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TERESINA, PI
2022
LUCAS MONTEIRO OLIVEIRA
Teresina – PI
2022
Á memória do professor Olavo de
Carvalho, mestre que tanto nos ensinou
sobre o saber e a vida.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais e a minha irmã pelo imenso amor, carinho e suporte que me
deram por todos esses anos, vocês são a minha força, meu tudo.
A Maria do Livramento por seus cuidados para com todos, eles dão alegria ao
lar.
Ao grande amigo Victor Bruno por ter pacientemente escutado todas minhas
divagações e muito me ajudado a compreender meus próprios pensamentos.
Aos meus bons amigos do Orange, vocês muito aliviaram o fardo das horas
pesadas.
INTRODUÇÃO
Kelsen dispensa introduções, ainda sim, deve-se ousar tecer algumas poucas
e pobres palavras sobre sua vida e obra. Nascido em Praga no ano de 1881, Kelsen
foi um dos mais aclamados juristas do século XX; sua prolífica obra, fruto de mais de
sessenta anos dedicados ao exercício da ciência jurídica, e, em especial, sua
concepção de ciência jurídica, ajudaram a moldar o Direito contemporâneo. Amado
1 KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça o direito e a política no espelho da ciência. São Paulo:
Martins Fontes, 2001. p. 324.
2 Cf. Ibid., p. 323.
3
por uns, odiado por outros, mas jamais ignorado; este é o resultado de seu trabalho,
da relevância do esforço intelectual na busca da verdade e da precisão.
3 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 1.
4 Cf. ibid., p. 5.
5 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 1.
4
6 Assim nos informa logo nas primeiras páginas da Teoria Pura do Direito: “Ora, o conhecimento
jurídico dirige-se a estas normas que possuem o caráter jurídico e conferem a determinados fatos o
caráter de atos jurídicos (ou antijurídicos).” (KELSEN, 2009, p. 5).
7 Inclusive, a obra Teoria geral do direito e do Estado (1945) foi inicialmente pensada como uma
reformulação da edição inicial da Teoria Pura do Direito (primeira publicação em 1934). (COHEN, p.
147, 1981)
8 Kelsen esclarece as bases filosóficas e, em certo aspecto, metodológicas se sua obra em uma carta
para seu tradutor e comentador italiano, Renato Treves, textualmente: “Uma questão de especial
significado é que Cohen precisamente entendeu a Crítica da Razão Pura de Kant como uma teoria da
experiência, então eu procuro aplicar o método transcendental a uma teoria positiva do direito.”
(KELSEN,1998, p. 171.).
6
Por partes. O autor procura explicar como o sentido subjetivo de certos atos
(o sentido que os indivíduos que agem dão as suas próprias ações e livremente
interpretados pelos outros sujeitos 11) podem, sem nenhum retorno a uma autoridade
metafísica superior, ser interpretados como normas válidas, como um sistema
normativo objetivamente válido descritível pela ciência jurídica 12. Assim, deve-se
partir de um conhecimento a priori, de uma categoria necessária13 do pensamento e
reconhecida como um conhecimento confiável, para, com a reflexão embasada
neste a priori, alcançar outras fontes do conhecimento que, por sua vez, validarão
tanto a categoria apriorística como desvelarão uma série de outros conhecimentos
advindos da mesma fonte14. Para explicar a experiência jurídica, portanto, é
necessário a existência de uma norma fundamental 15 que se refira tanto a uma
9 “Kelsen salienta com uma força e uma precisão raras a necessidade de recorrer, na ciência do
direito, à reflexividade de tipo kantiano, e explica que conhecer o direito é re-construí-lo segundo as
exigências puras da razão crítica. Seu método analítico-crítico parte do direito positivo como de um
dado e procura determinar o a priori transcendental sem o qual a ciência do direito seria
inconcebível.” (GOYARD-FABRE, 2006, p. 227).
10 Cf. COPLESTON, Frederick Charles. A history of philososophy. Nova York: Image Book, 1994.
Vol. VII. p. 362.
11 “Na verdade, o indivíduo que, atuando racionalmente, põe o ato, liga a este um determinado
sentido que se exprime de qualquer modo e é entendido pelos outros.” (KELSEN, 2009, p. 3).
12 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 225.
13 The categories of understanding which constitute cognition qua experience of objects in nature, are
now, to be juxtaposed with the “ought” qua transcendental category – a category different in kind from
the Kantian categories but, like them, originating in reason – for constituting legal norms as objects of
cognition.” (HAMMER, 1998, p. 1998).
