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DELIMITAÇÃO DO TEMA E IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

O tema a ser investigado no processo de pesquisa é a utilização política dos


mártires dentro da Ação Integralista Brasileira, durante a década de 1930 –
especificamente entre 1932 até 1937, período no qual o movimento esteve em legalidade
–, através de sua interface fascista e anticomunista, procurando, por meio de sua imprensa
militante galgar espaços dentro do cenário político.
No início do século XX, sob a vigência da Primeira República, a sociedade
brasileira se apoiava na grande propriedade cafeeira e de criação, numa economia
primário-exportadora e no controle do poder político pela oligarquia rural. Com as
transformações ocorridas durante a década de 1920 houve mudanças tanto materiais,
quanto ideológicas. Os efeitos mais imediatos foram a aceleração no processo de
industrialização, na transição de um modelo primário-exportador para um modelo de
substituição de importações; e na violenta eclosão da luta social, marcada pela explosão
de reivindicações operárias, constituída principalmente pela imigração europeia, num
primeiro momento de inspiração anarquista, e logo após, de orientação marxista
(TRINDADE, 1979, pp.7-15).
Com uma formação intelectual marcada pelo nacionalismo e forte religiosidade,
a formação política de Plínio Salgado se dá dentro do contexto de mudanças que a
sociedade brasileira passava durante a década de 1920. Apesar de ter participado do
movimento modernista no início da década, Plínio era vinculado a um dos tradicionais
partidos oligárquicos de grande poder na Primeira República, o Partido Republicano
Paulista. Tal contradição se desfaz a partir da vitória da Aliança Liberal na Revolução de
1930, na qual ele opta por um engajamento ideológico vinculado ao modernismo,
abandonando assim seu vínculo com a velha política praticada no período (TRINDADE,
1979, pp.35-69).
Dentro do movimento modernista, Plínio Salgado pertencia a corrente
nacionalista vinculada ao grupo Verdeamarelo, junto com Menotti del Pichia e Cassiano
Ricardo, e que posteriormente fundariam um novo grupo dentro dessa corrente, cujo
nome era Anta, “cuja denominação é sugerida por Salgado em homenagem ao ‘mamífero
totem’ da raça tupi”. (TRINDADE, 1979, p.44). Dessa forma, pode-se afirmar que o
movimento modernista da década de 1920 foi o embrião da Ação Integralista Brasileira
pelo fato de ter conduzido a tomada de consciência de uma geração de intelectuais
brasileiros a encontrar uma identidade nacional sem recorrer a moldes estéticos e

1
literários estrangeiros. Parâmetros estes que conduziram ao engajamento político de
Plínio Salgado e a formação da ideologia integralista.
Pretendendo ser um pensamento original perante as influências estrangeiras, o
movimento integralista surgiu oficialmente no ano de 1932 com o Manifesto de Outubro,
sob o nome de Ação Integralista Brasileira. Plínio Salgado, grande admirador dos regimes
fascistas europeus1, ao criar esse movimento tentava solucionar problemas nacionais com
ideias nacionais, mas se utilizou de um arcabouço ideológico já em uso em outras terras,
visto que é inegável que o integralismo importou características de seus congêneres
europeus: organização, símbolos, desfiles, saudação, figura do chefe, etc.2 Vale destacar,
entretanto, que sua originalidade era reivindicada a partir de sua inclinação mais
espiritualista, além de que foi o maior movimento de cunho fascista fora do continente
europeu, tendo grande aceitação perante a sociedade brasileira em todas as suas regiões,
tornando-se o primeiro movimento de massa no Brasil. (TRINDADE, 1979, p.279)
Segundo Cavalari (1999) seu crescimento como movimento se deu graças a uma
forte ideologia de cunho nacionalista, autoritário e religioso, que pregava uma revolução
moral e espiritual, com uma organização pré-estatal e burocrática, cuja grande ferramenta
para cooptar militantes era sua estrutura de imprensa presente em todos os setores da
organização: nacional, regional e local.
Em seu diagnóstico sobre a sociedade brasileira, Plínio Salgado criticava a
artificialidade das instituições republicanas e sua ideologia democrática-liberal, que
culminara numa crise moral e ética, sendo o comunismo o fruto desse desequilíbrio, pois
tanto um quanto o outro eram resultados do pensamento materialista, tão execrado por
ele. Dessa forma, a ideologia integralista é uma negação desse viés materialista do
pensamento, em favor de um humanismo espiritualista (TRINDADE, 2016, pp.59-68),
na qual “a história, segundo Salgado, é a crônica do desenvolvimento e da transformação
do Espírito dos Povos numa aspiração de perfectibilidade.” (TRINDADE, 1979, p.203).
Assim, lançaram-se ao combate daquilo que eles acreditavam ser o principal mal da

