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Ac. STJ 03-03-2007: A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e
obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, salvo os veados por lei e
os inseparáveis das pessoas singulares, como é o caso dos direitos e obrigações de natureza
familiar (artigo 160º, nº 1, do Código Civil).
Assim, não estão excluídos da capacidade de gozo das pessoas colectivas alguns direitos de
personalidade, como é o caso do direito à liberdade, ao bom nome e à honra na sua vertente
da consideração social (artigos 26º, nº 1, da Constituição, 70º, nº 1 e 72º, nº 1, do Código Civil).
Isso significa que o bom-nome das pessoas colectivas, no quadro da actividade que
desenvolvem, ou seja, na vertente da imagem, de honestidade na acção, de credibilidade e de
prestígio social, está legalmente protegido.
Ac. TRGuimarães 16-02-2017: O crédito surge acoplado ao bom nome no art. 484º do CC como
direito das pessoas, singulares ou colectivas. Apesar de o direito ao bom nome ser intrínseco
ao seu humano, e de a sua tutela ter nascido para protecção deste, hoje é pacífico – e face ao
direito positivo português vigente, indiscutível –, que também as pessoas colectivas gozam da
tutela de direitos de personalidade. Várias são as normas do sistema que o afirmam.
Desde logo, o art. 37º da Constituição dispõe no seu n.º 4 que a todas as pessoas,
singulares ou colectivas, é assegurado o direito de resposta e de rectificação, bem como o
direito a indemnização pelos danos sofridos.
No Código Civil encontramos alusão directa ao direito ao bom nome e ao crédito de pessoas
colectivas. O art. 70º dispensa a tutela geral da personalidade aos «indivíduos», mas o art.
484º estabelece que quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom
nome de pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Também aqui não se
diz que tipo de danos podem ser causados às pessoas colectivas (a tal tema, iremos adiante),
mas da norma decorre, sem dúvida, que pessoas colectivas têm direito ao bom nome e ao
crédito. Poderíamos continuar a busca noutros lugares do sistema (v.g. art. 187º do Código
Penal).
Relembre-se que, para o prof. MC, a capacidade de gozo das sociedades, embora
tendencialmente plena, sofre quatro tipos de limitações: ditadas pela natureza das coisas;
legais; estatutárias e deliberativas. Assim, e conforme a parte final do art. 6º/1 CSC,
exceptuam-se do âmbito da capacidade de gozo das sociedades os “direitos e obrigações
inseparáveis da personalidade singular”, como é o caso de situações jurídicas familiares ou
sucessórias que, pela sua natureza, visam as pessoas naturais. No entanto, outros direitos e
obrigações podem ser transpostos para “modo colectivo”, como é o caso do direito à honra e
ao crédito.
5 – Os credores da Solar Arneiro, Lda. estão com enormes dificuldades em obter a satisfação
dos seus créditos. António e Bento refugiam-se na autonomia patrimonial da sociedade para
não pagar. Poderão os credores da sociedade ter esperança em que o vasto património dos
sócios seja chamado a satisfazer as dívidas sociais?
As sociedades são reguladas pelo direito enquanto entes autónomos – elas funcionam em
modo colectivo, pelo que as condutas singulares são atingidas apenas através das regras
complexas da personalidade colectiva e do seu funcionamento interno. Contudo, esse poder
de actuar através de sociedades tem limites intrínsecos – não podem contrariar os valores
fundamentais do ordenamento. Esses valores fundamentais são assegurados através do
levantamento da personalidade e do princípio da lealdade.
CASO N.º 2
"Fazer escoar as frutas produzidas" será o fim imediato da sociedade, ou seja, o seu objecto; o
lucro será o fim mediato, conforme concorda a maioria da doutrina. (…)
Quanto à doação de B: trata-se de saber se uma sociedade comercial pode ou não praticar
actos gratuitos. Alguma doutrina pretende que a capacidade das pessoas colectivas seja
limitada pelo princípio da especialidade, isto é, que a capacidade apenas abranja os direitos e
obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, conforme a letra do art.
