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Garantias Constitucionais

e Direito Tributário

Brasília-DF.
Elaboração

Mário H. Trigo de Loureiro Filho


Gustavo Rabay
Georges Carlos F. M. Seigner

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 5

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO................................................................ 11

CAPÍTULO 1
LINGUAGEM E CONHECIMENTO............................................................................................. 11

CAPÍTULO 2
O TERMO “DIREITO” E SUAS DIVERSAS ACEPÇÕES.................................................................... 14

CAPÍTULO 3
DIREITO POSITIVO E CIÊNCIA DO DIREITO................................................................................ 16

CAPÍTULO 4
O DIREITO POSITIVO COMO SISTEMA DE LINGUAGEM PRESCRITIVA........................................... 18

CAPÍTULO 5
A CIÊNCIA DO DIREITO COMO SISTEMA DE LINGUAGEM DESCRITIVA....................................... 21

CAPÍTULO 6
DIREITO TRIBUTÁRIO POSITIVO E CIÊNCIA DO DIREITO TRIBUTÁRIO............................................. 24

UNIDADE II
UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA.................................. 26

CAPÍTULO 1
A NORMA JURÍDICA............................................................................................................... 26

CAPÍTULO 2
A NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA.............................................................................................. 31

CAPÍTULO 3
CONCEITO DE TRIBUTO.......................................................................................................... 33

CAPÍTULO 4
NORMAS GERAIS EM MATÉRIA DE LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA...................................................... 39
UNIDADE III
O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA.......................................................................................... 42

CAPÍTULO 1
O DIREITO E O SEU MODO DE PRODUÇÃO............................................................................. 42

CAPÍTULO 2
SISTEMA JURÍDICO................................................................................................................. 50

UNIDADE IV
ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS.......................................................................................................................... 52

CAPÍTULO 1
A CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS................................................................ 52

CAPÍTULO 2
DIVERGÊNCIAS DA DOUTRINA NACIONAL............................................................................... 54

UNIDADE V
GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS....................... 59

CAPÍTULO 1
GARANTIAS SOCIAIS, JURISDICIONAIS, MATERIAIS E PROCESSUAIS............................................. 59

CAPÍTULO 2
A QUESTÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS....................................... 68

PARA (NÃO) FINALIZAR....................................................................................................................... 81

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 82
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
A presente Apostila de Direito Tributário e Garantias Constitucionais fará um estudo inicial do
Direito Tributário, bem como sobre a Teoria Geral das Garantias Constitucionais.

Em primeiro momento, vamos estudar juntos, ancorados nas obras de grandes mestres, alguns
temas fundamentais para uma visão ampla de nosso direito tributário. Acreditamos que somente
entendendo o todo pode-se alcançar a compreensão das partes. Isso vale para o entendimento do
Direito.

Assim, devemos sempre ter em mente que o Direito, como sistema prescritivo de normas, é objeto
cultural das sociedades de nossa civilização, e, por isso, ele varia de um lugar para outro, de uma
época para outra. Nesse contexto, cada povo tem o seu “direito”, e cada tempo, também.

O nosso sistema jurídico é deveras complexo, e no que toca à tributação, mais ainda. Complexidade
essa que aumenta com o passar dos anos, diante da voracidade do Estado em obter mais e mais
recursos para suportar seus gastos.

Por isso, o estudo do Direito Tributário muitas vezes é árduo, mas, se nos atentarmos aos princípios
fundamentais e ao modo como funciona o sistema jurídico, a tarefa pode se tornar um pouco mais
simples.

Ademais, para uma melhor aprendizagem do Direito Tributário, faz-se extremamente necessário
que o aluno tenha o domínio sobre a Teoria Geral das Garantias Constitucionais, visto que tal ramo
incide sobre todo o ordenamento jurídico, principalmente por abordar: i) as Garantias e Princípios
Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais; ii) Garantias Sociais, Jurisdicionais,
Materiais e Processuais; e iii) a questão dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Muito embora exista certo desconforto em se definir direitos fundamentais, pois, assim como
ocorre com a expressão “direitos do homem”, a maior parte das tentativas resulta em definições
tautológicas.

Costuma-se referir, dogmaticamente, aos direitos fundamentais como questão essencial que
se confunde com a própria noção de Estado Constitucional, na medida em que assim assinala a
disposição da Declaração Francesa de 1789: “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é
assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não possui Constituição”.

Nessa dimensão, tais direitos cumprem o papel de legitimação do poder estatal, e se traduzem em
“funções estruturais de suma importância para os princípios conformadores da Constituição”, como
salienta Segado, após se remeter à opinião de Hans-Peter Schneider, para quem constituem conditio
sine qua non do Estado Constitucional Democrático. Gilmar Mendes, referindo-se ao pensamento
de Konrad Hesse, afirma que pelos direitos fundamentais não são apenas assegurados direitos
subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e democrática.

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Esse pensamento se coaduna com a observação de que, no caso do nosso Direito (Constitucional)
Positivo, os princípios e as normas constantes do Título II da Constituição Federal de 1988 (Dos
Direitos e Garantias Fundamentais) apresentam uma interdependência para com aqueles princípios
estruturantes do Título I do texto constitucional (Dos Princípios Fundamentais).

Como conteúdo, os direitos fundamentais expressam os valores considerados principais da nossa


cultura, significando a própria dignidade humana. Assim correspondem ao continuum de direitos
às condições mínimas de existência humana digna, que não podem ser objeto de intervenção do
Estado, mas que, simultaneamente, demandam prestações estatais positivas. Nessa perspectiva,
os direitos fundamentais possuem a característica de direitos públicos subjetivos, ou seja, posições
jurídicas ocupadas por seu titular perante o Estado.

A concepção de uma área intangível de direitos, que caracteriza as liberdades públicas negativas de
limitação da atuação do Estado, provém, solenemente (e, de maneira prospectiva, constitucionalizada)
da citada declaração de direitos e corresponde a uma primeira vertente de direitos fundamentais.
São os chamados direitos de defesa.

Por seu turno, a segunda concepção diz respeito ao clamor da intervenção estatal, por meio de
prestações assistenciais fulcradas nas necessidades da coletividade, com apoio nos ventos socialistas
do século XIX.

São, por assim dizer, mecanismos de imposição de prestação, por parte do Poder Público, de
providências de índole social.

Na segunda metade do século XX, cunhou-se uma terceira etapa de desenvolvimento na concepção
dos direitos fundamentais, associando-os aos direitos humanos, como atributos inerentes a toda
humanidade.

Dessa maneira, são identificadas três dimensões de direitos fundamentais, confiadas de acordo com
a etapa de positivação nas esferas constitucional e internacional:

a. direitos de primeira dimensão, correspondentes aos direitos de defesa do indivíduo


perante o Estado, de cunho negativo, pois demarcam uma zona de não intervenção
estatal;

b. direitos de segunda dimensão, atinentes aos direitos econômicos, sociais e culturais,


vertidos a prestações assistenciais positivas outorgadas ao indivíduo, por parte do
Estado, caracterizando liberdades positivas e, também, “liberdades sociais”, como,
por exemplo, a liberdade de sindicalização e o direito de greve, entre outros;

c. direitos de terceira dimensão, formulados como direitos de solidariedade e


fraternidade, que se depreendem da figura do homem-indivíduo como seu titular.

Transferindo essa titularidade à proteção de grupos humanos, enquadram-se como direitos


coletivos e difusos (meio ambiente, relações de consumo etc.) e vinculam-se à proteção da
dignidade humana.

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Pode ser referida, ainda, uma quarta dimensão de direitos fundamentais, ainda não consagrada
definitivamente, que, no dizer de Ingo Sarlet, corresponde à ideia de direitos fundamentais
globalizados, tendenciais à democracia direta, à informação e ao pluralismo, defendida por Paulo
Bonavides. Inclui-se na pauta de discussão dessa nova visão o chamado biodireito, em que se
destacam as posições de direitos relacionados à manipulação genética, à mudança de sexo, entre
outros.

Em um só esforço, os direitos fundamentais podem ser conceituados como normas jurídicas


legitimadoras da ordem constitucional e como sublevação de direitos subjetivos, cujo escopo maior
é a preservação da dignidade humana.

Esse é, no entanto, o paradigma básico de uma abordagem teorética dos direitos fundamentais. Um
approach mais amplo e qualificado demanda a adoção de certos modelos referenciais formulados pela
doutrina, em que várias perspectivas de focalização tem espaço, entre elas a filosófica, a histórica, a
ética, a jurídica e a política, como aponta Bobbio. Apesar de a opção pela visão da dogmática jurídica
ser a solução mais funcional para a abordagem do assunto, decerto, outros pormenores, oriundos
de campos de formulação diversos, serão empregados na busca de uma contextualização que torne
aptos os resultados, ao final, pretendidos.

Com efeito, alerta-se, ainda, para o fato de que os limites objetivos do estudo não comportam
um cabedal de informações suficientemente profundo para esgotar os pontos e contrapontos
aqui centrados, não raras vezes, afeiçoados de imensa complexidade, que inviabilizaria, inclusive
fisicamente, o seu exaurimento temático, até mesmo em obras que cuidam, exclusivamente, do
assunto, como é o caso confessional do magistral e multicitado trabalho de Ingo Wolfgang Sarlet.

Como sabemos, os direitos e garantias funcionam como freios e limitadores ao poder do Estado ante
as pessoas e entre elas, umas com as outras.

Se dividem em “direitos” propriamente ditos e garantias:

»» direitos: são prerrogativas legais que visam concretizar a convivência digna,


livre e igual de todas as pessoas. Representam, por si só, certos bens e vantagens
prescritos na norma constitucional. Ex.: art 5o, III e IV. São também conhecidas
como disposições meramente declaratórias, pois apenas imprimem existência legal
aos direitos reconhecidos;

»» garantias: destinam-se a assegurar a fruição desses bens. Os direitos são principais,


as garantias são acessórias. Ex.: art. 5o, VI e XXXVII (direito: juízo natural; garantia:
veda a instituição de juízo ou tribunal de exceção). São disposições assecuratórias,
pois se colocam em defesa dos direitos, limitando o poder do Estado ou de outra
pessoa. Em síntese, os direitos identificam-se pelo caráter declaratório e enunciativo,
ao passo que as garantias caracterizam-se pelo seu caráter instrumental.

O rol de direitos e garantias inserido nesse tópico baliza e estrutura o convívio social, além de,
ao mesmo tempo, por ser consagrado constitucionalmente, apresentar-se como marco perene a
obstacular injusta investida do Estado ou de outro particular contra a liberdade, a segurança

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ou o patrimônio de outrem. O rol é constituído de direitos explícitos e implícitos. Estes últimos
são “decorrentes do regime e dos princípios por ela [a constituição] adotados ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Os explícitos, por sua vez, são
de cinco categorias, cujos objetivos imediatos são a vida, a igualdade, a liberdade, a segurança e a
propriedade, já que o objeto mediato de todas é sempre a liberdade.

Assim dispostos, temos a proibição da pena de morte (inciso XLVII); a proteção à dignidade
humana (inciso III), direitos que se referem à proteção do direito à vida. Por seu turno, o princípio
da isonomia (art. 5o, caput e inciso I) constitui proteção ao direito à igualdade.

Há que se destacar, também, os direitos que visam assegurar a liberdade, tais como a liberdade de
locomoção (incisos XV e LXVIII); de pensamento (incisos IV, VI, VII, VIII e IX); de reunião (inciso
XVI); de associação (incisos XVII a XXI); de profissão (inciso XIII) e de ação (inciso II).

Além desses, entre diversos outros, há os direitos à segurança e à propriedade.

Não obstante tais considerações, por uma questão de didática, sistematizaremos o nosso estudo
na sequência apresentada, a fim de permitir que o aluno tenha um melhor entendimento sobre o
estudo do Direito Tributário e da Teoria Geral das Garantias Constitucionais.

Bons estudos!

Objetivos
»» Demonstrar ao aluno a importância da linguagem para o discurso científico, a forma
como funciona o sistema jurídico, fixando o conceito de tributo, sobre o qual paira
toda a matéria tributária;

»» Estudar as noções teóricas e principiológicas introdutórias acerca do Direito


Tributário como disciplina autônoma do Direito;

»» Compreender o estudo das Garantias Constitucionais materiais, institucionais e


processuais, bem como a aplicação dos Princípios constitucionais processuais;

»» Conhecer as garantias jurisdicionais, sociais, criminais e tributárias.

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A IMPORTÂNCIA
DA LINGUAGEM UNIDADE I
NO DISCURSO
CIENTÍFICO

CAPÍTULO 1
Linguagem e Conhecimento

“Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.”

L. Wittgenstein

Sem linguagem não há conhecimento, muito menos a transmissão dele, que é fator relevante para o
desenvolvimento de qualquer sociedade, por mais primitiva que seja.

Conforme anota Barros Carvalho (1996, p.42), conhecer é “saber proposições sobre”. E, sem
linguagem, em quaisquer de suas formas (falada, escrita, gestual), o conhecimento não se manifesta.
É possível ao leitor perceber então que, “decompondo-se o fenômeno do conhecimento,
encontramos o dado da linguagem, sem o que o conhecimento não se fixa nem se
transmite.” Apesar de existir um tanto de conhecimento no ato da percepção, ele somente se
realiza em sua plenitude, segundo o autor, no plano proposicional e, consequentemente, por meio
da intervenção da linguagem.

Não se pode negar que todo o conhecimento que a civilização tem hoje é resultado da sedimentação
adquirida através das diversas gerações. E a sua transmissão se fez, sem dúvida alguma, por meio
da linguagem, em suas diferentes dimensões.

Apenas para fixar a importância da linguagem na história de nossa civilização, atualmente, a


Paleontologia tem debatido a sua influência no destino das duas espécies do gênero homo que
habitaram a Terra há 35 mil anos. Alguns cientistas acreditam que a supremacia da espécie à qual
pertencemos, homo sapiens, sobre o homo neanderthalensis (espécie que acabou se extinguindo
após o contato com a primeira), foi resultado de um sistema de linguagem mais abrangente,
complexo e evoluído.

Esse maior grau de desenvolvimento da linguagem, entre os indivíduos pertencentes à espécie


homo sapiens, permitiu-lhes uma melhor adaptação ao ambiente, resultando, por exemplo, na
produção de ferramentas mais elaboradas, de armas eficientes, tudo como consequência da troca de

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UNIDADE I │ A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO

conhecimento, que, inclusive, pôde ser transmitido às gerações que se seguiram. Logo, a linguagem
foi algo fundamental para a evolução de nossa espécie, a qual se dá necessariamente, através da
transmissão do conhecimento entre as antigas e as novas gerações.

Como se sabe, aquelas duas espécies brigaram pela permanência em solo europeu há milhares de
anos, mas apenas o homo sapiens sobreviveu, segundo renomados antropólogos porque o homo
sapiens, mais fraco fisicamente que o homo neanderthalensis, era mais capaz do que este de se
comunicar.

O exemplo dá conta da importância da linguagem para o desenvolvimento da sociedade e da ciência.


Afinal, ela, a linguagem, em suas variadas formas, é um dos meios mais eficazes de transmissão do
conhecimento.

Para a ciência não é diferente. Ela existe na linguagem. O conhecimento que dela advém somente
pela linguagem pode ser transmitido. No ponto, vale trazer à baila a lição de Barros Carvalho (1996,
pp. 23/60), que exemplifica com perfeição a importância da linguagem para o conhecimento:

Conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados


sobre ele, de tal arte que o conhecimento, neste caso, se manifesta pela
linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas.

Por outro lado, a cada momento se confirma a natureza da linguagem como


constitutiva de nossa realidade. Já L. Wittgenstein afirmava, na proposição
5.6, do “Tractatus Lógico-Philosophicus”, que “os limites da minha linguagem
são os limites do meu mundo”, que, dito de outro modo, pode significar:
meu mundo vai até aonde for minha linguagem. E a experiência o comprova:
olhando para uma folha de laranjeira, um botânico seria capaz de escrever
laudas, relatando a “realidade” que vê, ao passo que o leigo ficaria limitado
a poucas linhas. Dirigindo o olhar para uma radiografia de pulmão, o médico
poderia sacar múltiplas e importantes informações, enquanto o advogado,
tanto no primeiro caso, como neste último, ver-se-ia compelido a oferecer
registros ligeiros e superficiais. Por seu turno, examinando um fragmento do
Texto Constitucional brasileiro, um engenheiro não lograria mais do que extrair
u’a mensagem adstrita à fórmula literal utilizada pelo legislador, enquanto
o bacharel em Direito estaria em condições para desenvolver uma análise
ampla, contextual, trazendo à tona normas implícitas, identificando valores
e apontando princípios que também não têm forma expressa. Por que uns
têm acesso a esses campos e outros não? Por que alguns ingressam em certos
setores do mundo, ao mesmo tempo em que outros se acham absolutamente
impedidos de fazê-lo? A resposta é uma só, a realidade do botânico, com
relação à Botânica, é bem mais abrangente do que a de outros profissionais, o
mesmo ocorrendo com a realidade do médico, do engenheiro e do bacharel em
Direito. E que fator determinou que essas realidades se expandissem, dilatando
o domínio dos respectivos conhecimentos? A linguagem ou a morada do ser,
como proclamou Heidegger.

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A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO │ UNIDADE I

O texto demonstra a importância da linguagem para a transmissão do conhecimento entre os


indivíduos e para a captação da realidade que nos cerca. Vistas, desse modo, as diversas áreas do
conhecimento, por exemplo, a Medicina, a Botânica, a Biologia, o Direito, a Política etc., são estratos
próprios de linguagem. E, consequentemente, o estudo dessas matérias tem como objetivo conhecer
esses estratos específicos de linguagem.

Por aí se vê que o conceito de linguagem não se confunde com o de língua. A Medicina não muda
porque seus conceitos e regras estão vertidos no inglês ou no português. O conhecimento é um só. A
língua é apenas um sistema específico de manifestação da linguagem.

Então, pode-se definir língua como o sistema convencional de signos em vigor numa determinada
comunidade social. É um dos vários instrumentos de comunicação utilizados por seus membros.
Tem aqui a acepção de idioma, como o português, o inglês, o italiano etc. Em síntese, língua é uma
forma de comunicação. É uma instituição social, objeto cultural, e se mostra resistente a tentativas
isoladas de modificação pelos indivíduos.

Linguagem é o termo mais abrangente, significando a capacidade de comunicação do ser humano


por intermédio de signos cujo conjunto sistematizado é a língua.

O sistema jurídico se constitui na linguagem. O direito positivo, como o aluno-leitor poder ver
adiante, consiste num estrato de linguagem que tem como função regular a conduta do homem em
sociedade. E a ciência do Direito é outro estrato de linguagem, que procura descrever o seu objeto
– o direito positivo.

Nesse contexto, a ciência do Direito assume a condição de metalinguagem1, pois suas proposições
indicativas ou teóricas se ocupam das proposições prescritivas do direito posto, tendo como
consequência fundamental, a qual já se pode adiantar, a diferença dos valores das proposições da
linguagem descritiva e da linguagem prescritiva.

Linguagem prescritiva – direito positivo – traduz uma ordem, um comando,


prescreve um comportamento.

Linguagem descritiva – ciência (do direito) – busca fornecer uma definição –


enumera parâmetros qualitativos – descreve o objeto.

A língua, como sistema de linguagem, tem suas próprias normas, que procuram, assim, alcançar a
uniformidade e a correção no uso das palavras, de modo a preservar seus significados.

O leitor já pode perceber a importância da linguagem para o estudo do Direito, e, principalmente no


ramo aqui examinado, o Direito Tributário, uma vez que muita confusão doutrinária e jurisprudencial
já foi causada em consequência do desconhecimento acerca da relação da linguagem com o seu
objeto e das diversas acepções (significados) que um mesmo nome (palavra) pode conter.

1 Segundo o “Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa – Século XXI”, metalinguagem “é a linguagem utilizada para
descrever outra linguagem ou qualquer sistema de significado: todo discurso acerca de uma língua, como as definições dos
dicionários, as regras gramaticais etc.”

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CAPÍTULO 2
O Termo “Direito” e suas Diversas
Acepções

Toda a linguagem que pretenda ser científica necessita passar pelo processo de elucidação. Assim,
as palavras ou as expressões que possuam diversas acepções devem ser utilizadas com a precisa
indicação de seu significado no contexto. Isso evita problemas inerentes à linguagem natural, como
a ambiguidade ou a falta de nexo entre o texto e o contexto.

Esses problemas, embora não sejam tão graves na linguagem natural, devem ser evitados num
discurso científico, no qual não se admitem ambiguidades, daí a necessidade de adoção daquele
procedimento.

Sinteticamente, as palavras, em princípio, podem ser classificadas em duas classes: a) unívocas;


e b) plurívocas. À primeira delas pertencem aquelas que possuem um único significado. Na
segunda classe encontram-se as que têm mais de um significado. Estas últimas, por sua vez, podem
ser equívocas, quando seus significados não condizem uns com os outros, ou análogas, quando os
significados guardam semelhança entre si.

Palavras

Plurívocas Unívocas
»» Mais de um significado »» Um único significado
a) Semelhantes (análogas)
b) Distintos (equívocas)

A palavra “direito” é plurívoca, isto é, apresenta uma pluralidade de sentidos, circunstância que
exige a indicação da acepção em que se utiliza o termo.

Direito – Palavra Plurívoca Análoga



Pluralidade de Significados guardam
conceitos semelhança entre si

Confira-se, a respeito, a lição do Professor Acquaviva (2000, p.524), verbis:

(...) A palavra direito significaria remotamente, portanto, guiar, conduzir.


Entretanto, se a etimologia da palavra parece ser a que foi exposta, as acepções
da palavra direito variam grandemente. A palavra direito apresenta acepções
várias, embora análogas. O direito só pode ser definido à luz de cada uma

16
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO │ UNIDADE I

das acepções do vocábulo. O conceito de direito é amplo, e quanto maior for


a extensão de um conceito, menor será sua compreensão. A palavra direito,
então, é uma palavra plurívoco-análoga. Tem uma pluralidade de conceitos
análogos, não unívocos.

Nesse sentido, pode-se dizer que comum é o uso do termo “direito” no sentido de justiça ou, em
outra acepção, como sinônimo da expressão direito subjetivo. A adjetivação é também artifício
regularmente utilizado para definir em que acepção se utiliza o termo. Assim, fala-se, por exemplo,
em direito natural, em oposição à ideia de direito positivo; direito objetivo em oposição à
noção de direito subjetivo; direito público em sentido contrário ao de direito privado. Há
também, adjetivações que designam os diferentes ramos do direito, como, por exemplo, o direito
civil; direito constitucional; direito processual civil; direito penal; direito processual
penal; direito comercial, direito internacional público, direito internacional privado
etc., cada uma dessas expressões com um significado, um conceito próprio2. Enfim, inúmeras são as
acepções da palavra “direito”, sem importar o uso do termo, isolado ou composto.

Dentre os significados possíveis, interessa-nos neste momento apenas o de direito como Direito
positivo e como ciência do Direito.

2 Além dos significados de “direito positivo” e de “ciência do direito”, o Novo Aurélio Século XXI: O Dicionário da Língua
Portuguesa aponta, no verbete “direito”, outros inúmeros significados, dentre eles destacam-se: lado do corpo humano, “4.
que segue sempre a mesma direção; reto, direto; 5. que não é curvo. 6. Aprumado, ereto; 7. Íntegro, probo, justo, honrado. 8.
Leal, franco, sincero... 9. Aquilo que é justo, reto ou conforme a lei; 10. Faculdade legal de praticar ou deixar de praticar um ato.
11. Prerrogativa que alguém possui, de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos, ou o respeito a situações que lhe
aproveitam. 12. Faculdade concedida pela lei; poder legítimo (...) 19. O lado principal, ou mais perfeito, de um objeto, de um
tecido etc. (em oposição ao avesso) (...)”.

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CAPÍTULO 3
Direito Positivo e Ciência do Direito

Direito positivo e ciência do Direito constituem dois sistemas de linguagem diferentes, duas
realidades distintas. E fixar essa distinção é muito importante, pois somente através dela será
possível evitar a confusão de propriedades inerentes a cada um desses dois sistemas, dificuldade
presente na doutrina e na jurisprudência, e que muitas vezes prejudica a análise do objeto em
estudo. Daí a arguta advertência de Carvalho (2004, pp. 1-2), que assim apresenta as peculiaridades
de cada um desses corpos de linguagem:

Muita diferença existe entre a realidade do direito positivo e a da Ciência do


Direito. São dois mundos que não se confundem, apresentando peculiaridades
tais que nos levam a uma consideração própria e exclusiva. São dois corpos
de linguagem, dois discursos linguísticos, cada qual portador de um tipo de
organização lógica e de funções semânticas e pragmáticas diversas.