1
Plínio, após uma viagem à Itália fascista em abril de 1930, faz a seguinte declaração: “É necessário
agirmos com tempo de salvarmos o Brasil. Tenho estudado muito o fascismo; não é exatamente esse regime
que precisamos aí, mas é coisa semelhante. O fascismo, aqui, veio no momento preciso, deslocando o centro
da gravidade política, que passou da metafísica jurídica às instituições das realidades imperativas. O
fascismo não é propriamente uma ditadura (como está sendo o governo da Rússia enquanto não chega à
prática pura do Estado Marxista), e sim um regime. ” (TRINDADE, 1979, p.75)
2
Cf. GENTILE, Emílio & DE FELICE, Renzo. A Itália de Mussolini e a origem do Fascismo. Porto Alegre:
Icone, 1988; HARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2012.

2
civilização ocidental: a filosofia materialista, e suas principais criações, o Liberalismo e,
principalmente, o Comunismo.
Plínio Salgado estava convicto sobre o fato de que o sistema democrático-liberal
estava em vias de esgotamento, pois acreditava que o pensamento ocidental naquele
momento “se encontra[va] frente a um dilema: [ou] o comunismo ou o fascismo”.
(TRINDADE, 1979, p.53) O crescimento que a ANL teve durante a primeira metade da
década de 1930 reafirmava sua preocupação. Tanto a ANL quanto a AIB adquiriram
notoriedade no espaço político nacional, disputavam ferrenhamente os corações e mentes
da população brasileira naquele período, e vinham galvanizando grandes conglomerados
de militantes para suas fileiras. (TRINDADE, 1979)
Para fazer frente a ascensão política de seu inimigo, o discurso anticomunista da
AIB era sua principal ferramenta de combate político, sendo assunto recorrente na
imprensa verde. Assim, aplicavam uma lógica maniqueísta na qual havia “a necessidade
constante de afirmar as diferenças para demonstrar ao militante que o comunismo é o
‘mal’ e o ‘errado’ enquanto o integralismo é o ‘bem’ e o ‘correto’”. (OLIVEIRA, 2004,
p.153)
A AIB sistematizou sua ideologia através de uma gama de ritos e símbolos
visando a materialização de suas ideias em ação política, de modo que todos os seus
militantes pudessem assimilá-las, gerando um sentimento de coesão dentro do movimento
(SCHMIDT, 2008). Segundo Schmidt (2008, p.109), “as funções dos símbolos são
classificar, introduzir valores, referências, pois acaba por moldar os comportamentos
individuais e coletivos, se tornando uma razão de existir e agir dos indivíduos”. Dessa
forma, o discurso integralista utilizou desse método para arregimentar e inserir seus
militantes num imaginário social criado pelo movimento.
Para tanto, foi criado o Protocolo e Rituais da Ação Integralista Brasileira (1937)3,
documento que regulamenta os atos públicos e cerimoniais integralistas, direitos e
deveres, honras e regalias, que regeriam a maneira como cada militante deveria agir, seja
em espaço público ou privado. Nesse documento, o que chama a atenção é o Capítulo X
– “Ritos e Cerimônias Especiais” (Ibidem, pp.41-49), na maneira como o movimento
“invade” o ambiente privado do militante, desde seu Batismo, passando pelo Casamento,

