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Objecto do processo

Regra geral: é a disponibilidade privada quanto ao objecto, tanto nos factos nos quais o
tribunal pode fundamentar a sua decisão (art. 5º/1, princípio do dispositivo), como no que
respeita ao pedido formulado (art. 609º/1). O tribunal está vinculado ao objecto definido pelas
partes, não podendo apreciar factos não invocados ou deixar de se pronunciar sobre os factos
alegados (615º/1/d)), nem considerar procedente ou improcedente pedido diverso do
formulado (615º/1/e)).

Os factos relevantes para a decisão da causa são:

 Factos essenciais: integram a causa de pedir e nos quais se baseiam as excepções.


Devem ser alegados pelas partes e não podem ser investigados pelo tribunal (art.
5º/1).
 Factos complementares: resultam da instrução da causa

Elementos constitutivos

São o pedido e a causa de pedir. A petição inicial requer a exposição da causa de pedir
(552º/1/d)) e a formulação do pedido (552º/1/e)).

1. Pedido
O pedido é a forma de tutela jurisdicional que é requerida para uma situação jurídica. Essa
tutela pode visar a apreciação da existência ou inexistência de um direito ou de um facto, a
condenação na realização de uma prestação ou a constituição, modificação ou extinção de
uma situação jurídica (art. 10º/1 e 2). Na medida em que a situação jurídica se refere a um
quid material (ex: quantia pretendida ou objecto reivindicado), ele constitui objecto mediato
do pedido.

O pedido deve referir-se à tutela de uma situação jurídica de direito material (ex: não pode
apenas requerer o reconhecimento da legitimidade processual do demandado, o que levaria à
falta do pedido e ineptidão da petição inicial – art. 186º/2/a)). Contudo, o réu pode requerer
um efeito meramente processual (ex: se pedir a absolvição na instância por causa de uma
excepção dilatória – 576º/2)).

O pedido deve referir-se a uma consequência extraída de uma norma jurídica. O tribunal não
está sujeito às alegações das partes no tocante ao direito (art. 5º/4), podendo corrigir o pedido
erradamente formulado pela parte.

Requisitos – o pedido deve ser:

 Determinado (um objecto individualizado, certo): se for uma omissão, então deve
referir-se o núcleo essencial da actividade que deve ser omitida, como, por ex., se
abster de edificar qualquer construção em certo terreno;
 Inteligível;
 Idóneo: cfr. art. 577º/b).

Identidade de pedidos: depende da identidade dos efeitos jurídicos decorrentes dos pedidos
(art. 581º/3). Os efeitos podem ser coincidentes total ou parcialmente. Por ex., dois pedidos
de condenação na realização de uma mesma prestação são totalmente idênticos e o pedido de
apreciação do direito de propriedade e o pedido de reivindicação do mesmo prédio são
parcialmente idênticos, porque a procedência deste implica a procedência daquele (art.
1311º/1 CC). A identidade pode verificar-se mesmo que o objecto material seja distinto: o
pedido de reconstituição natural e o pedido de indemnização do dano são idênticos porque o
efeito jurídico pretendido é o mesmo (art. 566º/1 CC).

2. Causa de pedir
A causa de pedir é constituída pelos factos necessários/essenciais para individualizar a situação
jurídica alegada pelo autor, i.e., é constituída pelos factos constitutivos da situação jurídica
invocada.

Nesse sentido, exerce uma função individualizadora, pois é constituída pelos factos que
individualizam a situação jurídica que o autor invoca. Nas acções constitutivas, a causa de
pedir é o facto que gera o direito potestativo que se pretende exercer (581º/4 in fine). Nas
acções reais, a causa de pedir é o facto que origina o direito real (581º/4, 2ª parte). Nas acções
de reivindicação, a causa de pedir é o facto de que resulta a aquisição da propriedade.

Ao autor cumpre alegar os factos constitutivos da situação jurídica (552º/1/d) e 228º/2/a)); ao


réu cabe invocar os factos impeditivos, modificativos e extintivos dessa situação (571º/2, 2ª
parte). Assim, só integram obrigatoriamente a causa de pedir os factos constitutivos da
situação subjectiva invocada pela parte: os factos essenciais (5º/1).

A causa de pedir coincide necessariamente com um ou vários factos jurídicos (581º/4, 1ª


parte). Os factos que constituem a causa de pedir devem ser subsumíveis a uma norma
jurídica, mas valem independentemente desta qualificação, porque o tribunal não está
vinculado a ela (5º/3).