Os autores, de um modo geral, não se têm preocupado devidamente com as


sensíveis e profundas dessemelhanças entre as duas regiões do conhecimento
jurídico, o que explica, até certo ponto, a enorme confusão de conceitos e a
dificuldade em definir qualquer um daqueles setores sem utilizar notações
ou propriedades do outro. São comuns, nesse sentido, definições de ramos
do Direito que começam por referências ao conjunto de regras jurídicas e
terminam com alusões a princípios e composições que a Ciência desenvolveu a
partir da análise do direito positivo.

A Ciência do Direito invariavelmente tem como objetivo conhecer um determinado direito


positivo, seja aquele que já vigorou em algum lugar e não vigora mais, seja aquele em vigor
atualmente na Itália, ou aquele outro em vigor na China, na França, ou nos Estados Unidos. Esses
ordenamentos consistem no objeto daquela ciência. Conforme nos ensina MIGUEL REALE, “a
Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no espaço
e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual.”

E como tal a Ciência do Direito tenta encontrar soluções para as situações isoladas a partir do
conhecimento do todo, isto é, de como o direito positivo cuida dessas situações. Novamente, os
ensinamentos do Professor Reale (1995, p.17) muito bem sintetizam essa questão:

A referência que fizemos à existência de princípios gerais comuns às


investigações sobre o Direito, procedidas no Brasil e no estrangeiro, já nos
mostra que a Ciência Jurídica não fica circunscrita à análise destes ou daqueles
quadros particulares de normas, mas procura estruturá-los segundo princípios
ou conceitos gerais unificadores.

“Teoria”, do grego theoresis, significa a conversão de um assunto em problema,


sujeito a indagação e pesquisa, a fim de superar a particularidade dos casos

18
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO │ UNIDADE I

isolados, para englobá-los numa forma de compreensão, que correlacione entre


si as partes e o todo. Já Aristóteles nos ensinava que não há ciência senão do
genérico, pois enquanto ficamos apegados à miudeza dos casos não captamos a
essência, ou as ‘constantes’ dos fenômenos. Assim é tanto nas ciências naturais
como nas ciências humanas.

Assim podemos sintetizar a questão:

DIREITO POSITIVO  CIÊNCIA DO DIREITO

»» A Ciência do Direito estuda o direito positivo.

»» O Direito positivo é objeto da Ciência do Direito.

É dessa distinção que se cuidará a seguir.

19
CAPÍTULO 4
O Direito Positivo como Sistema de
Linguagem Prescritiva

“Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em


resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma
classe da qual é a linguagem das normas do Direito.”

Lourival Vilanova

Rememorando o gráfico já antes transcrito sobre os tipos de linguagem no direito, lembramos que
o direito positivo trata-se de linguagem prescritiva e a ciência do direito de linguagem descritiva.
Portanto, o direito positivo prescreve uma ordem, um comando, um comportamento.

Mas afinal, o que é direito positivo?

Direito positivo consiste no conjunto de normas que pautam a vida social de determinado
povo, dentro de certo período de tempo, num dado território. (PEREIRA, 1991, P.6)

Ou seja, Direito positivo é o conjunto de princípios e regras que regem a vida social de determinado
povo em determinada época. Diretamente ligado ao conceito de vigência, o direito positivo, em
vigor para um povo determinado, abrange toda a disciplina da conduta humana e inclui as leis
votadas pelo poder competente, os regulamentos e as demais disposições normativas, qualquer que
seja a sua espécie. Por definir-se em torno de um lugar e de um tempo, é variável, por oposição ao
que os jusnaturalistas3 entendem ser o direito natural.

Como qualquer linguagem, o direito positivo se expressa através de signos (sinais gráficos, palavras
escritas ou faladas), cada um deles com determinado significado. O sujeito depara-se com o signo
e produz, em seu intelecto, a respectiva significação, de acordo com suas influências culturais
(sempre em correlação ao significado). Esses são os vértices do triângulo semiótico (signo,
significado e significação).

O desenho abaixo sintetiza essa ideia:


(significado) Pensamento ou referência
ão

Re laçõe
sal elaç

fer
re
cau ma r

e-s s cau
e a sa
au

ou is
liz
bo

tra
Sim

Símbolo Referente
(Palavra) Representa uma relação (Objeto)
atribuída

3 As duas principais teorias acerca das relações entre o direito e o Estado divergem quanto à natureza do direito positivo. Para
a teoria dualística do direito, Estado e direito positivo seriam duas realidades distintas. Já a teoria monística, por outro lado,
entende que só existe um direito, o positivo, com o qual o Estado se confunde. Esta última corrente, portanto, iguala o direito
positivo ao Estado que o produz. Há também uma teoria pluralista, minoritária, que afirma ser o direito positivo apenas uma
dentre outras manifestações jurídicas, ao lado do direito canônico e outros.

20
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO │ UNIDADE I

O signo consiste na unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana. É um


ente que tem status lógico de relação. Nele se associam um suporte físico, um significado e uma
significação.

SIGNO

SIGNIFICADO
SUPORTE FÍSICO SIGNIFICAÇÃO
É aquilo que o suporte físico
Ex: palavra ou sinais É o conceito, a noção, a ideia.
reflete

O suporte físico consiste na própria palavra (falada ou escrita) que, como tal, refere-se a algo do
mundo exterior ou interior, que é seu significado e suscita em nossa mente uma noção, ideia ou
conceito, que chamamos de significação.

Como exemplo, pode-se citar a palavra “papagaio”. Quando o receptor se depara com o suporte
físico – no caso, a palavra escrita num texto qualquer –, logo lhe vem à mente a imagem, por
associação, de uma determinada ave que ele já tenha visto ou com a qual tenha convivido. Essa é a
significação, ou seja, a interpretação que o receptor dá ao estímulo que lhe provoca o suporte físico.
O significado, por sua vez, é o conceito fixado no dicionário da respectiva língua para a palavra
“papagaio”: “designação comum a várias espécies de psitaciformes, psitacídeos, espécie do gênero
Amazona, com 11 espécies brasileiras, as quais, por via de regra, imitam bem a voz humana”.

Essa estrutura não se modifica na linguagem prescritiva, inerente ao direito positivo. É dos textos de
lei (constituição federal, leis complementares, leis ordinárias etc.), dos suportes físicos (signos) que
o intérprete construirá a respectiva significação, ou seja, o comando completo de sentido (hipótese-
consequência). Esses textos formam enunciados prescritivos, entendidos como “o produto da
atividade psicofísica de enunciação”. (CARVALHO, 1998, p. 19ss)

Entretanto, conforme anota o Professor Carvalho (Ibidem), os enunciados prescritivos não se


confundem com as normas jurídicas. O enunciado se apresenta “como um conjunto de fonemas ou de
grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem
expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação”.

É a partir desses enunciados prescritivos que o intérprete constrói as proposições (significações)


que regulam a conduta humana no seio da sociedade.

ENUNCIADOS PRESCRITIVOS NORMAS JURÍDICAS


Equivalem ao suporte físico.
Ex: lei escrita
 Equivalem à significação (ideia, noção)

Quase sempre, o intérprete, na busca da perfeita recepção dessa mensagem positivada (norma
jurídica), deverá examinar diversos enunciados, muitas vezes em diplomas bem diferentes daqueles
que examina. Portanto, é comum a construção de uma norma jurídica por meio de diversos
enunciados prescritivos.

21
UNIDADE I │ A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO

Exemplo:

}
A Constituição Federal prevê competência do Estado para instituir o IPVA.
O Código Tributário Nacional contém normas gerais sobre o IPVA.
Norma Jurídica:
Lei Estadual institui a cobrança do IPVA do proprietário de veículo.
Dever de pagar o imposto
O Código Civil define a propriedade.
Resolução do Senado fixa alíquotas mínimas

Então, a completa captação da norma jurídica pode exigir a interpretação de vários artigos de um
mesmo texto de lei ou de vários diplomas (leis) de diferentes hierarquias.

É essa linguagem prescritiva que permite ao direito positivo moldar o comportamento humano
no meio social, pois tem como função alterar o ambiente com o qual se relaciona e, ainda, como
destinatário, o homem e sua conduta dentro da sociedade. Daí a exata afirmação de Vilanova (1977,
p. 3ss), citada no início deste capítulo:

“Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia


em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas,
uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito.”

Isso porque o direito positivo não é o único sistema de normas. Como exemplo, cite-se a moral4,
que também regula a conduta humana dentro da ordem social, mas com operações e características
diferentes do sistema jurídico.

4 Hans Kelsen engloba na Moral todas as outras normas sociais não jurídicas que têm, também, como objetivo regular a conduta
do homem dentro da sociedade. E aponta a Ética como a ciência que estuda a Moral (sistema de linguagem prescritivo). A Ética
é uma metalinguagem quando confrontada à Moral, sua linguagem-objeto. Logo, podemos perceber que a Ética está para a
Moral assim como a ciência do Direito está para o Direito positivo.
Ler a respeito o Capítulo “Direito e Moral” na “Teoria Pura do Direito”.

22
CAPÍTULO 5
A Ciência do Direito como Sistema de
Linguagem Descritiva

Vilanova (1977, p.22) ensina que “por conhecimento jurídico entende-se qualquer espécie
de saber que se dirija ao direito com pretensão cognoscente”. Daí poder tal conhecimento
ser qualificado como histórico, antropológico-social, sociológico ou filosófico.

Mas a ciência do Direito constitui o conhecimento dogmático. E, nela, o estudioso, seja ele o jurista,
o advogado ou o juiz, deve verificar quais as normas em vigor que incidem sobre uma determinada
categoria de fatos, sem se importar com as causas históricas ou sociológicas que intervieram na
criação do direito.

Esse corte metodológico não é necessário, por exemplo, para a ciência que estuda a história do
Direito.

A ciência do Direito, que também se revela através de um corpo de linguagem, descreve o direito
positivo, apontando seus elementos, seu funcionamento, sua estrutura, tudo por meio de uma
linguagem científica regida pela lógica clássica (alética ou apofântica) sujeita aos valores de verdade
ou falsidade, de acordo com a correspondência ou correlação dos enunciados aos objetos por ela
descritos (linguagem-objeto).

Por exemplo: imaginemos a seguinte hipótese: um estudioso de Direito Penal faz em seu livro a
seguinte afirmação: “A pena pelo homicídio simples é de 30 a 60 anos de reclusão”. Evidentemente
essa afirmação não é verdadeira, tendo em conta o art. 121 do Código Penal Brasileiro. Por mais que
ele acredite nisso, sua afirmação não tem o poder de alterar o direito positivo, que prescreve outra
pena para o homicídio simples.

Portanto, as proposições descritivas, comuns à ciência do direito, podem ser verdadeiras ou


falsas, conforme se dá a sua descrição do objeto. Se acertadas, serão verdadeiras. Se equivocadas,
serão falsas.

Nessa linha de raciocínio, podemos concluir que o direito positivo é a linguagem-objeto da ciência
do Direito. Esta descreve aquele, fala acerca dele. Nesse sentido é a lição de Carvalho (2004, pp.
2-3), in verbis:

Seja como for, a disciplina do comportamento humano, no convívio social,


se estabelece numa fórmula linguística, e o direito positivo aparece como um
plexo de proposições que se destinam a regular a conduta das pessoas, nas
relações de inter-humanidade.

O objeto da Ciência do Direito há de ser precisamente o estudo desse feixe


de proposições, vale dizer, o contexto normativo que tem por escopo ordenar
o procedimento dos seres humanos, na vida comunitária. O cientista do

23
UNIDADE I │ A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO

Direito vai debruçar-se sobre o universo das normas jurídicas, observando-as,


investigando-as, interpretando-as e descrevendo-as segundo determinada
metodologia. Como ciência que é, o produto de seu trabalho terá caráter
descritivo, utilizando uma linguagem apta para transmitir conhecimentos,
comunicar informações, dando conta de como são as normas, de que modo
se relacionam, que tipo de estrutura constroem e, sobretudo, como regulam
a conduta intersubjetiva. Mas, ao transmitir conhecimentos sobre a realidade
jurídica, o cientista emprega a linguagem e compõe uma camada linguística
que é, em suma, o discurso da Ciência do Direito.

Tal discurso, eminentemente descritivo, fala de seu objeto – o direito positivo


– que, por sua vez, também se apresenta como um estrato de linguagem, porém
de cunho prescritivo. Reside exatamente aqui uma diferença substancial:
o direito posto é uma linguagem prescritiva (prescreve comportamentos),
enquanto a Ciência do Direito é um discurso descritivo (descreve normas
jurídicas).

Portanto, compete à ciência do Direito transmitir o conhecimento de seu objeto – o direito positivo.

Agora, o aluno já tem fixado em sua mente que o direito positivo e a ciência do Direito constituem
dois sistemas distintos, sendo o primeiro um sistema proposicional nomoempírico prescritivo,
e o segundo, um sistema proposicional nomoempírico descritivo, pois seus elementos estão
reunidos segundo princípios de unidade ou vetores comuns.

Dessa distinção Kelsen (1998, p.42) já nos dava notícia:

É frequentemente ignorada a distinção entre a função da ciência jurídica e a


função da autoridade jurídica, e, portanto, a distinção entre o produto de uma e
de outra. (...) Nenhum jurista pode negar a distinção essencial que existe entre
uma lei publicada no jornal oficial e um comentário jurídico a essa lei, entre
o código penal e um tratado de Direito penal. A distinção revela-se no fato de
as proposições normativas formuladas pela ciência jurídica, que descrevem o
Direito e que não atribuem a ninguém quaisquer deveres ou direitos, poderem
ser verídicas ou inverídicas, ao passo que as normas de dever-ser, estabelecidas
pela autoridade jurídica – e que atribuem deveres e direitos aos sujeitos
jurídicos – não são verídicas ou inverídicas, mas válidas ou inválidas (...).

Para melhor elucidação, observe-se os gráficos seguintes:

válida
Direito Positivo Lei Linguagem prescritiva
inválida

verídica
Ciência Jurídica Doutrina Linguagem descritiva
inverídica

24
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO │ UNIDADE I

Outra diferença resulta dos objetos de cada um, afinal, enquanto o direito positivo tem como objeto
moldar as condutas intersubjetivas, o objeto da ciência do Direito é a linguagem do direito positivo.

Interessa, ainda, diferenciar o direito tributário do ramo específico da ciência do Direito que o
estuda, o que faremos a seguir.

25
CAPÍTULO 6
Direito Tributário Positivo e Ciência do
Direito Tributário

Como todo o Direito Positivo, o Direito Tributário tem natureza instrumental e


manejá-lo é Ciência que requer sensibilidade específica: atitude mental jurídica.

Alfredo Augusto Becker

Também o Direito Tributário positivo e a ciência do Direito Tributário não se confundem. Aquele
está para o direito positivo assim como esta está para a ciência do Direito. Nesse sentido é a lição
de Machado (2001, p.42): “Ressalte-se, desde logo, a distinção entre Direito Tributário
e Ciência do Direito Tributário. Direito tributário é um conjunto de normas. Ciência
do Direito Tributário é o conhecimento que se tem desse conjunto de normas. Da
mesma forma acontece com qualquer outro ramo do Direito. O Direito é um conjunto
de normas, enquanto a respectiva ciência é o conhecimento que se tem dele.”

Como se sabe, o direito positivo forma um único sistema. As normas jurídicas, sem importar o
tipo de conduta regulada ou o campo de atuação do homem que regem, estão todas entrelaçadas,
relacionando-se de forma ordenada.

Portanto, a divisão do Direito em diferentes ramos (direito civil, direito penal, direito tributário,
direito constitucional, direito processual, direito comercial etc.) é apenas didática, inerente à ciência
do Direito, mas as normas jurídicas, ainda que possam ser analisadas separadamente em cada um
daqueles ramos, capituladas em diferentes códigos legais ou mesmo sujeitas a alguns princípios
gerais diversos conforme seus campos específicos, pertencem, todas elas, a um único sistema, uno
e indivisível.

O exemplo dado pelo Professor Carvalho (2004, p.14) é suficiente para ilustrar essa ideia, in verbis:

Tomemos o exemplo da regra-matriz de incidência do Imposto Predial e


Territorial Urbano (IPTU), de competência dos Municípios. A hipótese
normativa, em palavras genéricas, é ser proprietário, ter o domínio útil ou a
posse de bem imóvel, no perímetro urbano do Município, num dia determinado
do exercício. O assunto é eminentemente tributário. E o analista inicia suas
indagações com o fito de bem apreender a descrição legal. Ser proprietário é
conceito desenvolvido pelo Direito Civil. A posse também é instituto versado
pelos civilistas e o mesmo se diga do domínio útil. E bem imóvel? Igualmente,
é tema de Direito Civil. Prossigamos. A lei que determina o perímetro urbano
do Município é entidade cuidada e trabalhada pelos administrativistas. Então,
saímos das províncias do Direito Civil e ingressamos no espaço do Direito
Administrativo. E estamos estudando Direito Tributário... E o Município? Que
é senão pessoa política de Direito Constitucional interno? Ora, deixemos o

26
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DISCURSO CIENTÍFICO │ UNIDADE I

Direito Administrativo e penetremos nas quadras do Direito Constitucional.


Mas não procuramos saber de uma realidade jurídico-tributária? Sim. É que o
direito é uno, tecido por normas que falam do comportamento social, nos mais
diferentes setores de atividade e distribuídas em vários escalões hierárquicos.
Intolerável desconsiderá-lo como tal.

E o mesmo autor termina por definir Direito Tributário como o ramo didaticamente autônomo
do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que
correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de
tributos.

Atentem os alunos à expressão “didaticamente autônomo” contida no conceito, pois, conforme


alerta Becker (2007, p.32-33), “a autonomia de qualquer ramo do Direito é problema
falso”. E faz o seguinte alerta o inesquecível mestre gaúcho:

O verdadeiro e genuíno sentido da expressão “autonomia” é o poder


(capacidade de agir) de o ser social impor uma disciplina aos indivíduos (que
o estão, continuamente, criando) e a si próprio numa autolimitação. Esse é
o genuíno conteúdo jurídico da expressão “autonomia” conforme demonstra
FRANCISCO CALASSO, Professor de História do Direito na Universidade
de Roma, em belíssima exposição, concluindo que a expressão “autonomia”
concebida no seu verdadeiro sentido jurídico é o mais fundamental princípio
da fenomenologia do Direito porque designa a capacidade de criar o Direito
Posto.

Por isso o Direito Tributário pode ou não pode fazer certas coisas (não porque é
um ramo “autônomo” do Direito), mas, pura e simplesmente, porque é Direito
Positivo. Para que o Direito Tributário possa criar princípios e conceitos
próprios e específicos, não é necessário recorrer a uma “autonomia”, basta
continuar a ser o que sempre foi: jurídico, pois a criação e incidência de toda
e qualquer regra jurídica necessariamente deforma a realidade (esta realidade
pode ser fato econômico ou fato jurídico) e impõe um determinismo artificial à
conduta humana. Talvez fosse melhor dizer “o que deveria ter sido”, pois uma
forte corrente doutrinária moderna – sob a ilusão de defender e contribuir
para o progresso do Direito Tributário – insiste, precisamente, em destruir o
que nele há de jurídico. Em nome da defesa do Direito Tributário, eles matam
o “Direito” e ficam apenas com o “Tributário”.

Portanto, compete à Ciência do Direito Tributário descrever seu objeto, qual seja, o conjunto de
regras do direito positivo que tratam da tributação, formulando proposições declarativas acerca de
seus elementos e do modo como eles se relacionam, por meio da linguagem que lhe é inerente, qual
seja, a linguagem descritiva.

27
UNIDADE MÍNIMA
DE MANIFESTAÇÃO
DO DIREITO UNIDADE II
POSITIVO: A
NORMA JURÍDICA

CAPÍTULO 1
A Norma Jurídica

“É o homem que movimenta as estruturas do direito, sacando de normas gerais


e abstratas outras gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas
e individuais e concretas, para disciplinar juridicamente os comportamentos
intersubjetivos.”

Paulo de Barros Carvalho

A norma jurídica pode ser entendida como a significação que se obtém da leitura dos textos do
direito positivo. Esse conceito é fundamental para o aluno entender que a norma não se confunde
com o dispositivo legal, isto é, com a redação do texto de lei, do qual vai ser extraída.

Na estrutura triádica (lembram-se do triângulo semiótico? - suporte físico, significado e significação),


já vista no Capítulo 4 da Unidade I, vimos que a norma jurídica aparece como produto final daquele
processo. O sujeito receptor, partindo de estímulos produzidos pelo suporte físico (que pode ser um
texto impresso no papel ou uma mensagem sonora, por exemplo), a ele associa ideias ou conceitos,
e, daí, formula um juízo, o qual se revela como uma proposição. Esse juízo consiste exatamente na
norma jurídica.

No Direito Penal essa diferenciação entre o artigo de lei e a norma é mais perceptível. Vejamos, por
exemplo, o art. 121 do Código Penal. Sua redação é a seguinte: “Art. 121. Matar Alguém: Pena
– reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.” Pergunta-se ao aluno: Qual é a norma inserta nesse
dispositivo. E a resposta dos Professores de Direito Penal é seguinte: “É proibido matar.” A não
ser nos casos excepcionados pela própria lei penal, como por exemplo, a legítima defesa, o estado de
necessidade e até mesmo pela própria Constituição Federal, que admite o homicídio em estado de
guerra. Como se vê, a norma não está explícita no artigo, que apenas prevê uma pena para a conduta
não desejada, pois o bem jurídico aí protegido é a vida humana.

28
UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA │ UNIDADE II

Isso demonstra que “norma jurídica e lei, conforme destaca Luiz Regis Prado (apud,
GRECO, 2005, p.19), ‘são conceitos diversos. A primeira vem a ser o prius lógico da lei,
sendo esta o revestimento formal daquela’”.

Logo, a significação que se obtém da leitura do texto do artigo 121 do Código Penal é a de que em
nosso ordenamento jurídico é proibido matar.

LEI Enunciado prescritivo Art.121 matar alguém

NORMA Significação É Proibido matar

A linguagem prescritiva, como meio transmissor de seu comando, atende à lógica deôntica (afeta
ao direito positivo), que trabalha com os operadores permitido, obrigatório e proibido, os quais
não têm comportamento idêntico ao de seus correspondentes da lógica alética (afeta à ciência do
direito), quais sejam, possível, necessário e impossível, respectivamente. Nesse sentido é a
lição de Echave, Urquijo e Guibourg (1995, pp. 120-121), a seguir transcrita:

Sin embargo, el comportamiento de los operadores deónticos no es idéntico


al de los correspondientes aléticos. Los operadores ‘M’ y ‘N’ nos servían
para calificar proposiciones que describían estados de cosas. Vale la pena
preguntarse qué califican los operadores deónticos: cuáles son las ‘cosas’
de las que decimos que son obligatorias, permitidas o prohibidas. Hay una
respuesta plausible: son las conductas. De ellas predicamos la obligatoriedad,
la permisión o la prohibición.

Así, a diferencia de los operadores aléticos que afectan a descripciones de


estados de cosas en general, los operadores deónticos son menos ambiciosos:
sólo afectan a descripciones de ciertos estados de cosas: las conductas o
acciones.

Então, norma jurídica pode ser definida como a unidade mínima de manifestação do
direito positivo. É a ordem, o comando, a prescrição em seu sentido mínimo completo. Ela é
estruturada em sua forma lógica em um juízo hipotético condicional, ou seja, dada determinada
hipótese, instala-se a consequência prescrita

No ponto cabe a seguinte pergunta: A quem é dirigida essa ordem? Na verdade, o ordenamento
jurídico tem um modo próprio de operar. Esse comando fica em estado latente, isto é, a norma
jurídica não consiste numa ordem generalizada, que obrigue a todos inadvertidamente. Ninguém é
obrigado a obedecer a todos os milhões de normas jurídicas em vigor em determinado território. Uma
pessoa somente terá sua conduta regrada quando colhida pela hipótese legal, porque toda norma
jurídica tem em sua estrutura três elementos, quais sejam, hipótese, mandamento e sanção, e
“acontecido o fato previsto na hipótese da lei (hipótese legal), o mandamento, que era virtual,
passa a ser atual e se torna atuante, produtivo dos seus efeitos próprios: exigir inexoravelmente
(tornar obrigatórios) certos comportamentos, de determinadas pessoas”.