3
Edição do Núcleo Municipal de Niterói, porém, tal regulamento já havia sido publicado no
“Monitor Integralista”, nº18.
3
até seu Falecimento. Em todos esses episódios, estavam presentes os rituais e signos que
materializavam a ideologia do movimento.
Vale destacar a atenção que a AIB dava a seus mortos. A ideia de imortalidade
estava intrinsicamente ligada à militância política integralista, pois o falecimento de um
camisa-verde, seja pelo acometimento de uma doença, de um acidente, ou por embates
contra forças inimigas do movimento, não interromperia seus serviços ao movimento,
pelo contrário, após a morte todo militante ganharia lugar no que eles chamavam de
Milícia do Além, e estariam sob as ordens de ninguém menos que Deus. (FAGUNDES,
2012, p.898)
O falecimento de integralistas passou a ser usado como ferramenta política, pois
aqueles que morreram em conflitos contra inimigos do movimento adquiriam o status de
mártires, e a notícia de suas mortes era amplamente divulgada nos periódicos partidários.
Assim, o conceito de sacrifício era priorizado na imprensa verde visando sacralizar a ação
política daqueles que deram suas vidas pelo movimento. Tal como as cenas dos caixões,
velórios, cadáveres e sepulturas eram exibidas sem cortes, intencionando causar comoção
nos leitores (FAGUNDES, 2012, p. 899). O investimento nessas figuras políticas levou o
movimento a estruturar um panteão de mártires. (FAGUNDES, 2012, p.899 Apud Monitor
Integralista. Ano V, n.22, 07/10/1937, p.3)
Partindo da ideologia integralista e sua estruturação como um movimento de
massas no cenário político brasileiro entre 1932 e 1937, e considerando a utilização desses
mártires como via de estruturação de um inimigo a ser combatido, o conceito de “indústria
do anticomunismo” (MOTTA, 2000) é de extrema importância investigar até que ponto
tal sacralização política serviu para consolidar o anticomunismo dentro do imaginário
integralista, e a partir de tal problemática, buscar compreender o alcance, os desafios, os
impasses e as potencialidades de tal imaginário no cenário político brasileiro da década
de 1930.

JUSTIFICATIVA
O interesse acadêmico sobre o movimento integralista no Brasil se inicia a partir
da publicação da tese de doutoramento de Hélgio Trindade, em 1971, na Universidade de
Paris. O silêncio nesses trinta anos anteriores a tal publicação4, desde o fechamento do

4
Nesse período, somente duas pesquisas sobre o tema foram feitas: a tese de doutoramento de Carlos
Henrique Hunsche, O integralismo brasileiro: história do movimento fascista no Brasil, pela Universidade
Friederich Wilhelm, em Berlim, em 1937; e a também tese de doutoramento de Nicolau de Flue Gut, Plínio

4
movimento em 1937 e a Intentona Integralista em 1938, revela o ostracismo que tema foi
relegado, caracterizado superficialmente como uma cópia caricata dos movimentos
fascistas europeus. (OLIVEIRA, 2010)
Segundo Rodrigo Oliveira, os estudos sobre o integralismo podem ser divididos
em três fases (ou gerações) distintas: “1ª fase – a AIB como movimento de massas
organizado nacionalmente; 2ª fase – estudos regionais sobre o integralismo; 3ª fase –
novas abordagens sobre o integralismo” (2010, p.122). A primeira fase remete aos anos
1970, procurando entender a genealogia ideológica do movimento e sua vinculação com
o fascismo europeu5. O trabalho pioneiro de Trindade ganha notoriedade ao desvincular
a AIB como mero mimetismo dos fascismos europeus, situando o movimento dentro
contexto sociocultural e político-econômico nacional, retratando o perfil sociológico do
movimento desde suas lideranças até os militantes de base, além do perfil ideológico do
Chefe Nacional.

Temas como a origem social e as motivações de adesão ao movimento


por parte dos militantes também são abordados, e isso com o intuito de
se traçar um perfil do movimento como um todo. As relações do
Integralismo com as demais forças sociais da política brasileira, como
com o catolicismo e as classes médias urbanas, igualmente estão
presentes, assim como o estudo sobre a formação intelectual e política
de Plínio Salgado. (SERRATO, 2016, p.53)

A dissertação de mestrado de René Gertz, Os teuto-brasileiros e o integralismo


no Rio Grande do Sul (1977), tratando da relação entre a AIB e tal grupo étnico, inaugura
a fase dos estudos regionais que vieram a configurar a segunda fase das pesquisas. A
inserção do pensamento dos principais pensadores do movimento – Salgado, Reale e
Barroso – em determinados territórios acabava por sofrer mutações, embora não drásticas,
de acordo com as questões locais da região6. Tais adaptações do movimento em âmbito
regional quebram com a imagem utópica de ordem e unificação, obrigando o movimento
a conquistar ou negociar sua integração naqueles espaços (OLIVEIRA, 2010).