14 Cf. PRINGE, Hernán. Critique of the Quantum Power of Judgment: A Transcendental
Foundation of Quantum Objectivity. Berlin: Nova York: Walter de Gruyter: 2007. p. 3.
15 Em verdade, Kelsen modifica sua compreensão acerca da natureza da norma fundamental, num
momento ela é considera uma hipótese e depois, pelo menos em sua obra póstuma – Teoria Geral
das Normas –, ela é pensada como um Als-Ob, uma ficção (Cf. KELSEN, 1986, p. 328). O fato de ser
uma hipótese ou ficção não muda, entretanto, que toda a teoria é baseada no método transcendental.
Corrobora tal interpretação o fato de Hans Vaihinger, um dos eminentes teóricos do Als-Ob,
pertencer, ele mesmo, ao movimento Neo Kantiano (Cf. COPLESTON, 1994, p. 366). Ainda que a
7
constituição historicamente determinada, quanto à ordem por ela criada 16. Kelsen é
bastante claro sobre a função gnosiológica da norma fundamental, sendo ela
derivada diretamente do método transcendental e estando conforme a filosofia de
Cohen, in verbis:
norma fundamental não seja uma hipótese ela continua sendo pressuposta, ainda que como ficção, e
necessária ao reconhecimento da experiência jurídica – nunca devemos esquecer que os termos da
questão estão inseridos profundamente dentro da discussão neokantiana da teoria do conhecimento,
assim nos informa Stefan Hammer (1998, p. 178). Há ainda a possibilidade do autor ter feito o
caminho da hipótese a ficção (Cf. CONSANI, 2016, p. 146).
16 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 225.
17 No original: What is essential is that the theory of the basic norm arises completely from the Method
of Hypothesis developed by Cohen. The basic norm is the answer to the question: What is the
presupposition underlying the very possibility of interpreting material facts that are qualified as legal
acts, that is, the acts by means of which norms are issued or applied? This is a question posed in
truest spirit of transcendental logic.
18 Cf. Carta de Kelsen a Renato Tavares, p. 173.
19 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. São Paulo: Saraiva, 2001. p. XV.
8
Sobre o tema, Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2001, p. XV, apud COELHO, 2001,
p. XV) comenta: “Nesta discussão, o pensamento de Kelsen seria marcado pela
tentativa de conferir à ciência jurídica um método e um objeto próprios, capazes de
superar as confusões metodológicas e de dar ao jurista uma autonomia científica”.
Para tanto, ele cria sua teoria pura. Definida pelo próprio, ela é: “… uma teoria
do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica
especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas
jurídicas, nacionais ou internacionais.” (KELSEN, 2009, p.1). Demonstra-se que, em
princípio, trata-se de uma teoria geral ciosa por abranger a unidade do fenômeno do
Direito em geral, excluindo-se os múltiplos direitos particulares e somente do Direito
positivado. Depois, ela é um mandamento de pureza que visa “… excluir deste
conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa,
rigorosamente, determinar como Direito.” (KELSEN, 2009, p.1), obtendo-se, por esta
via, uma ciência estritamente jurídica (portanto, independente) que exclui de suas
análises, pois podem confundir e atrapalhar o conhecimento preciso do objeto,
elementos como justiça20, ética, teoria política, psicologia e sociologia 21. Tem-se,
portanto, um trabalho de epistemologia jurídica 22 que busca conhecer o objeto de
seu saber (a norma jurídica) de forma descritiva, abstendo-se de prescrições e
conselhos, da construção de um direito ideal. É uma tentativa de produzir um
conhecimento neutro, separando-se a ciência jurídica de outras espécies científicas
que podem, tangencialmente, tocar o mesmo fenômeno (mas dificilmente o mesmo
objeto).
23 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 79.
24 A unidade de normas que forma um ordenamento jurídico é reconhecida através da análise da
validade destas normas perante uma mesma norma fundamental justificadora, assim: “Uma “ordem” é
um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento
de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é – como veremos – uma norma
fundamental” (KELSEN, 2009, p. 33). A ideia de ordenamento será mais a frente retomada e é de
relevância ímpar para toda ciência jurídica de Kelsen, conforme (KELSEN, 2009, p. 51).
25 “Caso se entenda o direito ‘positivo’ como direito ‘empírico’, direito na experiência, ou ‘experiência
legal’, como Sander denominou, a Teoria Pura do Direito é de fato empiricista – mas empiricista no
mesmo sentido que a filosofia transcendental de Kant.” (KELSEN, 1998, p. 169 – 175).