29
UNIDADE II │ UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA

Eis aí a estrutura da norma jurídica: “Se A então deve ser B.” Onde “A” é a hipótese (ou
antecedente) e “B” o mandamento (ou consequente). Exemplo: “Se auferir renda deve pagar o
imposto de renda.”

Mas o Professor Reale (1995, p.94) diverge dessa concepção quando sustenta que a estrutura da
norma vista como um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê um fato ao qual se liga uma
consequência, não é suficiente para descrever todas as espécies de normas. A propósito, confira-se
o seguinte excerto de sua obra:

Entendemos, porém, que essa estrutura lógica corresponde apenas a certas


categorias de normas jurídicas, como, por exemplo, às destinadas a reger os
comportamentos sociais, mas não se estende a todas as espécies de normas
como, por exemplo, às de organização, às dirigidas aos órgãos do Estado ou
às que fixam atribuições, na ordem pública ou privada. Nestas espécies de
normas nada é dito de forma condicional ou hipotética, mas sim categórica,
excluindo qualquer condição.

E dá os seguintes exemplos de normas: a) “Compete privativamente à União legislar sobre


serviço postal”. (CF, art. 22, V); b) “Brasília é a Capital Federal”. (CF, art. 18, § 1o) etc.

No entanto, ainda que tomemos como modelo a concepção kelseniana, tudo depende da combinação
de dois fatores: de normas que tenham tais situações como conteúdo, qualificando-as juridicamente
e conferindo-lhes determinadas consequências; e da atuação do intérprete, porquanto “é o homem
que movimenta as estruturas do direito, sacando de normas gerais e abstratas outras gerais e
abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas e individuais e concretas, para disciplinar
juridicamente os comportamentos intersubjetivos”, por meio do processo de positivação,
que consiste no avanço do sistema jurídico em direção ao comportamento das pessoas, desde a
edição de normas gerais e abstratas até as individuais e concretas. Afinal, nas palavras do Professor
Carvalho (1998, p.9), “não se dará a incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção
e promovendo a implicação que o preceito normativo determina”, porque “as normas não incidem
por força própria.” Nesse sentido vale conferir os ensinamentos de De Santi (2004, p.60):

Dizer que, ocorrendo o fato, a norma automaticamente incide sobre ele sem
qualquer contato humano é subsumir-se a uma concepção teórica que coloca
o homem à margem do fenômeno normativo, qual mero espectador, que,
somente quando instado a isto, declara o funcionamento autônomo do direito.
Ora, o direito não funciona sozinho, mas mediante a ação dos homens, juízes,
autoridades administrativas e legislativas: é para isso que alerta essa inovadora
proposta.

Essa tese rompe com a visão tradicional dos juristas no sentido de que a norma, sozinha (isto é, sem
nenhuma interferência do homem), incide sobre o fato.

O seguinte exemplo, pode ajudar o leitor a entender definitivamente a questão:


No futebol também existem regras, e uma delas é a do impedimento, pela qual
o atacante, ao ser lançado deve ter entre ele e a linha de fundo pelo menos dois

30
UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA │ UNIDADE II

jogadores do outro time, ou então, deve estar atrás da linha da bola. Mas para que
essa incida no jogo, cabe ao árbitro e a seus auxiliares aplicá-la. Se não percebem
a situação de impedimento e deixam o lance correr, resultando no gol do atacante
que estava impedido, o tento será validado, ainda que a regra prescreva outro
resultado, porque simplesmente ela não será aplicada. Não há aí o fenômeno da
incidência, por deficiência ou, melhor, pela ausência da interferência do homem, no
caso o árbitro e seus auxiliares.

Ora, o mesmo se dá com o Direito.

Não há como negar que, diariamente, centenas de normas em nosso País


sejam violadas, são elas penais, civis, de trânsito, tributárias sejam de qualquer
outra natureza. E essas inúmeras transgressões não garantem que as sanções
porventura previstas naquelas normas serão aplicadas.

A norma jurídica é, portanto, o resultado de um esquema de interpretação, pois a qualidade do


evento externo ao sistema jurídico somente será definida, dentro dele, por meio de uma norma do
próprio sistema, que o colhe no ambiente e o importa com um determinado significado objetivo. A
propósito, cabe ressaltar a lição de Kelsen (2005, p.4):

O fato externo que, de conformidade com o seu significado objetivo, constitui


um ato jurídico (lícito ou ilícito), processando-se no espaço e no tempo, é, por
isso mesmo, um evento sensorialmente perceptível, uma parcela da natureza,
determinada, como tal, pela lei da causalidade. Simplesmente, este evento
como tal, como elemento do sistema da natureza, não constitui objeto de um
conhecimento especificamente jurídico – não é, pura e simplesmente, algo
jurídico. O que transforma este fato num ato jurídico (lícito ou ilícito) não é a sua
facticidade, não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela
lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo
que está ligado a esse ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico
específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o fato em questão
por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe
empresta a significação jurídica, por forma que o ato pode ser interpretado
segundo esta norma. A norma funciona como esquema de interpretação. Por
outras palavras: o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana
constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação
específica, a saber, de uma interpretação normativa.

É a norma jurídica que dá a determinado fato a qualificação de “jurídico”, impingindo ao evento


determinada consequência. A enchente do leito de um rio (evento da natureza) num lugar desabitado
não traz nenhuma consequência jurídica, porque não há norma qualificando esse fato como jurídico.
É fato externo ao sistema jurídico, sobre o qual não incide nenhuma norma, tendo em vista que o
direito tem como fim moldar condutas humanas.

Contudo, se o mesmo evento ocorrer no leito do Rio Tietê, na cidade de São Paulo, muitas serão
as consequências jurídicas, devido a um determinado número de normas que colhem o fato (que

31
UNIDADE II │ UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA

não deixou de ser um evento da natureza) e o qualificam como jurídico. Desse fato, portanto, pode
advir, por exemplo, a responsabilidade do Estado por eventuais danos aos proprietários dos imóveis
adjacentes ao leito do rio ou a punição de algum agente público, que porventura tenha se omitido na
sua função de prevenir ou minimizar os efeitos da chuva.

Quando tais fatos podem afetar a vida do ser humano e suas relações, o Direito, como sistema, reage.
O ritmo acelerado da evolução tecnológica que o mundo tem assistido nos dá inúmeros exemplos
disso, basta recordar a proibição de aparelhos celulares e outros intentos no interior de aeronaves
civis durante vôos regulares. Essa norma, ao menos no Brasil, foi editada após a constatação de
que tais aparelhos (assim como outros, que emitem ondas eletromagnéticas, assim como DVD’s
portáteis e notebooks) podem interferir nos instrumentos de navegação das aeronaves de forma
acentuada, com a possibilidade, ainda que remota, de causar graves acidentes aéreos. É o Direito
reagindo ao ambiente externo, no caso, o sistema social.

32
CAPÍTULO 2
A Norma Jurídica Tributária

A norma jurídica tributária tem a mesma estrutura de qualquer outra norma. Porém, a sua hipótese
vai colher uma classe de fatos e imputar-lhes uma consequência específica. É a norma que se qualifica
pelo seguinte comando: entregar determinada importância de dinheiro ao Estado. Mas
não só por ele, como se verá adiante.

No ponto, vale a ressalva feita por Ataliba (2002, p.52-53), in verbis:

É evidente que não identifica a norma tributária o seu comando, porque outros
casos há, de situações não tributárias, em que o comando é também esse, como
em todas as situações em que alguém lhe cause (ao estado) dano e seja obrigado
a indenização; ou de quem lhe adquire um bem ao serviço contratualmente e
deva proceder ao respectivo pagamento; de quem, por infringir uma disposição
legal, se torne devedor de multa.

Para ser possível isolar a norma tributária, mister se faz excluir, de um lado,
as situações contratuais, cuja hipótese se perfaz pelo decisivo concurso da
vontade livre das partes e, de outro lado, a sanção por ato ilícito, configuradora
da multa, ou da obrigação de indenizar.

Em suma: se a norma jurídica tem a seguinte estrutura: 1) hipótese, 2)


mandamento, 3) sanção, só é obrigação tributária a que nasce por força do
(2) mandamento. Aquelas obrigações pecuniárias que decorrem da (3) sanção,
não são tributárias.

O diagrama, a seguir, traduz a ideia do mestre citado:

NORMA TRIBUTÁRIA

HIPÓTESE

MANDAMENTO DAR DINHEIRO AO ESTADO

SANÇÃO

NORMA NÃO TRIBUTÁRIA

HIPÓTESE

MANDAMENTO
Pagamento em dinheiro a título de
SANÇÃO indenização ou multa

A norma jurídica tributária, como espécie do gênero norma jurídica que é, também traz para o plano
do direito positivo fatos que em certo momento foram entendidos como relevantes pelo legislador.

33
UNIDADE II │ UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA

Conforme ensina Becker (2007, p.277), as regras jurídicas são regras de conduta ou de disciplina
para as relações inter-humanas, as quais são fatos do mundo, relações da vida social dos homens
(existentes no plano pré-jurídico). São exemplos as relações de parentesco (reguladas pelo Direito
de Família), as relações econômicas comerciais (reguladas pelo Direito Comercial), e, também,
dentre inúmeras outras espécies, as relações de amizade (estas últimas irrelevantes para o Direito).

A norma jurídica tributária colhe, então, determinados fatos, ou determinadas situações jurídicas,
que, para o Estado, são relevantes para obrigar alguém a lhe dar determinada quantia em dinheiro.

O Professor, recém-citado, assim define a norma jurídica tributária:

A regra jurídica especificamente tributária é a que, incidindo sobre fato lícito,


irradia relação jurídica em cujo pólo negativo situa-se, na posição de sujeito
passivo, uma pessoa qualquer e em cujo pólo positivo, situa-se, na posição
de sujeito ativo, um órgão estatal de função executiva e com personalidade
jurídica.

Da passagem percebe-se, prima facie, a necessidade de se conhecer o conceito de tributo para


clarificar a visualização da norma jurídica tributária.

O capítulo seguinte tem como objeto, exatamente, o conceito de tributo consagrado pelo direito
positivo brasileiro.

34
CAPÍTULO 3
Conceito de Tributo

Encontrar uma significação jurídica para “tributo” é fundamental para o nosso estudo, pois, com
base nessa noção se forma toda uma gama de conceitos derivados, que ajudam a delimitar o direito
tributário e a defini-lo como o conjunto de normas jurídicas que regulam a tributação.

Antes de fixar o conceito, é preciso registrar que a palavra “tributo” possui diversas acepções no
âmbito da língua portuguesa, entre as quais as mais comuns são as seguintes: a) tributo como
prestação pecuniária compulsória devida ao poder público, sinônimo de imposto; b) tributo como
o pagamento que um Estado é forçado a fazer a outro; c) tributo como uma inconveniência ou
privação associada a determinada circunstância (A perda de privacidade é o tributo que se paga à
fama.); d) tributo como homenagem, preito (seus ex-alunos prestaram-lhe um tributo póstumo).

A definição da letra “a” é a que mais se aproxima do conceito de tributo no direito positivo brasileiro.
Contudo, várias são as acepções do termo, tanto no âmbito do ordenamento jurídico pátrio como
no da ciência do direito.

O professor Carvalho (2004, p.19) noticia o uso do termo em seis significações diversas pelos
textos do direito positivo, pela doutrina e pela jurisprudência, são elas: a) tributo como quantia
em dinheiro; b) tributo como prestação correspondente ao dever jurídico; c) tributo como direito
subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) tributo como relação jurídica tributária; e) tributo como
norma jurídica tributária; f) tributo como norma, fato e relação jurídica.

Portanto, o conceito de tributo pode variar, de acordo com a ênfase que o seu autor dá a cada um
daqueles aspectos.

Ataliba (2002, p.34), por exemplo, conceitua tributo como “obrigação jurídica pecuniária, ex lege,
que se não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado
por lei desta), e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos
os desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos)”.

A doutrina predominante não destoa dessa noção, conforme se vê na definição adotada por Amaro
(2006, p.25): “Tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito instituída em lei e
devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público”.

Esses conceitos são provenientes da Ciência Jurídica, ou seja, da Ciência do Direito. Não podemos
nos esquecer de que no Brasil, há um conceito de tributo explícito em nosso direito positivo, o que
passaremos a estudar agora. Mas antes de adentrar essa seara cabe ao aluno se perguntar: Em qual
diploma legal deve adequadamente repousar esse conceito. No Código Tributário Nacional ou na
Constituição Federal? É dessa indagação que vamos nos ocupar agora.

35
UNIDADE II │ UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA

Conceito Legal de Tributo


Em nosso ordenamento, o conceito de tributo é definido implicitamente na Constituição. Nenhuma
lei pode modificá-lo, seja aumentando, seja reduzindo seus limites. Se o fizer, o legislador
infraconstitucional estará extrapolando sua competência, o que deixará o produto final de seu
trabalho – a lei – em confronto direto com a Constituição Federal.

Conforme ensina Castro (2006, p.16), “a ideia de tributo, em torno da qual se desenvolve o
Direito Tributário, possui, enquanto instituto jurídico, definição legal”, que se encontra no Código
Tributário Nacional, precisamente em seu art. 3o. Esse conceito legal coincide com aquele implícito
na Constituição Federal, o qual pode ser extraído do conjunto de todas as espécies tributárias nela
discriminadas.

Sem tomar partido quanto à crítica que a doutrina, de forma geral, faz à atitude do legislador em
se ocupar de conceitos jurídicos5, afirmando que tal função é inerente aos juristas e não ao Poder
Legislativo, devemos, na condição de estudiosos do direito, fazer uma análise do direito positivo na
forma como está posto e, nesse contexto, desvendar qual o real alcance de um conceito legal dentro
do sistema prescritivo de normas a que pertence.

Nessa perspectiva, o objeto da análise do jurista deve ser a conformação do conceito legal com
o conceito constitucional de tributo. Somente se o primeiro conceito estiver de acordo com esse
último, será válido. E, nesse caso, o legislador infraconstitucional apenas terá explicitado o conteúdo
da norma constitucional.

Além disso, nem sempre todos os elementos de uma norma jurídica estão em um mesmo artigo de
lei. Como já fixado anteriormente, a norma, como resultado de uma operação lógica consubstanciada
na interpretação, muitas vezes traduz a combinação de vários dispositivos de lei, de um mesmo
diploma ou de diplomas diversos, de hierarquias diferentes. Essa, aliás, é uma das consequências
de uma visão sistêmica do ordenamento jurídico.

Ao que tudo indica o art. 3o do Código Tributário Nacional é elemento essencial à construção
da norma jurídica pelo intérprete. É voltado, portanto, num primeiro plano, ao aplicador da
lei, mas também ao legislador ordinário, que nunca poderá ignorar aquele conceito, muito
menos tentar alterá-lo, sob pena de violar uma norma geral, que, em princípio, somente
poderia ser modificada mediante lei complementar, nos termos do art. 146 da Constituição
Federal. No caso, entendemos que, atualmente, nem mesmo por lei complementar é possível

5 Confira-se, a título de exemplo, a lição de GERALDO ATALIBA: “Evidentemente, não é função de lei nenhuma formular
conceitos teóricos. O art. 3o do C.T.N. é mero precepto didactico, como o qualificaria o eminente mestre espanhol Sainz de
Bujanda. Por outro lado, o conceito de tributo é constitucional. Nenhuma lei pode alargá-lo, reduzi-lo ou modificá-lo. É que ele é
conceito-chave para demarcação das competências legislativas e balizador do ‘regime tributário’, conjunto de princípios e regras
constitucionais de proteção do contribuinte contra o chamado ‘poder tributário’, exercido, nas respectivas faixas delimitadas
de competências, por União, Estados e Municípios. Daí o despropósito dessa ‘definição’ legal, cuja admissão é perigosa, por
potencialmente danosa aos direitos constitucionais dos contribuintes.
Direitos constitucionalmente pressupostos ou definidos não podem ser ‘redefinidos’ por lei. Admiti-lo é consentir que as
demarcações constitucionais corram o risco de ter sua eficácia comprometida”(in Hipótese de Incidência Tributária,
p. 32).
LUCIANO AMARO não destoa dessa ideia, in verbis: “Definir e classificar os institutos do direito é tarefa da doutrina” (in
Direito Tributário, p. 19).

36
UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA │ UNIDADE II

modificar o conteúdo do artigo em questão, uma vez que ele apenas traduz o conceito
de tributo implícito na Constituição, conforme assevera Ataliba (2002, p.33), in verbis:

“O conceito legal, in casu, coincide com o doutrinário, que deve ser extraído
do direito positivo (no caso, o constitucional, já que tributo é conceito
constitucional) (...).”

Desse modo, alterar o art. 3o do Código Tributário Nacional significaria alterar o próprio conceito de
tributo consagrado na Constituição Federal. É admissível, porém, que, uma vez mantida a mesma
estrutura desse conceito, possa haver alguma modificação, desde que disso não decorra uma ideia
de tributo diversa daquela fixada pela Constituição Federal.

Assim, registre-se a cautela de considerar o conceito legal de tributo como o vigente em nosso
sistema jurídico somente enquanto ele revelar o real conteúdo da Constituição Federal, porque é
nela que ele reside, embora não esteja explícito no texto.

Portanto, é na Constituição Federal que se encontra o conceito de tributo em nosso


direito positivo, ainda que ele seja implícito.

Isso porque ela dispôs acerca de um Sistema Tributário Nacional nos artigos 145 a 162, cujos
princípios e regras ali expostos permitem conhecer a entidade tributária e distingui-la das demais
obrigações, como também as características de cada espécie de tributo.

Fixados esses pontos, resta-nos, agora, analisar as principais características do tributo, decorrentes
de seu conceito legal.

Eis o teor do dispositivo em questão:

“Art. 3o Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo


valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída
em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Vamos agora analisar separadamente os elementos que juntos traduzem a ideia de tributo, em nosso
ordenamento jurídico.

a. Tributo é uma prestação pecuniária compulsória: a expressão “prestação


pecuniária” significa que o tributo deve ser pago em dinheiro, como regra. Embora
existam na história vários exemplos de tributo pago in natura, inclusive na História
do Brasil6, atualmente nosso direito positivo dispõe que ele seja pago em dinheiro,
admitindo-se outras formas como exceção.

6 Criada pelo Marquês de Pombal, o quinto era uma taxa per capita, em quilos de ouro, que a colônia, era obrigada a mandar
para a metrópole, independente da real produção de ouro. Cobrado dos mineradores e colonos em Minas Gerais no tempo do
Brasil Colônia foi um dos fatos que motivou a Inconfidência Mineira. Correspondia a uma pesada taxa cobrada da população e
que, durante o governo do secretário de Estado (espécie de primeiro-ministro) Sebastião José de Carvalho e Melo (ou Marquês
de Pombal), foi fixada em 100 arrobas anuais (1 arroba = 32 arráteis = ~ 15 quilos), ou seja, 1500kg aproximadamente. Como
– não raramente – o quinto não era pago integralmente e os valores não pagos eram acumulativos, era preciso intensificar a
cobrança, confiscando-se bens e objetos de ouro. Essa prática de cobranças de valores atrasados era chamada de derrama.
A derrama começou a ser realizada em 1751. A partir de então, foi acionada algumas poucas vezes. Depois de se realizar um
censo em que se indicava os bens e rendas dos moradores, funcionários do governo português, violentamente recolhiam uma
proporção das rendas pessoais.
Resumidamente, a derrama foi um espécie de cobrança forçada dos impostos atrasados, que revoltou a elite de Ouro Preto,
dando início à Inconfidência Mineira, liderada por Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

37
UNIDADE II │ UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA

O termo – “compulsória” –, por sua vez, significa obrigatória, isto é, ocorrido o evento descrito
na hipótese legal, nasce automaticamente a obrigação tributária, independentemente da vontade
das partes (sujeito ativo e sujeito passivo, responsável etc.). Isto significa que o tributo constitui
obrigação não contratual, que independe da vontade do obrigado, ou de sua anuência. Não há
a possibilidade de opção (pagar ou não pagar o tributo), pois uma vez instituído em lei, esta, a
todos obriga. Aqueles colhidos pelos fatos descritos em sua hipótese de incidência, sofrem, em
decorrência da supremacia do interesse público, a imposição unilateral do Estado ao pagamento
da obrigação tributária.

Tributo é obrigação ex lege, decorre da lei e não da vontade das partes.

Tributo é obrigação ex lege, decorre da lei e não da vontade das partes.

b. Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir: de fato, conforme atesta


Carvalho (2004, p.25), essa expressão é redundante, uma vez que na oração anterior
já existe a alusão à “prestação pecuniária”. Ora, se a prestação é “pecuniária”,
é porque deve ser cumprida em dinheiro. Por outro lado, a segunda parte dessa
expressão – “ou cujo valor nela se possa exprimir” – contém cláusula que
amplia o âmbito das prestações tributárias, pois no mundo atual quase tudo pode
ser suscetível a uma avaliação pecuniária.

Então, pode-se concluir que, em regra, o tributo deve ser pago em dinheiro, mas é possível o seu
pagamento mediante outras formas, desde que possam, também, ser traduzidas em dinheiro.

Um exemplo é a dação em pagamento de bens imóveis. Antes discutida na doutrina e


na jurisprudência a possibilidade de pagamento de tributo sob essa forma, a lei acabou com a
dúvida ao prevê-la expressamente no Código Tributário Nacional, em seu art. 156, inciso XI,
acrescentado pela Lei Complementar no 104/2001, que passou a admitir a extinção do crédito
tributário mediante dação em pagamento, na forma e condições que a lei vier a estabelecer.

Sobre o caráter pecuniário do tributo, comungamos com Sabbag (2008, p.72), verbis:

O caráter pecuniário é requisito inafastável para a configuração do fenômeno


tributário. Não há como estabelecer associação entre tributo e a obrigação
que não seja pecuniária, v.g., a de prestar serviço militar obrigatório, ou a de
trabalhar no Tribunal do Júri ou nas eleições. Assim, é defeso, em princípio,
o pagamento de tributos em bens distintos de pecúnia. Diz-se, ‘em princípio’,
haja vista o disposto no art. 156, XI, do CTN, inserido neste Código pela LC no
104/2001, que delineia a Dação em Pagamento, como a mais recente causa
extintiva do crédito tributário. Refere-se ela, todavia, apenas a bem imóvel. Tal
comando veio abrandar a natureza do tributo como prestação exclusivamente
pecuniária, devendo ser interpretado em concomitância com o art. 3o em
análise.

38
UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA │ UNIDADE II

c. Que não constitua sanção de ato ilícito: tributo não é sanção, não é pena.
Tributo é obrigação. Essa característica dos tributos é importantíssima para
diferenciá-los das multas por descumprimento de obrigações tributárias, principais
ou acessórias. Assim, se alguém deixa de declarar o imposto de renda no prazo
previsto, fica obrigado a pagar uma multa por descumprimento de obrigação
acessória, a qual, embora decorra do descumprimento de uma lei tributária, não é
tributo.

A multa é a reação do Direito ao comportamento devido que não tenha sido


realizado. Trata-se de penalidade cobrada pelo descumprimento de uma
obrigação tributária, possuindo nítido caráter punitivo ou de sanção. Em face
do descumprimento de uma obrigação tributária, quer seja principal (art. 113,
§ 1o, CTN) quer seja acessória (art. 113, § 2o, CTN), ensejar-se-á a aplicação da
penalidade (ver art. 113, § 3o., in fine, CTN).

De outro lado, não devemos confundir sanção de ato ilícito com atividade ilícita.

É possível alguém praticar atividade ilícita e com isso ser apanhado pela hipótese de incidência
de algum tributo, passando à condição de sujeito passivo da obrigação tributária, sem que isso
configure uma sanção. No ponto, é elucidativa a lição de Machado (2001, p.53):

O tributo se distingue da penalidade exatamente porque esta tem como


hipótese de incidência um ato ilícito, enquanto a hipótese de incidência do
tributo é sempre algo lícito.

Não se conclua, por isto, que um rendimento auferido em atividade ilícita não
está sujeito ao tributo. Nem se diga que admitir a tributação de tal rendimento
seria admitir a tributação do ilícito. É importante, neste particular, a distinção
entre hipótese de incidência que é a descrição normativa da situação de fato, e
fato gerador do tributo (...).

