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BL ISSN 0034-7191

Revista Brasileira
de
Estudos o l i t i c o s
52
J A N E I R O D E 1981

Teoria Geral do Poder Constituinte


José Alfredo de Oliveira Baracho

Lourival Vilanova
Teoria Jurídica da Revolução

Perspectivas do Federalismo Brasileiro B e r n a r d e t t e Pedrosa

o Empobrecimento dos Municípios e o Sistema


Tributário A n a Maria Brasileiro

Posições Internacionais do Brasil n o Plano


Multilateral Antônio Augusto Cangado Trindade

Maria José de Queiroz


Os Escritos da Prisão

Smile N O TA S D E L I V R O S

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS


BELO HORIZONTE * M I N A S GERAIS * BRASIL
58 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS

bléiasConstituintestêmpoderesquenãopodemserexercidos
pelasAssembléiasOrdinárias,mesmoquesetratassedeemen-
dasconstitucionais.
Asmudançaspoliticos, sociaiseeconômicaslevamanovas
interpretaçõesquanto as questões constitucionais. A ordem TeoriaJurídicadaRevolução
constitucional,paraquenãoseconvertaemsimpleslegalidade,
devecorresponderãsituação real dasociedade.
Anotaçõesà Margemde Kelsen

THEREVIEWOFPOLITICS LOUR
V
IALVLIANOVA
Editor: prof. M. A. Fitzsimons
Importância do Problema
Assinaturaanual U S $ 7 50
Dá-seárevoluçãoconteúdosdiversos.Fala-sederevolução
econômica (o industrialismo capitalista), de revolução reli-
EnviaraquantiaaTheEditors,TheReview of Polities giosa (o protestantismo), de revolução científica (a ciência
natural positiva), de revolução literária (o romantismo) : em
University of Notre Dame, Notre Dame, Indiana 46556 todosos setores da cultura há processorevolucionário. Não
Estados Unidos poderia deixar de haver revolução politico: a que implanta
novasformas de organização de poder e novas estruturas
b.sociedade na qual se exerce o poder. A revolução politico
éimplantação de nova forma á civitas, à polis. Toda polls,
PROBLEMESD'AMERIQUE LAME comoo vira Aristóteles, está constituídadecerta forma, orga-
nizaassuas magistraturassupremasde certomodo. A revo-
luçãoatinge tais formasde estar constituída.Diremosemter-
Publicaçãode "La DocumentationFrangaise", nacoleção mosatuais : a revoluçãomuda a Constituição,descontinua o
processodecriação do direito, instaurandoConstituiçãonova.
• 1 " N o t e s et EtudesDocumentaires" Ora, é na Constituição (material ou formal) que o Estado
encontrasuanormagdoespecifica Da Constituiçãodecorrem
asinstituições politicos, nela firma-senormativamente a es-
Assinaturaanual F F 29,5 trutura depoder. A revolução politica dirige-se para o Estado.
• I ComoEstado implica estrutura depoder, a direçãointencional
darevolução politico é o poder. Por isso, ficará incompleto
1,quato Voltaire, 75 340 Parls-Cedex 07 — França elaborarTeoria doEstadosemconter,comopartedessateoria,
ateoria do fato revolucionário.
60 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOS poLtricos TEORIA JURIDICA DA REVOLUÇÃO 61
Aspectosda Revolução
tóricaecausalidade naturalsãoduasformasderelacionamento
dosdados-de-fato que compõem o processorevolucionário
Nãoéumfato simples. 2 um fato complexo, porissoque Agora,o decisivo:nãoseencontra,nodomínioempírico,causas
— gar aváriosângulosdeconsideração, O objetomaterial
d á lu últimas,mas um entrelaçamento relativo decausas e efeitos
i. odadoempírico—multiplica-seemvários objetosformais, semruptura : — a causa B 6, por suavez, efeito de A; B é
6.,emobjetosparadiferentes ciências: história, sociologia, causarelativamente a C. O mundo natural — o sistemade
ciênciapolitico, ciência do direito, filosofia do direito, são elementosligados pelas relações de causa/efeito — não tem
ndiãsocicoi
plinnas
cidque encaram o mesmodado-de-fato sobaspectos
entes. interrupção, ou fatos quenãosejamcausalmenteinter-relacio-
nadosEvidentemente, a investigação científicanãoretrocede
Setomarmosa Teoria Geral do Estadocomoinvestigação aoinfinito, buscandoascausasúltimasdeumaocorrência his-
dodireitodoEstado,ou teoria geral do direito público, arevo- tórica ou sociológica,mas cortametodicamente a seqüênciae
luçãoentraemconsideraçãopeloseuaspecto jurídico. 2 ques- esecontentacomaschamadas"causaspróximas" (as causas
tãometodológica.Reunir num so conjunto deconhecimentos próximasda revolução francesa) Importante, pois, équenão
investigaçõeshistóricas,sociológicas, políticas, filosóficas,não existeruptura naseqüênciadefatoresquecompõemumaocor-
conduzaumateoria científica, querequer unidade esistema, rênciarevolucionária. Há continuidadecausalnoprocessohis-
ginaados.
m saumaenciclopédia de saberes diversos,apenascompa- tórico e continuidade causal no processosociológico de uma
revolução.
Encarar,tão-só, juridicamente a revolução importanum Opontode vista jurídico sobre a revoluçãoéumesquema
corteabstrato,numprocedimentometodológicosobre a reali- deinterpretação de dados-de-fatos (os dadosda experiência)
dadesocial,ondese di a revolução. Sem vínculos histórico. segundo o qual a revolução é uma ruptura na continuidade
culturais,semprocessossociológicos,sem as ideologiasrevo- jurídica. Politicamente,socialmente,culturalmente,umaestru-
lucionáriasquepoliticamenteseopõemas ideologiasernvigor, tura-de-poderqueadvémdeumarevoluçãoestá ligada aesses
consolidadaseminstituigões,semconsciênciadevaloresnovos, fatoresqueformam a constelação individual, dentrodaqual o
nãohámotivaçãoqueconduzaao ato revolucionário. Então, poderquer ser valido e eficaz.Hácontinuidade politico, social,
quandoexaminamos a juridicidade da revoluçãofazemosum cultural,masdescontinuidadenormativo-constitucional.Kelsenl
discernimentodoquenarealidade é inseparivel.Examinamos
ofatorealcomplexosubspecienormae.Indagamosquerelação