Slagado, o criador do integralismo brasileiro na literatura brasileira, na Ludwig-Maximilian Universität


de Munique, em 1938. C.f. OLIVEIRA, 2010, pp.119-121.
5
Nesta fase, concentraram-se os debates entre Hélgio Trindade (Integralismo: o fascismo brasileiro na
década de 30, 1974), Gilberto Vasconcellos (Ideologia curupira: análise do discurso integralista, 1979) e
José Chasin (O Integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio,
1978).
6
Merecem destaque também: o trabalho de Josênio Parente, Os camisas verdes no poder (1986), que trata
do Integralismo no Nordeste, mais especificamente no Ceará, analisando sua relação com o movimento
operário e a Igreja católica; o trabalho de João Ricardo de Castro Caldeira, Integralismo e política regional:
a ação integralista no Maranhão (1999), trazendo o histórico do desenvolvimento da AIB naquele estado.

5
Embora seja uma publicação do período que corresponda a primeira geração dos
estudos, Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira (1978), de
Marilena Chauí, tal trabalho propõe uma discussão além da organização política nacional,
propondo novas abordagens, quer por uma maneira nova de interpretar a ideologia, quer
pela questão da formação do imaginário do movimento ou do destinatário daquele
discurso. Tais questões se aproximaram daquilo que veio configurar a terceira fase do
movimento. Tal fase buscou enfatizar temas considerados marginais nas primeiras
gerações: o militante de base, a mulher integralista, os símbolos e ritos, o integralismo no
pós-guerra, o combate aos inimigos (OLIVEIRA, 2010). Os pesquisadores dessa geração7
se organizaram a partir de um grupo de estudos online chamado GEINT, e a partir desses
intercâmbios foram organizados encontros nacionais de pesquisadores sobre o
integralismo.
A ideologia integralista elege como principal inimigo de seu movimento o
pensamento materialista, sendo o comunismo a sua faceta mais temível. Assim, a AIB se
insere num conjunto de movimento anticomunistas na qual o século XX no Brasil estava
embriagado. Sendo o fenômeno anticomunista uma conduta de resistência constante
contra o comunismo ou àquilo que ele é identificado, ele pode ser definido como um
“conjunto de atividades realizadas por grupos diversos, que constroem e se guiam por um
conjunto de representações que tem sido chamada de imaginário anticomunista”
(RODEGHERO, 2002b, p. 464). Assim, tal imaginário não serviria apenas para dar
forma a um inimigo, mas a partir dele construir uma coesão interna e um reconhecimento
externo identificados com tal prática.
Dessa forma, os estudos sobre o anticomunismo brasileiro têm girado em torno da
constituição desse imaginário anticomunista, analisando suas rupturas e continuidades
desenvolvidas ao longo do tempo. Tal imaginário, segundo a historiografia do movimento
é construído através da propaganda contra o comunismo:

7
Merecem destaque: os trabalhos de Roney Cytrynowicz, Integralismo e antissemitismo nos textos de
Gustavo Barroso (1992), e de Marcos Chor Maio, Nem Rotschild nem Trotsky: o pensamento antissemita
de Gustavo Barroso (1992), que analisam a questão do antissemitismo integralista; o de Márcia Carneiro,
Memória e Integralismo: um estudo da militância no Rio de Janeiro (2000), reconstrói o cotidiano da
militância no Rio de Janeiro e faz uma leitura da permanência dessas ideias em organizações
neointegralistas; o de Rosa Cavalari, Integralismo: ideologia e organização de um movimento de massa no
Brasil (1999), sistematiza a estrutura de imprensa integralista e trata da questão da simbologia e dos ritos
do movimento; o de Gilberto Calil, O Integralismo no pós-guerra: a formação do PRP (2001), trata da
reorganização do movimento depois da volta de Plínio Salgado do exílio, no Partido de Representação
Popular; o de Renato Alencar Dotta, O integralismo e os trabalhadores: as relações entre a AIB, os
sindicatos e os trabalhadores através da imprensa integralista (2003), trabalhando a relação do movimento
com determinadas categorias de trabalhadores tanto urbanos quanto rurais.