Quando se diz que o tributo não constitui sanção de ato ilícito, isto quer dizer
que a lei não pode incluir na hipótese de incidência tributária o elemento
ilicitude. Não pode estabelecer como necessária e suficiente à ocorrência da
obrigação de pagar um tributo uma situação que não seja lícita. Se o faz, não
está instituindo um tributo, mas uma penalidade. Todavia, um fato gerador de
tributo pode ocorrer em circunstâncias ilícitas, mas essas circunstâncias são
estranhas à hipótese de incidência do tributo, e por isso mesmo irrelevantes do
ponto de vista tributário.

Demonstrando o dito acima, tomemos o exemplo do imposto de renda: alguém


percebe rendimento decorrente da exploração do lenocínio, ou de casa de
prostituição, ou de jogo de azar, ou de qualquer outra atividade criminosa ou
ilícita. O tributo é devido. Não que incida sobre a atividade ilícita, mas porque a
hipótese de incidência do tributo, no caso, que é a aquisição da disponibilidade
econômica ou jurídica dos rendimentos, ocorreu. Só isto. A situação prevista
em lei como necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária no

39
UNIDADE II │ UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA

imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da


renda ou dos proventos de qualquer natureza (CTN, art. 43). Não importa
como. Se decorrente de atividade lícita ou ilícita, isto não está dito na descrição
normativa, vale dizer, isto não está na hipótese de incidência, sendo, portanto,
irrelevante. Para que o imposto de renda seja devido é necessário que ocorra
aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos
de qualquer natureza. E isto é suficiente. Nada mais se há de indagar para que
se tenha como configurado o fato gerador do tributo em questão.

Concluindo: se o sujeito aufere renda mediante atividade ilícita, isso não importa ao direito, e ele
está sujeito ao pagamento do tributo, porque essa materialidade (aspecto temporal da hipótese
de incidência) está prevista na lei tributária que institui o imposto de renda.

Quadro resumo de palavrras-chave:

»» Hipótese de Incidência: é sempre algo lícito.


Ex: auferir renda.
»» Uma atividade ilícita pode dar ensejo à hipótese de incidência.
Ex: auferir renda em razão do tráfico de drogas.
»» O pagamento de um tributo nunca corresponde a uma penalidade ou multa.
»» A multa no direito tributário decorre do descumprimento de uma obrigação.
Ex: não pagamento do IR gera multa.

d. Instituída em lei: o princípio da legalidade é um dos corolários de nosso sistema


jurídico. Está previsto na Constituição Federal, em seu art. 5o, II. De tão importante
acabou por ser repetido na parte em que a Carta Magna trata do sistema tributário
nacional (art. 150, I). Isso significa que nenhum tributo pode ser criado por
portaria, decretos, e outros meios introdutores de normas que não seja a lei. Adiante
em nosso curso, quando tratarmos dos princípios tributários, nos aprofundaremos
nesse tema.

e. E cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada:


em linhas gerais isso significa que o tributo não pode deixar margem à autoridade
fazendária para decidir como e quando cobrá-lo, nem em qual forma, ou de quem
vai cobrar (de fulano sim, de sicrano não), por este ou aquele motivo. Ou o tributo
é devido, e deve ser cobrado, ou não o é, e não será cobrado, pois conforme visto,
a relação tributária decorre da lei, que fixa todos os seus elementos, não deixando
margem de discricionariedade à autoridade que irá cobrar o tributo.

40
CAPÍTULO 4
Normas Gerais em Matéria de
Legislação Tributária

Ao estudarmos o conceito de norma jurídica, já fixamos que ela deve ser entendida como a
significação que se obtém da leitura dos textos do direito positivo. Esse conceito é fundamental para
se diferenciar a norma do dispositivo legal que a introduz em determinado sistema jurídico.

As normas jurídicas podem ser introduzidas no sistema jurídico (direito positivo) por diferentes
veículos, tudo a depender, entre outros fatores, do seu grau de importância, de sua abrangência, de
sua complexidade, ou de seu conteúdo.

A Constituição Federal, em seu artigo 59, prevê várias formas de veículos introdutores de normas:

a. emendas à Constituição;

b. leis complementares;

c. leis ordinárias;

d. leis delegadas;

e. medidas provisórias;

f. decretos legislativos;

g. resoluções.

Essas espécies são alguns dos veículos introdutores de normas previstos em nosso ordenamento
jurídico. Não podemos nos esquecer, ainda, da própria Constituição Federal, ápice do sistema
normativo, dos Tratados e Convenções Internacionais, dos Decretos, das Normas
Complementares e das Normas Individuais.

As normas podem ser classificadas em gerais ou individuais, abstratas ou concretas. A


sentença e o contrato, por exemplo, são espécies de normas individuais e concretas, pois
somente vinculam, em regra, aquelas pessoas neles envolvidas. Nesse sentido, podemos citar a lição
de Carvalho (1998, p.33), verbis:

Costuma-se referir a generalidade e a individualidade da norma ao quadro


de seus destinatários: geral, aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos
indeterminados quanto ao número; individual, a que se volta a certo indivíduo
ou a grupo identificado de pessoas. Já a abstração e a concretude dizem
respeito ao modo como se toma o fato descrito no antecedente. A tipificação
de um conjunto de fatos realiza uma previsão abstrata, ao passo que a conduta
especificada no espaço e no tempo dá caráter concreto ao comando normativo.

41
UNIDADE II │ UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA

Quis o legislador constituinte que as normas gerais em matéria tributária fossem


introduzidas em nosso ordenamento jurídico por lei complementar, veículo introdutor de
normas que exige quorum qualificado (maioria absoluta) para sua aprovação (CF, art. 69), confira-se:

Constituição Federal

“Art. 146. Compete à lei complementar:

(...)

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,


especialmente sobre:” (...)

Nesse contexto, podemos afirmar que normas gerais não são a mesma coisa que lei
complementar. A confusão se dá pelo fato de que em nosso ordenamento jurídico as normas gerais
tributárias são introduzidas no sistema positivo por meio de leis complementares. E, não podemos
esquecer que, muitas vezes, os termos “norma” e “lei” são, equivocadamente, usados como sinônimos.

A Constituição aponta expressamente, as matérias cuja disciplina se dará em caráter complementar


ao seu texto. “Para sabermos se é ou não necessária lei complementar para dispor sobre determinada
matéria, temos, pois, de analisar o texto constitucional; só é necessária lei complementar quando a
Constituição expressamente a requer.”

Ora, a lei complementar a que se refere o texto constitucional é o Código Tributário Nacional, que
apesar de ter sido introduzido em nosso ordenamento jurídico por uma lei ordinária, a Lei no 5.172/66
(anterior à CF/1988), tem hoje status de lei complementar, pois seu conteúdo versa em grande parte
sobre normas gerais em matéria tributária. Nesse sentido é a lição de VICENTE PAULO:

A força da norma pré-constitucional no novo ordenamento constitucional será


determinada pela nova Constituição, de acordo com o tratamento por ela dado
à matéria. Só ela, a nova Constituição, determinará qual será o novo status da
norma pré-constitucional.

Assim, se na vigência da Constituição antiga a matéria era disciplinada por


lei ordinária, e a nova Constituição passou a exigir lei complementar para o
tratamento da mesma matéria, esse fato não prejudicará em nada a recepção
da norma antiga, se houver compatibilidade material entre elas. O que teremos,
no caso, é que a lei ordinária antiga adquirirá, na vigência da nova Constituição,
status de lei complementar, vale dizer, será recepcionada com força de lei
complementar, significando dizer que, no novo ordenamento constitucional,
só poderá ser alterada ou revogada por outra lei complementar (ou por norma
de superior hierarquia, como uma emenda à Constituição, por exemplo).

Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Lei Ordinária no 5.172, de 1966 (Código
Tributário Nacional), que, embora editada à época como lei ordinária, possui
hoje, na vigência da Constituição Federal de 1988, força de lei complementar,
pelo simples fato de que esta CF/1988 exige lei complementar para dispor
sobre normas gerais em matéria de legislação tributária (CF, art. 146, III).

42
UNIDADE MÍNIMA DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO POSITIVO: A NORMA JURÍDICA │ UNIDADE II

O cotejo entre o art. 146, III, da Constituição Federal e o art. 1o do Código Tributário Nacional dá
conta do acerto da tese acima esposada. A propósito, vale conferir o seu teor, verbis:

Código Tributário Nacional

Art. 1o Esta Lei regula, com fundamento na Emenda Constitucional no 18,


de 1o de dezembro de 1965, o sistema tributário nacional e estabelece, com
fundamento no art. 5o, XV, b, da Constituição Federal, as normas gerais de
direito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletiva ou
regulamentar.

Já afirmamos que o conceito de tributo está implícito na Constituição Federal e a legislação


infraconstitucional não pode alterá-lo, e, que, aquele conceito explicitado pelo art. 3o do CTN,
coincide com a noção de tributo presente na Carta Magna. Esse alerta é importante, pois a própria
Constituição Federal de 1988, em seu art. 146, III, “a”, parece desmentir aquela conclusão, confira-se:

Art. 146. Compete à lei complementar:

...

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,


especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos


impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores,
bases de cálculo e contribuintes; (O destaque não consta do original).

A rápida leitura nos leva a crer que cabe à lei complementar definir os tributos e suas espécies,
o que não é verdade. Realmente, conforme anota o professor Carrazza (2003, p.801), esse artigo
parece permitir ao legislador complementar a possibilidade de alterar os arquétipos dos tributos
discriminados na Constituição Federal, e, por consequência, o próprio conceito de tributo.

43
O DIREITO
POSITIVO VISTO UNIDADE III
COMO SISTEMA

CAPÍTULO 1
O Direito e o seu Modo de Produção

O direito é um objeto cultural, ínsito à sociedade, e com ela interage a todo o


tempo, respondendo aos seus estímulos nos diversos campos de atuação do
homem.

Vamos agora conhecer um pouco acerca da teoria desenvolvida por Luhmann, teórico da segunda
metade do século XX, sobre a interação entre o sistema do direito positivo e os outros sistemas
sociais (econômico, educacional, político, financeiro, religioso etc).7

Não é nosso objetivo aqui enveredar pela teoria dos sistemas, mas apenas deixar assentadas as
principais bases do pensamento de LUHMANN, que, entendemos, ao lado da teoria positivista de
Kelsen, será importante para nosso estudo.

Assim, na concepção do professor da Universidade de Bielefeld, a sociedade é um sistema de uma


ordem maior, determinada pela diferenciação entre sistema e ambiente. Isto é, o Direito Positivo, a
Educação, a Política, a Religião, a Economia, são todos, na verdade, subsistemas sociais, que podem
interagir entre si, dentro de um ambiente que os contém, que consiste no Sistema Social, ou seja,
na própria Sociedade. E, com o passar do tempo, outros sistemas vão ganhando autonomia e a
sociedade aumenta, por conseguinte, em complexidade. Confira-se, a propósito, o seguinte excerto
de sua obra (1983, p.225):

Apesar de toda a autonomia e do desenvolvimento continuado das diferentes


noções jurídicas, as mudanças fundamentais do estilo do direito permanecem

7 Luhmann teve origem numa família de classe média. Nasceu na Alemanha em 8 de dezembro de 1927. Entre 1946 e 1949
estudou direito em Friburgo, depois ingressou no serviço público e trabalhou por dez anos como advogado especializado em
direto administrativo em Hanover. Em 1962, ganhou uma bolsa de estudos para estudar em Harvard, onde conheceu Talcott
Parsons, o precursor da teoria dos sistemas. Em 1968 foi convidado para lecionar sociologia na então recém-criada universidade
de Bielefeld, onde trabalhou até se aposentar.
Apesar de possuir formação jurídica, seu grande campo de estudo foi a Sociologia. Dentre inúmeras obras escreveu A ciência
da sociedade; A economia da sociedade; A arte da sociedade, O direito da sociedade; A política da sociedade; A religião da
sociedade; Sistemas sociais: esboço de uma teoria geral e, ainda, A sociedade da sociedade.
As obras citadas são apenas algumas da imensa contribuição doutrinária do professor de Bielefeld. Interessante notar que,
quando indagado acerca de qual seria seu objeto de pesquisa na Universidade de Bielefeld, sua resposta foi a seguinte: “A teoria
da sociedade moderna. Duração: 30 anos; sem custos”. E, realmente, ele não mediu esforços para cumprir esse objetivo. Afinal,
em dezembro de 1998, quando faleceu, sua obra contava com mais de 14.000 páginas publicadas, reunidas em mais ou menos
700 publicações traduzidas para o inglês, francês, italiano, japonês, russo, chinês e o português.

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O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA │ UNIDADE III

condicionadas pela mudança estrutural da sociedade, ou seja: são por ela


incentivadas e possibilitadas. A complexidade da sociedade, rapidamente
crescente na era atual, apresenta novos problemas a todas as esferas do sentido,
e, portanto, também ao direito. Ao mesmo tempo, sua riqueza de possibilidades
contém o potencial, se bem que não a garantia, de novas formas de solução dos
problemas. O crescimento da complexidade social, porém, fundamenta-se em
última análise no avanço da diferenciação funcional do sistema social.

Tentaremos, no desenho a seguir, traduzir essa ideia:

Sociedade

Política Economia

Direito

Ao interagirem entre si, esses subsistemas sociais respondem aos estímulos dos outros sistemas
com operações próprias. Assim, o direito reage a estímulos econômicos por meio da introdução de
normas em seu sistema que colham fatos econômicos relevantes para a sociedade. Da mesma forma
que o faz com a política. Como exemplo, podemos citar o aumento de alíquotas do IPI para evitar
desequilíbrio na balança comercial.

O aumento da complexidade da sociedade também faz o direito reagir em outras áreas. Podemos
aí citar o exemplo do aumento de complexidade do tráfego nas grandes cidades do planeta, que
tem recebido pelo direito positivo em vigor em cada lugar, respostas diferentes. Em Londres, por
exemplo, há a cobrança de pedágio para aqueles que pretendem rodar com seus carros pelo centro
da cidade. Em São Paulo, há a previsão do rodízio, que limita o número de carros nas ruas em
determinados horários.

Luhmann sustenta, também, que não é possível observar a sociedade de um ponto externo a ela.
A ciência e a sociedade são expressão de uma mesma realidade. É aí que sua teoria tece críticas à
sociologia clássica do conhecimento, pois, segundo ele, não existe uma hipotética inteligência livre,
que não está sujeita a nenhuma distorção resultante de interesses ou ideologias. Afasta-se, assim,
da ideia consagrada no meio científico, por nós defendida nos capítulos anteriores, de que a ciência
do direito não tem o poder de alterar o direito positivo.

O autor sustenta, ainda, que a sociedade é constituída por comunicação, e os subsistemas que a
compõem, dentre os quais se inclui o sistema jurídico, têm suas próprias formas de comunicação,
no caso desse último, a norma jurídica.

Assim, uma esmola dada numa igreja é ao mesmo tempo uma operação do sistema
econômico e do sistema religioso, porém tem consequências diferentes em cada um
deles. Seu significado religioso não coincide com o econômico.

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UNIDADE III │ O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA

Sua teoria adota uma metodologia multidisciplinar, o que lhe permite importar conceitos de outras
ciências para explicar sua teoria, como autorreferência e autopoiesis (este importado da biologia),
e, até mesmo, conceitos provenientes da cibernética.

Assim, com alto grau de abstração e complexidade, ele desenvolve a teoria dos sistemas sociais
“autopoiéticos”. O termo sinalizado pelas aspas empresta aos sistemas sociais (entre eles o Direito)
o conceito de autopoiesis desenvolvido pelos biólogos Maturana e Varela para o exame dos sistemas
biológicos.8

Na biologia, esses sistemas são autorreferenciais, ou seja, organizados e reproduzidos por meio
da circulação interna de elementos inerentes ao próprio sistema. A tese dos biólogos citados
fixa que os sistemas celulares possuem todos os elementos necessários para o desempenho de
suas funções fundamentais, inclusive autorreprodução. Eles lidam, assim, com um conceito de
sistema operativamente fechado, autorreferencial e autopoiético, mas ao mesmo tempo aberto
cognitivamente, na medida em que interage com o ambiente em que se encontra.

Na teoria de Luhmann e Teubner o direito funciona da mesma forma, constituindo-se, também,


num sistema autorreferencial e autopoiético9, isto é, que se recria a todo o tempo, por meio de suas
próprias operações, desde que provocado pelo ambiente em que se encontra.

Mais uma vez, podemos citar exemplo interessante. Interagindo com condições sociais externas
e insuportáveis à população, relacionadas ao sistema de segurança pública, o direito positivo
está reagindo a um novo tipo de atuação dos criminosos, que ainda não tem previsão em nosso
Código Penal, conhecido como o “sequestro relâmpago”. Há, atualmente, no Congresso Nacional,
em trâmite o Projeto de Lei no 4.025/2001, que pretende introduzir no Código Penal, essa nova
conduta, a qual terá um tipo específico, com uma pena que se acredite ser adequada, que já foi
inclusive aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados e tem retorno previsto ao Senado, para
que se dê continuidade às votações.

A sociedade brasileira, em função da criminalidade que assola o país, e da impunidade reinante, tem
clamado sistematicamente por alterações na legislação penal, que é vista pela ampla maioria como
ultrapassada e extremamente benevolente com os criminosos em geral, sem ter ainda uma resposta
adequada das instituições políticas e, por consequência, do direito positivo.

8 No ponto, vale observar a lição do professor MARCELO NEVES: “O conceito de autopoiese tem sua origem na teoria biológica
de Maturana e Varela. Etimologicamente, a palavra deriva do grego autos (‘por si próprio’) e poiesis (‘criação’, ‘produção’).
Significa inicialmente que o respectivo sistema é construído pelos próprios componentes que ele constrói. Definem-se
então os sistemas vivos como máquinas autopoiéticas: uma rede de processos de produção, transformação e destruição de
componentes que, através de suas interações e transformações, regeneram e realizam continuamente essa mesma rede de
processos, constituindo-a como unidade concreta no espaço em que se encontram, ao especificarem-lhe o domínio topológico
de realização. Trata-se, portanto, de sistemas homeostáticos, caracterizados pelo fechamento na produção e reprodução dos
elementos.” (in Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil, p. 60/61.).
9 No entanto, é preciso destacar que a concepção luhmanniana de autopoiese não é idêntica à de Maturana, conforme ensina
MARCELO NEVES: “A recepção do conceito de autopoise nas ciências sociais foi proposta por Luhmann, tendo tido ampla
ressonância. A concepção luhmanniana da autopoiese afasta-se do modelo biológico de Maturana, na medida em que nela se
distinguem os sistemas constituintes de sentido (psíquicos e sociais) dos sistemas não constituintes de sentido (orgânicos e
neurofisiológicos). Na teoria biológica da autopoiese, há, segundo Luhmann, uma concepção radical do fechamento, visto que,
para a produção das relações entre sistema e ambiente, é exigido um observador fora do sistema, ou seja, um outro sistema. (op.
cit. p. 61).

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O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA │ UNIDADE III

Por ter uma específica forma de operar, o sistema acaba reduzindo a complexidade inerente ao
ambiente. Mas, embora operativamente fechado, o sistema troca informações com o ambiente,
sofrendo certa influência dele, por meio de pontes (os chamados acoplamentos estruturais) que, ao
mesmo tempo, separam sistema e ambiente e filtram essa fluência de informações. Isto é, o sistema
sofre irritações do ambiente, mas, com base em suas próprias operações, a elas responde, em seu
próprio ritmo, adaptando-se a esse ambiente. Como exemplo de acoplamentos estruturais podemos
citar, na biologia, os olhos e os ouvidos, que separam o cérebro do ambiente que o circundam.
Embora limitem fisicamente a comunicação entre o sistema e o ambiente, constituem uma restrição
que é condição necessária para a capacidade de reação do sistema.

Em relação ao ponto, destaque-se a seguinte passagem:

Aliás, foi por virtude de análises propiciadas pela Ciência dos Signos que os
juristas refizeram seus conceitos a propósito do tormentoso problema do
fechamento do sistema. Hoje, a resposta pode ser imediata: o ordenamento é
fechado, em termos sintáticos, mas aberto nos níveis semântico e pragmático,
o que permite comprovação no breve exame de algumas palavras bem
conhecidas, como “adultério”, “tributo”, “mulher honesta”, “matrimônio”
etc., expressões do discurso jurídico que experimentaram sensíveis alterações
semânticas, nos tempos atuais. (CARVALHO, 1996, no 12, p.48)

Como cada sistema tem sua própria forma de operar, o que implica respostas em velocidades
diferentes, podemos concluir que os sistemas, vistos isoladamente, possuem o seu próprio “tempo”,
entendido o termo entre aspas como a velocidade de processamento das operações internas.

Isso significa que as respostas às informações provenientes do ambiente podem não ser imediatas,
principalmente no que concerne ao direito positivo, que tem uma forma própria de operar
(característica de qualquer sistema), a qual, normalmente, é lenta nas respostas às informações
provenientes do sistema social (composto por seus diversos subsistemas – Política, Religião,
Economia etc.).

Como exemplo, temos o Código Civil de 1916, que, apesar do aumento de complexidade por que
passaram as inúmeras relações nele reguladas, sobreviveu até o ano de 2002, quando entrou em
vigor um novo código. Nesse sentido, vejamos a lição de Carvalho (1996, p.48-49):

Há, necessariamente, um intervalo entre a realidade social, constituída pela


linguagem natural, e a realidade jurídica, constituída pela linguagem do direito
positivo. Isso porque esta última se constrói a partir da primeira, assumindo a
feição de uma linguagem de segundo grau, com rigoroso processo seletivo, seja
na absorção dos fatos que hospeda em suas hipótese, seja pela ação deôntica
de seus operadores, realizando o código binário lícito/ilícito. O espaço que
se entrepõe é inevitável, consignando-o Pontes na distinção “suporte físico/
suporte jurídico”.

[...]

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UNIDADE III │ O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA

Um ordenamento que não preveja certas situações; que contemple


insuficientemente os fatos sociais; não pode pretender realizar os valores
que se propõe. Daí o esforço de atualização das autoridades legislativas,
premidas pela pressão popular, amparadas pela lição dos doutos, atentas nas
manifestações do Poder Judiciário. É o direito procurando acompanhar, a seu
modo, a dinâmica e palpitante velocidade das mutações sociais, adaptando-
se às novas circunstâncias e mantendo, por esse meio, íntegros seus objetivos
finais.

É curioso notar que o direito positivo, sendo, como é, um subsistema do sistema


social total, mesmo que paralisado no campo da produção legislativa, equivale
a dizer, ainda que suas normas gerais e abstratas permaneçam imutáveis, sem
qualquer atualização de forma, continua em movimentação, alterando-se no
tempo, o quadro de suas significações.

Luhmann (1983) afirma que o sistema jurídico se autorreproduz por eventos legais e só por eventos
legais. Não há a possibilidade de o ambiente externo produzir diretamente o direito. Essa noção
não destoa daquela fixada por Kelsen (1998), no sentido de que uma norma só pertence a uma
ordem jurídica porque é estabelecida em conformidade com uma outra norma dessa mesma ordem
jurídica.

Ora, dizer que o sistema jurídico se autorreproduz ou que somente uma norma pode gerar outra
norma é a mesma coisa. Eis aí um importante ponto de aproximação das duas teorias. E isso se dá
porque ambas têm como objetivo purificar seus objetos de análise. Nesse contexto, a autopoiése
jurídica não traz grandes inovações para a ciência do Direito moderna, conforme acentua Carvalho
(2005, p. 132), mas corrobora a ideia positivista de Kelsen (1998), a ela somando aspectos
importantes. No ponto, vejamos o seguinte trecho:

Primero, pues, se hace necesario aclarar qué es lo que debe observarse (aunque
se pretenda investigar las interdependencias entre sistema y entorno). Por
operativamente clausurados deben definirse los sistemas que, para la producción
de sus propias operaciones, se remiten a la red de sus propias operaciones y en
este sentido se reproducen a sí mismos. Con una formulación un poco más libre
se podría decir: el sistema debe presuponerse a si mismo, para poner en marcha
mediante operaciones suyas su propia reproducción en el tiempo; o con otras
palabras: el sistema produce operaciones propias anticipando y recurriendo a
operaciones proprias y, de esta manera, determina qué es lo que pertence al
sistema y qué al entorno. (LUHMENN, 2002, p. 99-100)

Nessa ótica, a evolução dos sistemas jurídicos não é vista como um produto da interferência
direta dos sistemas social e político, o que equivaleria, para Luhmann, a uma corrupção do
código10 do ordenamento jurídico (lícito/ilícito), mas apenas resultaria de um estímulo proveniente
desses sistemas.