PP
I*
1. n incisiva a afirmação de KELSEN: Waehrend eine auf das
existeentrearevoluçãoe o ordenamento: é um fato juridica- Sein des tatsaechlichen Geschehens gerichtete Betrachtung — ihrer
menterelevanteouirrelevante, é relevantepositivamente (fato Voraussetzung nach — immer nur Evolution, d.h., kausalgesetzlichen
licitorM negativamente
1 (um ilícito ou antijuridico) ? Zusammenhangen in der Einheit des Systems der Natur vorfinden kann,
besagt der Begriff der Revolution die Diskontinuitaet zweier miteinander
OPontode Vista Causal e o Normativo unvereinbarer Systeme, jener beiden Wertsysteme oder normativen Ordn-
ungen... — im Gegensatz zu dem ungebrochenen Fluss des tatsaechlichen
Sobre a Revolução Geschehens in der Ebene der Seins-Wirklichkeit — K E L S E N , Der
soziologische 'and der juristische Stctatsbegriff, pág. 97. A rigidez dessa
Tantosobopontode vista histórico, quanto sob oponto separação entre dois sistemas, o natural e o jurídico, perde-se um pouco
dev ta sociológieoarevoluçãoé objeto deinvestigaçãosegun- no texto da General Theory of Law and State, págs. 162478 Nem a
ocedimentometódico da causalidade.Causalidadehis- sociologia é uma ciência natural, como a física, nem a ciência do direito
éuma ciência de objetos ideais, como levou à última conseqüência
62
REVISTABRASILEIRA DE ESTUDOSPOLITICOS TEORIAJUR/DICA DA REVOLUÇÃO 63
acentuaessadiferençadepontos de vista.Acrescentamos:se lugãosocial, Hauriou vênãosomentea destruiçãodas institui-
aConstituiçãovigenteaoadventoda revoluçãocontinuaintac- çõesdogoverno,mas a supressãoda instituição estatal. E de
ta,entãorevoluçãojuridicamente não se deu. Orevezamento dizerainda que a descontinuidadeconstitucionalcomo a des-
detitulares dopoder, a simplesdeposiçãodosagentesdego. continuidade estatal (se houve) nemsemprecomprometem
vernoe a substituição ilegal e inconstitucional por outros,se sociologicamente a permanência e continuidade institucional
aConstituiçãocontinua em vigor, tais agentessãoagentes danação.
defacto,investidosemórgãosconstitucionais, cujainvestidura
selegalizou a posteriori, pois o direito politico nãodeixao ContinuidadeConstitucional e Governo-de-fato
fatodesvestidodenorma,se o fato é relevantepoliticamente.
AConstituiçãocontinuando em vigor, os órgãosconsti- Nointertempo de uma Constituição que fenece e uma
tucionaisnãosemodificam: tão só seus titulares, queinves- outraConstituição que surge, para preencher o vazio de go-
tidosestavamde jure, passam,num intertempo dedeslegali- verno(anarquia) e o vazio denormas(anomia), instala-se o
zação,a ocuparemfunções de facto. Nada impedequeum governo-de-fato.Oprocessodepoderpersonifica-senogoverno
titulardeórgãocominvestidura de jure passe a titularcom provisório,emergentedoprocessorevolucionário. Noprocesso
investidura de facto. Dá-se isso no golpe-de-Estado,com revolucionáriomesmo já se forma a elite dirigente. (Harold
permanênciadosagentesdo poder. Não se destrói a Consti- D.Lasswell, Theanalyses of political behaviour,páginas133-
tuigdo.Sea destrói, o golpe-de-Estado,juridicamente érevo- 145)Processo que é de dinâmica sociológica.
lução,diferindoapenasnosagentes ou protagonistas doato
revolucionário:nãoopovomasa minoria governante. Omero Opodertoma a forma degoverno-de-fatoporquenão tira
golpe-de-Estadonãodestrói a forma constitucional doEstado. sualegitimidade naordem jurídica anterior. Desfeita aordem
Nesteponto, é de dizer corn Hauriou, (Hauriou, Précis anterior, nenhum critério normativo o qualifica como fato
dedroit Constitutionnel,págs.91-97) quemudaaConstituição, jurídico, lícito ou ilícito Se subsistissenorma jurídica ante-
noprocessorevoluciondrio,maspermanece a instituigão-Esta- rior, seria fato ilícito. Ainda quenorma jurídica positiva do
do. A distinção entreumaConstituição social e umaConsti- ordenamentoanteriormente existenteprevissemétodoviolento
tuiçãopolítica é sociológica. A primeira é o suporte factual desubstituiçãodo estrato constitucionaldoordenamento,ainda
quea revoluçãofossemétododeproduçãode direito constitu-
dasegunda,a efetividadequeas forças sociaispõememjogo cionalnovo, a antinomiapermaneceria: o direito requerouso
paraanormatividadeconstitucional seja válida. Juridicamente daforça comosanção e esse uso é rigorosamentemedido.
hárevoluçãoaindaquerevolução social não se dê. Na revo- Aviolência coletiva é a negaçãomesmado direito, é o anti-
direito. Não apenas o antijurídico, pois a antijuridicidade é
SCHREIER. ciência de realidade ou empirica. Isto não exclui a legi- umpressuposto de umadeterminadaconseqiiência, na estru-
timidadeda teoria pura formal como nivel de investigação ao lado ou
acimadeuraa teoria Pura material do direito (no sentido de umaonto- turadanorma jurídica (compostadenormaprimária enorma
logia regional) . Vd. SCHREIER, Concerto y formas fundamentales secundária) A antijuridicidade verifica-se noquadro do di-
delDerecho,págs.132-142. O certo é que a realidade social é intrin- reito em vigor; não o elimina, é ocorrência no interior do
secamenterealidadenormada. A sociedade e um sistema de interwes ordenamento.
dotadasdecmeanings» e ‹tvalues». O direito é realidade e idealidade.
Mais: a anti juridicidade da conduta a sancionar-senão
Angulo, taut° faz dizer que é bidimensional, quanto, analiticamente importanasupressãodavalidadedoordenamento.Seseaplica
s A de•cidoeal
mI•pidon
ade
dIctoNews
toma doisestrado,
segundo niveis• dizer,
a normaqueeé otridimensional.
valor. Por isso, sobesse asanção,temoseficacidade.Aindaque a eficáciasenãoveri-
64 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JUR/DICA DA REVOLUÇÃO 65
ficassenumcasoconcreto, ou em vários casos (por descum- seingressanumaConstituiçãodemocrática, ou vice-versa. Se
primentodosdestinatários,dosindivíduos-membros dacomu- descontinua o processoconstitucional,descontinua o ordena-
nidadejurídica, edosórgãos-do-poderencarregadosde aplicar mentocomotodo A não serqueatribuíssemosvalidade autô-
anorma),persistiria avalidadedoordenamentocomoumtodo. nomaaos estratos inferiores do ordenamento: leis formais,
Ora, a revoluçãoataca a eficacidade doordenamentocomo decretos,estatutos internos, resoluções legislativas, adminis-
umtodo. Por isso,compromete a validade. Um ordenamento trativas,sentenças judiciais, negóciosjurídicos privados.Mas,
aoqualse tira a eficácia através doprocessorevolucionário, sehá uma estrutura normativaemgraus de validade, se há
perdesuavalidade.Então, anormaqueprevisse a juridicidade relaçõesdecoordenação e de supra/infra-ordenação entre os
darevoluçãonãoestaria a salvodadestruiçãodesuavalidade, níveisnormativos,se a revolução(no sentido estrito) modifica
poisaeficacidadeatingeotododoordenamento. E umanorma oestrato constitucional superior, pelomenosesseminima de
isoladanãotemvalidadesenãotem validade o todo doorde- estatuto do poder, com ele modificar-se-d todo o restante.
namento.Ser válida é pertencer a umordenamento válido e Umarevoluçãoemsentido jurídico, atinge, pelomenos, o di-
eficaz. reito constitucional material (o direito constitucional material
Argumentar-se-iaque a revolução deixaquasesempre in- podeou não estar na forma constitucional — Laterriére
tactosinstitutos jurídicos e códigos inteiros doordenamento 6,vertido emConstituição formal, quenãoconstatão-só
anterior.Seuobjetivo é o direito público, sobretudo o consti- deregras constitucionais ratione materiae) A revolução jurí-
tucional, o direito fundamental de organização (Sanchez dicapode atingir maior ou menorporção do direito prevale-
Agesta) Mas, o quesobre resta, não tira seufundamento- cente.Atinge sempreporçãoconstitucional.Mas,secomisso
de-validadedabaseconstitucional destruída. A Constituição persiste o conteúdodasrestantesregras(comoregrasdescon-
material, ou a Constituição formal, advindas da revolução, titucionalizadas, ou comoregrassem alterar seu status nor-
convalescemasnormasdoordenamento anterior, e convales- mativo — se lei ordinárias, ficam leis ordinárias), persiste
cemoriginariamente,semdependêncianormativacom o esta- sobfundamento-de-validadenovo,sobfundamento originário,
tutodopoderantesvigente.Equivale (Kelsen) a umprocesso não-derivado da ordem jurídica antecedente.
derecepção,ou a ummétodoabreviado de produçãonorma-
tiva. As normasqueficaramsemvalidade, por supressãode Governo-de-fato e o Direito Constitucional
seuGeltungsgrund,tornam-seconteúdo do ato geral de con- Revolucionário
validamento,Assim, o art. 83dasDisposiçõesGeraisdaCons-
tituição brasileirade1891estatuía: "Continuamem vigor, en- Comodissemos,nahipótesedeumEstadoquepassarevo-
quantonãorevogadas,asleisdoantigo regimenoqueexplícita lucionariamentedeumaConstituição para outra, o intertempo
ouimplicitamentenãoforem contrárias aosistemadegoverno depoder toma a forma de governo-de-fato O Governo Pro-
firmadopelaConstituiçãoeaos princípios nela consagrado”s visório de 15 denovembrode1889, no Brasil, semnenhuma
Esseexpressocontinuar em vigor o direito pré-revolu- normahabilitante prévia, emite regrade direito constitucional.
Ilimcionario nãoimportanacontinuidade normativa doprocesso. ODecreto1191, no artigo19disse: "Fica proclamadaproviso-
HAumadescontinuidadenormativa doprocesso. Há umades- riamente e decretadacomo a forma de governo da nação
continuidadeconstitucional: de umaConstituiçãomonárquica brasileira a República Federativa". Investiu-se a si mesmo
deplenospoderes, pois que no artigo 49determinouque en-
Ilnip sepassa a umaConstituição republicana e vice-versa; quantonão seprocedesseà eleiçãodoCongressoConstituinte
dewia Constituiçãofundadaem princípios autocráticos,não
66 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS
TEORIA JURÍDICA DA REVOLUÇÃO 67
edaslegislaturasdosEstados, a nação seria regida peloGo.
vemoProvisóriodaRepública. Relativamente à CO/IStitliqa0 positivo.Cadarevoluçãofundaoriginariamente,seérevolução,
formalde1891, tal decretorepresenta direito pre-constitucio- novoestatuto constitucional.Novo,relativamenteaopreceden-
nal,direito constitucional material. Confere essedecreto a te Novo juridicamente, ainda que a revoluçãovenha a res-
morfologiadopoder,estatui o regimedemocritico-representa- taurarordenamento jurídico anteriormentevigente,destruindo
tivo, a descentralizaçãofederativa. n a decisãofundamental oque nomomento,dava forma política ao Estado.
queeletoma,comoórgão da nação-constituinte.Comoórgão Anorma fundamental,correspondente a cadaordemes-
pré-constitucionalDepois, o órgão constituinte, investido no tatal singular, se juridiciza o fato-revolucionário, suporte de
exercíciode ato constituinte, cuja fonte é a nação,define-se suaConstituição, não explica que o Estado,nadaobstante as
nopreâmbulo:"Nós,osrepresentantesdopovo brasileiro, reu- mutaçõesrevolucionárias e asmutaçõesconstitucionais, con-
nidosemCongressoConstituinte..." tinui a ser omesmoEstado. A mutaçãoconstitucional revo-
Umgoverno-de-fatoemite regras de direito pelaneces- lucionária não afeta a identidade sócio-cultural do Estado.
sidadedeseautolegalizar.Semregras, resultaemmerocentro Anorma fundamental decadaEstado,variando no curso do
depoder arbitrário Como é poder, requer logo regras de tempo,não explica tal persistência, pois a persistência histó-
estatutodepoder.Qualquerqueseja historicamente oquantum ricadopovoounação, a permanênciafísica doespaçopolitico
despótico(PontesdeMiranda) de quedispunha o poder poli- (território estatal), a continuidade de grandesporções do
tico, hi sempreumquantumdeauto7imitaçelo,para serpoder- direito público e privado, são fatores relevantes para a iden-
de-direito. E ser viável sociologicamente, i. 6., contar corn tidadedapersonalidadedoEstado.Mas,nação,espaçopolitico,
probabilidadede eficácia. parcelasde direito anterior sobrevivente,tudo issoédomesmo
enteem virtude doordenamento jurídico total, emcujo ápice
DescontinuidadeConstitucional e Continuidade está a Constituição positiva.
Estatal Aidentidade histórico-sociológica é umdado-de-fatoque
estána base da identidade jurídica do Estado Mas se são
Secadarevoluçãoéum fato histórico singular e osuporte várias as normasfundamentais para cadaEstado — para o
ficticodeumanormafundamental a ele referido, comohis- Brasil monarquia, o Brasil República,em81,em934,em937,
tórico e singular é o ordenamentoadvindo,segue-se dal a em946— enenhumaligaçãomantêm tais normasfundamen-
inexistênciadequalquervínculo entre umarevolução e outra tais, é necessário, para explicar o fato deque o Estado seja
subseqüente,entreumanormafundamental e outra fundante omesmo,ascender run grau, ir além da normafundamental
denovaestrutura de poder. Juridicamente, dizemos, hádes- pressuposta.Esse grau maiselevadoesta no direito dasgen-
continuidadeentre as revoluções, muito embora histórica e tes Com o pressuposto da norma fundamental singular —
sociologicamentehajacontinuidade,Juridicamenteumanorma paracada Estado e para cada revolução —, a revolução
fundamentalnãoprovémde outra anterior, para ummesmo fez-se o fato jurídico (die juristische Grundfaktum)•Nesse
Estado. A normafundamental instituinte de uma república nível, a normafundamental éapenasumAusgangspunkt fuer
nenhumaconexãonormativa tem com a norma fundamental die juristische Konstrukt ion,(Kelsen, DasProblem der Sou-
quecorresponde à monarquia. Não há vínculo ou derivação vertiniteit und die Theorie des Vakrrechts, págs. 88-101) ou
umerkenntnistheoretische Prinzip. No plano do direito inter-
normatiat
absol ntreuma
utae de opressuposto fundamentalde
república constitucional. Háuma monarqui
hiato jurídico-a nacional,ao contrário, temosnormasde direito positivo,umas
reconhecendoa facticidade triunfante darevolução,como fato
70 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS
TEORIA JUR/DICA DA REVOLUÇÃO 71
suporumanormafundamental individual, correspondenteao
fatohistóricoconcreto,quedáorigemaoordenamentojurídico fatonormativamenteregulado.As normassãocriadas,entram
positivo,queéumaconcreçãohistórica da cultura. emincidência,começam a vigência (o estar-em-vigor), são
DizCarlosCossiocomexemplar precisão, interpretando ah-rogadaspor outras normas. Isso 6, de resto,expressãoda
ateoriadeKelsen: "... comoa matéria é diferente, asnormas continuidade normativa:nenhumanorma é postasemnorma
fundamentaissão diferentes; e como o material está dado, préviaem que repouse seufundamento de validade. Assim
ojurista nãopodeelegir a normafundamentalconcreta, alu- sãofeitas e refeitas as regras constitucionais, as leis ordiná-
dindocom isto não tanto a sua forma pura quanto ao seu rias, os regulamentos, as resoluções e decretos, assentenças
conteúdo".(Cossio, El concept° puro de revolución, págs. eosmúltiplos tipos esubtiposdenegóciosjurídicos,emdireito
218-219). público e em direito privado Dentro dosistema, o grau nor-
mativo mais alto, comosabemos é a Constituição positiva.
Senoscolocarmosno interior do ordenamento jurídico,
comojuristas,haveremosde encontrar normas que regulam 1-15,pelomenosumaConstituição material, aqueladeque
aconstruçãodenormas,alémdasnormasque regulam dire- fala Stammler: sem ela umacomunidadenão é Estado, pois
tamente a conduta intersubjetiva. n certo, que para uma mesmoo Estado despótico, teoricamente,comocaso limite,
normaserconstruída,necessário é um ato ou fato intercalar ficareduzido à norma:deve-se cumprir a vontade arbitrária
dodetentordopoder. Quer esteja escrita,emformadocumen-
enissoresideumdosaspectosda positividade do direito; por tal, ou não, é irrelevante A Constituição contém, além de
talrazão,sempreanormadedireito énormadeconduta,ainda outrasregras,aquelasqueregulamsua própria revisão. Revi-
queacondutareguladatenha por especificoconteúdoo regra- sãoquecomoadverte Schmitt, não vai alémde certo núcleo,
mentodosmodosde criar regras. O direito auto-regula-se. queelechama a vontade decisória sobre a forma política de
Issonão contradiz o ponto de vista de que as normas existência Sob pena de ern vez de Constituição reformada,
sãocriadas (pelo legislador, pelo juiz, etc. ) por imposição ter-seConstituiçãodestruída,radicalmenteposta fora de vigor.
dosfatoseconômicos,politicos e sociais; de que elassãores-
postasnormativasàsexigências fácticas. Sempre isso ocorre OqueSchmitt tem por vontadededecisãofundamental,como
namaioriadasvezes. O quebasta para uma teoria socioló- algofáctico, existencial, equivale,emKelsen (sem sepassar
gicadaformaçãodo direito. E a razão de ser, também,de por alto que a teoria schmittiana é umaréplica à teoria nor-
umapolítica do direito. Que é uma atitude de dever-ser de mativista), àquele minimum que é a Constituição material.
segundograu. O direito, qualquer que seja ele, é dever-ser. n nesta que está posta a fonte primordial do sistema e de-
Apolíticadodireito estatuiumdever-sersobreessedever-ser signado o órgão ou os órgãos imediatos (Jellinek) do ente
politico. Mas, se a Constituição é alterada emseus funda-
pidado.
deontolRogium dever-ser
ado direito, ésobre umudever-ser.
umconj A çpolítica,
ntodeproposi como
õesdedever- mentos(ponhamos o casode tuna Constituição formal-rígida
sersobreasproposiçõesdedever-ser positivas. Relativamente ecomum núcleo juridicamente imodificável),semobediência
aodever-serdadona experiência, é unadever-ser ideal, que, aoprocessonelamesmaprescrito, temos,emsentido jurídico-
sociologicamente,tempor infra-estrutura umaideologia;como formal, uma revolução. A revolução quepodemos — para
supra-estrutura,umaaxiologia. contrapor—chamarmaterial (sociológica,econômica,política,
Aconstruçãodenormasse faz por normas do sistema ideológica) e revolução formal se importa numaquebra de
continuidadeconstitucional Nem todaquebradeConstituição
S toque
masestatuem qual omodo
a cri‘nicio, e qual
aduração econteúdo
o términodevem ter asénor-
dasnormas una érevolução. Se o descumprimentode regra procedimentalde
revisãose verifica, a lei é inconstitucional,masa Constituição
72 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JURÍDICA DA REVOLUÇÃO 73
subsiste.Tanto subsistequeserve de critério superior para podedizer: juridicamente, não: politicamente, sim. Juridica-
qualificara regra de revisão e, ela mesma, da o modode mentenão,sealgumórgão for investidode jurisdição decon-
