Você está na página 1de 6

4 – Uma conhecida publicação da área do turismo e lazer fez uma reportagem sobre o Solar

do Arneiro. A reportagem em causa era bastante desfavorável ao empreendimento e


divulgava dados incorretos, alguns deles completamente falsos... A sociedade Solar Arneiro,
Lda. moveu uma ação contra a referida publicação, pedindo a condenação da mesma no
pagamento de indemnização por violação do direito ao bom nome e à imagem, a fixar nos
termos do artigo 496.º/3 do CC. A e B, moveram igualmente uma ação contra a publicação,
pedindo uma indemnização por violação dos seus direitos de personalidade. Quid juris?

Ac. STJ 03-03-2007: A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e
obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, salvo os veados por lei e
os inseparáveis das pessoas singulares, como é o caso dos direitos e obrigações de natureza
familiar (artigo 160º, nº 1, do Código Civil).
Assim, não estão excluídos da capacidade de gozo das pessoas colectivas alguns direitos de
personalidade, como é o caso do direito à liberdade, ao bom nome e à honra na sua vertente
da consideração social (artigos 26º, nº 1, da Constituição, 70º, nº 1 e 72º, nº 1, do Código Civil).
Isso significa que o bom-nome das pessoas colectivas, no quadro da actividade que
desenvolvem, ou seja, na vertente da imagem, de honestidade na acção, de credibilidade e de
prestígio social, está legalmente protegido.

Ac. TRGuimarães 16-02-2017: O crédito surge acoplado ao bom nome no art. 484º do CC como
direito das pessoas, singulares ou colectivas. Apesar de o direito ao bom nome ser intrínseco
ao seu humano, e de a sua tutela ter nascido para protecção deste, hoje é pacífico – e face ao
direito positivo português vigente, indiscutível –, que também as pessoas colectivas gozam da
tutela de direitos de personalidade. Várias são as normas do sistema que o afirmam.
Desde logo, o art. 37º da Constituição dispõe no seu n.º 4 que a todas as pessoas,
singulares ou colectivas, é assegurado o direito de resposta e de rectificação, bem como o
direito a indemnização pelos danos sofridos.
No Código Civil encontramos alusão directa ao direito ao bom nome e ao crédito de pessoas
colectivas. O art. 70º dispensa a tutela geral da personalidade aos «indivíduos», mas o art.
484º estabelece que quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom
nome de pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Também aqui não se
diz que tipo de danos podem ser causados às pessoas colectivas (a tal tema, iremos adiante),
mas da norma decorre, sem dúvida, que pessoas colectivas têm direito ao bom nome e ao
crédito. Poderíamos continuar a busca noutros lugares do sistema (v.g. art. 187º do Código
Penal).

Relembre-se que, para o prof. MC, a capacidade de gozo das sociedades, embora
tendencialmente plena, sofre quatro tipos de limitações: ditadas pela natureza das coisas;
legais; estatutárias e deliberativas. Assim, e conforme a parte final do art. 6º/1 CSC,
exceptuam-se do âmbito da capacidade de gozo das sociedades os “direitos e obrigações
inseparáveis da personalidade singular”, como é o caso de situações jurídicas familiares ou
sucessórias que, pela sua natureza, visam as pessoas naturais. No entanto, outros direitos e
obrigações podem ser transpostos para “modo colectivo”, como é o caso do direito à honra e
ao crédito.

5 – Os credores da Solar Arneiro, Lda. estão com enormes dificuldades em obter a satisfação
dos seus créditos. António e Bento refugiam-se na autonomia patrimonial da sociedade para
não pagar. Poderão os credores da sociedade ter esperança em que o vasto património dos
sócios seja chamado a satisfazer as dívidas sociais?
As sociedades são reguladas pelo direito enquanto entes autónomos – elas funcionam em
modo colectivo, pelo que as condutas singulares são atingidas apenas através das regras
complexas da personalidade colectiva e do seu funcionamento interno. Contudo, esse poder
de actuar através de sociedades tem limites intrínsecos – não podem contrariar os valores
fundamentais do ordenamento. Esses valores fundamentais são assegurados através do
levantamento da personalidade e do princípio da lealdade.