10 Por exemplo, quando o juiz decide a causa, não com base em fundamentos jurídicos, postos pelo direito positivo, mas por
fundamentos fixados em outro sistema. No caso, os fatores econômicos são fixados como razões de decidir a causa. No entanto,
se não houver uma norma qualificando determinados valores econômicos também como valores jurídicos a sentença traduzirá
verdadeira corrupção de código do sistema jurídico.

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O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA │ UNIDADE III

Contudo, deve-se ter em mente que não são quaisquer interesses sociais que desencadeiam mudanças
no Direito por meio do processo legislativo, mas apenas aqueles refletidos por pressões sociais
provenientes de grupos que se mostram capazes de influenciar os agentes políticos competentes
para atuar naquele processo.

Logo, através dessa autoprodução o sistema ganha em operacionalidade, como decorrência de


seu fechamento operativo. Isso significa completude, coerência e precisão internas, traduzindo:
ordenamento. (CAMPILONGO, 2000)

A visão do direito como sistema autopoiético é assim sintetizada por Carvalho (2005, p.130):

O direito é um sistema de comunicação, o que significa: uma tecnologia


que consiste em produção de mensagens imperativas, com o fim de motivar
condutas intersubjetivas, em direção à consecução de valores consagrados pelo
próprio direito. (...)

Luhmann e Teubner afirmam categoricamente a autopoiese do sistema jurídico.


Assim, o sistema jurídico é fechado operacionalmente, ou normativamente, e
aberto cognitivamente, i.e, aberto às mensagens do ambiente, o que é condição
do seu processo autopoiético.

A consequência da autopoiese para o domínio jurídico é a consagração da sua


autonomia sistêmica, em relação aos demais sistemas sociais. Dessa forma,
não se pode falar em manipulação econômica ou política do direito. Atos
econômicos ou atos políticos não fazem atos jurídicos. O sistema jurídico não
tem outputs; a influência dos demais sistemas não é direta ao sistema jurídico.
Pode, quando muito, “estimular” modificações neste.

Atos econômicos ou atos políticos não fazem atos jurídicos. A influência dos
demais sistemas não é direta ao sistema jurídico. Pode, quando muito, “estimular”
modificações neste.

Nessa esteira, os sistemas se relacionam por meio de irritações mútuas, que provocam reações dentro
de cada um deles, reações essas operadas por formas próprias e internas, devido ao fechamento
operacional. Logo, não é possível a um determinado subsistema social atuar sobre outro subsistema,
interferindo nele por meio de suas próprias fórmulas sintáticas. Eis aí a importância do fechamento
operativo do sistema, assim explicada por Campilongo (2000, p.67), verbis:

Por que o fechamento operacional é tão importante para a concepção


luhmaniana de sistema? Porque a unidade do sistema é produzida por esse
fechamento. E quem observa essa unidade? O próprio sistema. Segundo
Luhmann, os problemas de abertura e fechamento do sistema não podem
ser respondidos em termos causais ou a partir do esquema “input/output”. A
clássica contraposição entre sistemas abertos e fechados perde sentido nesse
contexto. Fechamento operacional não é sinônimo de irrelevância do ambiente
ou de isolamento causal. Por isso, paradoxalmente, o fechamento operativo de
um sistema é condição para sua própria abertura.

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UNIDADE III │ O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA

Consequentemente, o direito, como sistema autopoiético, não sofre as influências de outros sistemas
de forma direta, mas sim responde a estímulos deles, com velocidade e operações próprias.

Entretanto, em nosso sistema jurídico, isso não é possível11 como demonstra o professor já citado
(2003, p.801), no seguinte trecho, in verbis:

Mas, deixando de lado estas questões menores, que poderíamos chamar de


“redacionais” (e, portanto, superáveis pela interpretação sistemática), o fato
é que, analisando o art. 146, da CF, alguns estudiosos já proclamaram que,
agora, a União, por meio de lei complementar, pode alterar o rígido esquema
de repartição das competências tributárias das pessoas políticas e, mais do que
isto, pode condicionar a validade de suas leis.

Deveras, a Constituição, em seu art. 146, aparentemente contradiz o que


escrevemos ao longo deste livro. Entendemos, porém, que tal contradição não
é real.

Ab initio, insistimos que a Constituição deve ser interpretada com vistas


largas, justamente para que desapareçam as aparentes contradições de seus
dispositivos, quando considerados em estado de isolamento. Exige-se, assim, a
concordância de cada um de seus artigos com os princípios informadores, com
as normas estruturais, de nosso ordenamento jurídico.

E, adiante, o autor conclui:

Para bem entendermos este art. 146, temos, pois, que partir das premissas de
que o Brasil é uma Federação (art. 1o da CF), em que os Estados, os Municípios
e o Distrito Federal desfrutam de ampla autonomia político-administrativa
(arts. 18, 25, 29, 30 e 32 da CF), legislando, concorrentemente, inclusive em
matéria tributária (art. 24, I, da CF). Também não podemos ignorar o 24,
§ 1o, da Lei Suprema, que só permite que a União, “no âmbito da legislação
concorrente” estabeleça normas gerais. Ora, normas gerais são justamente as
que valem para todas as pessoas políticas, aí incluída a própria União. Nunca
normas peculiares, que só valham para os Estados, os Municípios ou o Distrito
Federal.

11 PAULO DE BARROS CARVALHO também tece críticas ao art. 146 da Constituição Federal, nos seguintes termos: “Não
pretendemos exagerar na crítica à sensibilidade do constituinte de 1988, mas a forma escolhida para verter o comando do
art. 146 sacode as estruturas do sistema, mexe com seus fundamentos e provoca fenda preocupante na racionalidade que ele,
sistema, deve ostentar.
Em poucas palavras, preceituou o legislador constitucional que toda a matéria da legislação tributária está contida no âmbito
de competência da lei complementar. Aquilo que não cair na vala explícita da sua ‘especialidade’ caberá, certamente, no
domínio da implicitude de sua ‘generalidade’. Que assunto poderia escapar de poderes tão amplos? Eis aí o aplicador do direito
novamente atônito! Pensará: como é excêntrico o legislador da Constituição! Demora-se por delinear, pleno de cuidados, as
faixas de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, de entremeio, torna tudo aquilo supérfluo,
na medida em que põe nas mãos do legislador complementar a iniciativa de regrar os mesmos assuntos, fazendo-o pelo gênero
ou por algumas espécies que lhe aprouve consignar, esquecendo-se de que as eleitas, como as demais espécies, estão contidas
no conjunto que representa o gênero” (Curso de Direito Tributário, p. 203).

50
O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA │ UNIDADE III

[...]

Observamos que o inc. III do art. 146 da CF (...) não autoriza a lei complementar
a modificar a norma-padrão de “incidência” (a “regra-matriz”, o “arquétipo
genérico”) dos tributos. De fato, ela foi constitucionalmente traçada e, por isso
mesmo, não poderá ter seus confins alterados pela lei em foco. ( Idem, Ibidem,
pp.801-805)

Não é possível ao legislador complementar alterar os arquétipos dos tributos discriminados na


Constituição Federal, e, por consequência, o próprio conceito de tributo ali implícito, porque
o conteúdo das normas gerais de Direito Tributário é específico e bem delimitado no texto
constitucional.

Portanto, o art. 146, III, com suas alíneas, não autoriza o legislador complementar a redesenhar
os tributos insertos na Constituição, alterando seus contornos até alcançar o ponto de alterar o
conceito de tributo consagrado pelo texto constitucional.

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CAPÍTULO 2
Sistema Jurídico

De tudo o que foi exposto até agora, dúvidas não existem sobre o fato de que o direito positivo
brasileiro, assim como qualquer outro ordenamento jurídico, constitui um sistema fechado
operativamente, qualidade que lhe confere unidade.

Onde há a ideia de direito ou de qualquer outro sistema normativo, desde os tempos mais remotos
da história da civilização, verifica-se a necessidade de os estudiosos conferirem a tais objetos certa
ordenação.

No direito positivo, essa noção é fundamental, sob pena de seu conjunto de normas revelar apenas
um amontoado de regras impossíveis de serem entendidas, de coexistirem ou mesmo de serem
aplicadas. Por essa razão, entre elas sempre deve existir uma relação coerente de coordenação
ou subordinação. Assim, “enquanto conjunto de enunciados prescritivos que se projetam sobre a
região das condutas inter-humanas, o direito posto há de ter um mínimo de racionalidade para ser
recepcionado pelos sujeitos destinatários, circunstância que lhe garante, desde logo, a condição de
sistema”. (CARVALHO, 1998, p.33)

Eis aí a noção de sistema, que pode ser conceituado como “o conjunto ordenado de elementos que
se relacionam entre si, de forma coerente, segundo um postulado de unidade”.

Somente a partir dessa ideia é que se torna possível conformar as incompatibilidades porventura
encontradas entre as normas, porquanto, uma vez vistas como partes de um sistema, elas devem,
necessariamente, ser compatibilizadas. Caso isso não seja possível, em razão da noção de sistema,
uma das normas em conflito (ou até mesmo as duas) deve ser eliminada. Nesse sentido, vale destacar
a lição de Marques (..., p.23), in verbis:

De fato, o ordenamento positivo não deve admitir a incompatibilidade entre


suas normas, por força da coerência ínsita à ideia de sistema. E essa coerência
consiste na inexistência de antinomias ou, por outro lado, na impossibilidade
da coexistência de normas que sejam entre si incompatíveis. Essa necessidade
de coerência, como ensina o jusfilósofo12 italiano, decorre de uma norma
implícita, em todo o ordenamento, segundo a qual “duas normas incompatíveis
(ou antinômicas) não podem ser ambas válidas, mas somente uma delas pode
(mas não necessariamente deve) fazer parte do referido ordenamento; ou, dito
de outra forma, a compatibilidade de uma norma com seu ordenamento (isto
é, com todas as outras normas) é condição necessária para sua validade”.

Revela-se, assim, a coerência, como primeira característica necessária do


ordenamento jurídico ou sistema do direito positivo. Mas observe-se que esta
coerência diz respeito à necessidade da conformação de uma norma jurídica

12 O texto refere-se a Noberto Bobbio.

52
O DIREITO POSITIVO VISTO COMO SISTEMA │ UNIDADE III

ao seu fundamento de validade (harmonia), sem ignorar a possibilidade da


coexistência de normas incompatíveis, de mesma hierarquia.

Ferraz Jr. (2003, p.140) define sistema como “um conjunto de objetos e seus atributos (repertório
do sistema), mais as relações entre eles, conforme certas regras (estrutura do sistema). Os objetos
são os componentes do sistema, especificados pelos seus atributos, e as relações dão o sentido de
coesão ao sistema”. E, adiante, sustenta, in verbis:

“O sistema normativo jurídico é do tipo aberto, estando em relação de


importação e exportação de informações com outros sistemas (o dos conflitos
sociais, políticos, religiosos etc.), sendo ele próprio parte do subsistema jurídico
(que não se reduz a normas, mas incorpora outros modos discursivos).”

Do excerto percebe-se que o autor comunga da noção do direito positivo como um sistema em
permanente troca de informações com o ambiente, assim entendido como o meio social.

No decorrer de nossos estudos, o aluno sempre deverá ter presente a ideia do direito positivo visto
como um sistema inserido em algo maior (o sistema social), que o engloba, reagindo às influências
advindas desse ambiente externo com operações próprias, representadas pela criação de normas
jurídicas que visam interferir nas condutas humanas, numa tentativa de conformá-las aos valores
tidos pela sociedade, e por isso consagrados no direito positivo, como fundamentais.

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ESPÉCIES UNIDADE IV
TRIBUTÁRIAS

CAPÍTULO 1
A Classificação Constitucional dos
Tributos

Classificar é distribuir em classes; é dividir os termos segundo a ordem da extensão


ou, para dizer de modo mais preciso, é separar objetos em classes de acordo com as
semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente
determinadas com relação às demais classes.

Luciano Amaro

Tormentoso é o debate acerca da classificação constitucional dos tributos. A doutrina não é uníssona
sobre o tema, principalmente porque classificar requer certa arbitrariedade na escolha dos critérios
utilizados pelo estudioso.13

Não é nosso objetivo aqui dissertar sobre o tema de modo a tentar defender o acerto de uma
determinada classificação em detrimento de outras. Contudo, é necessário que se acolha uma dentre
as diversas classificações desenvolvidas pela doutrina nacional, pois, no nosso entendimento, essa
escolha interfere em várias conclusões acerca do sistema tributário atualmente em vigor.

Como é a Constituição Federal que define quais são as espécies tributárias, é a partir do seu texto que
se deve extrair uma classificação. Nesse ponto não há discórdia entre os doutrinadores nacionais. Daí
a alusão comum na doutrina contemporânea à classificação constitucional dos tributos, porquanto é
na Carta Magna que se encontram os seus arquétipos.

À doutrina cabe, usando de uma linguagem descritiva, tentar desvendar qual é a classificação
adotada por determinado sistema. Assim, cada classificação varia em razão do objeto sob análise (a
ordem jurídica) e dos critérios adotados pelo estudioso. Assim, “classificar é distribuir em classes;
é dividir os termos segundo a ordem da extensão ou, para dizer de modo mais preciso, é separar
objetos em classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições
fixas e exatamente determinadas com relação às demais classes”. (CARVALHO, 1996, p.42)
13 LUCIANO AMARO assim aborda a questão: “É óbvio que a eleição de mais de uma variável irá tornar mais complexo o trabalho
de classificação, pois a pluralidade de características utilizadas pode formar múltiplas combinações. Isso faz a classificação
depender de certo grau de arbítrio do classificador. Mas o arbítrio está presente nas várias classificações de tributos apresentadas
pela doutrina, uma vez que cada autor sempre elege (ou seja, ‘arbitra’) uma ou mais características das diversas figuras para
poder classificá-las” (in Direito Tributário Brasileiro, p. 69).

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ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS │ UNIDADE IV

No Brasil a classificação das espécies tributárias ganha importância na medida em que a forma
de Estado adotada pela Constituição é a federativa, porque “fosse o Brasil um Estado unitário o
trabalho de dividir os tributos em espécies e subespécies seria, provavelmente, inócuo, já que a
função de criá-los pertenceria a um único Órgão Central que, obedecidos alguns poucos postulados,
quase tudo poderia, em matéria de tributação”. (CARRAZZA, 2003, p.458)

É a forma federativa de Estado que proporciona a divisão do poder de tributar, atribuindo, assim,
competências tributárias aos diversos entes políticos. Daí a importância de classificar as diversas
espécies de tributos de forma coerente e útil ao operador do direito, tendo em vista, ainda, a
peculiaridade de nossa federação, na qual, por exemplo, o Município e o Distrito Federal são entes
políticos autônomos e, por isso, recebem da Constituição Federal, juntamente com os Estados-
membros e a União, parcelas do poder de tributar. Afinal, os entes da federação, em razão do atributo
da autonomia, deverão, obviamente, estar munidos de recursos financeiros. Portanto, sobreleva-se
outro ponto que corrobora a importância da exata classificação das espécies tributária, pois que irá
refletir diretamente na repartição de competências.14

A classificação dos tributos é importante, ainda, na medida em que cada espécie tributária está
submetida a regimes jurídicos diferentes, que importam também em diferentes efeitos, conforme
ensina Ataliba (2002, p.124), verbis:

O próprio sistema constitucional adota uma classificação dos tributos e faz


derivarem consequências do discernimento que estabelece entre as espécies e
subespécies tributárias. Isto é: o texto constitucional consagra uma determinada
classificação e atribui regimes jurídicos diferentes a serem aplicados às
espécies tributárias. No próprio texto constitucional estão princípios e regras
diferentes, e peculiares, aplicáveis em exclusividade – e relevantes efeitos – às
diversas espécies e subespécies de tributos.

Conforme um tributo se configure como inserto numa ou noutra categoria,


as consequências serão diferentes. No Brasil, é de fundamental importância
proceder com rigor na tarefa de identificar as peculiaridades de cada espécie,
porque a rigidez do sistema constitucional tributário fulmina de nulidade
qualquer exação não obediente rigorosamente aos moldes constitucionais
estritos.

Ocorre, porém, que ao analisar o direito posto, a doutrina nacional diverge acerca da classificação
adotada pelo legislador constituinte.

14 Sobre o tema, vale transcrever as lições de ESTEVÃO HORVATH: “no Brasil, em face da rígida repartição de competências
tributárias, decorrente do princípio federativo, é imprescindível distinguir-se as espécies tributárias.
Duas razões principais levam-nos a essa conclusão. A primeira delas deriva da necessidade de se averiguar a que pessoa
política pertence determinada exação tributária. Em segundo lugar, dadas as características de cada tributo, afirmadas
constitucionalmente, dever-se-á buscar saber se aquele tributo foi validamente instituído, seguindo as diretrizes da Constituição,
que funcionam como forma de verificar a obediência aos direitos fundamentais do cidadão, no caso referentes à matéria
tributária” (in Curso de iniciação em Direito Tributário, p.38).

55
CAPÍTULO 2
Divergências da Doutrina Nacional

Apesar de a doutrina coincidir no ponto em que a taxionomia dos tributos deve ser extraída da
Constituição, não é unânime, porém, quanto aos critérios utilizados e acaba, por fim, construindo
classificações diversas quanto às espécies tributárias.

Há, nesse ponto, três grupos que merecem destaque:

a) corrente bipartida: classifica os tributos em vinculados e não vinculados;

b) corrente tricotômica: segue a tipologia do art. 145, da CF e divide os tributos


em impostos, taxas e contribuições de melhoria;

c) corrente quinquipartida: classifica os tributos em cinco classes, quais sejam,


impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições e empréstimos
compulsórios.

A primeira corrente, bipartida, defendida principalmente por Ataliba (2002), divide os tributos em
duas espécies, conforme sejam ou não vinculados à descrição de uma atuação estatal. Com esse
escopo, analisa o aspecto material da hipótese de incidência da regra matriz. Assim, são tributos
vinculados aqueles cuja hipótese de incidência descreve uma atuação estatal (taxas e contribuições
de melhoria); e não vinculados aqueles cuja hipótese de incidência descreve um fato qualquer,
que não uma atuação estatal (impostos). Como exemplo, podemos citar o IPTU, cuja hipótese de
incidência colhe, em regra, em seu aspecto material, a posse ou propriedade de imóvel territorial
urbano. Ou seja, um fato que se relaciona ao contribuinte, independentemente de uma atividade
estatal. Ao contrário das taxas que dependem para sua instituição de uma atividade estatal, por
exemplo, os serviços de coleta de lixo (Taxa de Limpeza Pública).

Já os partidários da corrente tripartida ou tricotômica não divergem da bipartida quanto à existência


de tributos vinculados e não vinculados, mas defendem uma classificação dos tributos com base no
artigo 145 da Constituição Federal e no art. 5o do CTN. A propósito, vale a transcrição do texto
constitucional, verbis:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão


instituir os seguintes tributos:

I – impostos;

II – taxas (...)

III – contribuição de melhoria (...).

Para essa corrente, as espécies tributárias se restringem, pois, àquelas previstas nessa norma
constitucional, quais sejam, impostos, taxas e contribuição de melhoria. Para tanto,
sustentam seus defensores que o constituinte se baseou no critério de correlacionamento entre a

56
ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS │ UNIDADE IV

materialidade da hipótese de incidência e a base de cálculo15, ideia que, por consequência, torna
sem importância o “nome” que o legislador queira dar ao tributo, no intuito de furtá-lo ao seu real
regime tributário.

A esse entendimento filiam-se os professores Paulo de Barros Carvalho, Roque antonio Carrazza,
Sacha Calmon Navarro Coelho, Aires Fernandino Barreto, Alfredo Augusto Becker e Rubens Gomes
de Sousa.

Prevalece, ainda, entre esses autores, a noção de que a destinação do produto arrecadado não serve
de parâmetro para classificar as espécies tributárias. A ideia é assim passada por Carvalho (2004,
pp.30-31), ao analisar o art. 4o do Código Tributário Nacional:

O inc. II vem com um aviso providencial: o destino que se dê ao produto da


arrecadação é irrelevante para caracterizar a natureza jurídica do tributo.
Coincide, a ponto, com o limite do campo de especulação do Direito Tributário,
que não se ocupa de momentos ulteriores à extinção do liame fiscal.

Tal posicionamento é criticado por Amaro (2006, p.77), que sustenta ser a classificação tripartida
uma consequência da ideia equivocada de autonomia do direito tributário. Para esse autor, a questão
assim se resume:

Com efeito, o banimento do critério da destinação, com suposto fundamento


no art. 4o, II, do Código Tributário Nacional, parece partir da equivocada
premissa (não expressamente assumida) da autonomia do direito tributário,
como se o tributo, como fenômeno jurídico, se contivesse todo (e se esgotasse)
na relação obrigacional tributária.

Associado a essa exacerbação nacionalista do direito tributário, aparece o já


referido preconceito, no sentido de que todos os dados fornecidos pela ciência
das finanças, sendo metajurídicos, deveriam ser descartados sumariamente
pelo jurista. Ora, já vimos que o dado da ciência das finanças só é metajurídico
enquanto ele não se juridiciza; nesse momento, ele passa a ser um dado
jurídico, como ocorre, aliás, noutros campos do conhecimento humano: as
trocas entre os agentes econômicos (por exemplo, a compra e venda, em que a
moeda é permutada por um bem econômico) são um fenômeno da economia,
mas, no momento em que o direito se apropria desse dado e o juridiciza, ele
passa a ser um fenômeno jurídico. (...).

15 Pertinente, nesse ponto, as observações traçadas por PAULO DE BARROS CARVALHO: “Não é suficiente a descrição hipotética
do fato jurídico tributário para que conheçamos a planta fundamental do tributo. É preciso que examinemos, antes de mais
nada por imposição hierárquica, a base de cálculo, a fim de que a natureza particular do gravame se apresente na complexidade
de seu esquematismo formal. É o que preceitua o constituinte brasileiro no art. 145, § 2o: ‘As taxas não poderão ter base de
cálculo própria de impostos’. E, mais adiante, no art. 154: ‘A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos
não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios
dos discriminados nesta Constituição’. (...) faz-se mister analisarmos a hipótese de incidência e a base de cálculo para que
possamos ingressar na intimidade estrutural da figura tributária, não bastando, para tanto, a singela verificação do fato gerador,
como ingenuamente supôs o legislador do nosso Código Tributário, ao indicar, no art. 4o, que a natureza jurídica específica do
tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação... Por certo, tomada a sentença (CTN, art. 4o) como verdadeira,
não encontraríamos método para diferençar impostos de impostos e desses as taxas, entregando-nos, imbeles, aos desacertos
assíduos do político” (in Curso de Direito Tributário, pp. 27-29).

57
UNIDADE IV │ ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS

Traçado esse panorama tem-se que, para a classificação tripartida dos tributos, qualquer
outra exação, como, por exemplo, os empréstimos compulsórios e as diversas modalidades de
contribuições (previstas nos arts. 148, 149 e 195 da CF), podem ser perfeitamente enquadrados
em uma daquelas três espécies, bastando, para tanto, a análise de suas respectivas hipóteses de
incidência e bases de cálculo.

Entretanto, há ainda os que não comungam dessa ideia. Na esteira do que defende Melo
(2004, p.118), apesar de os tributos poderem ser classificados em duas classes, vinculados ou
não vinculados, e, conforme bem observa Horvath (..., p.38), “o critério da vinculabilidade ou
não do fato tributário a uma atuação do Estado é imprescindível para classificar os tributos,
porém não mais suficiente”. Para essa terceira corrente, existem outros critérios que devem ser
utilizados para a classificação das espécies tributárias, todos encontrados também nas normas
constitucionais.

Seguindo essa linha, defendida pela parte da doutrina que acolhe a divisão pentapartida dos
tributos, leva-se em conta, além dos critérios supramencionados, o destino da arrecadação dos
tributos e a previsão de restituição do montante arrecadado ao contribuinte.