6º/1. A evolução histórica do princípio da especialidade demonstra que este está, por um lado,
ligado à doutrina ultra vires anglo-saxónica (que defendia que os actos praticados fora do
acervo que havia sido concedido à entidade não a vinculavam) e, por outro, ao problema dos
bens de mão-morta e das desamortizações. Contudo, esses problemas históricos são isso
mesmo: históricos. Uma doutrina ultra vires embaraçaria o comércio jurídico e o problema da
mão-morta já não se coloca, uma vez que quando se pretenda evitar a concentração de
imóveis em certas esferas, são criadas leis especiais para esse efeito. Isto para dizer que o
princípio da especialidade enquanto limite da capacidade deve ser ultrapassado. As pessoas
colectivas devem ter "a capacidade de uma pessoa física, exceptuando os direitos que, pela
sua natureza ou fundamento, lhe não podem realmente pertencer…" (prof. José Tavares): os
arts. 6º/1 CSC e 160º/1 CC devem ser interpretados no sentido em que todos os direitos e
obrigações são acessíveis às pessoas colectivas, salvo as excepções aí referidas. Ora, coloca-se
a questão dos actos gratuitos serem ou não contrários ao fim da sociedade. A verdade é que se
os órgãos próprios da sociedade chegarem à conclusão de que uma doação é vantajosa, não se
vê razão para a proibir. Conforme explica o prof. Menezes Cordeiro, a prática de doações é
hoje uma "indústria" e pode beneficiar a sociedade, incrementando a sua popularidade ou
restabelecendo o seu bom nome.
CONTUDO, estas situações têm de ser aferidas no caso concreto e, no caso em apreço, a
doação é feita de forma anónima. Assim sendo, não cumpre nenhuma função que se possa
reconduzir à obtenção de lucro, uma vez que não há qualquer tipo de publicidade. É um acto
fora da capacidade da sociedade, por nem sequer prosseguir o fim mediato - o lucro. É um
acto nulo. 280º (MC – impossibilidade legal) ou 294º (outra doutrina – contrariedade à lei).
Há uma situação idêntica quanto às garantias: o art. 6/3 dispõe que, em princípio, as
prestações de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades são proibidas, excepto
quando haja justificado interesse próprio da sociedade ou quando esta esteja em relação de
domínio ou de grupo. Estas excepções acabam por consumir a regra. O "justificado interesse
próprio" é definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos. É fácil invocar o interesse
próprio justificado: a própria jurisprudência alarga a ideia de interesse, dizendo que ele pode
ser "indirecto". E isso é especialmente relevante neste caso, uma vez que se trata de uma
máquina agrícola e que o objecto da sociedade é o escoamento das frutas produzidas por A e
B. Isto é, embora a sociedade não vá "usar" a máquina, a máquina vai melhorar a qualidade e a
eficiência da produção agrícola, que será depois vendida pela sociedade, melhorando as
perspectivas de lucro. Assim sendo, ainda se pode reconduzir a um interesse próprio da
sociedade, pelo que a garantia é válida. Referir quem pode pôr em causa o interesse próprio e
referir o ónus.
1. Responsabilidade pelas dívidas enquanto sócios: uma vez que se trata de uma
sociedade por quotas, aplicar-se-á o art. 197º/3: só o património social responde para
com os credores pelas dívidas da sociedade (e não se aplica o art. 198º). Assim sendo,
é o património da sociedade que deve responder pelas dívidas. Só responderiam para
além das suas entradas se se estivesse perante um caso de levantamento da
personalidade.