6
[...] Falar, então, era a forma de agir. E esse falar se alimentava num
rico manancial de imagens que delimitavam o que era o comunismo,
quem eram os comunistas, quais eram seus planos para o Brasil e o
mundo, que perigo eles representavam, quais as suas diferenças em
relação àqueles que combatiam, como era a vida nos países comunistas,
etc. É o que tem sido chamado de imaginário anticomunista.
(RODEGHERO, 2002a, p.57)

Caracterizada, então, como paladino contra o “perigo vermelho” desde sua


fundação, a AIB intensificará sua atuação nesse campo a partir de 1935, com o evento da
Intentona Comunista. Segundo Rodrigo Motta, “tratava-se de aproveitar o estado de
espírito dos setores da sociedade aterrorizados pela ‘Intentona’, colocando a AIB no papel
de campeã na luta contra os comunistas” (2000, p.207). Através da imprensa verde, as
notícias buscavam sempre manter em evidência o perigo que a sociedade corria em
relação a atuação dos comunistas, mesmo em momentos que a ameaça já se encontrava
controlada, quando não extirpada8.
Na tentativa de reforçar seu caráter anticomunista, por meio de sua imprensa ativa,
as informações sobre as mortes de militantes envolvidos em conflitos de rua contra os
inimigos do movimento ocuparam espaço privilegiado em seus jornais e revistas,
intencionando criar um luto político na qual todos deveriam se compadecer. Os rituais9
que envolviam os funerais dos “combatentes caídos” tinham a mesma intenção: criar
mártires para o movimento. Assim, através desse culto aos mortos procurava salientar a
ideia de sacrifício pelo movimento, “seus exemplos deveriam permanecer sempre vivos
no cotidiano de cada militante, pois se estes tivessem que renunciar a própria vida, seriam
lembrados e glorificados na posteridade” (SCHMIDT, 2008, p.116)
Assim, partindo da terceira geração de estudos sobre o integralismo, o pesquisador
percebe uma oportunidade no desenvolvimento de um trabalho que busque atuar com
novos objetos até então com pouco uso na historiografia, como é o caso do uso dos
mártires dentro do movimento. Inserido na direção dos estudos sobre o imaginário
anticomunista, onde suas manifestações acontecem principalmente no campo da

8
“No decorrer do ano de 1937, a campanha aumentou de tom, em decorrência da disputa pela sucessão
presidencial. A AIB tentou a todo custo manter-se em evidência, fosse para concorrer às eleições com Plínio
Salgado, fosse para participar com vantagem nas confabulações golpistas então em andamento. Para este
efeito, era conveniente convencer a sociedade da gravidade do perigo (“Brasileiros, alerta! Tudo indica
iminente golpe do communismo”14), mesmo que na ocasião o PCB se encontrasse inteiramente incapaz de
representar ameaça. A imprensa integralista empenhou-se em pintar um quadro terrível da situação,
apontando que a atividade comunista aumentava e a cada momento o perigo tornava-se maior. Pois se havia
um “inimigo” terrível rondando a sociedade, necessário se faria apoiar a única força capaz de derrotá-lo.”
(MOTTA, 2000, p.208)
9
Sobre os rituais, ver Protocolos e Rituais da Ação Integralista Brasileira, na qual a nota 1 faz referência.

7
propaganda contra o comunismo, esse estudo busca entender o anticomunismo por meio
de dois periódicos do movimento com distribuição nacional, o jornal A Offensiva (1934-
1938) e a revista ilustrada Anauê! (1935-1937), durante o período de atuação da Ação
Integralista Brasileira, de 1932 à 1937.

OBJETIVOS

a) Geral

Como objetivo geral pretende-se discutir o imaginário político da AIB em elação a


produção de seus mártires.

b) Específico
1) Analisar o movimento integralista no período 1932-1937.
2) A partir dos periódicos indicados pensar a dinâmica da extrema direita
3) Buscar compreender a inversão de tradições relacionado as lideranças da AIB