O levantamento da personalidade é um instituto que surge a posteriori para sistematizar casos


concretos, estabelecidos para resolver problemas reais relacionados com a personalidade
colectiva. Assim, a doutrina tem procedido a constelações de hipóteses em que o
levantamento se manifesta. São elas:

 A confusão de esferas jurídicas: quando, por inobservância de certas regras societárias


ou por decorrências puramente objectivas, não fique clara, na prática, a separação
entre o património da sociedade e o dos sócios.
 Subcapitalização: ela será relevante, para efeitos de levantamento da personalidade,
sempre que uma sociedade tenha sido constituída com um capital insuficiente, em
função do seu objecto ou da sua actuação, de tal modo que surge como tecnicamente
abusiva. Estamos perante casos de subcapitalização material, pois que na formal a
sociedade pode sempre financiar-se com capitais alheios; naquela, há uma efectiva
insuficiência de fundos próprios ou alheios. A jurisprudência costuma apelar à boa-fé e
aos bons costumes nestes casos.
 Atentado a terceiros: verifica-se sempre que a personalidade colectiva seja usada
ilícita ou abusivamente para prejudicas terceiros. Não basta uma ocorrência de
prejuízo causada a terceiros: será necessária uma utilização contrária a normas ou
princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.
 Abuso da personalidade: situações de abuso do direito ou de exercício inadmissível de
posições jurídicas através de uma personalidade colectiva. O comportamento em
causa vai caracterizar-se por atentar contra a confiança legítima ou por defrontar a
regra da materialidade subjacente. Nestes casos, há uma relativa inorganicade.

No fundamental, o levantamento traduz uma delimitação negativa da personalidade colectiva


por exigência do sistema – ele exprime situações nas quais, devido a vectores sistemáticos
mais ponderosos, as normas que firmam a personalidade colectiva são substituídas por outras.

CASO N.º 2

Armando e Belchior dedicam-se à produção e comercialização de produtos biológicos.


Necessitando de melhorar a respetiva distribuição, constituem a Frutas, Lda. para fazer escoar
as frutas produzidas. Em janeiro de 2010, Belchior faz uma doação anónima a uma ONG
ambiental e a Frutas, Lda. constitui uma hipoteca sobre a sua sede para garantir uma dívida de
Armando decorrente da compra de uma moderna máquina agrícola para a sua exploração.
Tomando conhecimento destes eventos, os credores desta sociedade vêm pedir a declaração
judicial da nulidade da garantia e da doação. Por sua vez, os credores da Frutas, Lda.,
entretanto declarada insolvente, pretendem responsabilizar Armando e Belchior pelas
respetivas dívidas, não só na qualidade de sócios da Frutas, Lda., mas também enquanto
gerentes desta. Quid juris?
Doação anónima a uma ONG: A sociedade "Frutas, Lda." é uma sociedade comercial por
quotas. Referir princípio da tipicidade. Referir responsabilidade limitada. Efeito constitutivo do
registo no art. 5°.

"Fazer escoar as frutas produzidas" será o fim imediato da sociedade, ou seja, o seu objecto; o
lucro será o fim mediato, conforme concorda a maioria da doutrina. (…)

Quanto à doação de B: trata-se de saber se uma sociedade comercial pode ou não praticar
actos gratuitos. Alguma doutrina pretende que a capacidade das pessoas colectivas seja
limitada pelo princípio da especialidade, isto é, que a capacidade apenas abranja os direitos e
obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, conforme a letra do art.
6º/1. A evolução histórica do princípio da especialidade demonstra que este está, por um lado,
ligado à doutrina ultra vires anglo-saxónica (que defendia que os actos praticados fora do
acervo que havia sido concedido à entidade não a vinculavam) e, por outro, ao problema dos
bens de mão-morta e das desamortizações. Contudo, esses problemas históricos são isso
mesmo: históricos. Uma doutrina ultra vires embaraçaria o comércio jurídico e o problema da
mão-morta já não se coloca, uma vez que quando se pretenda evitar a concentração de
imóveis em certas esferas, são criadas leis especiais para esse efeito. Isto para dizer que o
princípio da especialidade enquanto limite da capacidade deve ser ultrapassado. As pessoas
colectivas devem ter "a capacidade de uma pessoa física, exceptuando os direitos que, pela
sua natureza ou fundamento, lhe não podem realmente pertencer…" (prof. José Tavares): os
arts. 6º/1 CSC e 160º/1 CC devem ser interpretados no sentido em que todos os direitos e
obrigações são acessíveis às pessoas colectivas, salvo as excepções aí referidas. Ora, coloca-se
a questão dos actos gratuitos serem ou não contrários ao fim da sociedade. A verdade é que se
os órgãos próprios da sociedade chegarem à conclusão de que uma doação é vantajosa, não se
vê razão para a proibir. Conforme explica o prof. Menezes Cordeiro, a prática de doações é
hoje uma "indústria" e pode beneficiar a sociedade, incrementando a sua popularidade ou
restabelecendo o seu bom nome.