soluçãodoconflito intra-sistemático(encarregand3 aumórgão trole, para deter a ilegitimidade constitucional e conferir a
anular o preceito inconstitucional, ou mandando que o ato "prevalenza alia norma piu resistente" (P. Calamandrei, La
jurisdicional, na espécieconcreta, deixe de aplicar a regra illegittimità cost ituzionale della Leggi nal processo civile, p.
contravenienteAsregras de revisão, ou incompatívelcom o 10)•
conteúdoque a Constituição tem por imodificável)•Não se Masse órgão ou técnica de controle inexiste, a contra-
podedizerque,no interior dosistema jurídico, incompatibili- riedadeconstitucional (de forma, ou de conteúdo) à norma
dadesnormativas,faceàConstituiçãonão hajam: assim,entre derevisão vem a ser absorvida peloordenamento positivo,
Constituiçãoformaleleisderevisão constitucional ;entreCons- pornorma tácita deconvalidamento—queseconcretizanos
tituiçãoeleisordinárias (na hipótesedeConstituiçõesformais- atosdeórgãosaplicando a regracontravenienteàConstituição.
rigidas) ; entre asConstituiçõesestaduais (no sistema fede- Eum fato politico que se juridiciza, numprocessode auto-
rativo) e aConstituiçãoFederal; entre leis estaduaise aCons- integração, para não deixar a criação da normacomo puro
tituiçãofederal, etc. fato ilícito, no interior do sistema, juridicização cujo suporte
Mas,nadaobstante tais antinomias internas, se um fato factual é a aplicação reiterada, jurialicional ou administrativa,
nãofoi capazde destruir os fundamentos da Constituição daincompossibilidade constitucionalcomodenominava Ruy.
material—e a material vertida em forma constitucional Evem confirmar a tese kelseniana de que no ordenamento
revoluçãonãosedeu.Agora se há ruptura da Constituição coexistemnormas constitucionais e normasinconstitucionais,
vigente,modificaçãodessasubstância constitucionalsemser umase outras válidas, até que o órgãocompetentecorte in
pelasviasquea própriaConstituiçãoestabelece, há revolução, casuou ergaornnes (corte a incidência individual, ou geral—
nadaimportandopara o conceito jurídico de ruptura dacon- paratodos os casos da classe ou conjunto, em termos de
tinuidadeconstitucionalquesejarevoluçãodemassas,deuma lógica). O quedescabeé o Jurista,como jurista e nãoórgão,
minoriadirigente, ouumgolpe de Estado, cujos agentessão como seuesquemacognoscentede intérprete ouhermeneuta,
poderesconstituídos. desqualificar e desaplicar a norma pela Illegitimitaet seiner
PodehaveromínimoquenaConstituiçãosedeclarou irre- Entstehung.2
visivel,pormotivodevaloragão feita pelo constituinte. Então, Agora,se toda ConstituiçãoprovémdeumGrundfaktum,
a... so ist auch die Aenderung einer ais unabaenderlich qualificado, em virtude de uma norma fundamental, como
bezeichnetenVerfassung oder Verfassungsbestirnmung rech- fato produtor de direito constitucional novo,podemosdizer
tlichunmoeglich"(Kelsen,AllgemeimeStaatslehre,pág.254)• quetodarevoluçãoernsentido jurídico, importanumamudança
Todavia,somente o mínimoque representar decisão política danormafundamental,sobre a qualimediatamenterepousava
fundamental,quandoalterado, é que importará emquebraou avalidade da Constituição jurídico-positiva A revolução ins-
destruiçãoda Constituigdomesma. E quanto às normasde titui fato originário que senãoacomodamaisetConstituição
revisão,impedientespara se transformar Constituição rígida
emflexível,seriam,elasmesmas,insusceptíveis de revisão? 2. Diz VERDROSS (cit. p. Felix Somló Juristische Grundlehre,
Seoutrasnormasestabeleceremsua irrevisibilidade, seriam pág. 121): •c... so darf der positive Jurist diesen (VERDROSS se refere
auma unalmenderlich Rechtssatz) nicht aus metarechtlichen Gruenden
Botaisnormas,elas próprias, inalteráveis pela via da reforma ausder Rechtsordnung hinausschieben... Denn es ist ihm venvehrt, den
constitudonal2 difícil dizê-loemtese. Até certo ponto,se Rechtsstoll durchsemnmetarechtliclies Prinzip zu korrigieren».
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ernsentidológico-jurídico até enteiopressuposta. O fato fun- tido na forma constitucional epodeaté inexistir formacons-
damentalrequer outra normapressuposta para juridicizá-lo, titucional. QuandoKelsen dizquea Constituição formal éum
paratornar-se fato jurídico e darcomeçológico à continuidade documentosolene, cujasnormas"may bechangedonly under
normativano interior dosistema. A revolução é uma ruptura theobservation of special prescriptions" (General theory of
dacontinuidadeconstitucional. Nãopode ser qualificada pelo lawand State, pág. 124) restringe o conceito de forma ao
parâmetronormativodaConstituição vigente, pois se é revo- sistemaconstitucional rígido. Também restringe o conceito
lugdo, a Constituiçãoperde, ipso facto, a vigência. Nenhum deConstituição material: é o conjunto de normas "which
juizo-de-valor, no interior do sistema, será possível, porque regulate the creation of the general legal norms". Laferrière
ocontextoformal dosistema era a condiçãode possibilidade (Manualde Droit Constitucionnel,pág.285)anotaquenãohá
lógicadetais juízos-de-valor (juizos qualificantesdecondutas necessáriacorrespondência entre a Constituição escrita e a
ejuizos qualificantesdenormas,dentro dosistema vigente— rígida, entre Constituição costumeira e Constituição flexível.
Kelsen;Los juicios de valor en la Ciência del Derecho,págs. AsConstituiçõesfrancesasde1814e1830eramformais e fle-
241-264)Juizo-de-valor fora do contexto formal-jurídico é xíveis. As "leis fundamentais do reino" eram materials ou
simplesmenteimpossível. Fora do sistema do direito positivo costumeiras,masnãopodiamsermodificadaspelopoderlegis-
vigente,será um juizo-de-valor pertinente a outro sistema: lativo ordinário, que o rei detinha.Requeriam a participação
aosistemado direito natural, aosistema ético-politico, ao sis- dosEstadosgerais. Eram rígidas. Inexistadocumentoarticula-
temado direito dasgentes. Seria extra-contextual (para o dodenormas,emanadodeumato constituinte definido,como
conceitode contexto formal, S. K. Langer, Introduction to naInglaterra, ondepode ocorrer queuma lei ordinária, ato
symbolicLogic, pigs. 66-67) em relação ao contexto lógico- doórgão constituído, suprima o mínimo constitucional mate-
formal e formal-jurídico dosistemanormativo estatal.
rial, juridicamente imodificável: tem-sesupressãoda Consti-
NormaFundamental e Revisão Total tuiçãoese outra suceder, implicará novanormafundamental.
daConstituição Schmittobserva que nada obstante a supremacia do parla-
mentoinglês, e inexistênciaexpressanormativamentedaCons-
Nãoalterasubstancialmenteo problemase a Constituição tituição material, vertida em forma constitucional, nãopode
éflexível ou rígida; se flexível for e nenhumprocedimento juridicamente o parlamento suprimir a monarquia e a si
mesmo,instaurar a República socialista, tudo issoocorrendo
formal de reforma houver, ainda assim, tudo em principio comosimples reforma do direito constitucional positivo.
podendoser revisado pela lei ordinária, essa alteração tem Mudar-se-ia,digamos, a normafundamental:"obedeceaomo-
limite. Se a forma constitucional não é rígida, há o núcleo narca", ou "o parlamentodetémpermanentementepodercons-
materialdaConstituição,aquelasregrasquedispõemsobre o tituinte e constituído".
modode ser da estrutura política (que expressam a decisão Asubstituição danormafundamentalocorredemais,quer
políticafundamental),que é insuscetivel de mudança. Se se otitular do poder constituintepermaneçaou não.Da monar-
muda,porquehá flexibilidadenoprocessode reforma, tem-se quia brasileira de 1824 para a repúblicahouvedeslocamento
novaConstituição,imediatamentevinculada à novanorma fun- dopoder constituinte: do ato deoutorga imperial para o exer-
damental.Mesmo,pois,umaConstituição formal-flexível tem ciciodopoder constituinte pelanação.As demaisConstituições
umlimite, transpostoo qualsuprime-se a Constituição e outra nãomudaram o titular do poder constituinte. Mas a persis-
sepõe.Tan4bémitnemtodooconteúdoconstitucional está ver- tênciado povo-constituinte —comopoder eleitoral para fins
76 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JURIDICA DA REVOLUÇÃO 77
constituintes e exercíciodesse poder constituinte mediante normasconstitucionais ratione mat eriae,mas sem vínculo
(representação) a Assembléia nacional constituinte — não coma Constituição formal. E um desacerto,assim, julgar
vinculajuridicamente as Constituições de 891 às de 934, de queumgoverno-de-fato éumapurasituação fáctica depoder,
937ede946.NenhumadestasConstituiçõessacaseu funda- depodersemnormas, ou de força arbitrária, para tomar o
mentodevalidadedaConstituição anterior;nenhumasignifica conceitostammleriano de arbitrário .3
reformatotal ou parcial do direito constitucional precedente. Ogoverno-de-fato é umainterpolação normativa, relati-
Aindaque o núcleo — república, federatividade, democracia vamenteà Constituição válida e vigente. Mas,comodizíamos,
representativa— tenha persistido. Como fato fundamental, seexiste comointertempo, para preencher o vazio de poder
cadaConstituiçãoproveiodeumarevolução politico.Revolução eevitar a anomia — o que levaria a coletividade à desorga-
tambémjurídica porqueimportou na quebra da continuidade nizar-se, aodesmembramentode sua estrutura — e restabe-
constitucional.Conseqüentemente,normas fundamentais dife- lecer a situação constitucional anterior, não exprime poder
rentes.Omesmoocorreseummonarcaabsoluto — politica- constituinte novo Tanto queretomada a continuidadecons-
mentepressionadoou não — outorga uma Constituição que titucional, seus atos podem ser convalidados, ficando insus-
transformaopoderemmonarquiaconstitucional democrática. cetiveis de desfazimento pelo órgão jurisdicional, cuja exis-
Nomomentoemqueentreemvigor a Constituiçãooutorgada, tência,como órgão, é dentro da Constituição anteriormente
cessaaConstituiçãomaterialquefundava a monarquiaabso- vigentereestabelecida. Num sentidoamplo, tal processopode
luta. A normafundamental que servia de fundamento de sedenominar de revolucionário, vindo para manter a conti-
validadeaoexercício do poder absoluto foi substituída pela nuidade,não destruída O trago revolucionário reside no ser
normafundamentalque divide e limita os poderes, e dá ao
povoafunçãodeórgãopolitico (corpo eleitoral,comfaculdade umprocesso factico, relativamente aos juízos jurídicos com
deiniciativa legislativa constituinte, de referendo, de plebis- basena Constituição vigente: a Constituiçãoque o governo-
cito,deveto) : Opovoapresentando-seimediatamente, oume- de-fatovisa a preservarnãopodequalificarcomofato jurídico
diatamenterepresentando-se— naposiçãodeórgão-de-órgão, lícito o emprego da força, semnorma jurídica que preveja
oudeórgãoprimário na terminologia de Jellinek• aforça. Essa Constituição,comoframe-of-reference, só qua-
Podeocorrer inclusive a suspensãoda Constituição, face lificaria o fato comoantijuridico. Por isso,osatosnormativos
necessidadee á excepcionalidade da situação substancial- deum governo-de-fato têm de receber juridicidade a poste-
mentepolítica, que não encontra solução nos quadros da riori, expressa ou tacitamente.Assim, estabelecida a Consti-
legalidadeconstitucional. Mas, uma vez superado o estado- tuigão, desfeito o governo-de-facto para ingresso do governo
de-necessidade,ou a situaçãoexcepcional,retoma-se a norma- dejure, os atos normativos, poraquelespraticadospodemser,
expressaou tacitamente,convalidados, i. 6, válidos no inter-
lidade: a normaconstitucionalimpõe a normalidade, o pro-
cessopolitico reingressa nas vias normativo-constitucional
3. HAURIOU toma a continuidade como processo que conduz
prefixadas. A suspensão é da vigência de regras constitu- legitimidade. E diz que «toda solução de continuidade no Direito apli-
cionais,continuando válida a Constituição como um todo. cável à Constituição abre, pois, uma crise revolucionária, por que chega
Aintercalaçãodegovernoprovisório,comogoverno de fato, a ser uma crise da legitimidade do Direito» mas quando observa que
éum hiato logo desfeito, com a retomada da normalidade afundação de uma Constituição d sempre revolucionária porque provdm
constitucionalNdo houve, na hipótese, irrupção do poder do tpoder majoritário» restringiu qualitativamente o conceito de pro-
cessorevolucionário, ligando-o a um só sujeito — o povo ou nação. Vide
constituintGoverno-de-fato é umgoverno constituído por Principios cle Derecho Público y Constitucional, págs. 310-311.
78 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JUR/DICA DA REVOLUÇÃO 79
tempodasuspensãoda Constituiçãocomo todo. Se não,qua- tesfechadas a estruturas depoderacessíveis a elites abertas.
lificam-secomoantijurídicos, pela Constituiçãorestabelecida. Porevolução histórica esociologicamenteentendida,amutação
política implicará numamutaçãode normafundamental. De
Muta0esqueImportamemRevolução sortequenão éapenaspor via revolucionáriaquesepassade
umanormafundamental para outra diferente; sim, que toda
SegundoKelsen, revolução importa numa ruptura da revolução,no sentido jurídico, implica nanecessidade,para o
continuidadeconstitucional, no instituir-se Constituiçãonova jurista que visa conhecero sistema, a formulaçãodeumnovo
porprocedimentonão previsto pelas normas constitucionais pressupostonormativo.
demutaçãoconstitucional.Seassim, tomado ao pé da letra,
umaConstituiçãoquepreveja a mutação total (reforma cha- Nãoobstante essa política e sociológica continuidade
madatotal não é reforma: é substituição), como a francesa normativa,apesardessasucessividadeconstitucional, é difícil
de1848,ou asuíça (art. 118 — La Constitution federal peut manter-se a tese da formaçãoderivada, que isso implica, da
êtrereviséeen tout temps,totalement ou partiellement), per- Constituição C", face C'.SeasegundaConstituiçãotemnorma
mite,seminterrupção da continuidade normativa-constitucio- fundamentaldiferente da primeira, nãopodederivar-sedesta.
nal,passardeumaConstituiçãomonárquica para umarepu- Éuma Constituição nova, originária, assentando em novo
blicada,deumaConstituiçãodemocráticaparaumaautocrática poderconstituinte. Importou,comoanota Schmitt, sob outra
evice-versa. Ou seja, da Constituição C', por revisão total, teoria,emnovadecisão política fundamental,inconciliávelcom
previstanumanormaderevisão inserida na Constituição C', adecisão política fundamental da anterior. De ummonarca,
adviria aConstituição C" com o que a continuidade constitu- queunilateralmente outorga umaConstituição, não sepassa
cionalestaria mantida e revolução em sentido jurídico não paraumordenamento cuja Constituição é ato dedecisãoime-
haveria.Mas,seporhipótese, a Constituição C' fossemonár- diataoumediatadopovocomodetentordopoderconstituinte,
quicaabsoluta, e a C" republicana democrática, uma, pois, aindaque a Constituição outorgada tenha previsto regra de
consagrandoo principio autocrático, outra, o princípiodemo- revisão total. A revisão por maisamplaqueseja, topacomo
crático,então,segundoa teoria da normafundamental, teria- limite infranqueável — odenão alterar adecisãopolitico., fun-
mosqueanormafundamental da primeira não seria mais a damental Se altera, a Constituiçãosubseqüentecomeçou a
normafundamentaldasegunda. valerquandocessou a vigência da anterior. Quando C" teve
Ora,observaKelsenque a normafundamentalsemostra inicio notempo (sua vigência), a normarevisoradeC' deixou
bempatenteemsuasignificaçãoepistemológicaprecisamente deexistir. Não serveessanorma de revisão defundamento
p _ no casoda revolução: o pressuposto normativo quemanda delegitimidade para o todo de C" Se o servisse, coexistiria
oobedeceraomonarca,comodetentor exclusivo do podercons- comofundante da Constituição C", o queimportaria existirem
i tituinte, nãoserve para estatuir que se deveobedeceraos asConstituições C' e C". CoexistiriamduasConstituiçõesem
titularesdodepovo.
poderque tiram sua legitimidade do podercons- sentidológico-jurídicoeduasConstituiçõesemsentido jurídico-
tituinte positivo, ouduasnormasfundamentaispara dois estatutos do
oqionlogi
certo que
cament e a mutação fáctica, por evolução gradual, poder. Dois poderes constituintes, excludentes entre si, inco-
municáveiscomopoderes de império para o mesmoâmbito,
S p estrutura-de-poder
outra o d e conduzir dede
, estrutura uma estrutura-de-poder
poder a
reservadas a eli- especial,material e pessoal de validade.
80 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOSPOLITICOS TEORIA JUR/DICA DA REVOLUÇÃO 81
ARevoluçãoComo Direito órgãoque não se apresenta,representa-se. Os titulares de
Sãoduasquestões a distinguir cuidadosamente:uma, a governo(executivo e legislativo) tiram seuspoderesdaCons-
revoluçãocomo fato de possível qualificação jurídica,Como tituição, que é expressão maior davontade geral, a docons-
fato jurídico; a outra, a revoluçãocomo direito. Cornonão tituinte. Incluir, no contextodeumEstadoconstitucional (em
sepodeconcebercomodireito objetivo, pois que a revolução sentido qualitativo, esse constitucional: materialmente, todo
éantinormativa, é contra legem, entra no universo-do-direito Estadotem Constituição; não há o EstadosemConstituição;
tão-sócomofato ilícito, como antijuridicidade (politicamente nãohá o Estado e,depois, a Constituição. OEstadoé aCons-
valorada),temosde procurar a revolução no lado do sujeito tituição,nesse sentido), esse direito subjetivo de revolução
quea temcomofaculdade, ou seja como direito subjetivo: 6,pois, contraditório.
Otitular dessepretendido direito subjetivo é o povo ou a Assimsendo, ir o povo, através da revolução, contra a
nação.Arevoluçãofrancesa,sabe-se, incluiu o direito deresis- vontadegeral, importaem ir contra simesmo A teoriademo-
tênciacomoumdosdireitos fundamentais de caráter politico. critica, coerentementelevada àssuasmaioresconseqüências,
Ainclusãodo direito deresistência ao poderquesedesvirtua importa na eliminação do direito da revolução,como direito
emprepotênciatem caráter sociologicamentepolêmico, E o subjetivo incluído no interior do ordenamento jurídico. Na
direitoderesistência à opressãomonárquica, direito queas- teoria liberal tem acolhida o direito derevolução. Pois, para
sisteaopovo, se aquele desfizer o pacto constitucional (a oliberalismo não importaquemé titular de poder. Importa,