 Não representa alteração da causa de pedir a atribuição de uma diferente qualificação


jurídica aos mesmos factos.
 Não obsta ao funcionamento das excepções de litispendência e de caso julgado a
invocação num outro processo da mesma causa de pedir com outra qualificação
(580º/1 e 581º/4).

Modalidades do pedido
1. Único ou múltiplo (cumulação objectiva ou concurso).
2. Certo ou genérico. O certo tem uma prestação individualizada/determinada, i.e.,
reporta-se a um bem concreto, definido na sua espécie e qualidade. O genérico refere-
se a uma quantidade indeterminada, podendo referir-se a uma universalidade de facto
ou de direito (556º/1/a)) ou a um montante pecuniário ainda não determinável
(556º/1/b) e c)).
a. O pedido genérico só é admissível quando se trata de uma universalidade de
facto (ex: biblioteca) ou de direito (ex: herança indivisa) – art. 556º/1/a) –,
quando se trate de danos indemnizáveis, mas ainda não apurados – art.
556º/1/b), 556º/2 e 609º/2). Também é admissível quando a fixação estiver
dependente de um acto que deva ser praticado pelo réu, como a condenação
no pagamento dos juros de mora que se vão vencer até ao pagamento total da
dívida – art. 556º/1/c).
b. A possibilidade de a parte formular um pedido genérico sem que o tenha feito
pode ser relevante. Se numa acção de indemnização, o autor pedir uma
quantia certa, mas não conseguir fazer prova, a acção procede, porque podia
ter formulado um pedido genérico (556º/1/a)) e a fixação da quantia pode ser
remetida para a execução da decisão (609º/2 e 564º/2, 2ª parte CC).
c. Se um pedido genérico indevido for tão indeterminado que é inteligível, a
petição inicial é inepta (186º/2/a). Se o pedido apenas precisar de ser
concretizado, a petição é deficiente e o tribunal convida ao aperfeiçoamento
(590º/1/b)).
d. Nos casos do 556º/1/a) e b), a liquidação pode ser realizada no processo
declarativo, mesmo depois de uma condenação genérica (358º/2 e 704º/6).
3. Total ou parcial, conforme abranja todo ou uma parte do efeito jurídico pretendido.
4. De prestação vincenda, se o cumprimento ainda não for exigível (condenação in
futurum) – art. 10º/2/b) e 557º.
a. O valor da causa é o das prestações vincendas e vencidas (309º).
b. É admissível nos casos do 557º e 829º-A CC. Caso contrário, o interesse
processual não está garantido, o que constitui excepção dilatória que absolve
o réu da instância (288º/1/e)).
c. O 610º/1 e 2/a) contém uma excepção à improcedência, porque a
inexigibilidade nunca obsta à condenação in futurum do devedor. Aplica-se o
446º/1 e 2 à situação do nº1 e aplica-se o nº3 à situação do nº2/a)).
d. É admissível que o réu formule reconvenção em que pede a condenação in
futurum no cumprimento da prestação sinalagmática, independentemente do
interesse processual exigido (266º/2/a), 1ª parte e 557º/2). A compensação
não é possível se o contracrédito do réu não for exigível (847º/1/a) e 849º CC).

Vícios do objecto processual


1. Inexistência da causa de pedir ou esta ser totalmente inteligível (186º/2/a)). É uma
nulidade sanável através da ampliação da matéria de facto na réplica, se o processo a
admitir.
a. Não há falta de causa de pedir quando for indicado o facto concreto em que o
autor fundamenta o seu pedido, apesar de ele ser insuficiente para preencher
a previsão de uma norma: nesta hipótese, há convite ao aperfeiçoamento nos
termos do 590º/2/b) e 591º/1/c).
2. Inexistência ou total inteligibilidade do pedido (186º/2/a)). A inexistência pode resultar
da falta de alegação de qualquer situação jurídica para a qual se pretende a tutela, ou
da falta de requerimento de tutela para a situação invocada. A inteligibilidade do
pedido decorre de uma formulação contraditória.
3. Incompatibilidade intrínseca entre pedido e causa de pedir (186º/2/b)). A petição
inicial será inepta. Se a causa de pedir for insuficiente para fundamentar o pedido, a
acção é improcedente.

Consequência: nulidade de todo o processo (186º/1), o que constitui uma excepção dilatória
nominada (577º/b)). A ineptidão pode ser conhecida oficiosamente (196º), mas as partes só a
podem arguir até à contestação, inclusive (198º/1). O efeito será diferente consoante for no
momento do despacho liminar (indeferimento liminar do articulado – 590º/1) ou num
momento posterior (absolvição do réu da instância no despacho saneador – 200º/2, 577º/b) e
278º/1/b)).

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