FONTES & METODOLOGIA

a) FONTES

As fontes a serem utilizadas no projeto são periódicos, especificamente revistas e


jornais que circularam na década de 1930 no Brasil e apresentaram posições a respeito da
dinâmica política que envolveu as ações e representações do movimento Ação Integralista
Brasileira (AIB) no campo político. O papel da chamada “imprensa verde” para o
integralismo assume uma importância vital para a análise histórica, pois, o jornalismo se
destacou na AIB, constituindo-se como elemento fundamental de atenção constante por
parte de sua direção. De forma que, a ininterrupta menção às publicações verdes em seus
próprios periódicos e o aparato administrativo de controle sobre as mesmas construíram
uma memória de grandiosidade em torno dessa estrutura de imprensa.10
O periódico A Offensiva (1934-1938)11 circulou na cidade do Rio de Janeiro entre
17 de maio de 1934 e 19 de março de 1938, quando foi definitivamente extinto pelo

10
Sobre a importância da imprensa para o movimento, ver: OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Imprensa
integralista, imprensa militante (1932‐1937). (Tese de Doutorado em História). Porto Alegre, RS: PUC‐
RS, 2009.
11
Os periódicos podem ser acessados diretamente, de forma digitalizada na Biblioteca Nacional Digital
Brasil: http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.html. Acesso em: 03/02/2018.

8
Estado Novo (1937-1945). O periódico será adotado como fonte, pois, sua importância
para compreensão da AIB em sua estrutura política e ideológica é notável, sobretudo no
que diz respeito às projeções políticas de lideranças significativas do movimento, com
destaque para Plínio Salgado que ocupou a direção do periódico de divulgação de ideias
e ideais da extrema direita.12 Importante apontar que o periódico serviu para a construção
de uma lógica propagandística e consolidação da cultura política do movimento.
Outro importante impresso de divulgação integralista foi a revista Anauê! (1935-
1937), produzida no Rio de Janeiro.13 O periódico se insere na lógica propagandística
realizada pela AIB e possuí um forte caráter didático em suas apresentações e abordagens
referentes aos mais variados temas que percorriam os diferentes âmbitos da sociedade do
período, como política, cultura e economia.14 A revista traz uma série de informações
textuais e imagéticas e foi crucial para a formação de um imaginário político relacionado
às ideias da extrema direita da AIB.15

b) METODOLOGIA

Na historiografia contemporânea, o retorno à história política tornou-se


preocupação pertinente entre os historiadores, haja vista que essa renovação pretendida
por uma “nova história política” se apresenta por meio de amplas análises e aberturas
sempre em movimento (novos temas, novos objetos e novas fontes) na medida em que
adota uma concepção bem distante de uma “velha história política” dita “positivista” que
predominou no século XIX e privilegiou análises políticas tradicionais concebidas de
forma imóvel.16 A “nova história política”, se assim se pode chamá-la, preocupa-se,
sobretudo, com abordagens interdisciplinares (sociologia, linguística e antropologia) que
reorientaram as interpretações na historiografia entre 1970 e 1980, trazendo a luz questões

12
Sobre a dinâmica política da extrema direita e a importância do periódico A Offensiva, ver: SIMÕES,
Renata Duarte, GONÇALVES, Leandro Pereira. A Propaganda no jornal A Offensiva. In: VICTOR,
Rogério Lustosa (org.). À direita da direita: estudos sobre o extremismo político no Brasil. Goiânia: Editora
PUC-Goiás, 2011, p. 97-116.
13
A revista Anauê! pode ser acessada de forma digitalizada no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
14
FIORUCCI, Rodolfo. A Revista Anauê! (1935-1937) e Sua Organização dentro da estrutura de Imprensa
Integralista. In: Rogério Lustosa (org.). Op. cit., p. 117-140.
15
Os estudos acerca da importância da revista Anauê! São relativamente amplos, visto o significado do
periódico para o AIB, para tanto, ver: FIORUCCI, Rodolfo. A trajetória da revista Anauê! (1935-1937): o
jornalismo partidário e ilustrado da ação integralista brasileira – a “netinha” que não cresceu. (Tese de
Doutorado em História). Universidade Federal de Goiás, 2014; SILVA, Rogério Souza. A política como
espetáculo: a reinvenção da história brasileira e a consolidação dos discursos e das imagens integralistas na
revista Anauê! Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 25, n. 50, p. 61-95, 2005.
16
CAPELATO, Maria Helena Rolim. História do Brasil e revisões historiográficas. Revista Anos 90, Porto
Alegre, v.23, n. 43, p. 21-37, jul. 2016.