Constituiçãofrancesade 89 foi umcompromisso,uma distri- sim, a definição dos direitos individuais e suas garantias.
buigãodepoderconstituinte entremonarcae povo).Mas,uma Oliberalismo é individualismo politico Por isso, a teoria de
vezeliminadoomonarca,ou limitado o monarca,politicamente Rousseau,que era democrática e não-liberal,recusa o direito
enfraquecido,dentro deumamonarquia constitucional parla- derevolução. Para a teoria democrática,importamnãosóos
mentar,carecedefunçãoideológica e de instrumentodedepo- direitos individuais mas ainda,quemtem o poder. O libera-
siçãode titular depoder o método da revolução. lismoé compatívelcomumdespotismoilustrado, oucomum
Odireito subjetivo de revolução só tem cabimento na monarcaquese autolimita, respeitandoosdireitos individuais.
teoriadequeavontadedomonarca é a lei, de queumórgão Opoder constituinte pode ficar com o monarca (as Consti-
aosoutrossesobrepõe,ou concentra todas as funções eonde tuiçõessão atos de outorga) Na democracia, o podercons-
opovonãosendoórgão (corpo participante da formaçãoda tituinte temcomo titular o povo ou a nação.Quernestá no
vontadeestatal) só lhe resta desinvestir os titulares dasma- poderestáemseunome,comosujeito investidopelodelegante,
gistraturassupremasatravés da violência. Mas, onde a lei emporções de competência, definidas pelavontade geral de
passaa servontadedomonarca e do povo (King in Parlia- maior nível que é a Constituição formal. Juridicamente, o
ment),um ato complexo,com participação de dois órgãos, povoautolimita-se através da Constituição e das leis. A revo-
umdosquais — o legislativo — é órgão representantede luçãofará retrocedê-lo aoestado-de-natureza,ondetudopode;
povo-órgão,onde a lei não é a vontade de um ou dealguns, noestado-de-sociedade,politicamenteorganizada, há a renún-
masaexpressãodavontade geral, carece decoerência incluir cia à violência O desmando é substituído pelosmecanismos
odireito deresistência. A soberania no Estado reside,como decontrole do poder: supremaciada constituição, controle da
anotaraBodin,emquemfaz a lei. Na monarquiaparlamentar, constitucionalidadedas leis e atosdepoder,divisãodepoderes
etécnicasderecíprocoscontroles.Fundamentalmente,pelapar-
S soberanoti como
anação, nãoérepresenta
monarca. O monarca
anação representa
o corpo politicamente
legislativo. Opovo- ticipaçãodo povonosórgãos-do-poder.
82 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JURÍDICA DA REVOLUÇÃO 83
ResíduosJusnaturalista asnormasprovenientes dasociedade Para uma filosofia an-
tiestatal, tal direito dasociedadeé mais valioso, mais intrin-
QuandoDuguit,nadaobstante o seuenérgicopositivismo, secamentejusto, mais democrático.
sustentaqueopovoaofazerumarevolução, contra atos arbi- Emúltima análise, a dualidade fato/norma, que se cor-
tráriosdopoder,queferemo "direito superior", está pratican- porifica na dualidade sociedade/Estado, tem no direito da
doumatolegítimo (Traité de Droit Constitutionnel, in, pkg. sociedade ou no direito espontâneo de grupos socials uma
805),logosevêquetomacomo critério de referêncianão o soluçãodialética e harmoniosa. Se no direito provindo do
direitoestatal,masaquele direito anterior e superior aoEs- Estado, a normasecontrapõeao fato social,se odever-serse
tado. E certoquenãotoma tal direito comoo direito natural, colocacomo pólo contrário ao ser docomportamentosocial,
expressamente. E algumacoisa de semelhante ao direito da nateoria de um direito social espontâneo, a normatividade
sociedadedeEhrlich, ou ao direito espontâneo e inorganizado estáno próprio ser dosocial, facticidade enormatividade reci-
deGurvitch. Mas, ainda que tome o dado de fato, i. 6., a procamentese influem esecondicionam. E uma via para se
existênciadessedireito dasociedade,inorganizado e por isso manter a teoria jurídica de que o direito é norma e conduta
mesmopre-estatal, o empirismodessa atitude é ultrapassado deque a normavemdo social e o socialsetraduzemnorma.
porumatomadadeposição valorativa. Esse direito é mais Omesmo a dizer da tese de Hauriou,quando, tratando
valiosoqueo direito do Estado. R. um direito superior, quer dopoder constituinte diz quenão é um puro fato histórico.
dizer,axiologicamenteimpõe-secomouma diretriz paraonde Funda-senum "direito revolucionárioquesubsistesob a legi-
timidade do Direito do Estado". Essepretendido "direito re-
deveseorientaro direito doEstado.Quandoo direito positivo volucionário" é o direito a implantar umcerto direito, um di-
estataldele se desvia, ou quando algum titular de poder, reito justo, o "direito de autonomia da liberdade primitiva"
atravésdeatos, infringe tal direito superior, o ato revolucio- (Hauriou, Princípios de Derechos Público y Constitucional,
nárioestálegitimadoComo já distinguimos, está legitimado, pág. 311) • Do ponto de vista da Constituição positiva, tal
faceaoesquemavalorativo de referência, masnem por isso direito revolucionáriosimplesmenteinexiste.Dopontode vista
estálegalizado,estáconforme ao direito propriamente dito. dosfatos, se tal direito não se implanta mediante a concen-
Seo direitodasociedadenãosecanalizapelas vias normativas traçãodopoder—institucionalizagãodumcentrodepoder—,
doordenamentopositivo,senãosemanifesta atravésdasfon- enãoseimpõecomoscaracteresformaisdejuridicidade (inde-
tesformais,nadamaisédoqueumafonte material-sociológica. pendentemente do conteúdo histórico e axiológico), direito
Comofontematerial-axiológica, é o direito natural. Agora, o propriamente dito não 6. A imprecisãosemântica do termo
certoé quesob o ponto de vista radicalmente positivista, é direito, que demarcaseu âmbito de aplicação ou sua órbita
impossíveltomarposiçãodevalor diante domeramentefáctico denotativa (seucampodeincidência,suaextensão—osobje-
dessedireito dasociedade,preestatal ou sobre-estatal.Temos tosou fatos aosquaisse aplica), éresponsável,emparte, pelo
desustentarcomDelVecchio: sesesão várias as fontesma- usoequívocodo termo "direito revolucionário".
teriais do direito, se antes do Estado diferentes fontes de
produçãonormativa se dispersavam na sociedade, com o Revoluçãoe Poder Constituinte
aparecimentodoEstado,estemonopoliza o direito. Qualquer n umdadode fato, queestá na experiência,quetodo Es-
queseja a fonte material decriação denormas, só o Estado, tadoqueseforme ouquesetransformerepousanumprocesso
legnofoco de irradiação normativa, convalida ou convalesce devontade Essa vontade, ainda quede um indivíduo, ou de
84 REVISTABRASTLEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JUR/DICA DA REVOLUÇÃO 85
umgrupo,oudeumacoletividade nacional,não é parcial,mas ticidade da revolução reside nesse indirizzo para o direito
comintencionalidadeglobal; é a vontadede dar forma política politico fundamental (constitucional) Não querapenasman-
aotodo, de imprimir-lhe um modo de ser politico concreto, tê-lo.Umarevolução feita comaintençãoimediatade garantir
deconferirumamorfologia ao poder (ser podermonárquico, alegalidade constitucional vigente,não éumarevolução jurí-
republicano,autocrático,democrático) . Esse dado existencial dica. A deposiçãodos dirigentes e a substituição por outros,
éoqueSchmittdenominadecisão. n o Grundtaktum, ponto geralmentese faz emnome da Constituição a salvaguardar,
departida efetivo detoda estrutura constitucional de poder. ecomfidelidadeàConstituiçãoestabelecida. O intertempo de
Dizendoemtermosda teoria kelseniana; é o fato fundamental governo-de-fato,para investiduradosnovostitulares dopoder,
aquecorresponde a norma fundamental (Grundfaktum - ésuspensãode certas normais constitucionais, diante deuma
Grundnorm). Nãoé anormafundamentalqueproduzou traz situaçãoimprevista normativamente,masnãoumasupressão
aoníveldaexistência, o fato fundamental. Ao contrário,dado daConstituição. Aqui cabeacolher a distinção de Schmitt:
ofatofundamental,para colhê-loemtermos deconhecimento suspendem-seirregularmente preceitoslegais-constitucionais
dogmático,pressupõe-se a normaque lhe corresponde,põe-se nãoa Constituiçãomesma, o núcleoque é expressão política
ahipótesenormativabásicaque tem o fato fundamental por fundamental (ser monarquia, ser república, ser democracia,
conteúdo. serautocracia)
Arevoluçãoentra na categoria de fato fundamental, de
decisãopolitica proveniente de uma coletividade que tomou ARevoluçãoComoFonte de Criação
emsuasmãosaopçãode ser umadeterminada forma. Essa doDireito
decisãoépréviaatodanormatividade.Podeocorrer oradentro
deumEstado já constituído (a revolução francesa de 89), Devemosdistinguir as fontes no interior de um ordena-
ouantesdeumEstado a constituir-se (o movimentodeinde- mentojurídico face ás fontes que estão antes ou acima do
pendênciapolítica das treze colônias inglesas) . Constituído ordenamento. Fontes nessesentido tópico, colocadas acima
ouaconstituir-se,oEstadoante a revoluçãoestá ante opoder doordenamento jurídico sãofontes supra-positivas, instâncias
constituinte.Se oprocessosocial (econômico, religioso, poli- devalor legitimadoras do direito positivo criado de acordo
tico) verifica-senosquadrosdo direito do Estado,semquebra comas fontes,digamos,intradogmciticas Os princípios gerais
daslinhasbásicasdo sistema, trata-se de fato que cabeem dodireito, emsentido jusnaturalista,sãofontes legitimadoras,
outroconceito (insurreição, rebelião, simples golpe-de-poder querdo direito estatal, quer do direito interestatal (direito
ougolpe-de-estado). A nãoserquesealargue ocamposemân- dasgentes) A s fontes concebidascomoprocessos que se
ticoou oâmbitodenotativodo conceito,mediante o empobre- colocamantes do ordenamentosão fontes sociológicas, extra-
cimentoconotativo. Então, revolução será todo movimento dogmáticas
comofim, é oqueconfereaoprocesso social o caráter revo- Ametáfora da palavra fonte equivale a apontarascausas
lucioTeci
km40.11:tsui nárioona1
. comvista ao poder. O ter o podercomoobjeto, dacriaçãocomoasdadestruiçãodenormasjurídicas.Ométo-
Umanotacomum,todavia, decorrente de o poder ser o dopara surpreender as regularidades entre os fatores reais
objetodoatorevolucionário, é queo poder tem seu direito, easnormasé oempírico-causal.Sociologicamente, a revolução
r o dire6 do poder, direito que oconstitui. Uma revolução, 6uma fonte de direito novo,umsistemadeprocessossocials
restritamenteentendida,visa ao direito constitucional. A poll- queprovoca a supressãode umordenamento e a substituição
86 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JURIDICA DA REVOLUÇÃO 87
poroutro, ou das partes fundamentais (de direito politico) comodestruidora dasnormasprimárias e dasnormassecun-
deumordenamento,persistindo o restante (todo o direito dárias(invertemos o significadoqueKelsendá) constitutivas
privado,parte do direito administrativo, etc. ) . deumaordem politico vigente.
Fontede direito no interior deumsistema jurídico éum
procedimento(apenasum via, como no direito costumeiro) ARevoluçãoComoumCasode Posit ividade
eumsujeito habilitado para criar normas jurídicas. A fonte
mesmaéumaconstrução jurídica; é um método, elemesmo, Umanorma é válida se pertence a um sistema que é
normativamenteconstruido. O processo legislativo ordinário globalmente eficaz Não cabe argumentar: se a norma N'
eo órgãocompetentesãoconstruções normativas inseridas carecedeeficacidadeeé válida; seigualmente N"; igualmente
nosistemaconstitucional: o métodode revisão do texto cons- Nw,então todas estasnormas,sendoineficazes,masperten-
titucional, o modode feitura de regras constitucionais e o centesa umsistemanormativo válido, tal sistemanãoresulta
órgãocompetentepara issodecorrem da fonte que o próprio ineficazem seu conjunto? Fica sem base a pretensão de
textoconstitucional estipula. Toda fonte (chamada formal) validade (die Geltungsanspruch)que tinha Mas, nãosepode
dogmática é normativamente constituída. As normas que traçar o preciso limite emque a eficáciaden/normascom-
constreiemas fontesdogmáticas, por sua vez, são postas de prometaa validade total dosistema. O certo équepara argu-
acordocomcertoprocesso e por um titular: o titular cons- mentarmoscom a teoria pura do direito, umsistemanorma-
tituinte. tivo deo desuso, ou a inobservância de regras
Otitular constituinte (monarca, ditador, povo presente suasnormas sãoobservadasefetivamente. Se, em conjunto,
ourepresentado),todavia é a fonte, sem por seu turno, ter éeficaz e portanto válido, qualquernorma singular é válida
sobresi normas jurídicas positivas que lhe instituam como porpertencer ao sistema,independentementede ser ou não
fonteconstituinte. O titular constituinte é uma fonte extra- observada. O argumentoquevale para o conjunto Snãovale
dogmcitica.Comele,começa o ordenamento constitucional e paravárioselementospertencentes a tal conjunto.
estrutura-se o poder. 2 fonte denormassem ser normativa- Ora, a revolução,sendo fato nãolegitimado juridicamente
menteconstituído. 2 fonte absoluta, em relação ao ordena- pornorma prévia, 6, todavia, fato produtor denormas.Supri-
mentoqueestatui. Secomeça,semEstado, mas para consti- me,comodizíamos, a aficacidade do todo normativo, corta
tuir Estadoéformação originaria, histórica e juridicamente. osuporte fáctico de eficacidade e,com isso, elimina o sus-
Sehá Estado(necessariamentecomo Constituição material, tentáculo constitucional do ordenamento. Mas, querer, como
pelomenos) e veminterromper a Constituição vigente,sem faz Palliere, (Q. B. Palliere, A doutrina do Estado, págs.
representarfontedogmáticaou formal no interior dessaCons- 139-151, vol. 29, Coimbra, 1969), tomar a revolução, quanto
* tituigão, é fonte revolucionária. A revolução é uma fonte aosseus efeitos, no mesmonível da positividade normativa
hh: material,sociológica, pré-constitucional, que vem instaurar, contrária ao direito vigente, ou aoestado-de-necessidadeque
Constituição ali ondenão existia, ou quebrar a existente e introduz direito ilegal, ou norma contrária a norma de di-
substitui-Ia por nova. Tem o podercomoteleologia inerente, reito vigente, importa em passar por alto que a regra de
aforgo,comomeio. A forgo nãocomoconseqüência.sanciona-
poroparte dos destinatários,
se, indivíduos e.órgão-do-poder , veri-
S dorado
n r rmas _ direitod i
primárias dos preceitos r
jurídicos, e a forgoi
mas t ficam-sedentroé válido
dos quadros em conjunto,
do direito é eficaz,
público, i. 6.,
quenão se
perde
1
88 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JURÍDICA DA REVOLUÇÃO 89
vigência.Oatodegoverno, ilegal ou inconstitucional, a inves- dução)compromete a validade e seufundamento que é a
tidura irregular de titular deórgão-de-poder, a regra de di- normaoriginária (a Constituição positiva, ou a norma fun-
1 reitoemanadado órgão legislativo, contraveniente á norma damental) Retira, pois, o princípio deconvalidamento, por-
constitucionaldotadadesupremacia formal, todosessesatos quesuprime a validade total dosistema jurídico contra o qual
contráriosao direito constituído, se nã'o são desfeitos por arevolução se faz.
careceremdeórgãoscontroladores da infringência verificada,
oupor motivos denecessidadeurgente (in extremoneces- AFactieidadeComoConteúdodeNorma
sitatiscasu),ou por imperativos politicos sãopraticados, tais
atosse juridicizam positivamente, inserindo-se no ordena- Seumanorma encontracorrespondênciana condutaque
mento.Aqui a positividade,comoanota Palliere, é o critério prescreve, tal conduta é facticidade normada. A revolução é
1 decisivoqueemprestavalidade a atos e normas. A revolução purafacticidade, setomamos o jurídico-estatalcomo critério
diferedosatoscontráriosao direito vigenteque,nãoobstante, ouesquema de referência Se havia ordenamento jurídico,
adquiremvalidadedentro doordenamento. Pois, é o ordena- arevolução veio destrui-lo. Posto novoordenamento,entrou
mentomesmo,emsua inteireza, que convalida a positividade ernvigor o sistema normativo oriundo da revolução, a revo-
irregular,restabelecendo a relação do ato contrário a normas
válidas.com a última fonte de validade ou a norma funda- luçãono sistema não entra. Mas é facticidade queserve de
mental suporte à norma fundamental do sistema estatal. E serve
JáKelsenanotara que as normas inconstitucionais não maiscomosuporte fictico deumanormade direito dasgentes
eramsóporissonulas,inexistentes. Duasnormas, N enão-N, (aVoelkerrechtssatz) A juridicização da revolução se faz
comrecurso à normafundamental hipotética doordenamento
contraditóriasentre si, infringente umadelas de normasupe- estatal, ou recorrendo ao nível mais alto danormade direito
rior, éumfatoqueseencontrana experiência. O direito posi-
tivocontémcontradições e um tipo de tais contradições é a positivo internacional.
nãocompatibilidade constitucional de normas. Pois bem: Tantonumcomonoutro ângulo deconsideração, a facti-
juridicamente, tais normasincompatíveis sãoambasválidas. cidadeconverte-se em conteúdo de uma normaApenas, a
Oordenamentomesmopõe e quer a disjuntiva. Quer quese descontinuidadeque resulta do postuladoquepõe o sistema
apliqueumaououtra,nãoambas. O ordenamentoquer a dis- estatalcomo o mais alto, cuja expressãopolitico, e jurídica
junção e confere ao órgão aplicador a opção discricionária éo dogma da soberania, é superada com o postulado do
deaplicarumaou outra. direito internacionalcomo o umfassendeSystem. O primado
Arevolução,por isso,nãoseinsere noordenamento,nem dodireito estatal, comsuanormafundamental singular, fun-
esteaconvalida. A falta deeficacidade(desuso), a eficacidade danteda ordem jurídica concreta, aindaque juridicize o fato
contra a norma e ponentede norma contrária á norma do revolucionário,nãoresolve a continuidadedo Estadonasmu-
direitoern vigor, sãoprocessosfácticos que ocorrem dentro taçõesrevolucionárias. A identidade do sujeito-de-direito das
doordenamento,queosabsorve,tornando-os fatos normativos. gentes fica inexplicável,comose fora problemameta-jurídico.
Eabsorve-osporque o sistema normativo ou o ordenamento Sóo primado do direito dasgentes dá a concepção jurídica
continuaválido,apoiadonuma eficácia global. A revolução coerente. A revolução não rompe a continuidade do Estado
quetem comodados-de-fato a identidade fáctica, do povo,
rpositivi de semnormatividade (legalidade, no texto da tra- doterritório e de sua cultura.
satingindo
i im I I J- a eficácia global, introduzindo, como diz Palliere,