10
Mas, de modo geral, positivista tem sido considerado tanto aquele autor que
nega qualquer direito além da ordem jurídica posta pelo estado, em
contraposição às formulações jusnaturalistas e outras não formais, como o
defensor da possibilidade de construção de um conhecimento científico
acerca do conteúdo das normas jurídicas. Kelsen é positivista em ambos os
sentidos. (COELHO, 2001, p. 18)
26 Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 22.
27 Termo que o autor acredita conter profundos problemas, mas ao qual remete, ainda sim, por ele
apresentar certa utilidade pedagógica.
28 “A diferença entre elas e as ciências naturais que não se ocupam da conduta humana é apenas
uma diferença de grau de precisão. Tal diferença [de princípios] existe apenas entre ciências naturais
e ciências que interpretam as relações humanas não segundo o princípio da causalidade, mas
segundo o princípio da imputação – ciências que se ocupam da conduta humana não como
efetivamente ocorrem, mas como deve correr, determinada por normas (KELSEN, 2001, p. 330).
29 “A sociedade é uma ordem da conduta humana. Mas não há razão suficiente para não considerar
a conduta humana como um elemento da natureza, isto é, como determinada pela lei da causalidade;
e, na medida em que a conduta humana é concebida como determinada por leis causais, uma ciência
que lida com a conduta mútua dos homens e que, por esse motivo, é classificada como ciência social,
não difere essencialmente da física ou da biologia.” (KELSEN, 2001, p. 323).
11
30 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 81.
31 “Ora, ao dissertar sobre a justiça da ordem jurídica e concluir por entendê-la justa, a ciência passa
a exercer a função, que não lhe cabe, de legitimar a mesma ordem.” (COELHO, 2001, p. 18).
32 “Também é verdade que, no sentido da teoria do conhecimento de Kant, a ciência jurídica como
conhecimento do Direito, assim como todo conhecimento, tem caráter constitutivo e, por conseguinte,
“produz” o seu objeto na medida em que o apreende como um todo com sentido […] assim também a
pluralidade das normas jurídicas gerais e individuais postas pelos órgãos jurídicos, isto é, o material
dado à ciência do Direito, só através do conhecimento da ciência jurídica se transforma num sistema
unitário isento de contradições, ou seja, numa ordem jurídica.” (KELSEN, 2009, p. 82).
12
33 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 82.
34 Cf. ibid. p. 83
35 O leitor pode indagar-se sobre a real necessidade de uma ciência jurídica já que as normas podem
ser expressas pelos mesmos meios que as prescrições, o próprio Kelsen propõe esta indagação e a
responde mais a frente, no seguinte trecho: “A possibilidade e a necessidade de uma tal disciplina,
endereçada ao Direito como teor de sentido normativo, são demonstradas pelo fato secular da ciência
do Direito que, como jurisprudência dogmática, e enquanto houver Direito, servirá as necessidades
intelectuais dos que deste de ocupam” (KELSEN, 2009, p. 117).
36 Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Fabris, 1986. p. 190.
37 Cf. ibid. p. 195.
13
Pode-se dizer que a distinção das duas relações está no fato de que a
primeira não é voluntária, depende de uma autoridade que coloque; e ainda,
a primeira reenvia a uma determinação necessária; a segunda, a uma
estatuição voluntária, e, portanto, a uma prescrição (BOBBIO, 2016, p. 137).
Quer representar o Direito tal como ele é, e não como ele deve: pergunta
pelo Direito real e possível, não pelo Direito “ideal” ou “justo”. Neste sentido
é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do
positivismo jurídico. Recusa-se a valorar o Direito positivo. Como ciência,
ela não se considera obrigada senão a conceber o Direito positivo de acordo
com a sua própria essência e a compreendê-lo através de uma análise da
sua estrutura (KELSEN, 2009, p. 118).
moral ou jurídica) é produzida por um ato de vontade, cujo sentido é uma norma …” (KELSEN, 1986,
p. 32).
44 Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Fabris, 1986. p. 33.
45 Idem.
46 Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 331.
47 Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Fabris, 1986. p. 32.