9
como: a atuação e representação dos movimentos operários, a representação partidária,
atuação dos intelectuais no campo da cultura política, novos estudos sobre ideias e
ideologias políticas e questões de ordem biográficas.17
Os métodos adotados para interpretar o material selecionado concentram-se,
sobretudo, em referenciais da “História da Imprensa”.18 O deslocamento dos estudos
históricos da década de 1970, ainda sob forte influência da Escola dos Annales, inseriu
de forma definitiva a imprensa como documento, que passou a ser tratado a partir de
diferentes perspectivas, constituindo uma “história dos, nos e por meio dos periódicos”19,
como jornais e revistas. As reflexões buscarão seguir percursos metodológicos já
percorridos por diferentes historiadores da imprensa que a partir de 1970/1980 realizaram
trabalhos como O Bravo Matutino20 e apontaram para a necessidade de tomar a imprensa
como fonte e dependendo do caso, como objeto, destacando seu papel como ator político.
A importância de jornais e revistas para a pesquisa história, analisados a partir de
novas orientações metodológicas revelam a importância dos periódicos no debate político
da vida nacional e na constituição da cidadania. Em relação ao âmbito político é de
fundamental importância se aprofundar nos discursos produzidos e difundidos pela
imprensa, de forma a apreender sua relação com o espaço público e o impacto de suas
ideologias na política. Não é possível pensar e escrever a história por meio de periódicos
sem estabelecer suas relações com a trajetória política, econômica e cultural do país,
independente do período analisado.21
Ao se deparar com jornais e revistas, o historiador deve levar em consideração as
condições específicas de produção dos periódicos, sua materialidade e os sentidos que
assume no momento de sua circulação. Esses aspectos são de importância crucial, pois
permite uma análise mais profunda e interativa com o significado político e ideológico
dos periódicos. Como destaca Luca, “deve-se ter em vista que a grande variação na
aparência, imediatamente apreensível pelo olhar diacrônico, resulta da interação entre
métodos de impressão disponíveis num dado momento e o lugar social ocupado pelos

17
RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 7-10.
18
Um dos mais importantes estudos foi realizado pelo historiador Nelson Werneck Sodré, no qual percorre
desde do período colonial à segunda metade do século XX, destacando as transformações ocorridas na
imprensa e seu impacto na cultura política brasileira. Ver: SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa
no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1999.
19
LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSK, Carla
Bassanezi. (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 118.
20
CAPELATO, Maria Helena Rolim; PRADO, Maria Ligia Coelho. O Bravo Matutino: imprensa e
ideologia no jornal “O Estado de S. Paulo”. São Paulo. Alfa-Ômega, 1980.
21
MARTINS, Ana Luiza. LUCA, Tania Regina de (Org.). História da imprensa no Brasil. São Paulo.
Contexto, 2008, p. 8.

10
periódicos”.22 De modo que, “historicizar a fonte requer ter em conta, portanto, as
condições técnicas de produção vigentes e a averiguação, dentre tudo que se dispunha, do
que foi escolhido e por quê”.23
Em ralação as fontes adotadas para essa proposta, o jornal A Offensiva e a revista
Anauê!, busca-se levar em consideração qual era o papel da imprensa política nos anos
1930 e de que maneira sua produção e circulação estavam relacionadas com o projeto
ideológico da AIB. O conteúdo encontrado deve ser pensado conjuntamente com a ação
política de seus idealizadores, de modo que será considerado com especial atenção “as
motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coisa”24, no que diz
respeito às ações e representações políticas da direção da AIB.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONTES
Jornal A Offensiva (1934-1937)
Revista Anauê! (1935-1937
BIBLIOGRAFIA
AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA. Protocolos e Rituais. Ed. do Núcleo Municipal
de Niterói. Rio de Janeiro: 1937.
CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo: Ideologia e organização de um partido
de massa no Brasil (1932-1937). Bauru: Edusc, 1999.
FAGUNDES, Pedro Ernesto. Morte e Memória, a necrofilia política da Ação Integralista
Brasileira (AIB). VARIA HISTÓRIA, Belo Horizonte, vol.28, nº48, p. 889-909: jul/dez
2012.
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22
LUCA, Tania Regina de. Op. cit., 2005, p. 132.
23
Idem.
24
Ibid., p. 139.

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