2. Responsabilidade enquanto gerentes: aplicação do art. 72º.
CASO N.º 3
A sociedade Infotudo, Lda. foi constituída no dia 1 de fevereiro de 2011, tendo por objeto a
distribuição de produtos informáticos. No final de março, ainda antes do registo do contrato –
que só em maio ocorreu –, o gerente, perante uma excelente oportunidade que surgiu, e
desejando que a sociedade abandonasse o negócio dos computadores, adquiriu, em nome da
Infotudo, Lda., uma fábrica de calçado à sociedade Peles e Calçado, Lda. Já após o registo do
contrato de sociedade, a Peles e Calçado, Lda. exige à Infotudo, Lda. o pagamento do preço da
fábrica, o qual, apesar das insistências daquela sociedade, nunca chegara a ser pago. A
sociedade recusa o pagamento, alegando que (i) “em circunstância alguma a sociedade
responderia por um acto do gerente que viola o fim da sociedade e que, por isso, é nulo”; além
disso, (ii) a responsabilidade pela dívida é apenas do gerente que celebrara o contrato antes de
a sociedade ser sequer registada. Perante a recusa, a Peles e Calçados, Lda. dirige-se ao
gerente, que, por seu lado, invoca que a sociedade é a única responsável desde o registo do
contrato. Quid juris?
Por via dos arts. 7º/1, 5º, 18º e 167º, podemos dizer que, na formação de uma sociedade,
existem sempre três fases necessárias:
Contrato escrito;
Registo;
Publicações obrigatórias.
Contudo, os sócios podem, antes de findo este processo, iniciar a actividade visada pela
sociedade, mas o regime aplicável é diferente, podendo ser menos favorável. De facto,
estamos perante uma sociedade irregular, o que pode ocorrer por vício de forma; pelo facto
do processo constitutivo ainda não estar completo (é o caso); por se tratar de uma sociedade
de facto; ou por se tratar de uma sociedade com vícios constitutivos. No caso, há uma
sociedade irregular por incompletude, mais especificamente uma pré-sociedade depois do
contrato e antes do registo. Havendo contrato, as relações entre os sócios, quer pessoais, quer
patrimoniais, estão precisadas. O único problema resulta da falta de personalidade jurídica
plena, a qual só surge com o registo definitivo (art. 5º).
Nas relações internas: art. 37º. São aplicáveis as regras previstas no próprio contrato e as
previstas na lei para aquele tipo legal, salvo as que pressuponham o registo do contrato (nº1).
A transmissão inter vivos de posições sociais e as modificações do contrato social requerem,
nesta fase, o consentimento unânime de todos (nº2).
Nas relações externas: art. 38º a 40º. Estamos perante uma sociedade por quotas, que é uma
sociedade de capitais; assim, a regra é a de que pelos negócios celebrados em nome da
sociedade respondem ilimitada e solidariamente todos os que intervenham no negócio em
representação da sociedade, bem como os sócios que o autorizem; os restantes sócios
respondem apenas até às importâncias das entradas a que se obrigaram, para além das
importâncias que tenham recebido a título de distribuição de lucros ou de reservas (40º/1).
Essa responsabilidade já não opera se os negócios forem expressamente condicionados ao
registo da sociedade e à assunção, por ela, dos respectivos efeitos (nº2).
(iii) E se a dívida tivesse sido constituída no final de janeiro, mesmo antes do contrato de
sociedade ser celebrado?
Estaríamos perante uma pré-sociedade antes do contrato, que é a hipótese prevista no art.
36º/2. Uma vez que a negociação de uma sociedade é obra da autonomia privada, conseguido
um acordo, inicia-se um processo burocrático que demora mais ou menos tempo. Nada obsta
a que, durante esse processo, se inicie a actividade em causa, mas isso sucederá sob o regime
das sociedades civis puras. O 36º/2 basta-se com um acordo muito simples e incipiente: o
essencial é o início da actividade societária. Terá de haver apenas o mínimo de elementos,
para se poder identificar a própria situação: a indicação das partes e a determinação da
actividade comum em causa – o resto resulta da lei. Assim, é aplicável o regime do art. 997º
CC. Os sócios têm o benefício de excussão prévia e a sociedade responde em primeira linha;
caso não exista património comum, então os sócios respondem ilimitada e solidariamente.
(iv) 5 anos depois, é requerida judicialmente a nulidade do contrato, sendo apontado como
fundamento o número insuficiente de sócios. Quid juris?