
0 1 − ε2
A solução da integral Ib será desenvolvida na forma, (30)
Essa integração pode ser desenvolvida de maneira
mais eficiente pela teoria de resı́duos, mas evita-
R 2π sen2 θ
I b = ε2 0 (1+εcosθ)2
dθ se esse tratamento para que um número maior de
leitores possa acompanhar o tratamento.
R 2π ε2 sen2 θ d(1+ε cos θ)
=− 0 (1+εcosθ)2 ε sin θ
(26)
8. Parte final integração radial
R 2π senθ
= −ε 0 (1+εcosθ)2
d(1 + ε cos θ)
Substituindo o resultado de Ib na equação (24),
1
I
Fazendo a integração por partes com, u = senθ, PR dR = 2πPθ − 1 = nR h (31)
1 C (1 − ε2 )1/2
v = − 1+cosθ , retira-se,
A solução da parte angular é exatamente a mesma
R 2π senθ
da desenvolvida no rotor rı́gido ou átomo de Bohr,
Ib = −ε 0 (1+εcosθ)2
d(1 + ε cos θ) em que se obteve, Pθ = nθ ~. Esse resultado, quando
h R 2π cosθdθ i substituido na equação (31) fornece finalmente,
−senθ 2π
= −ε 1+cosθ |0 + 0 1+εcosθ
1 nR
2 1/2
−1 = (32)
(1 − ε ) nθ
= −ε 02π 1+εcosθ
cosθdθ
R
(27)
R 2π 1
9. A energia total
= 0 1+εcosθ − 1 dθ
R 2π Desenvolvendo a equação (32),
1
= 0 1+εcosθ dθ − 2π
1 nR nR + nθ n
2 1/2
=1+ = = (33)
(1 − ε ) n θ n θ n θ
R 2π 1
Uma nova integral, Ic = 0 1+εcosθ dθ, deve ser tra-
Por outro lado,
balhada. Tem-se,
1 1 a a
2 1/2
= c2 = 2 2 1/2
=
Z 2π
1
Z π
1 (1 − ε ) (1 − a2 )1/2 (a − c ) b
Ic = dθ = 2 dθ (28) (34)
0 1 + ε cos θ 0 1 + εcosθ
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0110 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 4, e4306, 2016
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modelo não relativı́stico e na segunda parte do tra- em que m0 é a massa de repouso do eletron, c
2
balho de 1916 desenvolve o tratamento relativı́stico. a velocidade da luz e α = e~c a constante de es-
Seguindo o trabalho de Sommerfeld [9], enumera-se trutura fina. Deve-se a Sommerfeld a dedução
os passos principais dessa dedução: teórica, pela primeira vez, dessa constante.
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 4, e4306, 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0110
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com n = 0, 1, 2... e j = 12 , 23 [19], para a energia de átomos de um elétron. A semelhança das duas expressões
é evidente, mudando apenas a interpretação dos números quânticos. As transições finas do espectro
atômico, como a transição do estado 2p3/2 para o estado 2s1/2 , 2p1/2 podiam ser explicadas, com a devida
interpretação dos números quânticos, pela teoria relativı́stica de Sommerfeld.
De fato as regras de Wilson-Sommerfeld encon- Gostaria de agradecer ao CNPq pela ajuda finan-
tram sua explicação na teoria de perturbação na ceira
mecânica quântica. Por exemplo, a fase de espalha-
mento semi-clássica tem uma excelente concordância Referências
com a fase quântica [22] se a correção de Langer
é levada em consideração. O mesmo efeito acon- [1] M. Eckert, Arnold Sommerfeld: Science, Life and
tece na energia do rotor rı́gido, que só equivale ao Turbulent Times 1868-1951 (Springer, New York,
resultado quântico para valores muito altos de nθ . 2013).
Essa restrição pode ser relaxada se a associação [2] S. Seth, Crafting the Quantum (The MIT Press,
Massachusetts, 2010).
nθ = j + 12 é empregada. Reescrevendo a energia
n2 (j+ 1 )2
[3] A. Sommerfeld, American Journal of Physics 17,
do rotor na forma, E = 2Iθ = 2I2 , observa-se 315 (1949).
uma melhor aproximação para a energia exata, pois [4] A. Sommerfeld, Atombau und Spektrallinien (F.
(j + 12 )2 = j 2 + j + 14 ≈ j(j + 1). Vieweg, Braunschweig, 1919).
[5] M. Badino and J. Navarro, A History of Quantum
A energia de ponto zero era algo que faltava na Physics through Its Textbooks (Max Planck Library
energia do oscilador harmônico, mas mesmo essa for History and Development of Knowledge, Berlin,
2013).
energia foi também inferida na mecânica quântica
[6] L. Pauling and E. Wilson, Introduction to Quantum
antiga. Numa expansão até segunda ordem em kT hν , Mechanics with Applications to Chemistry (Dover
Einstein e Stern [23] verificaram que a energia de Publications, Mineola, 2012).
ponto zero teria de ser considerada, num caso es- [7] F. Hund, The History of Quantum Theory (Harrap,
pecı́fico do cálculo da capacidade calorı́fica. Mesmo London, 1974).
que isso não seja em geral necessário [24], a energia [8] M. Jammer, The Conceptual Development of Quan-
de ponto zero já estava sendo considerada. tum Mechanics (McGraw-Hill, New York, 1966).
[9] A. Sommerfeld, Ann. d. Phys. 51, 1 (1916).
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0110 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 4, e4306, 2016
e4306-8 Os cem anos do átomo de Sommerfeld
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1073 (2013). ltda., São Paulo, 1976).
[11] J.P. Braga, C.A.L. Filgueiras and N.H.T. Lemes, [18] G. Herzberg, Atomic Spectra and Atomic Structure
Quim. Nova 36, 1078 (2013). (Dover Publications, Mineola, 1944).
[12] J. Mehra, The Solvay Conferences on Physics: As- [19] A. Messiah, Quantum Mechanics (Dover Publicati-
pects of the Development of Physics Since 1911 ons, Mineola, 2014).
(Springer, The Netherlands, 2012). [20] J.D. Bjorken and S.D. Drell, Relativistic Quantum
Theory (McGraw Hill Company, New York, 1964).
[13] W. Yourgrau and S. Mandelstam, Variational Prin-
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ciples in Dynamics and Quantum Theory (Dover
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Sons, London, 1927). e Fenomenológicos (Editora UFV, Viçosa, 2002).
[16] J.P. Braga, Fundamentos de Quı́mica Quântica [25] M. Born, Obituary Notices of Fellows of the Royal
(Editora UFV, Viçosa, 2007). Society 8, 274 (1952).
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 4, e4306, 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0110