,
00 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JURÍDICA DA REVOLUÇÃO 91
DoisModosdeMutação Constitucional asnormasdo direito positivo se estruturamemumconjunto
abrangente,em um sistema total. Se o primado reside no
HA,diz Kelsen, dois casos de alteração constitucional: direito estatal, então o fundamento-de-validade de todas as
um,previstopelaprópriaConstituição,quedispõequal oórgão demaisordens estatais, com a ordem jurídica internacional,
habilitadopara criar direito constitucional e qual o método resideno sistema estatal quefuncionacomoesquema-de-refe-
aseguir; outro, o não previsto normativamente.Aquele é rência Se a tônica recai no direito internacional, as ordens
intra-sistemático;este,extra-sistemático. Kelsensubsumeam- jurídicas estatais sãosistemas-partes,ordens parciais de um
bososcasosnoconceitodemudança(Aende rung): Aende- sistema total : a fonte de validade reside no direito interna-
rungder Verfassung auf revolutionaerem Wege, cl.h. mit cional.
einemBruch der bisherigen Verfassung Sao dois tipos de Conforme o postulado escolhido, a norma fundamental
alteraçãoconstitucional diferentes. Num caso, um processo difere. No primado do direito internacional, a norma funda-
normativamenteregrado; noutro, uma situação fáctica de
podertriunfante, sem limitação normativa anterior e sem mental é a que preceitua a conduta uniforme dos Estados
órgãohabilitado juridicamente, impõe normas Em rigor, a comodevendo-ser (a norma-base instituinte do costume, o
alteração(reforma, revisão, poder de emenda)move-senos postuladohipotético que toma o Faktum do comportamento
quadrostragadospelaConstituição. A revolução é destruição, interestatal reiterado comodevendo ser) Se se opta pelo
supressãodo direito constitucional vigente. A jurisdicizaglio primado do direito estatal, a norma fundamental é a que
mediante a normafundamental do sistema, ou mediante a toma o primeiro fato que instaura o Estado.Sendoeste o
regrade direito internacionalqueeleva a facticidade a pres- ponto de partida de validade, todo direito, tanto o interno
supostodelegalidadenão lhe conferem o caráter deprocesso comoos direitos dosdemaisEstados e o direito internacional,
dereforma,masdeumafonte material originária. n a fonte têm na norma fundamental do Estado singular seu último
queestáimediatamentereferida pela norma fundamental do fundamento de validade Os direitos dos Estados,como o
Estado,oupelanormadeeficacidade (o princípio de efetivi- direito internacional valem na medidaemque a vontade do
dade)do direitodasgentes.E-a fonte constituinte. As fontes Estado singular os reconhece. Há uma internalizagdo, uma
formaisvêmdepois,com a Constituição positiva em vigor. reduçãodependencialde todo direito ao direito constitucional
Opoderderevisãoconstitucional, este sim, é umadasfontes doEstado singular. Os tratados, asnormasdo direito inter-
formais, o métodointra-constitucional de mutação do texto nacional geral e ossistemas estataisestranhos,valemporque
oEstado-baseosreconhece.
daConstituigão.Oqueconfirmaatesedeque o direito regra
asuaprópriacriagão. Há,todavia,umdeslocamentodofundamentodevalidade
conformeopostuladoadotado.Seoprimadoresidenodireito
• IRevpl
w ugdoe Direito Internacional na Teoria Pura dasgentes, a existência, a duraçãoe otérminodeumEstado
dependemdanormapositivade direitointernacional. O que
Segundoa teoria pura do direito, tanto é admissível o énormafundamental sob o ponto de vista daordem estatal,
primadodo direito estatalcomo o primado do direito inter- énormade direito positivono nível do direitodasgentes.
nacional.Sãoduashipótesesválidas paraaconstrução unitária Hi,emrigor,duasespéciesdenormasfundamentais:relativas
douniverso jurídico. Tanto num como noutro, o direito é umas relativa a cadaordem estatal singular —, absoluta
concebidocomourn sistema uno e finico. Quer o sistema- aoutra a colocadanoápicedoordenamentojurídico inter-
Ibase
l i ksejalltstatal, quer o sistema-base seja o internacional, nacional.Mas,enquantoestapressupõea existênciadosEs-
92 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JURIDICA DA REVOLUÇÃO 93
tados,asdemaissãofundamentaisdos Estados. Se não for Diz Heller, contrapondo-se ao primado do direito inter-
possívelformularumanormabásica para umadadasituação nacional,que o Estadocomeçaantes do direito dasgentes,
fáctig-adepoder,umacoletividadenão é Estado, nãoadquire quepode existir sem haver norma internacional que o obri-
ograudepoliticidade estatal. gue a entrar nas relaçõessubordinadas ao direito interna-
Relacionandocomo problemada revolução. Sob o ponto cional; quesomente a personalidadeinternacional resulta de
devista doprimadodaordemestatal, a revolução é o suporte normainternacional; que, pois, a subjetividade estataladvém
fade°, o quantumdeeficacidctdedeuma situação de poder deum ato de vontade, de umadecisãosoberanada comuni-
paraopressupostodanormafundamental.Comessesuporte dadeque se estatiza. O Estado auto-constitui-se,auto-perso-
fácticoformula-se a Constituição em sentido lógico-jurídico nifica-se;nãorecebecompetência: é competência dacompe-
eaConstituiçãoemsentido material ou formal (Constituição tência. Nisso reside a soberania.
emsentido jurídico-positivo) sucessivaque venha a ser nela Mas,se a decisão revolucionária — que é existencial e
fundada.SucessivasConstituições jurídico-positivas, postas nãonormativo-ideal — leva imanente a vontade constituinte,
pordiferentesrevoluções,pressuporãodiferentes normas fun- paraque sepossasubmeter aoconhecimentopeculiar ao ju-
damentaisou Constituiçõesem sentido lógico-jurídico, se a rista, que trabalha com a categoria de dever-ser e nãocom
Constituição é o Estado, distintas Constituições, diferentes adecausalidade, é necessáriorecorrer aopostuladodanorma
Estados.Descontinuidadeconstitucional e descontinuidadees- fundamental.Trabalhando,digamos,com a categoriadecau-
tatal. A hipótesedaprevalência do direito estatal deixasem salidade,não pode o cientista não-jurista — o sociólogo, p.
solução a questão da identidade ou continuidade do Estado ex. — deter-se na revoluçãocomotermo inicial decadeiade
enão juridifica a revoluçãomediantenorma de direito posi- fatos. A revolução tem causas, ela é efeito e, por sua vez,
tivo. Simmediantenormafundamental que não é normade termocausalde outros efeitos.Comofazer o corte naseqüên-
direito positivo. ciadecausase efeitos?O corte lógico-normativoestánahipó-
Seexiste direito dasgentes,temos a norma positiva do tesegnoseológica da norma fundamental. Corta-se a revo-
segundonível. A juridicizagdo do processorevolucionário se luçãoconcreta, a situada notempo e noespaço,comoconcre-
fazourecorrendoaopostuladognoseológico da norma funda- cdohistórica de causas e de efeitos, dentro de cuja conste-
mentalauretrocedendoao nível do direito internacional,onde laçãoestá imersa. E toma-setão-apenascomofato aoqualse
está a normaque imputah..revolução triunfante o caráter vinculamconseqüências,medianteonexodedever-ser.O juris-
defato geradordenormasde conduta e aos indivíduos em ta, trabalha sob uma dada revolução com a categoria de
fungdodemando o titulo de órgdo-do-poder. O jurista que dever-ser,nãocom a categoria (naturalista) de causalidade.
tãosó admita o primado do direito do Estado no qual ele, Osociólogo, este tomaumaConstituiçãocomoefeito deuma
Jurista,seinstale,nãoretrocederá à norma positiva do direito revolução: correlaciona causalmente o conteúdo constitucio-
dasgentes.Não vai além da normafundamental do Estado. nal—valores,ideologias, estruturas políticas—comosistema
• Combasenela, équetodo o direito — o dosdemaisEstados, defatores reais subjacentes. O jurista, ao contrário, relaciona
eo direito internacional — adquire sua fonte-de-validade. imputacionalmente a revoluçãocomo fato básico constituinte
OEstado,sob tal pontode vista, temcomeçológico comsua comaConstituiçãocomoprodutoobjetivadodenormasválidas.