E essa corrente também o faz com fulcro na Constituição Federal, que prevê tais características
como integrantes do regime jurídico de outras espécies tributárias, funcionando como parâmetro
válido para o exercício legítimo da competência tributária.16

Não se nega, portanto que “a Constituição de 1988, no que se refere à classificação dos tributos,
espelhou-se, basicamente, na classificação proposta pela Ciência das Finanças”. Como já dito, não
se vislumbra nenhum equívoco em se utilizar essa confluência de ciências, afinal, “classificar é
necessário, e se a destinação integra o regime jurídico específico do tributo (ou seja, é um dado
juridicizado), não se pode negar que se trata de um critério (jurídico) hábil à especificação do
tributo, ou seja, idôneo para particularizar uma espécie tributária, distinta de outras”. (AMARO,
2006, p.78)

Comungam dessa ideia os professores Luciano Amaro, Márcio Severo Marques, José Eduardo
Soares de Melo, estevão Horvath, entre outros.

Essa corrente, portanto, não se fixa unicamente na topografia do art. 145 da Carta Magna, mas
também em outros dispositivos do texto constitucional, entre eles os artigos 148 e 149. Assim, já se
pode perceber que, para a corrente pentapartida, o empréstimo compulsório e as contribuições, ao
lado dos impostos, taxas e contribuições de melhoria, são também espécies autônomas de tributos
e, como tais, sujeitam-se a específicos e distintos regimes jurídicos.

16 É elucidativo, nesse ponto, o exemplo de LUCIANO AMARO: “Se a União instituir tributo sobre o faturamento das empresas,
sem especificar a destinação exigida pelo art. 195 da Constituição, a exação (ainda que apelidada de contribuição) será
inconstitucional, entre outras possíveis razões pela invasão de competência dos Estados ou dos Municípios (conforme se trate
de faturamento de mercadorias ou de serviços). Outro exemplo: se a União, sem explicitar na lei (complementar) uma das
destinações referidas no art. 148 da Constituição, instituir empréstimo compulsório, este será inconstitucional” (in Direito
Tributário Brasileiro, p. 77-78.).

58
ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS │ UNIDADE IV

Marques (2000, p.219), seguindo essa linha de raciocínio, fundamenta:

Deveras, a existência de prescrições constitucionais dessa natureza


(determinando a destinação específica para o produto de arrecadação de
determinados tributos e – em determinados casos – a própria restituição do
respectivo montante ao contribuinte), inseridas pelas próprias normas de
estrutura que fundamentam o tributo, exige meditação a respeito da adoção
de novos critérios, a serem conjugados àquele critério magistralmente exposto
e difundido pelo professor Geraldo Ataliba, para a classificação dos tributos.

Dessa sorte, o autor, ao defender a classificação pentapartida dos tributos, distingue três critérios
diferenciadores, todos extraídos do texto da Constituição:

a) primeiro critério: exigência constitucional de previsão legal de vinculação


entre a materialidade do antecedente normativo e uma atividade estatal
referida ao contribuinte;

b) segundo critério: exigência constitucional de previsão legal de destinação


específica para o produto de arrecadação;

c) terceiro critério: exigência constitucional de previsão legal de restituição do


montante arrecadado ao contribuinte, ao cabo de determinado período.

Da conjugação desses três critérios é possível identificar as cinco espécies tributárias autorizadas no
texto constitucional.

Não se pode negar que as contribuições e os empréstimos compulsórios têm características tão
peculiares que se torna difícil, com a devida vênia, defini-los ou incluí-los como espécie de imposto
ou taxa.

Vale trazer à baila os questionamentos de Horvath (..., p. 47): “Se as contribuições e os empréstimos
compulsórios têm tantas e tão importantes características que os separam dos impostos, das taxas
e das contribuições de melhoria, por que não reconhecer que são espécies diferentes de tributos?
São os elementos de uma determinada ciência que devem se encaixar numa classificação ou é a
classificação que deve procurar contemplar todos os elementos existentes?”17

Nessa mesma linha tem seguido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o
RE no 146.733/SP, cujo Relator foi o Ministro Moreira Alves, consignou que cinco são as espécies
tributárias previstas em nosso ordenamento jurídico, verbis:

17 Comenta, ainda, esse ilustre professor a história do ornitorrinco, em relação ao qual a ciência, ao descobri-lo, não sabia como
o enquadrar nas classificações então existentes, como se a pretender fingir com que o animal não existisse, em vez de alterar a
classificação até então vigente (Curso de iniciação em Direito Tributário, p. 47.).
De fato, não se pode negar a dificuldade dos estudiosos de criarem novos conceitos. Há, por certo, a tendência de o processo
de conhecimento se realizar através da analogia. Reagimos, sempre, por aproximação. Buscamos o estoque de conteúdo já por
nós conhecido, lançando mão de características semelhantes entre o novo e o anterior e, por aproximação, classificamos o novo
a partir de referências já existentes, muitas vezes alterando a realidade para conseguir, enfim, enquadrá-lo entre as descrições
já disponíveis em nossa cultura. Ora, não se deve temer a fuga de uma conceituação preestabelecida para criar uma definição
própria. Deve-se, sem dúvida, acrescentar novas características aos conceitos originais ou, então, criar novos conceitos, critérios
e classificações.
Sobre esse tema interessante conferir a obra de UMBERTO ECO: Kant e o ornitorrinco (Record, 1998).

59
UNIDADE IV │ ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS

Sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei no 7.689/1988 verdadeiramente


contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social, com
base no inciso I do artigo 195 da Carta Magna, segue-se a questão de saber
se essa contribuição tem, ou não, natureza tributária em face dos preceitos
constitucionais em vigor. Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida
em manifestar-me afirmativamente. De efeito, a par das três modalidades de
tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere
o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas
outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o
empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção
no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas.

Não nos cabe aqui impor ao aluno a filiação a uma dessas correntes em detrimento das outras.
Mesmo porque as classificações, conforme tem sido assentado pela doutrina, são úteis ou não. E,
conforme visto, todas as classificações estudadas neste capítulo têm sua utilidade.

No entanto, não podemos deixar de alertar o aluno que a classificação pentapartida, isto é, aquela
que admite ter a Constituição Federal dividido os tributos em cinco espécies tributárias (impostos,
taxas, contribuições de melhorias, empréstimos compulsórios e contribuições) é a mais aceita pela
jurisprudência, conforme se pôde ver no aresto transcrito emanado do Supremo Tribunal Federal.

60
GARANTIAS E
PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS, UNIDADE V
MATERIAIS,
INSTITUCIONAIS E
PROCESSUAIS

CAPÍTULO 1
Garantias Sociais, Jurisdicionais,
Materiais e Processuais

Direito à vida (caput)


O caráter jusfundamental da menção à vida resta intuitivo. Não bastasse a consagração de tal norma-
princípio insculpida no caput do art. 5o da CF, o inciso XLVII do mesmo artigo ainda reafirma que
“não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”.

À luz da interpretação sistêmica que se confere ao art. 5o e ao próprio princípio da dignidade humana,
seria inconcebível que uma lei viesse admitir a prática de eutanásia ou a instituição de pena de morte
no Brasil.

“O aborto também é vedado pelo ordenamento jurídico, salvo nos casos escetuados pela legislação penal
– abortos terapêuticos (quando a gravidez gera risco à saúde da gestante) e humanitário ou sentimental
(quando a gestação é decorrente de violência sexual), e no caso de fetos anencefálicos, conforme recente
decisão do STF, na ADPF 54.”

Princípio da igualdade (caput e inciso I)


Preconiza o art. 5o que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] e
que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. É
certo que a igualdade pretendida não é sob o aspecto físico, econômico, social ou ideológico, pois
assim somos todos diferentes. A igualdade pretendida pela Constituição visa assegurar a todos
iguais possibilidades de manifestação de seus interesses. Nesse sentido, podemos diferençar a
igualdade em:

61
UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

»» formal: na aplicação da lei, deve o magistrado ou intérprete esforçar-se em dar


tratamento igualitário a todos de forma indistinta;

»» material: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de


suas desigualdades, com o objetivo de atingir a igualdade formal. Ex.: a diferença no
tratamento dos incisos XVIII e XIX do art. 7o da CF ou o estabelecimento de cotas
nas faculdades para negros.

Princípio da legalidade (inciso II)

Surge como princípio basilar do Estado de Direito para opor-se a toda e qualquer forma de poder
arbitrário do Estado, sujeitando todos ao “império da lei”. Mais se aproxima de uma garantia
constitucional do que propriamente de um direito individual.

Proibição de tortura, tratamento desumano ou


degradante (inciso III)

Visa assegurar a incolumidade física e mental das pessoas, proibindo, sob qualquer pretexto, a
prática de tortura, seja pelo Estado ou por particular. Essa disposição é considerada pelo inciso
LXIII desse mesmo artigo, crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Tortura é o sofrimento ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais, já tratamento


desumano ou degradante é o rebaixamento de alguém, em geral o preso, a uma condição aviltante,
desprezível, infame, sem, contudo, causar diretamente a dor insustentável. Nesse sentido, o inciso
XLIX garante ao preso o direito à integridade física e moral.

Princípio da liberdade de expressão (inciso IX)

A liberdade de expressão não pode sofrer tipo algum de limitação prévia, no tocante à censura de
natureza política, ideológica ou artística. Em verdade, trata-se de mero desdobramento do direito à
livre liberdade de pensamento, só que agora voltado para a atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação.

Da mesma forma que aquela, não está sujeita à censura prévia, porém se sujeitam algumas delas
à regulamentação por lei específica, nos termos do art. 220, § 3o, que prevê o estabelecimento de
critérios para espetáculos e diversões públicas, bem como para programação de rádio e televisão.

Liberdade profissional (inciso XIII)

Apesar da aparente liberalidade da norma, uma lei poderá restringir a sua aplicabilidade. Este
dispositivo é exemplo clássico de norma de eficácia contida (ou redutível ou restringível).

62
GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

Significa que a CF autoriza (ou determina) o legislador infraconstitucional a regulamentar as


atividades profissionais, estabelecendo exigências convenientes ao exercício de cada uma. Com isso,
apenas as pessoas que preencherem os requisitos instituídos para dada profissão estarão aptas a
exercê-la.

A título de exemplo, para se exercer a profissão de advogado, exige a lei que o candidato possua
graduação no curso de Direito, aprovação no Exame de Ordem da OAB, inscrição naquela instituição
como advogado, tenha efetuado o pagamento de taxas à instituição etc. Já para a profissão de
engraxate, como não há lei a instituir regras para o exercício da atividade, nenhuma qualificação
se exige de alguém que queira praticar tal ofício. Com isso, é possível exercê-la de forma irrestrita,
pautando-se, basicamente, na liberalidade da Norma Ápice.

Liberdade de informação (incisos XIV e XXXIII)


Visa o primeiro dispositivo assegurar a todos o acesso à informação e o direito a se informar, além
de dar proteção ao profissional que tem por ofício o trato com a comunicação. Destarte, o jornalista
fica desobrigado de declarar a origem da informação prestada em dada matéria jornalística.
Também pelo mesmo dispositivo encontram-se resguardados outros profissionais que tratam com
informações, a exemplo do advogado, que tem o direito-dever de manter sigilo sobre o conteúdo dos
documentos e da conversa com seus clientes.

Já o segundo assegura o direito à informação constante em órgãos públicos. Salientamos que a CF


instituiu tal obrigação apenas aos órgãos públicos, excluindo, por consequência, os organismos
privados. Portanto, o Poder Público tem a obrigação de manter o cidadão constante e integralmente
informado, municiando-o com todas as informações acerca das atividades públicas, bastando, para
tanto, apenas a solicitação.

Liberdade de locomoção (incisos XV e LXI)


Num primeiro plano, o direito de locomoção dentro do território nacional, que se insere no direito à
liberdade, é a prerrogativa que qualquer pessoa tem de não ser presa ou detida arbitrariamente. As
hipóteses que a própria Constituição estabelece para o cerceio da liberdade, em tempos de paz, são:
flagrante delito ou decisão judicial. Nesse rumo, medidas como a chamada “detenção para averiguação”
são claramente inconstitucionais.

Noutro plano, há que se considerar o direito de entrar ou sair do território nacional com os seus
bens. Nessa hipótese há a possibilidade de outras restrições de natureza infraconstitucional, como a
concessão ou não de visto de entrada e permanência, além da tributação desses bens.

Conveniente ressalvar, no entanto, que a Administração Pública pode limitar temporariamente ou


restringir o direito de locomoção: impedindo temporariamente, com barreiras policiais, a passagem
de veículos numa rodovia ou proibindo o trânsito para caminhões em outras.

63
UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Direito de propriedade (incisos XXII a XXVI)


David Araújo e Nunes Júnior definem o direito de propriedade como “o direito subjetivo que
assegura ao indivíduo o monopólio da exploração de um bem e de fazer valer esta faculdade contra
todos que eventualmente queiram a ela se opor”.

Já mencionamos que os princípios constitucionais se articulam num sistema que se limita


reciprocamente. O direito de propriedade, por excelência, sofre, além dessas, outras limitações
estabelecidas pela própria Constituição, na medida em que esta encara a propriedade como utensílio
alavancador de bem-estar social.

Por isso, se observa que, enquanto o inciso XXII dispõe que “é garantido o direito de propriedade”, o
inciso imediatamente seguinte o restringe, estabelecendo que “a propriedade atenderá a sua função
social”. O conceito de função social está insculpido nos art. 182, § 2o e 186 da Norma Maior.

Outra limitação a tal direito é a possibilidade de desapropriação por interesse público. Nesse caso, a
propriedade particular é transferida, por ato de exclusiva vontade do Estado, ou para ele próprio, ou
para entidade de caráter público, sempre que haja necessidade ou interesse público ou social. Essa
transferência, porém, há de ser indenizada pelo justo valor, caso contrário configura confisco. Apresenta
natureza mais identificada com os princípios da ordem econômica do que de direito individual.

No inciso XXV, prevê-se a possibilidade de requisição pelo Estado de propriedade imobiliária


particular, alheia à concordância do proprietário, em caso de iminente perigo público (enchentes,
desastres etc.), assegurada ulterior indenização, caso ocorra dano ao imóvel. Nesse caso não
há desapropriação, logo não há que se pagar pelo imóvel. A requisição tem caráter temporário,
retornando o bem às mãos do proprietário logo que cessar a necessidade.

Direito de petição e certidão (inciso XXXIV)


A Constituição isenta do pagamento de taxas o direito de petição e certidão. Trata-se de direito
líquido e certo de se obter certidões expedidas pelas repartições públicas, seja para a defesa de
direitos, seja para esclarecimentos de situações de interesse próprio ou de terceiros. Como exemplo
tem-se o direito de o servidor público obter certidão perante a autoridade administrativa com fins
de requerer a sua aposentadoria.

O direito de petição, mais específico, pode ser utilizado tanto para reclamar providências da
Administração quanto para denunciar ilegalidade ou abuso de poder. Assim, por exemplo, pode
prestar-se para denunciar uma atividade poluente praticada por dada indústria ou para cobrar o
conserto de uma rede de esgoto que transborda.

Princípio da inafastabilidade da jurisdição (inciso


XXXV)
É o “direito a ter direitos”. Coroamento do Estado Democrático de Direito, a possibilidade de exercer
amplamente o chamado direito de ação é assegurada pela prévia existência da jurisdição estatal.

64
GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

Liebman define jurisdição como “a atividade dos órgãos do Estado destinada a formular e atuar
praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada
situação jurídica”. Significa isso que o Estado chamou para si, como atividade privativa do Poder
Judiciário, a atribuição de dizer o direito, com vistas à solução dos conflitos. Por esse motivo, não
poderá lei restringir ou dificultar o acesso ao Poder Judiciário porque assim agindo estaria o Estado
furtando-se ao cumprimento de um dever que é manifestação da sua própria soberania.

Exceção parcial a essa regra é a hipótese contida no art. 217, que prevê que as matérias de natureza
desportiva, antes de chegarem ao Judiciário, deverão ser apreciadas pela Justiça Desportiva.

Não se confunde com o direito de petição, pois enquanto este está voltado para o exercício da
cidadania, em que não é necessário demonstrar lesão ou ameaça a direito, o direito de ação antevê,
de pronto, a lesão ou ameaça ao direito praticada por pessoa certa e determinada.

Segurança jurídica e proteção da confiança dos


cidadãos (inciso XXXVI)
Inscrevendo limitações à retroatividade da lei, reza a Constituição que “a lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Tanto as relações jurídicas quanto as decisões judiciais necessitam da garantia de que não serão
modificadas no futuro, a despeito de uma das partes, para prejudicá-la, afinal, o que foi acertado
ou decidido deve ter caráter definitivo. Balizada nesse ideal, estabeleceu a Constituição o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Quanto à coisa julgada, não há necessidade de maiores questionamentos, pois seu conceito é
simples: trata-se de decisão judicial da qual não caiba mais recurso. As dúvidas permeiam o campo
conceitual do que seria direito adquirido e ato jurídico perfeito.

Assim, direito adquirido é o direito que já se incorporou ao patrimônio da pessoa, já é de sua


propriedade, já constitui um bem que deve ser judicialmente protegido contra qualquer ataque
exterior que ouse ofendê-lo ou turbá-lo. Esse conceito decorre da Teoria de Gabba.

Há ainda outro conceito que advém da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trazido
pelo art. 6o, § 2o, que considera adquiridos “os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição estabelecida inalterável,
a arbítrio de outrem”.

Ato jurídico perfeito, por sua vez, é o ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou. Não se trata aqui de direito consumado, situação consumada, que, segundo José Afonso da
Silva, também é inatingível pela lei nova, por ser “direito mais do que adquirido, direito esgotado”.

A diferença do direito adquirido para o ato jurídico perfeito é que, no caso do primeiro, o direito é
gerado pela lei, enquanto no segundo o direito deriva de um negócio jurídico formado de acordo
com a lei. Assim, o ato jurídico perfeito é aquele ato jurídico que preencheu todos os seus requisitos
de existência.

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UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Princípio do juiz natural (incisos XXXVI e LIII)

Tais dispositivos pretendem evitar que, por alguma razão circunstancial, se crie instituição com
atribuição jurisdicional alheia à estrutura judiciária existente, objetivando julgar pessoas em
detrimento da justiça instituída, ou que se utilize algum procedimento extravagante em um tribunal
já existente, de forma a criar privilégio não previsto em lei.

Ambos os incisos visam caracterizar o denominado juízo natural ou, em outras palavras, o juízo
ou tribunal pré-constituído, há tempos já consubstanciado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos como garantia da independência e imparcialidade das decisões. Com isso, pretende-se
afastar oportunismos ou conveniências políticas de mau agouro a pretender decisões convenientes,
seja pela severidade seja pela benevolência do julgamento.

Princípio da legalidade e da anterioridade


da lei (incisos XXXIX e XL)

O primeiro inciso diz respeito à regra nullun crimen nulla poena sine praevia lege. Intrinsecamente
ligado aos princípios da legalidade e da anterioridade da lei, encontramos o princípio da
irretroatividade da lei penal, que impede a aplicação de lei de forma a retroagir para alcançar
fatos anteriores à sua vigência. Entretanto, quando for para beneficiar o réu, a lei mais branda
terá efeito retroativo, seja para descriminalizar a conduta, seja para atenuar a pena ou o regime de
cumprimento.

Garantias contra práticas discriminatórias, crimes


inafiançáveis e imprescritíveis ou insuscetíveis de
graça ou anistia (incisos XLI a XLIV)

Bloco de garantias constitucionais atinentes à função de não discriminação que exercem os direitos
fundamentais, dos quais destacamos:

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades


fundamentais;

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,


sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou


anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

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GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

Vedação à pena de morte e às penas degradantes


e desumanas (inciso XLVII)
Considerados desdobramentos dos princípios da dignidade humana e do direito à vida, os
dispositivos indicam que não “não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada [...];
de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis”, em sintonia como o sistema
internacional de proteção dos direitos humanos.

Princípio do devido processo legal (incisos LIV, LV


e LVI)
É uma base principiológica derivada do clássico primado do due process of law, calcada na garantia
básica da “igualdade de armas” em um processo conduzido pelo Poder Público, seja jurisdicional,
seja administrativo. De sua noção básica derivam outras importantes garantias processuais
constitucionais.

Visa, sobretudo, assegurar às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais na defesa
dos seus direitos em juízo, bem como o regular exercício da jurisdição estatal. É o direito a um
procedimento adequado e inerente a todas as pessoas, indistintamente.

Princípios intimamente relacionados com o princípio do devido processo legal são os da ampla
defesa e do contraditório, insculpidos no inciso LV. Visam assegurar às partes o direito de opor-se
(contraditar) aos argumentos apresentados pelo ex-adverso, bem como a oportunidade de apresentar
a sua versão dos fatos para a adequada avaliação (julgamento) pelo Judiciário. O exercício da ampla
defesa está relacionado à plena produção probatória, ou seja, à utilização de todos os meios de prova
em direito admitidos.

Em tese, não será admitida no processo a prova obtida por vias ilícitas (inciso LVI). Em outras
palavras, há provas que são tidas como ilícitas para o processo em geral, todavia, em se tratando de
ação penal, a plenitude do direito de defesa admitirá tais provas como lícitas, segundo jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal.

Garantias contra a prisão ilegal (incisos LXV a LXVII)


Pelo espírito norteador da Constituição Federal em matéria penal, alguém só será considerado
culpado após todo o trâmite processual, respeitados o contraditório e a ampla defesa, a culminar
com a condenação transitada em julgado.

Determina a CF que deve ser posto em liberdade aquele que, mesmo preso em flagrante, ainda não
foi julgado pelo crime do qual é acusado, desde que atenda a algumas prerrogativas estabelecidas
em lei. Genericamente falando, essas prerrogativas levam em conta a primariedade do acusado
e a potencialidade ofensiva do delito praticado. Assim sendo, verifica-se que o encarceramento é
pretendido como resultado de pena pela prática de delito. Esse é o motivo de não se admitir a prisão
por dívida, que tem natureza civil.

67
UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Previu, entretanto, a CF a prisão civil em duas hipóteses: pelo descumprimento voluntário de


obrigação alimentícia ou pela infidelidade depositária. No primeiro caso, busca-se resguardar outro
bem mais significativo: a subsistência do alimentando. Em relação à prisão do depositário infiel, não
mais existe, conforme o enunciado da Súmula 25 do STF e 419 do STJ, razão pela qual hoje há, apenas,
a prisão civil daquele que descumpre voluntariamente a obrigação de pagar pensão alimentícia.

Direitos fundamentais de caráter processual


As implicações do primado da rule of law e da noção do devido processo encerram a necessidade
de proteção judicial a um leque de direitos que não se restringem, apenas, a proclamar direitos
subjetivos, que mas dirigem, outrossim, a efetivá-los.

No sentir de Gilmar Mendes, Paulo Gonet e Inocêncio Mártires Coelho, esses direitos seriam
designados como direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais
processuais, expressões análogas àquela empregada pela doutrina alemã (Justizgrundrechte).

É preferível, no entanto, falar em direitos fundamentais de caráter processual ou em garantias


constitucionais processuais, por serem aplicáveis, de igual sorte, no processo administrativo, como
bem ressalvam os autores citados.

Certo é que o sistema de garantias constitucionais consagrado pela Constituição de 1988 transcende
o âmbito de proteção judicial e engloba quatro grandes grupos: I) as garantias materiais; II) as
garantias jurisdicionais; III) as garantias processuais e IV) as garantias tributárias. Interessa-nos
mais de perto os três primeiros grupos, que serão identificados por exemplos.

Direitos fundamentais consistentes em garantias


materiais
Entre as garantias materiais podemos articular os princípios da anterioridade e da reserva da lei
penal, corolários do próprio primado da segurança jurídica. Nesse grupo de garantias, inscrevem-
se, ainda, o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, o princípio da personalização da
pena e o princípio da individualização da pena.

Constitui, também, garantia constitucional material a proibição das seguintes penas: de morte,
salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e as
consideradas cruéis.

Também, em matéria de pena, constituem garantias os princípios relativos à execução da pena


privativa de liberdade, em que o Estado deve zelar pela elaboração de políticas penitenciárias que
visem, além do caráter retributivo da pena, à ressocialização do preso. Podemos apontar as seguintes
garantias decorrentes: o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a
natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; o respeito à integridade física e moral e o direito das
presidiárias de permanecerem com os seus filhos durante o período de amamentação. Por fim, as
restrições à extradição de nacionais e estrangeiros e a proibição da prisão civil por dívidas, salvo no
caso de devedor de pensão alimentícia, são outros exemplos de garantias materiais constitucionais.