CONTUDO, estas situações têm de ser aferidas no caso concreto e, no caso em apreço, a
doação é feita de forma anónima. Assim sendo, não cumpre nenhuma função que se possa
reconduzir à obtenção de lucro, uma vez que não há qualquer tipo de publicidade. É um acto
fora da capacidade da sociedade, por nem sequer prosseguir o fim mediato - o lucro. É um
acto nulo. 280º (MC – impossibilidade legal) ou 294º (outra doutrina – contrariedade à lei).

Há uma situação idêntica quanto às garantias: o art. 6/3 dispõe que, em princípio, as
prestações de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades são proibidas, excepto
quando haja justificado interesse próprio da sociedade ou quando esta esteja em relação de
domínio ou de grupo. Estas excepções acabam por consumir a regra. O "justificado interesse
próprio" é definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos. É fácil invocar o interesse
próprio justificado: a própria jurisprudência alarga a ideia de interesse, dizendo que ele pode
ser "indirecto". E isso é especialmente relevante neste caso, uma vez que se trata de uma
máquina agrícola e que o objecto da sociedade é o escoamento das frutas produzidas por A e
B. Isto é, embora a sociedade não vá "usar" a máquina, a máquina vai melhorar a qualidade e a
eficiência da produção agrícola, que será depois vendida pela sociedade, melhorando as
perspectivas de lucro. Assim sendo, ainda se pode reconduzir a um interesse próprio da
sociedade, pelo que a garantia é válida. Referir quem pode pôr em causa o interesse próprio e
referir o ónus.
1. Responsabilidade pelas dívidas enquanto sócios: uma vez que se trata de uma
sociedade por quotas, aplicar-se-á o art. 197º/3: só o património social responde para
com os credores pelas dívidas da sociedade (e não se aplica o art. 198º). Assim sendo,
é o património da sociedade que deve responder pelas dívidas. Só responderiam para
além das suas entradas se se estivesse perante um caso de levantamento da
personalidade.
2. Responsabilidade enquanto gerentes: aplicação do art. 72º.

CASO N.º 3

A sociedade Infotudo, Lda. foi constituída no dia 1 de fevereiro de 2011, tendo por objeto a
distribuição de produtos informáticos. No final de março, ainda antes do registo do contrato –
que só em maio ocorreu –, o gerente, perante uma excelente oportunidade que surgiu, e
desejando que a sociedade abandonasse o negócio dos computadores, adquiriu, em nome da
Infotudo, Lda., uma fábrica de calçado à sociedade Peles e Calçado, Lda. Já após o registo do
contrato de sociedade, a Peles e Calçado, Lda. exige à Infotudo, Lda. o pagamento do preço da
fábrica, o qual, apesar das insistências daquela sociedade, nunca chegara a ser pago. A
sociedade recusa o pagamento, alegando que (i) “em circunstância alguma a sociedade
responderia por um acto do gerente que viola o fim da sociedade e que, por isso, é nulo”; além
disso, (ii) a responsabilidade pela dívida é apenas do gerente que celebrara o contrato antes de
a sociedade ser sequer registada. Perante a recusa, a Peles e Calçados, Lda. dirige-se ao
gerente, que, por seu lado, invoca que a sociedade é a única responsável desde o registo do
contrato. Quid juris?

Trata-se de uma sociedade por quotas.

É praticado um acto antes do registo.

i) O acto do gerente é nulo, por violar o fim da sociedade?


O acto em questão não era nulo. O gerente agiu tendo em conta o fim mediato da
sociedade, isto é, a obtenção de lucro ("uma excelente oportunidade"). É uma
consequência de assumir a posição da Escola de Lisboa, segundo a qual todos os
actos são, em princípio, válidos, excepto nos casos previstos na lei, pela natureza
das coisas, pelos estatutos ou pelas deliberações, isto é, é uma consequência da
desvalorização do princípio da especialidade enquanto limite à capacidade de gozo
das sociedades. Nesse sentido, não se trata de um acto que se possa reconduzir à
nulidade do art. 280º ou 294º CC. Para além disso, o próprio 6º/4 CSC testemunha
no sentido de que o objecto social não limita a capacidade da sociedade. A falta de
registo não afecta a aplicação do art. 6º. Contudo, é contrário ao objecto e,
embora isso não limite a capacidade (6º/4), há que saber se existem problemas
quanto à eficácia. Como estamos perante uma SPQ, o negócio era válido, excepto
se o terceiro conhecesse do desvio do negócio face ao objecto social (260º/2 e 3).
ii) Quem responde pela dívida constituída antes do registo?