i.ile
normafundamentalpressuposta, não com a norma interna- Aosociólogonãorepugnametodologicamenteque,do fato, se
clonalposta (positiva) o início temporal de validade da originem normas; o jurista, este, firma-se na tese básica de
elacionaLi quenormaprov6mdenormaeumfatosódánormasseoutras
Sordem estataltomadacomobase é anterior ao direito inter- normasconvertam tal fatoemfato jurídico.Comoarevolução
94 R E V I S T A BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JUR/DICA DA REVOLUQ/L0 9 5

éumfato inicial, na série normativa, para torná-laComofato Importa-nos,agora, observarquesetomarmosa hipótese


normativo,umavezque inexista norma prévia — estatal ou daexistência de um só Estado,conseqüentementenão há
internacional—,impõe-senecessariamente a logischeAnfan- direito interestatal ou. internacional. A hipótese de um só
gspunktdanormapressuposta. Estadotomaduas vertentes: uma,quehistoricamenteapenas
Recordemosostrês níveislógicos noquerespeitaAnorma umEstadoseapresente; outra, queosEstadostendamàquele
fundamental: I) a norma fundamental em nível do direito limite de umacomunidade total, ao Estadomundial,emque
dasgentes, i. 6., a norma-origemou o pressupostohipotético odireito internacionaldesapareça, pordesapareceremos Es-
paratercomeçonormativo o direito das gentes; ii) a norma tados,absorvidos num só Estadoecumênico,ficandoemseu
positivapertencenteao direito das gentes, a queestabelece lugar tão-só o direito constitucionaldesseEstado mundial
ascondiçõespara início e término no tempo e noespaço,de limite. NahipótesedeumsóEstado, o fato geradordoEstado
umsistemanormativo estatal (demarcante da órbita tempo- nãotem ienão norma fundamentalpressuposta. Falta norma
espacialde validade de um sistema parcial) ; iii) a norma positiva de direito das gentes,àquelesegundoestrato acima
fundamentalpressuposta,correspondente ao suporte fáctico referido,queprocedeà relaçãoimputacionaldosuporte fáctico
quedi origemaoEstado (um processodeorganizaçãoevolu- daeficacidadecomconseqüênciasnormativas (dado um fato
tivo,segundoo costume,ou umprocesso revolutivo que ins- —umarevolução, umatomadado poder—,deve-ser direito
tauraórgãos-do-poder). oquedele provier) Nesse caso, para ter começo o conheci-
mentojurídico, da revoluçãocomo fato se chega à norma
AindaqueKeIseneVerdross e oscomentadoresemgeral hipotética O universo jurídico dentro do qual o jurista se
falem,nosegundonível, do principio de efetividade (preferi- instala é únicamente o estatal singular. Por issoqueinexista
mosdizer eficacidade),rigorosamentetomadas as coisas, no normapositiva para fazer a imputação face à revolução,
sistemadedireitodasgentes,temosnorma positiva, não prin- observaCóssio, o jurista formula-acomo"hipótesenecessária
cipio. Princípio é conceitode meta linguagem, da linguagem doconhecimento para entender o caráter jurídico do direito
sobrea linguagemdo direito positivo. Com efeito, a teoria emanadoda revolução". O postulado hipotético é, interior-
danormafundamental é teoria ern nível do conhecimento. mente,em sua estrutura sintática, umarelaçãodeôntica, im-
Anormafundamental é umpressupostognoseológico, é uma putacional: "dado o fato revolução,deve-serválido o quedela
categoriatranscendental do conhecimento do direito-objeto. provenha"
Eo principio deefetividade é umaconstrução teoréticacom UmConfronto
basenaexperiênciadofenômenodo direito positivo. A norma
positivado direito dasgentes,que condiciona a validade de Confronte-se a teoria kelsenianacoma teoriadeMalberg.
11111P— umpoderemitente de regras de direito A, sua eficácia no SegundoMalberg, as revoluções,como os golpes de Estado,
domíniodacondutahumana,temumaestrutura deôntica.Não
• éumaproposiçãoteorética quedescreve o fato constituinte. sãopuros fatos: na ciência do direito público,observa,nãohá
4Panormapositivamesma,condicionadaem sua validade ao lugar para uma teoria jurídica dessesfatos, que são extra-
suportedaeficácia. n umaproposição teorética a que diz que jurídicos (Teoria general del Estado, p. 1.173). Sic) fatosque
avalidadedependeda eficácia: constata descritivamenteum ocorrem fora do direito estabelecidopela Constituição, e não
dado-de-fato n normaa proposiçãodo direito dasgentesque chegama ser —assimcomo a origem histórica doEstado—
S eefon i ecá i cica
i onm
l aquelidadeed.
l umproblema jurídico (op. cit., p. 1.168). Esta é a conse-
e
• umpoderdinstadurafdor do Estado à qüência a quechega a teoria de Malberg,justamenteporque
.95 REVISTABRASIL FIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIAJURIDICA DA REVOLUÇÃO 9 7