68
GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

Direitos fundamentais consistentes em garantias


jurisdicionais
A proteção judicial efetiva corresponde à base principiológica da atuação do Judiciário independente.
São exemplos de garantias constitucionais jurisdicionais: o princípio da inafastabilidade ou do
controle do Poder Judiciário; a proibição dos tribunais de exceção; o julgamento pelo tribunal do
júri em crimes dolosos contra a vida; o princípio do juiz natural ou do juiz competente; o princípio
do promotor natural e o dever de motivação das decisões judiciais.

Direitos fundamentais consistentes em garantias


tipicamente processuais
Esse grupo de garantias abrange não apenas o processo judicial, mas também os atos da Administração
Pública. Em sentido genérico, estão diretamente associados ao princípio do devido processo legal
e podem ser elencados como princípios do contraditório e da ampla defesa; da proibição de prova
ilícita; da presunção de não culpabilidade; da publicidade dos atos processuais e da legalidade e da
comunicabilidade das prisões.

69
CAPÍTULO 2
A questão dos direitos fundamentais
nas relações privadas

historicamente, sempre foi de extrema relevância a separação entre o Direito Privado e o Direito
Público. A ideia de propriedade no Direito Romano chegava a ser absoluta, incluindo o domínio
do pater familiae tanto sobres os objetos como sobre as pessoas sujeitas ao seu corpo familiar. Em
uma visão mais clara, o destinatário das normas constitucionais, restritas às matérias atinentes
à estruturação do Estado, seria o legislador ordinário, a quem incumbiria disciplinar as relações
privadas por meio do Código Civil18.

Esta visão de direito começa a ser alterada no início do século XX, na Europa, e após os anos 30,
no Brasil, com maior intervenção do Estado na economia e a restrição à autonomia privada, que se
associa ao fenômeno do dirigismo contratual19.

Tal raciocínio também poderia ser incorporado à questão dos direitos fundamentais. Segundo Carl
Schmitt, os direitos fundamentais são vistos, inicialmente, como direitos do homem livre e isolado
em face do Estado20. Tal concepção, apoiada na visão liberal predominante dos séculos XVIII e XIX,
também sofre com a intervenção estatal acima mencionada, cujo principal marco foi a Constituição
de Weimar, de 1919.

No Brasil, a primeira Constituição a tratar de direitos sociais, também conhecidos como de segunda
geração, é a de 1934. Entretanto, a Constituição que mais trouxe avanços na questão dos direitos
fundamentais e suas relações privadas foi a de 1988.

Para se ter uma noção de como as relações privadas tiveram uma forte influência na questão relativa
aos direitos fundamentais, apenas para se ater no art. 5o, o constituinte tratou da matéria nos seguintes
incisos:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da


indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,


assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação;

[...]

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

[...]

18 TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 2.


19 TEPEDINO, op. cit., p. 3.
20 SCHMITT apud BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, p. 561.

70
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

[...]

XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que


trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos
decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de
financiar o seu desenvolvimento;

[...]

XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela


lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não
lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus;

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

[...]

O rol acima mencionado não inclui os direitos e garantias originários da liberdade individual ou os
relativos aos direitos do cidadão contra o Estado nem os chamados direitos sociais, cuja intervenção
passou a determinar a tendência de intersecção entre direito público e privado, mais especialmente
no direito de trabalho, hoje entendido com uma terceira via entre a dicotomia acima apontada.

Nesses incisos, percebe-se que o constituinte passa a se preocupar com determinadas consequências
advindas exclusivamente das relações privadas; consequências estas que serão abordadas de
forma mais detalhada.

Liberdade de pensamento
É livre a liberdade de pensamento, não sendo admitida censura prévia em diversões ou espetáculos
públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação de pensamento
sujeitam os autores à responsabilização civil e até penal.

É um dos típicos casos de colisão entre princípios o fato de a liberdade invadir a honra, a intimidade
e a privacidade, bens jurídicos igualmente assegurados constitucionalmente.

Direito de resposta
A Carta Magna em seu art. 5o, inciso V, previu um remédio contra o abuso praticado por particulares,
garantindo o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material,
moral ou à imagem. Na verdade, o constituinte evoluiu do pensamento existente na Constituição
anterior, que, no §8o do art. 153, garantia apenas o direito de resposta21.

21 § 8o É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação
independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos
abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da
autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou
de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.

71
UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

A imprensa acabou tornando-se a maior destinatária da regra prevista no inciso mencionado. A Lei de
Imprensa (no 5.250/1967) teve dois artigos não recepcionados pela Constituição, conforme decisões
do Supremo Tribunal Federal. Tanto o art. 5222, que tratava da limitação da indenização, como o
5623, que versava sobre o curto prazo decadencial para ajuizamento da ação, não foram recebidos
pela Constituição sob o argumento de que o dano moral, inovação constitucional, é incompatível
com qualquer limite tarifado, segundo o que determina a Lei de Imprensa, interpretando-se, ainda,
que o disposto no inciso V não pode sujeitar-se ao prazo decadencial de três meses, conforme dispôs
o Ministro Carlos Velloso em seu voto como relator no leading case sobre a questão24.

No tocante ao direito de resposta, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é parte ilegítima no polo
passivo o jornalista que escreve a matéria, devendo ser preenchido pela empresa de informação ou
divulgação25.

A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer o texto do inciso X. Nenhuma outra Constituição
brasileira versou sobre a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o
direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação. Mais do que mencionar
tais temas e elevá-los ao status de direito fundamental, o inciso X reformula a noção de dano moral,
assim como o inciso V.

Antes de 1988, o dano moral possuía previsão infraconstitucional, todavia circunscrito à questão
da indenização por algum dano causado conforme regulamentado no art. 53 da Lei de Imprensa26.
Com o dispositivo constitucional, os tribunais passaram a disciplinar o dano moral, haja vista que o
Código Civil de 1916 não tratava do assunto, que só veio a aparecer no Códex de 2002, em seu art.
186.

22 “Indenização. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa
fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida nos termos do
art. 52 da Lei no 5.250/1967. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art.
5o, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1o, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e
abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade
irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual
não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente” (RE no 447.584, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 28.11.2006, DJ de 16 mar.
2007).
23 “Dano moral: ofensa praticada pela imprensa. Decadência: Lei no 5.250, de 9/2/1967 — Lei de Imprensa — art. 56: não recepção
pela CF/1988, art. 5o, V e X. O art. 56 da Lei no 5.250/1967 — Lei de Imprensa — não foi recebido pela Constituição de 1988, art.
5o, incisos V e X” (RE no 420.784, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 25 jun. 2004). No mesmo sentido, RE no 348.827, Rel. Min.
Carlos Velloso, j. em 1o/6/2004, DJ de 6 ago. 2004.
24 RE no 348.827, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 1o/ 6/2004, DJ de 6 ago. 2004. Inteiro teor do julgamento em: <http://www.stf.
jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=348827&classe=RE>.
25 “[...] O pedido judicial de direito de resposta previsto na lei de impressa deve ter no polo passivo a empresa de informação
ou divulgação, a quem compete cumprir a decisão judicial no sentido de satisfazer o referido direito, citado o responsável
nos termos do § 3o do art. 32 da Lei no 5.250/1967, sendo parte ilegítima o jornalista ou o radialista envolvido no fato. Falta
interesse recursal ao requerido pessoa física, já que, no caso concreto, o juiz de Direito proferiu decisão condenatória apenas no
tocante à empresa de radiodifusão. O não conhecimento da apelação do requerido pessoa física, hoje deputado federal, implica
a devolução dos autos ao tribunal de origem para que julgue a apelação da pessoa jurídica que não tem foro privilegiado no
Supremo Tribunal Federal. [...]” (Pet. no 3.645, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 20/2/2008, DJE de 2 de maio 2008).
26 Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do
ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal
ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta
ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação
por esse meio obtida pelo ofendido.

72
GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

Um voto marcante na conceituação do dano moral foi o do relator, à época desembargador do TJRJ,
Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento da Apelação Cível no 3.059/1991, que recolhe vários
exemplos doutrinários sobre o dano moral:

Dano moral. Lição de Aguiar Dias: o dano moral é o efeito não patrimonial da
lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada. Lição de
Savatier: dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária. Lição de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa
é que é ofendida; o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser
humano, não lhe atinge o patrimônio27.

A questão se apontava com tal novidade no Direito brasileiro que o Superior Tribunal de Justiça
sumulou a possibilidade de cumulação entre dano moral e dano material decorrentes do mesmo
fato28.

José de Aguiar Dias distingue o dano moral do patrimonial informando que a diferença não decorre
da natureza do direito, bem, ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão
sobre o lesado29. Ressalte-se que o dano material nunca é irreparável, pois se pode restaurar a
situação anterior, ou se pagar o equivalente pelo desfalque, enquanto no dano moral ocorre uma
diversidade de prejuízos que o envolvem e que de comum só têm a característica negativa de não
serem patrimoniais, resultando em uma confusão entre a pena a ser aplicada e a indenização a ser
recebida30.

Álvaro Villaça Azevedo arrola como exemplos de bens materiais o imóvel, o animal, a soma em
dinheiro, enquanto a honra, a vida e a liberdade podem ser tachados de bens imateriais31. Assim, se
o dano se dirigir ao bem material, o dano será material, se ao bem imaterial, o dano será moral32.

Uma discussão levantada com o inciso X do art. 5o, é a de que só caberia dano moral nas hipóteses
taxativas da Constituição. A experiência jurisprudencial tem derrubado essa ideia e permitido
a aplicação de indenização por dano moral a situações além das meramente trazidas no inciso.
Entretanto, as indenizações por dano moral não se transformaram em uma possibilidade irrestrita
de aplicação, tendo os tribunais limitado a sua interpretação de acordo com o caso concreto.

O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, entende que o dano moral é o que atinge a esfera
legítima de afeição da vítima, que agrede seus valores, que humilha ou causa dor, não se incluindo
aí meras situações desagradáveis33. Tal entendimento também está presente no Superior Tribunal

27 TJRJ, RDA 185/198, AC no 3.059/1991, Rel. Des. Carlos Alberto Direito.


28 Súmula 37: são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
29 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 992.
30 DIAS, op. cit., p. 993.
31 Código Civil comentado: negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos ilícitos: artigos 104 a 188, volume II, coordenador Álvaro
Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 357.
32 Idem, ibidem.
33 “O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que
causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem da mulher, não obstante
desagradável, não produz dano moral indenizável” (RE no 387.014-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 8/6/2004, DJ de 25 jun.
2004).

73
UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

de Justiça34, que não admite a condenação por dano moral quando há simples incômodo comum,
decorrente da vida cotidiana35.

Uma das maiores dificuldades na configuração do dano moral está no quantum debeatur, ou seja,
na definição do valor a ser indenizado, haja vista a falta de materialização do dano. Muitas dessas
ações acabam sendo resolvidas no Superior Tribunal de Justiça, que tem-se manifestado no sentido
de que os tribunais de segunda instância são livres para definir o valor da indenização, havendo o
cabimento de recurso especial ao STJ apenas na hipótese de o valor do dano ser determinado como
ínfimo ou excessivo36, o que impede que o dano moral seja uma força motriz para o enriquecimento
ilícito daquele que sofreu o dano37, e respeita o disposto no Código Civil, que faz essa previsão em
seu art. 94438.

“Com o julgamento da ADPF 130, em abril de 2009, o STF declarou que a lei de
imprensa (5.250/67) é incompatível com a atual ordem constitucional”.

Intimidade e vida privada


O constituinte expressamente previu a proteção da intimidade como garantia fundamental,
trazendo de forma antecipada na Carta Magna um conceito que não havia, à época, na legislação
infraconstitucional.

Com a intimidade, o constituinte tratou da vida privada. Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma
que:

Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande


interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude
do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, o
34 “Dano moral. Extravio de bagagem. Retorno ao local de residência. Precedentes da Terceira Turma. 1. Já decidiu a Corte que não
se justifica a ‘reparação por dano moral apenas porque a passageira, que viajara para a cidade em que reside, teve o incômodo
de adquirir roupas e objetos pessoais’ (REsp no 158.535/PB, Rel. para o acórdão o Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 9 out. 2000; no
mesmo sentido: REsp no 488.087/RJ, da minha relatoria, DJ de 17 nov. 2003). 2. Recurso especial conhecido e provido (Resp
no 740.073/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3a Turma, j. em 25/10/2005, DJ de 6 mar. 2006, p. 385).
35 “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. BANCO. SAQUE FRAUDULENTO NA CONTA DE CORRENTISTA.
DANO MORAL. O saque fraudulento feito em conta bancária pode autorizar a condenação do banco por omissão de vigilância.
Todavia, por maior que seja o incômodo causado ao correntista ou poupador, o fato, por si só, não justifica reparação por dano
moral. Recurso não conhecido. (REsp no 540.681/RJ, Rel. Min. Castro Filho, 3a Turma, j. em 13/9/2005, DJ de 10 out. 2005, p.
357).
36 “DIREITO DO CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DANO
MORAL. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. 1. A revisão de indenização por danos morais só é possível
em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo. 2. Agravo regimental desprovido”.
(RCDESP no Ag. no 1.028.443/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4a Turma, j. em 18/12/2008, DJe de 2 fev. 2009).
37 “CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DISPOSITIVOS PROCESSUAIS. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. APOSENTADO. VEDAÇÃO DE ACESSO A EDIFÍCIO QUE ABRIGA ENTIDADE BANCÁRIA. DANO MORAL. ATO
ILÍCITO SUFICIENTE PARA GERAR INDENIZAÇÃO. REEXAME DOS FATOS. QUANTUM RESSARCITÓRIO EXCESSIVO.

REDUÇÃO. SÚMULAS No. 282 E 356-STF E 7-STJ. I. As questões federais não enfrentadas pelo tribunal estadual recebem o

óbice das Súmulas no 282 e 356 do C. STF, não podendo, por falta de prequestionamento, ser debatidas no âmbito do recurso
especial. II. A conclusão de que o ato lesivo é suficiente para consubstanciar dano moral indenizável depende do reexame do

conteúdo fático da causa, vedado pela Súmula no 7-STJ. III. Constatado flagrante excesso na fixação do valor da indenização
concedida a título de reparação, impõe-se a sua redução a patamar razoável, afastado o enriquecimento sem causa. IV. Recurso
especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido”. (REsp no 628.490/PA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior,
4o Turma, j. em 7/8/2007, DJ de 8 out. 2007, p. 287).
38 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente,
a indenização.

74
GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

conceito de intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da


pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto o conceito de
vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos,
tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc39.

A delimitação do direito à vida privada possui uma característica complexa, haja vista a diversidade de
povos, crenças, sendo alguns comportamentos tolerados por uns e repudiados por outros. Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que a vida privada é o refúgio impenetrável pela
coletividade, é o direito de viver a própria vida em isolamento, não sendo submetido à publicidade
que não provocou, nem desejou40.

Com esse pensamento, o Superior Tribunal de Justiça condenou empresa jornalística ao pagamento
de dano moral por ter divulgado o nome completo e o bairro onde morava uma determinada vítima
de estupro41. Da mesma forma, o STJ entendeu cabível indenização contra empresa telefônica
por divulgação, sem autorização, de anúncio comercial de serviços de massagem em suas páginas
amarelas42.

No esteio do raciocínio do conceito acima mencionado, não há ofensa ao direito à intimidade quando
a própria pessoa provocou ou desejou a situação. Se alguém se coloca de topless em uma praia, não
pode pedir indenização por danos morais em razão de divulgação de sua foto na imprensa43.

Todavia, a vida privada não se resume ao direito à intimidade, podendo ser entendida como gênero
composto pelas espécies direito à intimidade e direito ao sigilo.

O direito ao sigilo é, sem dúvida, um dos grandes desafios constitucionais. O constituinte apenas
tratou expressamente dos sigilos de correspondência, dados, telegráfico e telefônico no inciso XII
do art. 5o. Todavia, como esses sigilos são mais relacionados ao direito público, não será feita a
devida abordagem no presente estudo. Ressalte-se que o inciso disciplina a quebra instantânea e
39 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 35.
40 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
147.
41 “DANO MORAL. DIVULGAÇÃO. NOME. NOTICIÁRIO. Trata-se de ação de indenização por dano moral pela divulgação, em
noticiário de rádio, do nome completo e do bairro onde residia a vítima de crime de estupro. Ressalta a Min. Relatora que há
limites ao direito da imprensa de informar, isso não se sobrepõe nem elimina quaisquer outras garantias individuais, entre
as quais se destacam a honra e a intimidade. Afirma que, no caso dos autos, a conduta dos recorrentes não reside na simples
divulgação de um fato verídico criminoso e de interesse público, vai muito além, ao divulgar o nome da autora: sua intimidade
e sua honra foram violadas. Por isso, foram condenados a compensá-la pelos danos morais no valor de R$ 40.000,00.
Outrossim, o prazo prescricional em curso quando diminuído pelo novo Código Civil só sofre a incidência de sua redução a
partir de sua entrada em vigor. Assim, a decisão a quo está de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal. Com essas
considerações, entre outras, a Turma não conheceu do recurso. Precedentes citados: REsp no 717.457-PR, DJ 21 de maio 2007;
REsp no 822.914-RS, DJ de 19 jun. 2006; REsp. no 818.764-ES, DJ de 12 mar. 2007; REsp no 295.175-RJ, DJ de 2 abr. 2001, e
REsp no 213.811-SP, DJ 7/2/2000. REsp no 896.635-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 26/2/2008.
42 “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VIOLAÇÃO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. INTIMIDADE. VEICULAÇÃO.
LISTA TELEFÔNICA. ANÚNCIO COMERCIAL EQUIVOCADO. SERVIÇOS DE MASSAGEM. 1. A conduta da prestadora de
serviços telefônicos caracterizada pela veiculação não autorizada e equivocada de anúncio comercial na seção de serviços de
massagens, viola a intimidade da pessoa humana ao publicar telefone e endereço residenciais. 2. No sistema jurídico atual, não
se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos da personalidade, entre eles a intimidade,
imagem, honra e reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela simples violação ao bem jurídico tutelado. 3. Recurso
especial parcialmente conhecido e provido”. (REsp 506.437/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4a Turma, j. em 16/9/2003, DJ
de 6 out 2003, p. 280).
43 “DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode cometer o delírio
de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de
qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida
sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso
especial não conhecido”. (REsp no 595.600/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4a Turma, j. em 18.03.2004, DJ de 13 set. 2004,
p. 259).

75
UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

não meramente eventuais registros telefônicos, com as informações das ligações efetuadas, cujo
tratamento também fica adstrito ao inciso X44.

Além dos sigilos acima mencionados, estão presentes outros segredos implícitos, que ganharam
corpo com a evolução da interpretação constitucional, entre eles o sigilo bancário e o sigilo fiscal.

A primeira discussão acerca desses sigilos está na sua limitação. O Supremo Tribunal Federal já
decidiu que tais sigilos não são absolutos, devendo ceder aos interesses público, social e da Justiça,
sendo observados os ditames legais e as regras de razoabilidade45.

A Suprema Corte também decidiu que tanto o sigilo bancário como o fiscal só podem ser quebrados
por via judicial, o que impossibilita a atuação meramente administrativa46. O juiz, no momento
da decretação deve estipular claramente os limites da quebra, a fim de que não haja invasão à
privacidade do indivíduo47.

A última questão polêmica acerca do direito à intimidade e à vida privada está na possibilidade
de serem realizadas gravações ambientais, sejam elas de áudio ou de vídeo. Discute-se a hipótese
de tais gravações estarem invadindo a privacidade do indivíduo e, com isso, ofende o art. 5o, X,
da Constituição Federal. As câmeras são exemplos disso. Elas são cada vez mais comuns em
estabelecimentos comerciais e começam a ser utilizadas pelas autoridades públicas, seja para coibir
infrações de trânsito, seja para prevenir e reprimir a prática de crimes. Com acessibilidade cada
vez maior aos meios de gravação, mais e mais pessoas se utilizam de tais métodos para comprovar
determinadas situações ou, até mesmo, para se defender de eventuais ameaças.

A pergunta que se faz é: isso é legal? O STF entende plenamente constitucional a gravação ambiental
realizada por um dos interlocutores, podendo ser usada como meio de prova48. Do mesmo modo,
44 “[...] VII - A quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e o números das linha chamadas e
recebidas não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei no 9.296/1996 (que regulamentou o inciso
XII do art. 5o da Constituição Federal) e ressalvadas constitucionalmente tão somente na investigação criminal ou instrução
processual penal. [...]”(RMS no 17.732/MT, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a Turma, j. em 28/6/2005, DJ de 01 ago. 2005, p. 477).
45 “O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante
dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com
respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes” (AI no 655.298-AgR, Rel. Min. Eros Grau, j. em 4/9/2007, DJ de 28 set.
2007).
46 “Possibilidade de quebra de sigilo bancário pela autoridade administrativa sem prévia autorização do Judiciário. Recurso
extraordinário provido monocraticamente para afastar a aplicação do art. 8o da Lei no 8.021/1990 (‘Iniciado o procedimento
fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras,
inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei no 4.595, de 31 de dezembro
de 1964’) e restabelecer a sentença de primeira instância. A aplicação de dispositivo anterior em detrimento de norma
superveniente, por fundamentos extraídos da Constituição, equivale à declaração de sua inconstitucionalidade” (RE no 261.278-
AgR, Rel. para o acordão Min. Gilmar Mendes, j. em 1o. 4.2008, DJE de 1o ago. 2008).
47 “A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não
fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada
da esfera de intimidade das pessoas, o que daria ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime
democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilosos alheios. Doutrina. Precedentes. Para
que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima, torna-se imprescindível
que o ato estatal que a decrete, além de adequadamente fundamentado, também indique, de modo preciso, entre outros dados
essenciais, os elementos de identificação do correntista (notadamente o número de sua inscrição no CPF) e o lapso temporal
abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. Precedentes” (HC no 84.758, Rel.
Min. Celso de Mello, j. em 25/5/2006, DJ de 16 jun. 2006).
48 “É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores. Esse foi o entendimento firmado pela
maioria do Plenário em ação penal movida contra ex-prefeito, atual deputado federal, e outra, pela suposta prática do delito
de prevaricação (CP, art. 319) e de crime de responsabilidade (Decreto-Lei no 201/1967, art. 1o, XIV) [...]. Asseverou-se que a
gravação ambiental, feita por um dos fiscais municipais de trânsito, de uma reunião realizada com a ex-secretária municipal,
seria prova extremamente deficiente, porque cheia de imprecisões, e que, dos depoimentos colhidos pelas testemunhas, não se
poderia extrair a certeza de ter havido ordem de descumprimento do CTB por parte do ex-prefeito [...]. Vencidos, no que tange
à licitude da gravação ambiental, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que a reputavam ilícita” (AP 447, Rel. Min.
Carlos Britto, j. em 18/2/2009, Plenário, Informativo no 536).

76
GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

não há ilegalidade nas gravações clandestinas, tão comumente mostradas nos telejornais49, podendo
ser feitas tranquilamente em lugares de frequentação comum, não sendo possível a gravação dentro
da residência do indivíduo sem sua autorização50.

Honra
A honra tem estreita ligação com a privacidade. Enquanto esta resguarda o que compõe a intimidade,
aquela protege a pessoa humana contra falsos ataques que podem macular sua boa fama social.
Dessa forma, a honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade51.

A honra se divide em honra objetiva e a honra subjetiva. Enquanto a objetiva diz respeito à reputação
que a coletividade dedica a alguém, a subjetiva trata do próprio juízo valorativo que determinada
pessoa faz de si mesmo52.

Ambas as formas de violação da honra são admitidas, ensejando eventual indenização pelo fato.
Ressalte-se que a ofensa à honra pode ensejar, inclusive, a persecução criminal pela prática da injúria.