Por via dos arts. 7º/1, 5º, 18º e 167º, podemos dizer que, na formação de uma sociedade,
existem sempre três fases necessárias:

 Contrato escrito;
 Registo;
 Publicações obrigatórias.
Contudo, os sócios podem, antes de findo este processo, iniciar a actividade visada pela
sociedade, mas o regime aplicável é diferente, podendo ser menos favorável. De facto,
estamos perante uma sociedade irregular, o que pode ocorrer por vício de forma; pelo facto
do processo constitutivo ainda não estar completo (é o caso); por se tratar de uma sociedade
de facto; ou por se tratar de uma sociedade com vícios constitutivos. No caso, há uma
sociedade irregular por incompletude, mais especificamente uma pré-sociedade depois do
contrato e antes do registo. Havendo contrato, as relações entre os sócios, quer pessoais, quer
patrimoniais, estão precisadas. O único problema resulta da falta de personalidade jurídica
plena, a qual só surge com o registo definitivo (art. 5º).

Nas relações internas: art. 37º. São aplicáveis as regras previstas no próprio contrato e as
previstas na lei para aquele tipo legal, salvo as que pressuponham o registo do contrato (nº1).
A transmissão inter vivos de posições sociais e as modificações do contrato social requerem,
nesta fase, o consentimento unânime de todos (nº2).

Nas relações externas: art. 38º a 40º. Estamos perante uma sociedade por quotas, que é uma
sociedade de capitais; assim, a regra é a de que pelos negócios celebrados em nome da
sociedade respondem ilimitada e solidariamente todos os que intervenham no negócio em
representação da sociedade, bem como os sócios que o autorizem; os restantes sócios
respondem apenas até às importâncias das entradas a que se obrigaram, para além das
importâncias que tenham recebido a título de distribuição de lucros ou de reservas (40º/1).
Essa responsabilidade já não opera se os negócios forem expressamente condicionados ao
registo da sociedade e à assunção, por ela, dos respectivos efeitos (nº2).

Contudo, é justo e sistematicamente adequado responsabilizar, em primeiro lugar, o fundo


comum da sociedade, por aplicação do art. 36º/2: a sociedade, ainda que em formação, deve
responder também pelas dívidas contraídas em seu nome. O registo, para além de conferir
personalidade jurídica plena à sociedade, tem o efeito de provocar a assunção, por esta, dos
negócios anteriores ao próprio registo (art. 19º): mas esta interpretação literal desse artigo
poria em grave risco todo o papel das pré-sociedades. Assim, há que corrigir: a
responsabilidade dos representantes e sócios que tenham autorizado os negócios não isenta o
património social da responsabilidade principal. Além disso, mercê do art. 997º/1 e 2 do CC,
esses representantes e sócios gozam do benefício da excussão. Se nas relações anteriores à
celebração do contrato deve ser esta a solução (art. 36º), as relações posteriores, por maioria
de razão, beneficiar do mesmo regime. Não faria sentido diminuir a responsabilidade da
sociedade irregular conforme se progredisse no processo de formação.

(iii) E se a dívida tivesse sido constituída no final de janeiro, mesmo antes do contrato de
sociedade ser celebrado?

Estaríamos perante uma pré-sociedade antes do contrato, que é a hipótese prevista no art.
36º/2. Uma vez que a negociação de uma sociedade é obra da autonomia privada, conseguido
um acordo, inicia-se um processo burocrático que demora mais ou menos tempo. Nada obsta
a que, durante esse processo, se inicie a actividade em causa, mas isso sucederá sob o regime
das sociedades civis puras. O 36º/2 basta-se com um acordo muito simples e incipiente: o
essencial é o início da actividade societária. Terá de haver apenas o mínimo de elementos,
para se poder identificar a própria situação: a indicação das partes e a determinação da
actividade comum em causa – o resto resulta da lei. Assim, é aplicável o regime do art. 997º
CC. Os sócios têm o benefício de excussão prévia e a sociedade responde em primeira linha;
caso não exista património comum, então os sócios respondem ilimitada e solidariamente.
(iv) 5 anos depois, é requerida judicialmente a nulidade do contrato, sendo apontado como
fundamento o número insuficiente de sócios. Quid juris?

No caso em questão, havendo um número insuficiente de sócios (dois: 7º/2), então há


fundamento para a nulidade (42º/1/a)), não sendo sanável nos termos do nº. 2. O número
mínimo de sócios exigível por lei pode ser preterido desde início/originariamente (42º/1/a)) ou
supervenientemente (142º/1/a)). Consequência para os negócios jurídicos celebrados antes da
declaração de nulidade da sociedade: 52º/2 - os negócios jurídicos não são afectados.
Consequência da declaração de nulidade da sociedade: 52º/1 CSC liquidação da sociedade (art.
165º); o seu património social vai responder pelas dívidas. O prazo para arguir a nulidade é de
3 anos e, portanto, o prazo já tinha decorrido. Mas o MP pode sempre fazê-lo sem limite de
prazo (44º/1 e 2).

Você também pode gostar