no indoalémdo direito público interno, nele não vê possibi- vânciajuriclica, convertendo-seem substrato fáctico da per-
lit-odedejuriclicizar revoluçãoougolpedeEstado,purosfatos sonalidadejurídica do Estado,sem o regresso a umanorma
queemcategoria jurídicanenhumatkm acolhida. quequalifiqueessedado-de-fato? A mesmickuledanação,do
Opropósitokelseniano é juridicizar o fact= da revolu- território, são fatos, como fato é o processorevolucionário:
ção.E para tanto é mister qualificar normativamente o fato, fato, relativamente a um prévioesquemanormativo que o
tomaro fato atravésdenormaJurídica. Oconhecimentoespe- qualifique.
cificamentejurídiconãoalcança fato nenhurnsem amediação Ateoria kelsenianaénormativamentehomogêneaeexaus-
deumanorma (geral ou individual, abstrata ou concreta, tiva e quandonão se vale do postulado (de clausuranorma-
consuetudináriaou escrita, poucoimportando nisso o âmbito tiva) da norma fundamental referente a umaordem jurídica
deincidência, ou a fonte da norma) . Se norma ineTiste na nacional,regressaA,norma positiva de direito dasgentesque
Constituição, o conhecimentoespecificamente jurídico parte convalida o fato da eficáciadeumarevolução vitoriosa.Se o
dehipótese—como,de resto, o conhecimento natural, ou o conceitode revolução indica que umatransmutaçãonão se
conhecimentomatemático—, i. 6., de um ponto de partida; verificoudeacordocom a regraimanenteaosistema,nempor
deumpostulado,senosmantemosno interior doordenamento issoo fato é meta-jurídico. A normade direito positivo inter-
jurídiconacional,deumaregra positiva seascendemosaonível nacional faz ver ao jurista que a quebra da continuidade
superiordo direito internacional. Neste nível, o regresso à jurídica é somente relativa, i. 6., tomandocomoponto de
hipótese,sotopondo-seà qual seacha a regra de direito posi- referência a ordem estatal. Segundo o Stand punkt des
tivo,sedetémnanormafundamental do direito das gentes. Primatesdes Voelkerrechts a mutaçãonãose dásemregra,
Enquantoisso, a teoria malbergiana,permanecendo no nível pois"... die Aenderung • nicht nachdemGesetzder einze-
dodireito nacional,sedeparacom a revolugdocomp fato des- lstaatlichenRechtsordnung, vielmehr nach demGesetz der
pojadoderelevância jurídica, sem regra preexistente que a hoeherenStufe,demGesetzdesVoelkerrechtsvollzogenwurde,
qualifique,comolicita ou ilícita, precisamenteporque a revo- sodass die Einheit des Rechtssystems nur relativ gebro-
luçãoé desconstitutiva do estatuto que confereorgani7agdo chen. ." (Kelsen,AllgCMeineStaatslehre, p.128—ed.1966)•
política a umanação. Omesmoreafirmou depois (em DasProblem derSouverae-
Domesmomodo,diante das ruturas revolucion.irias, que nitaet,págs.235/241),retomando amesmateseem1945(Ge-
importamemdescontinuidade constitucional, ambas teorias neraltheory of Law and State,págs.117,219,568), edepois,
indagamseoEstadopermanece,ou se há mutacdodeEstado sublinhando que "... victorious revolution and successful
quandoumanaçãoquebra revolucionariamente seu código coupd'Êtat are, according to international law, law-creatingo
superior.AfirmaMalberg(no quetambémconcordaHauriou) facts..." Mais: quenão é identidade física do território, nem
que"Mediante a mudançade Constituição não se substitui aidentidade histórica da nação por si sósbastantes para
umantigo Estado por uma nova individualidade estatal" explicar a permanência da subjetividade estatal: tudo isso
(op. cit., p. 1.170) . O substratodessapersistência da sub- somente"... is possible only if a norm of international law
jetividade estatal, Malberg encontra-o na continuidade da ispressuposed" (Kelsen, Principles of international law, p.
comunidadenacional.Mas,pensamos, o problema fica aberto. 416)
Sepersistesubjacenteocorponacional,semcomprometimento Somentecomesserecurso, o jurista explica juridicamente
daidentidade e dacontinuidade do Estado,comoessedado- —atravésdenorma jurídica — o fato darevoluçãooudeum
tr_ilt,le-fat — e ésociológico e histórico — adquireessa rele- golpede Estado que transforme radicalmente a Constituição
' I 1 In
98 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA,TURIDICA DA REVOLUÇÃO 9 9

somenteassimarevoluçãoseconvertenum law-creating fact, condutashumanas e em coisas físicas. A revolução não é