A proteção à honra fez com que o legislador, na edição do Código Civil, previsse em seu art. 20 o que
segue:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou


à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa
poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que
couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais.
49 “Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de
excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de
emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico.
[...] A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não
constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público” (HC no 87.341, Rel. Min. Eros Grau, j. em 7/2/2006, DJ
de 3 mar. 2006).
50 “AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS
INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. INVESTIDA CRIMINOSA NÃO CONFIGURADA. ILICITUDE
DA PROVA. AFRONTA À PRIVACIDADE (ART. 5o, X, CF). INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO CIVIL E
CRIMINAL. ART. 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA SUSTENTAR O
RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ART. 6o DA LEI NO 8.038/1990. I – A análise da licitude ou não da gravação
de conversa por um dos interlocutores sem a ciência do outro deve ser verificada caso a caso. II – Quando a gravação se refere
a fato pretérito, consumado e sem exaurimento ou desdobramento, danoso e futuro ou concomitante, tem-se, normalmente
e em princípio, a hipótese de violação à privacidade. Todavia, demonstrada a investida criminosa contra o autor da gravação,
a atuação deste – em razão, inclusive, do teor daquilo que foi gravado – pode, às vezes, indicar a ocorrência de excludente de
ilicitude (a par da quaestio do princípio da proporcionalidade). A investida, uma vez caracterizada, tornaria, daí, lícita a gravação
(precedente do Pretório Excelso, inclusive, do c. Plenário). Por outro lado, realizada a gravação às escondidas, na residência do
acusado, e sendo inviável a verificação suficiente do conteúdo das degravações efetuadas, dada a imprestabilidade do material,
sem o exato delineamento da hipotética investida, tal prova não pode ser admitida, porquanto violadora da privacidade de
participante do diálogo (art. 5o, X, CF). III – A atuação do Ministério Público no inquérito civil tem previsão legal (art. 8o, § 1o,
Lei no 7.347/1985). Tal não se confunde com a situação do inquérito criminal envolvendo magistrado de segundo grau (art. 33,
parágrafo único, LOMAN). IV – No processo penal, a exordial acusatória deve vir acompanhada de um fundamento probatório
mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Se não
houver uma base empírica mínima a respaldar a peça vestibular, de modo a torná-la plausível, inexistirá justa causa a autorizar
a persecutio criminis in iudicio. Tal acontece, como in casu, quando a situação fática não está suficientemente reconstituída.
V – Acolhida a primeira preliminar relativa à ilicitude da prova obtida mediante gravação clandestina. Rejeitada a segunda
preliminar referente à alegada usurpação da função da polícia judiciária pelo Ministério Público. Denúncia rejeitada por falta
de justa causa” (Apn no 479/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. em 29/6/2007, DJ de 1o out. 2007, p. 198).
51 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 149.
52 Idem, ibidem.

77
UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Assim, a permisão do legislador, conforme disposto no artigo transcrito, se restringe à autorização


do indivíduo, à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Desse modo, a lei
ordinária limita expressamente o caráter absoluto do direito à proteção da honra.

O direito à proteção da honra também entra em conflito ao ser analisado com a liberdade de
imprensa, também elevada ao status de garantia constitucional. O Superior Tribunal de Justiça já
decidiu que a crítica a uma pessoa pública não significa ataque à honra53.

Entretanto, quando a notícia divulgada extrapola o limite da informação, ofendendo a honra do


indivíduo 54, ou é mentirosa55, surge o direito à indenização pelo dano moral causado.

53 “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ENTREVISTA DE ADVOGADO.


REFERÊNCIA A JULGADOS. 1. O dano moral deve ser visto como violação do direito à dignidade, estando nela inseridos a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Dessa forma, havendo agressão à honra da vítima, é
cabível indenização. 2. Críticas à atividade desenvolvida pelo homem público, in casu, o magistrado, são decorrência natural
da atividade por ele desenvolvida e não ensejam indenização por danos morais quando baseadas em fatos reais, aferíveis
concretamente. 3. Respaldado nas disposições do § 2o do art. 7o da Lei no 8.906/1994, pode o advogado manifestar-se, quando
no exercício profissional, sobre decisões judiciais, mesmo que seja para criticá-las. O que não se permite, até porque nenhum
proveito advém para as partes representadas pelo advogado, é crítica pessoal ao juiz. 4. Recurso especial de Sérgio Bermudes
conhecido e provido. Recurso especial da empresa CRBS S/A Cuiabana conhecido em parte e provido”. (REsp no 531.335/MT,
Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, 3a Turma, j. em 2/9/2008, DJe de 19 dez. 2008).
54 “RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA
OFENSIVA À HONRA DE ADVOGADO – LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE INFORMAÇÃO – DIREITOS RELATIVIZADOS
PELA PROTEÇÃO À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DOS INDIVÍDUOS – VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES E
EXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA DA EMPRESA JORNALÍSTICA – REEXAME DE PROVAS – IMPOSSIBILIDADE

– APLICAÇÃO DO ENUNCIADO No 7 DA SÚMULA/STJ – QUANTUM INDENIZATÓRIO – REVISÃO PELO STJ –


POSSIBILIDADE – VALOR EXORBITANTE – EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE
PROVIDO. I – A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo
relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana. II – A revisão do entendimento do tribunal a quo acerca da não veracidade
das informações publicadas e da existência de dolo na conduta da empresa jornalística, obviamente, demandaria revolvimento
dessas provas, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. III – É certo que esta Corte
Superior de Justiça pode rever o valor fixado a título de reparação por danos morais, quando se tratar de valor exorbitante
ou ínfimo. IV – Recurso especial parcialmente provido” (REsp no 783.139/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, 4a Turma, j. em
11.12.2007, DJ de 18 fev. 2008, p. 33).
55 “Civil. Recurso especial. Compensação por danos morais. Ofensa à honra. Político de grande destaque nacional que, durante
CPI relacionada a atos praticados durante sua administração, é acusado de manter relação extraconjugal com adolescente, da
qual teria resultado uma gravidez. Posterior procedência de ação declaratória de inexistência de relação de parentesco, quando
demonstrado, por exame de DNA, a falsidade da imputação. Acórdão que afasta a pretensão, sob entendimento de que pessoas
públicas têm diminuída a sua esfera de proteção à honra. Inaplicabilidade de tal tese ao caso, pois comprovada a inverdade da
acusação.
– A imputação de um relacionamento extraconjugal com uma adolescente, que teria culminado na geração de uma criança –
fato posteriormente desmentido pelo exame de DNA – foi realizada em ambiente público e no contexto de uma investigação
relacionada à atividade política do autor.
– A redução do âmbito de proteção aos direitos de personalidade, no caso dos políticos, pode em tese ser aceitável quando a
informação, ainda que de conteúdo familiar, diga algo sobre o caráter do homem público, pois existe interesse relevante na
divulgação de dados que permitam a formação de juízo crítico, por parte dos eleitores, sobre os atributos morais daquele que
se candidata a cargo eletivo.
– Porém, nesta hipótese, não se está a discutir eventuais danos morais decorrentes da suposta invasão de privacidade do
político a partir da publicação de reportagens sobre aspectos íntimos verdadeiros de sua vida, quando, então, teria integral
pertinência a discussão relativa ao suposto abrandamento do campo de proteção à intimidade daquele. O objeto da ação é,
ao contrário, a pretensão de condenação por danos morais em vista de uma alegação comprovadamente falsa, ou seja, de
uma mentira perpetrada pelo réu, consubstanciada na atribuição errônea de paternidade – erro esse comprovado em ação
declaratória já transitada em julgado.
– Nesse contexto, não é possível aceitar-se a aplicação da tese segundo a qual as figuras públicas devem suportar, como ônus de
seu próprio sucesso, a divulgação de dados íntimos, já que o ponto central da controvérsia reside na falsidade das acusações
e não na relação destas com o direito à intimidade do autor. Precedente. Recurso especial conhecido e provido” (REsp no
1.025.047/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. em 26/6/2008, DJe de 05 ago. 2008).

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GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

Até mesmo as imunidades previstas em lei e pela Constituição não são absolutas se ofendem a
honra do indivíduo. Advogado que ofende juiz ou promotor de Justiça responde pelos seus atos56,
tanto civil como criminalmente, mesmo com a imunidade prevista no Estatuto dos Advogados
e a inviolabilidade constitucional do art. 133.57 A mesma regra se dá aos deputados e senadores,
cuja imunidade material não permite que a ofensa ultrapasse os limites naturais de seu trabalho
parlamentar58.

Assim, sendo, a honra, cuja proteção já existia antes da Constituição Federal, por meio da Lei de
Imprensa, conforme visto anteriormente, continua tendo a proteção dos tribunais, que cada vez
mais delimitam a forma de como ela deve ser tratada no meio jurídico.

Imagem
De todos os direitos de personalidade tratados pela Constituição, o direito à imagem foi aquele
que mais evoluiu, principalmente em face dos avanços tecnológicos, seja pelos novos meios de
comunicação, seja pelo exponencial crescimento da televisão.

O direito à imagem corresponde à reprodução fisionômica do indivíduo e as sensações, bem assim


como as características comportamentais que o tornam particular, destacado nas relações sociais.
Sendo assim, a imagem pode ser caracterizada por uma fotografia, por uma pintura, um desenho,
um filme, uma caricatura ou até por um atributo específico59.

56 “Direito civil e processual civil. Indenização por danos morais. Correição parcial. Ofensa a juiz. Imunidade profissional do
advogado. Caráter não absoluto. Valor dos danos morais. A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da
Advocacia, não é de caráter absoluto, não tolerando os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer
das pessoas envolvidas no processo, seja o juiz, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da
parte contrária. Precedentes. A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, sendo bastante a demonstração do ato
ilícito praticado. O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde
diretamente pelos danos causados. O valor dos danos morais não deve ser fixado em valor ínfimo, mas em patamar que
compense de forma adequada o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que aquiete as dores na alma que lhe foram infligidas.
Recurso especial provido. Ônus sucumbenciais invertidos” (REsp no 1.022.103/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. em
17/4/2008, DJe de 16 maio 2008).
57 “EMENTA: Advogado: imunidade judiciária (CF, art. 133; C. Penal, art. 142, I; EAOAB, art. 7o, § 2o): não compreensão do crime
de calúnia. 1. O art. 133 da Constituição Federal, ao estabelecer que o advogado é ‘inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão’, possibilitou fosse contida a eficácia desta imunidade judiciária aos ‘termos da lei’. 2. Essa vinculação
expressa aos ‘termos da lei’ faz de todo ocioso, no caso, o reconhecimento pelo acórdão impugnado de que as expressões contra
terceiro sejam conexas ao tema em discussão na causa, se elas configuram, em tese, o delito de calúnia: é que o art. 142, I, do
C. Penal, ao dispor que ‘não constituem injúria ou difamação punível [...] a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa,
pela parte ou por seu procurador’, criara causa de ‘exclusão do crime’ apenas com relação aos delitos que menciona – injúria e
difamação –, mas não quanto à calúnia, que omitira: a imunidade do advogado, por fim, não foi estendida à calúnia nem com a
superveniência da L. 8.906/1994, – o Estatuto da Advocacia e da OAB –, cujo art. 7o, § 2o, só lhe estendeu o âmbito material –
além da injúria e da difamação, nele já compreendidos conforme o C. Penal –, ao desacato (tópico, contudo, em que teve a sua
vigência suspensa pelo tribunal na ADInMC no 1.127, 5/10/1994, Brossard, RTJ 178/67)” (HC no 84.446, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 1a Turma, j. em 23.11.2004, DJ de 25 fev. 2005, PP-00029, EMENT. VOL-02181-01, PP-00130, RTJ VOL-00192-03,
PP-00974, LEXSTF, v. 27, no 316, 2005, p. 439-449, RMDPPP, v. 1, no 4, 2005, p. 124-131).
58 “EMENTA: I. Imunidade parlamentar material: extensão. 1. Malgrado a inviolabilidade alcance hoje ‘quaisquer opiniões,
palavras e votos’ do congressista, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, não cobre as ofensas que,
pelo conteúdo e o contexto em que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de deputado ou senador do agente (Inq.
no 1.710, Sanches; Inq. no 1.344, Pertence). 2. Não cobre, pois, a inviolabilidade parlamentar a alegada ofensa a propósito
de quizílias intrapartidárias endereçadas pelo presidente da agremiação – que não é necessariamente um congressista –
contra correligionário seu. II. Crime contra a honra: inexistência em entrevista que não ultrapassa as raias da crítica à atuação
partidária de alguém” (Inq. no 1.905, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 29. 4.2004, DJ de 21 maio 2004, PP-
00033, EMENT. VOL-02152-01, PP-00011, RTJ VOL 00192-01, PP-00050).
59 FARIAS, de; ROSENVALD, op. cit., p. 140.

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UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

A proteção a esse direito adentrou também no tratamento dos direitos autorais, haja vista que o
artista depende muitas vezes da sua imagem para manter-se ligado ao sucesso. Paralelo ao direito
de imagem, tem-se o chamado direito de arena, que é o direito de transmissão e retransmissão de
evento esportivo, não se confundindo com o direito de imagem60. A separação pela jurisprudência
determina, inclusive, que o titular de direitos de arena não pode utilizá-los para divulgação da
imagem de jogador, haja vista a diferença entre as situações61.

O dano à imagem também protege a pessoa jurídica no que diz respeito aos seus atributos, sendo
passível indenização para reparação do dano62. Nesse caso, a imagem não tem caráter pessoal,
analisa-se a imagem que aquela empresa possui diante de seus sócios ou consumidores.

O direito ao uso da imagem pode, sem qualquer problema, ser autorizado pelo seu titular, seja de
forma expressa, seja de forma implícita. Esta última se dá, por exemplo, quando uma pessoa se deixa
fotografar ou filmar em evento, sabendo que a câmera é de uma rede de televisão pela logomarca
estampada ou pela identificação do fotógrafo de uma revista qualquer63. Todavia, tal imagem não
pode ser desvirtuada, quando, por exemplo, um artista posa para uma determinada revista e sua
imagem é utilizada para outro fins, como propaganda64.

Até mesmo fotos de pessoas comuns utilizadas sem autorização para fins comerciais ensejam direito
à indenização por dano moral65. Fotos de multidão, seja em passeata, eventos esportivos, festas,
desfiles, mesmo que permitam identificar o indivíduo, não ensejam indenização, salvo se o foco da
imagem está centralizado no indivíduo66.

60 “INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE
ARENA. É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada (Súmula
no 282-STF). A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem
o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano. O direito de arena, que a lei atribui
às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da
imagem havido por meio da edição de ‘álbum de figurinhas’. Precedentes da Quarta Turma. Recursos especiais não conhecidos”
(REsp no 67.292/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, 4a Turma, j. em 3/12/1998, DJ de 12 abr. 1999, p. 153).
61 “DIREITO À IMAGEM. DIREITO DE ARENA. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. O DIREITO DE ARENA
QUE A LEI ATRIBUI ÀS ENTIDADES ESPORTIVAS LIMITA-SE À FIXAÇÃO, TRANSMISSÃO E RETRANSMISSÃO DO
ESPETÁCULO DESPORTIVO PÚBLICO, MAS NÃO COMPREENDE O USO DA IMAGEM DOS JOGADORES FORA DA
SITUAÇÃO ESPECÍFICA DO ESPETÁCULO, COMO NA REPRODUÇÃO DE FOTOGRAFIAS PARA COMPOR ‘ÁLBUM DE
FIGURINHAS’. LEI No 5.989/1973, ARTIGO 100; LEI No 8.672/1993” (REsp no 46.420/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4a
Turma, j. em 12/9/1994, DJ de 5 dez. 1994, p. 3.3565).
62 “Direito empresarial. Dano moral. Divulgação ao mercado, por pessoa jurídica, de informações desabonadoras a respeito de
sua concorrente. Comprovados danos de imagem causados à empresa lesada. Dano moral configurado. Fixação em patamar
adequado pelo tribunal a quo. Manutenção. Para estabelecer a indenização por dano moral, deve o julgador atender a certos
critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo
ou grau da culpa do autor da ofensa; efeitos do dano, inclusive no que diz respeito às repercussões do fato. Na hipótese em que se
divulga ao mercado informação desabonadora a respeito de empresa-concorrente, gerando-se desconfiança geral da clientela,
agrava-se a culpa do causador do dano, que resta beneficiado pela lesão que ele próprio provocou. Isso justifica o aumento da
indenização fixada, de modo a incrementar o seu caráter pedagógico, prevenindo-se a repetição da conduta. O montante fixado
pelo tribunal a quo, em R$ 400.000,00, mostra-se adequado e não merece revisão” (REsp no 883.630/RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3a turma, j. em 16.12.2008, DJe de 18 fev. 2009).
63 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 143.
64 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 144.
65 “Dano moral: fotografia: publicação não consentida: indenização: cumulação com o dano material: possibilidade. Constituição
Federal, art. 5o, X. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece
é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou
constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que
ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5o, X” (RE no 215.984, Rel. Min. Carlos Velloso, j.
em 4/6/2002, DJ de 28 jun. 2002).
66 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 144.

80
GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS │ UNIDADE V

O último aspecto relevante ao direito de imagem está no tratamento dado às pessoas públicas, mais
conhecidas como celebridades. Nesse ponto, o art. 20 do Código Civil, já mencionado, estabelece
alguns limites, aplicáveis tanto à honra, como ao direito à imagem. Seria um absurdo que uma
autoridade ou uma celebridade viesse a ter indenização por ter seu nome e sua imagem expostos
pela mídia, haja vista a condição pública da pessoa e a própria liberdade de imprensa. É óbvio que
tal situação deve ser vista sem abuso de direito, como, por exemplo, os papparazzi que invadem a
intimidade da celebridade, que, mesmo sendo uma pessoa pública, tem direito, em sua residência,
a manter um grau mínimo de privacidade.

A regra do art. 20 abre exceção ao direito de imagem no caso de interesse público e da administração
da justiça, como, por exemplo, a revelação da foto de um foragido da justiça, uma vez que há
interesse social na sua captura. Entretanto, caso haja divulgação equivocada da imagem ou a própria
investigação chegue à conclusão de que o indivíduo não foi o autor do fato, tem-se direito claro à
indenização, como foi o conhecido caso da Escola Base em São Paulo67.

Direito de reunião e de associação


A Constituição Federal dispôs, nos incisos XVI a XXI do art. 5o, acerca do direito de livre reunião e
do de livre associação.

O Direito Constitucional de livre reunião teve sua origem no art. 16 da Declaração da Pensilvânia,
de 1776. A Constituição brasileira de 1891 foi a primeira a versar sobre esse direito, ainda, à época,
mesclado com o direito de livre associação, só havendo a separação dos conceitos na Constituição
de 193468.

Ressalte-se que a liberdade de reunião pacífica não necessita de autorização, exigindo-se apenas
prévio aviso à autoridade competente, a fim de que se impeça eventual frustração de outra reunião
na mesma localidade.

O livre direito de associação previsto na Constituição garante ao cidadão a liberdade de escolha de


acordo com os seus interesses. A questão ganha um contorno mais relevante quando comparada
com o art. 8o, V, da Carta Magna, que permite a plena liberdade de associação aos sindicatos, não
obrigando ninguém a ficar associado.

67 Ver: <http://www.conjur.com.br/2002-set-03/stj_rever_indenizacao_escola_base>.
68 “A primeira Constituição política do Brasil a dispor sobre a liberdade de associação foi, precisamente, a Constituição republicana
de 1891, e, desde então, essa prerrogativa essencial tem sido contemplada nos sucessivos documentos constitucionais
brasileiros, com a ressalva de que, somente a partir da Constituição de 1934, a liberdade de associação ganhou contornos
próprios, dissociando-se do direito fundamental de reunião, consoante se depreende do art. 113, § 12, daquela Carta Política.
Com efeito, a liberdade de associação não se confunde com o direito de reunião, possuindo, em relação a este, plena autonomia
jurídica [...]. Diria, até, que, sob a égide da vigente Carta Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica em torno da liberdade
de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de
sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa prerrogativa. [...] Revela-se importante assinalar, neste ponto, que a
liberdade de associação tem uma dimensão positiva, pois assegura a qualquer pessoa (física ou jurídica) o direito de associar-se e
de formar associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante, a qualquer pessoa, o direito de não se associar, nem
de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. Essa importante prerrogativa constitucional também possui
função inibitória, projetando-se sobre o próprio Estado, na medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade
de interferir na intimidade das associações e, até mesmo, de dissolvê-las, compulsoriamente, a não ser mediante regular processo
judicial” (ADI no 3.045, voto do Min. Celso de Mello, j. em 10/8/2005, Plenário, DJ de 1o jun. 2007).

81
UNIDADE V │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a favor da liberdade de associação quando questionado


acerca da Lei no 10.779/2003, que determinava a concessão de seguro-desemprego a pescador desde
que estivesse filiado à colônia de pescadores da região69.

A liberdade de associação não se estende às pessoas jurídicas, principalmente quando lei ordinária
determina a necessidade de filiação70. Tanto é assim que as confederações, formadas pelo conjunto
de associações, não possuem os mesmos direitos destas, sendo, por exemplo, parte ilegítima para
a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, haja vista serem meros organismos de
coordenação de entidades sindicais, não podendo ser admitidas como hierarquicamente superiores
às associações71.

As associações, como instrumentos de interesses comum entre seus participantes, não podem
nem devem sofrer interferência estatal, sendo essa admitida apenas em casos extremos, quando a
finalidade das associações for ilícita72, situação que autoriza a sua suspensão ou até a sua dissolução
compulsória, nos moldes do inciso XIX do art. 5o da Constituição Federal.

Como é a relação do direito civil com o direito constitucional? Houve alguma


mudança nos paradigmas de direito público e direito privado?

69 “Art. 2o, IV, ‘a’, ‘b’ e ‘c’, da Lei no 10.779/2003. Filiação à colônia de pescadores para habilitação ao seguro-desemprego [...].
Viola os princípios constitucionais da liberdade de associação (art. 5o, XX) e da liberdade sindical (art. 8o, V), ambos em sua
dimensão negativa, a norma legal que condiciona, ainda que indiretamente, o recebimento do benefício do seguro-desemprego
à filiação do interessado à colônia de pescadores de sua região” (ADI no 3.464, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 29.10.2008,
Plenário, DJe de 6 mar. 2009).
70 “Liberdade negativa de associação: sua existência, nos textos constitucionais anteriores, como corolário da liberdade positiva
de associação e seu alcance e inteligência, na Constituição, quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão coletiva
de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos, cuja forma e organização se remeteram à lei. Direitos autorais e
conexos: sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição por meio do ECAD (Lei no 9.610/1998, art. 99), sem ofensa do
art. 5o, XVII e XX, da Constituição, cuja aplicação, na esfera dos direitos autorais e conexos, hão de conciliar-se com o disposto
no art. 5o, XXVIII, ‘b’, da própria Lei Fundamental. Liberdade de associação: garantia constitucional de duvidosa extensão às
pessoas jurídicas” (ADI no 2.054, Rel. para o acórdão. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 2/4/2003, Plenário, DJ de 17 out. 2003).
71 “Confederações como a presente são meros organismos de coordenação de entidades sindicais ou não [...], que não integram
a hierarquia das entidades sindicais, e que têm sido admitidas em nosso sistema jurídico tão só pelo princípio da liberdade de
associação” (ADI no 444, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 14/6/1991, Plenário, DJ de 25 out. 1991).
72 “Cabe enfatizar, neste ponto, que as normas inscritas no art. 5o incisos XVII a XXI da atual Constituição Federal, protegem as
associações, inclusive as sociedades, da atuação eventualmente arbitrária do legislador e do administrador, uma vez que somente
o Poder Judiciário, por meio de processo regular, poderá decretar a suspensão ou a dissolução compulsória das associações.
Mesmo a atuação judicial encontra uma limitação constitucional: apenas as associações que persigam fins ilícitos poderão
ser compulsoriamente disolvidas ou suspensas. Atos emanados do Executivo ou do legislativo que provoquem a compulsória
suspensão ou dissolução de asssociações, mesmo as que possuam fins ilícitos, serão inconstitucionais” (ADI no 3.045, voto do
Min. Celso de Mello, j. em 10/8/2005, plenário, DJ de 1o de jun. 2007).

82
Para (não) Finalizar

Parabéns pelo caminho trilhado até o momento. Com os conteúdos aqui Abordados, você aprofundou
seus conhecimentos sobre o Direito Tributário e Garantias Constitucionais e está mais preparado
para realizar leituras e promover discussões sobre o assunto, de forma crítica e participativa.

Busque, sempre, o conhecimento, notadamente sobre as matérias aqui abordadas, pois assim as
questões jurídicas tributárias e cotidianas mostrar-se-ão mais claras e de mais fácil decisão. Sobre
o assunto, o notável jurisconsulto do Império, o Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, já se
manifestava: “quantas vezes as questões jurídicas se enredam e se complicam nos tribunais por falta
de conhecimento claro e preciso dos conceitos e princípios básicos e elementares que informam o
objeto da controvérsia”.

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