15
1.2. Da Norma
O Direito é a norma, não uma norma isolada, mas sim um conjunto de normas
cuja unidade derivam de uma mesma norma fundamental, mas afinal o que é uma
norma? E uma norma fundamental? Mais ainda, qual a diferença entre uma norma
qualquer, como por exemplo as regras de etiqueta e de uso das áreas comuns de
um condomínio, comparando-as com as que compõe o Direito? O ponto de partida
para a análise acerca dos questionamentos citados é fomentado pela seguinte
concepção:
É claro que as regras estatuem que alguma coisa deve ou não acontecer ou
ser de uma determinada maneira48. Contudo, Kelsen aborda o dever ser como uma
categoria e não apenas como um simples conectivo linguístico, neste sentido, o
dever ser “… do mesmo modo que o ser, é uma “categoria original”, e como não se
48 Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Fabris, 1986. p. 2.
16
pode descrever o que seja o ser, tão pouco há uma definição de dever-ser.”
(KELSEN, 1986, p. 3).
O dever ser é uma noção simples, não definível e nem analisável, sendo um
dado básico do pensamento, mas de conteúdo cognoscível 49. Isto implica que, depois
de posto na realidade o ato cujo sentido é um dever ser, é possível determinar qual
o teor daquele específico dever ser, já o processo de determinação de um ato como
jurídico ou antijurídico é um processo mental comparativo entre o fato que ocorreu e
as normas válidas do sistema 50, que Kelsen chama de juízo de valor. Infere-se que
nem o dever ser e nem a juridicidade de um ato, podem ser captadas através de
uma percepção especial, este depreende sua característica de uma operação
mental correlata a norma e o outro tem o seu conteúdo determinado (e, portanto,
cognoscível) pelo ato de vontade que dá sua existência.
Apesar da similitude entre termos, nem todo dever ser é uma norma. O
sentido subjetivo de todo ato de um sujeito que visa modificar o comportamento de
outrem é um dever ser, a norma é justamente o significado subjetivo de uma ação
desta natureza, porém ela tem um caráter objetivo 51. Kelsen, explicando a diferença
entre a ordem de um bando de salteadores e as normas (e entre eles e um Estado),
conforme o problema proposto por Sto. Agostinho no Civitas Dei52, fornece uma clara
distinção, segue:
49 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 399.
50 “O que faz com que um fato constitua uma execução jurídica de uma sentença de condenação à
pena capital e não um homicídio, essa qualidade – que não pode ser captada pelos sentidos –
somente surge através desta operação mental: confronto com o código penal e com o código de
processo penal.” (KELSEN, 2009, p. 4).
51 “A objetividade de dever-ser (i.e., que o sentido de um autorizado ato de vontade dirigido à conduta
de outrem é uma norma) mostra-se no fato de que a norma vale, porque esse dever-ser é existente
como sentido, também se o ato de vontade, cujo sentido é o dever-ser, já há muito não mais existe,
enquanto dever-ser, que não é o sentido de uma ordem autorizada, não mais é existente
simultaneamente com a não mais existência do ato de vontade, cujo sentido é o dever-ser, quer dizer:
- como norma – não continua a valer.” (KELSEN, 1986, p. 36).
52 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 49.
17
Ordens desta natureza, ou seja, que não são o sentido objetivo de um dever
ser, não podem, consequentemente, imputar ao comportamento nenhum valor
externo aos sentimentos do sujeito ordenador. O ato violador é apenas um ato
contra a vontade de um certo sujeito, “Apenas a ordem autorizada tem também o
sentido objetivo de dever-ser, e isto significa: somente a ordem autorizada é uma
norma obrigatória para o seu destinatário, e que o obriga à conduta nela prescrita;”
(KELSEN, 1986, p. 35-36).
Ainda sobre o dever ser, o abismo entre ele e o ser é intransponível 53. A
veracidade desta asserção contempla-se analisando o conteúdo de uma norma
qualquer, por exemplo, a de que alguém deve fechar uma janela – existe nessa ação
um desejo do emissor para que um sujeito haja segundo sua vontade (dever ser) – o
receptor da mensagem pode fechar ou não a janela (agindo conforme ou contra o
prescrito pela norma), não obstante, mesmo que o paciente haja de acordo com o
desejo expresso na regra seu ato do ser jamais se converterá em dever ser, apenas
o conteúdo dele corresponderá com o do dever ser 54.
53 O ser corresponde à coisa em si mesmo, um absoluto que não pode ser conhecido. As coisas,
portanto, só podem ser conhecidas enquanto relações, enquanto casualmente determinadas e não
em seu estado absoluto, sem relação com a experiência de quem pretende conhecê-la. O dever,
assim como o ser, é um absoluto (não determinado por causalidades) e, portanto, tão indefinível
quanto este, ambos, por consequência, estão excluídos do conhecimento científico. Para mais
informações, (HAMMER, 1998, p. 177-194).