previstapelaregra internacionalcomo legal method of chan- umacatástrofe do universo natural, mas uma ocorrência
gingthe constitution. nouniverso da cultura Por fatores culturais está condicio-
Ecerto —como já ponderamos — numamutação total nada, e conseqüências culturais (artísticas, religiosas, políti-
daConstituição,previstaemreforma total, nóstemosdenos cas,econômicas,jurídicas, científicas) provoca.Ora,se é fato
valerdeoutranormafundamental para explicar a passagem dentroda cultura, nãocomoaquedadeumblocoqueesmaga
constitucionaldeumamonarquia para uma república, deum obrade arte, oucomoosagentesfísicos,químicos e meteoro-
regimeautocratic° para outro democrático Por sobreas nor- lógicosque corróemagonicamente a forma plástica de urna
masbásicas,concretamente dirigidas para explicar o fato estátua,as cores de umquadro, ou umtemplo na melancolia
históricoconcreto,e, por isso por sobre asnormasfundamen- doabandono, se é fato dentro da cultura, participando da
taisconcretas,quedemarcamdescontinuidades, a teoria kel- essênciada cultura, não lhe pode faltar substratos,agentes
senianasocorre-seda regra de direito das gentes,querecom- evalores, ou factic idade,normatividade e valiosidade. Qual-
põea linhadacontinuidadeconstitucional que sedespontuou. quercorte feito numaparcela do social revela que há nele,
Mas,eseoptarmospelatesedoprimado direito estatal,opção para ser social, condutas (reciprocamente dirigidas — a
semprepossíveljuridicamente,como a teoria kelsenianasem- Zwischenmenchlichkeit de Von Wiese),agentes ou protago-
preacentuou? nistasde atos enormas. O sentido subjetivo dacondutaé ser
dirigida a outrem; seu sentido objetivo é o ingrediente de
Tridimensionalidadedo Plato Revolucionário normae valor quecontém.
Arevolução, juridicamente entendida, é um processo
Aquelaestrutura tricomponencial que Sorokin encontra contra a capa de normatividade jurídica, ou contra todo o
naanálisesociológica da cultura, ou a tridimensionalidade ordenamentoem vigor. Mas traz, comomotivação de com-
queReale4destacaatravésdeumafenomenologia da cultura, portamento,aquela idéia de direito (Burdeau) que quersubs-
umdecujosaspectoséo direito, têmo-lano fato darevolução. tituir a vigente. Sociologicamente, para um grupo revolucio-
nário ser grupo, precisa denormas jurídicas, queconsagram
Incorreemnaturalismo tomar a revolução como puro fato, valores e imprimam forma ao merosuceder das interagões
privadodequalquerdimensãode normatividade e de valor. humanas.Arevoluçãoéfatonormado,comumanormatividade
Enaturalismo(psicológico ou sociológico) vê-la tão-sócomo que,soboprismadanormatividadeemvigor, écontra-norma-
fenômenode força,comoprocesso não-cultural de destruição tividade.Aparececomocomoonão-direito,comoo antijurídico,
deumaparte oudetodauma cultura Como se a revolução comoa destruição docosmosnormado e a devoluçãodos ele-
• casseaquémda culturamesma,entendida a cultura como
fi mentosao caos do mundomeramente natural do conflito de
interesses,sem outra medidaque a força bruta. Ao arbítrio

L
umatotalidade
1 devalores, idéias e normas,incorporadasem
11 - - - - dabruta força estáausentemedidade valor. O descomedido
1 •44 residenacarênciadeforma,queanormada. A norma jurídica
1
• 4 . O fenômeno natural discorre causalmente. O cultural flui dentro
—demeaningful causal systems, dotados tais sistemas de uma three-com- (aelanosrestringimos)destaca-sedapura subjetividade: —é
ponential structure. Nem se trata de um purely causal system, nem umprocessode objetivação. Eu meencontrocom as normas
Vio-só de um purely meaningful system. Cf. SOROKIN, Sociocultural jurídicas — para dizê-loemtermosdeumafenomenologiada
M.
circunstância—comomeencontrocomcoisas,pessoas,fatos,
S REALE, Filosofia
opersonality:
causality, their
space anddo Direito,
Structure
time, págs.
and
págs. 252, 276, págs.
Dynamics,
4/25; SOROKTN,380/381.
146, 314/316.
Society, culture, and
idéiaseproposiçõeslógicas.Reconheçamos,pois, na revolução
1
100 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS TEORIA JURÍDICA DA REVOLINAD 1 0 1

suanormatividade,diríamos,imanente: o socialsemnormase teorias T', T m . A justaposiçãodessasteorias nãocondu-


valoresépurofato natural Comisso,abrimosolequeadiversos ziria a urna teoria T, a qual ocuparia o lugar de um todo
pontosdevistasobrearevolução:o histórico, um; osociológico, relativamente às partes. Teorias diversas,meramente ajun-
outro; o morale religioso, outro ainda; o jurídico, mais outro tadas,semconceitosfundamentaisqueoperemaquelescortes
pontodevista possível.Cadapontode vista é umadecoupage epistemológicossobre a matéria a investigar, compaginam
numfato total. Por issoqueéumcorte abstrato, requeruma conhecimentosdiversificadossoba formadeenciclopédia,não
recomposiçãounitária,umaintegração dialéticadeperspectivas sob a forma de teoria cientifica. Para a teoria-da-ciência,
queresidirianumaontologia da revolução, ou numa filosofia nãoé a identidade da matéria investigadaque faz a unidade
doser da revolução. deuma teoria (a teoria-da-ciénciacoloca-se,assim,como a
Reconhecendoqueo jurista, dentro desuaspossibilidades metateoria, ou teoria-das teorias: fala acerca da constituição
metódicaspodesecontentarcoma explicaçãosem a legitima- dasteorias científicas) : 6, sim, a unicidadedopontode vista,
ção,Legaz y Lacambra,anotando a insuficiência do ponto querdizer, a irredutibilidade do conceitofundamental sob o
devista formal-jurídico, nãodeixa de sublinhar a vontadede qualseencara ocampodoconhecimento.
compreenderjuridicamente a revoluçãoquandoKelsenacode Oponto de vista normativo-jurídico é um entre outros
ãnormainternacional Semesserecurso (ou sem a hipótese possíveis (e complementares)pontos de vista.6
denormafundamental), da perspectivadecadaordem estatal Sea natureza é a realidadecomosérie de fatos em rela-
arevoluçãosóencontra"explicação por motivos politico-socio- çõesdecausa/efeito, a cultura éarealidadesubspecienormae.
lógicos".Legaz y Lacambra,Estudio crítico de la teoria pura Asnormassão várias: do uso, docostume(adotando a dis-
delDerecho,págs.295-305) Os cortes sãoepistemológicos, tingãoweberianaentreusoecostume),dasconvençõessociais,
eservemdebaseàs teorias parciais dofenômeno. damoral, etc. As normasdo direito positivo sãoapenassub-
OSubstrato das Teorias classe O conceito de norma de direito positivo é conceito
fundamentalcom que opera a teoria jurídica do fato revo-
Umateoria científica nãoencontra sua unidade na cir- lucionário: toma o fato comoconduta coletiva orientada nor-
cunstânciade suasproposiçõesdirigem-se a um campo de mativamente,ainda que sejacomomeio destrutivo de subs-
fatos, por si unitário.Ummesmodomínio-de-fatosfraciona-se tituir ordem jurídica vigente por outra, sobretudo no ponto
emdiversosobjetos, querepresentam cortes epistemológicos ondese alojam asnormas jurídicas deorganizagdodo poder.
operadossobre o domíniomaterialmente uno. E é através de Tais normassão a porção minimal doprocessodemudança,
conceitosfundamentaisque se obtêm os objetos (os objetos
formaisdelineadossobreoobjeto material): cadaclassedecon- 5. J á em 1911 NELSEN assinalava a parcialidade desse ponto de
vista. Dizia: egEs ist selbsverstaendlich, dass der formaie, streng nor-
• !qceitosfundamentais faz temático este ou aquele lado do fato,
ueemsuainteireza é multilateral. mative Gesichtspunk des JltriStCn emn einseitiger und durch-aus nicht
imstaride ist, die Cesamt-Rechts-erscheinung zu erfassen. Auch soli
Porissonãoconduz a uma teoria unitária o elaborar-se, nicht gesagt sein dass der Jurist nicht auch soziologische, psychologische,
dass er etwa keine historischen Untersuchungen vornehmen duerfe. 1r4
emnossocaso, a teoria psicológico-social, a teoria antropoló- Gegenteil! Solche sind noetig; allein der Jurist muss sich stets beuntsst
gico-social, a teoria sociológica, a teoria histórico-cultural do bIeiben, dass er als Soziologe, Psychologe oder Historiker einen ganz
anderen Weg verfolgt, aL jenen, der ihn zu seiner' spezifisch juristischen
Erkeuntnissen fuerhrt...» (KELSEN, Hauptprobleme der Staatsrechtsiehere,
ifico-histórica
srfenômeno da
ucirevol
lugdoH-- direvol
margem ução.
onári
aoso,obj Atos
culem mesma
inando matéria
com
0', O" uma
O'", M — avfilosó-
teoria
correspecti revo-
osAs p. 42 — Reimpressão da edição de 1923-1960).
REVISTABRASILEIRA DE ESTUDOSPOLITICOS TEORIAJURÍDICA DAREVOLUÇÃO 1 0 3
102
Eintrínseco à revolução a idéia deordem justa. Não se
semoqueestar-se-iaface amerosmovimentosinsurrecionais, fazrevoluçãoemnomedo injusto, ou dadesordem,nem da
ameroslevantes,ou quarteladas para substituir os titulares ordeminjusta, nemdo justo emdesordem. n dentro da orde-
dopoder,mantendo os quadros normativos de organização naçãodas condutas que se implanta a justiça. A inverte-
intactos.Juridicamente,não-revolução:serãoatosconvalidados
pelaeficacidade—rebelião triunfante —, ou atos capitulados bração do corpo social, seu desfazimento em partes soltas,
comodelitos,desconvalidadospela ineficacidade. erndesconjuntos,conduz ao anárquico,ondenem o direito,
nemo poderconseguemo minimumde eficácia para existir.
EliminandoParênteses Retomandoimperecíveis conceitos kantianos, dizemos:
sea razão teórica desarticulaepistemologicamente o dado, a
Todoobjeto,pois, resulta do ato de pôr entreparênteses, razãoprática exige aquirecomposiçãodo todo, o todo desen-
mediantecritérios seletivos, algunsaspectos, ficandoemevi- tido valioso: há uma exigência de eliminar os parênteses e
dênciaoutros,mas,todoseles,aspectosconstituintes dacoisa verificar o fato da revoluçãotendoem conta que no centro
mesma.Assim, o objetonãoestá-ai, já delineado, feito,como desseacontecer trágico das culturas está o homem,que não
algotão patentequebasta abrir os olhos. Não é evidente: éalgo supérfluo(comoadvertia Nietzsche) : neleestá a digni-
éconstruido. So um realismo ingénuo, ou um objetivismo dade— o não ser coisa —, fonte de todos os valores, e está
quenãoretrocedeaosujeitocognoscente, julga que,semmais ocritério para se medir a quantia de legitimidade que as
esforçoestamosdiantedosfatos,emsua indubitávelpresença. revoluçõesrealizam com a implantação de uma nova legali-
dade.O critério de legitimidade: quenãoseconfundecom a
AcompactaOUevanescentepresençados fatos é certezapara ideologia da legitimidade, ou a utopia da legitimidade, com
arelaçãopragmáticado sujeito comseumundocircundante, queas minorias revolucionárias disfarçam habilmente seus
não,porém,para a relaçãocognoscente, na espéciedeciência. reaispropósitos.
Opontode vista jurídico é necessário,mas insuficiente.
Comelenãose justifica (axiologicamente) revolução.Cons-
di
tata-sea jurisdicidade formal doseuresultado: oordenamento
jurídicoqueentraemvigor. Nemo faz o ordenamentocontra _MISTATRIMESTRALE DI
oqual seergue a revolução,nem o ordenamento de outro DIRITTOPUBBLICO
Estado:numcasoseria auto-legitimação inviável; no outro,
1
i
hetero-legitimaçãoque implicaria incidência de um ordena-
mentono âmbito de validade (temporal, material, espacial
epessoal) de outro ordenamento — politicamente, interfe-
Diretores:
GIOVANNIMJELEeMASSIMOSEVEROGIANNINI
rêncianoespaçode soberania; juridicamente, em o Estado,
árbitro doconvalescimento,valer-se de norma positiva sua Assinaturaanual 7 . 5 0 0 liras
paraaplicá-la a outroordenamentoObserve-se, aindacomo
recurso, à normafundamental,que é meramente formal, não CasaEditrice dott • A. Giuffre, 20121 Milano
seobtémcritério axiológico do justo, e seuconteúdoempírico Via Statuto 2 — Itália

net,6listolicamente
a oncrescênci
dado.
a do suporte fáctico: o fato revolucionário

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