54 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 7.
55 “…e que dá circunstância de algo ser não se segue que algo deva ser, assim como da
circunstância de que algo deve ser se não segue que algo é.” (KELSEN, 2009, p. 6).
18
Todas as normas fazem parte do dever ser, isto está claro, mas qual o quid
que torna a norma jurídica um objeto único? A resposta é: a coação. Kelsen
considera o direito ordem coativa e como tal:
Os atos coativos das ordens jurídicas podem ser sanções ou atos coativos
diversos. As sanções dirigem-se especificamente contra as condutas humanas de
indivíduos específicos e são usualmente recebidas pelos pacientes como um mal.
Os atos sancionados, pressupostos da sanção, são de natureza antijurídica e podem
56 Cf. RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas
jurídicos. Tradução de Maria Cecília Almeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012 p. 173.
57 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 36.
58 Cf. ibid. p. 30-31.
59 Cf. ibid, p. 31.
19
ser considerados com ilícitos ou delitos, por consequente, a conduta oposta é lícita,
conforme o direito60. A consequência estabelecida é dirigida, por sua vez contra os
indivíduos que a praticam ou contra seus familiares e prescrevem, comumente, a “…
privação coercitiva da vida, da liberdade, de bens econômicos e outros, como
consequência dos pressupostos por ele estabelecidos.” (KELSEN, 2009, p. 38).
De fato, não cabe negar que um ordenamento jurídico como um todo e cada
norma individualmente considerada, buscam pela eficácia. Dado que eficácia é
condição mínima da vigência 63, naturalmente haverá uma tendência para a sanção
eficaz, um dos aspectos da eficácia é a representação da norma e o impacto que ela
pode ter na determinação das ações dos indivíduos, é a coação psíquica (KELSEN,
2009, p. 38), entretanto, a coação psíquica não é uma característica necessária à
sanção, apesar de ter sua utilidade e razão de ser 64. A única necessidade de uma
sanção para ser tal é ter sido estabelecida por uma norma válida (inserida dentro de
um sistema globalmente eficaz)65.
64 “É preciso lembrar que quando afirmamos que uma desvantagem e uma razão convencional, isto
não quer dizer que o autor da norma pretenda ou queira que os sujeitos da norma a obedeçam por
esta razão, ou que façam isso habitualmente, ou que estejam justificados quando o fazem. O sentido
de tudo isso é que a desvantagem é uma razão para se conformar à norma.” (RAZ, 2012, p. 168).
65 Cf. RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos.
Tradução de Maria Cecília Almeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012 p. 168.
66 “A formulação kelseniana admite, a partir dessa estrutura básica, duas alternativas: ou estabelece
a ligação deôntica entre condutas humanas (atos ou omissões) e sanção, ou entre fatos diversos de
conduta humanas e atos coativos diversos de sanção. Esta última possibilidade, no entanto, parece
ter significado marginal.” (COELHO, 2001, p. 22).
67 “Mas uma ordem jurídica pode, através dos atos de coação por ela estatuídos, reagir não só contra
uma determinada conduta humana, mas ainda, como melhor veremos, contra outros fatos
socialmente nocivos.” (KELSEN, 2009, p. 36).
68 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 45.
21
Assim, pelo fato de as normas não serem vistas enquanto todos individuais,
mas sim como partes de um sistema, e de as peças do sistema poderem ser
interligadas essencialmente, o ordenamento jurídico como um todo mantém um
caráter geral coercitivo71. A consideração de sistema é um fator-chave para
compreender Kelsen e toda a questão da validade e eficácia envolvida em sua
teoria.
69 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 22.
70 Cf. ibid . p. 23.
71 Cf. ibid. p. 25.
22
Se o Direito não fosse definido como ordem de coação mas apenas como
ordem posta em conformidade com a norma fundamental e está fosse
formulada com o sentido de que as pessoas se devem conduzir, nas
condições ditadas pela primeira Constituição histórica, tal como esta mesma
Constituição determina, então poderiam existir normas jurídicas desprovidas
de sanção, isto é, normas que, sob determinados pressupostos,
prescrevessem uma determinada conduta humana, sem que uma outra
norma estatuísse uma sanção para a hipótese de a primeira não ser
respeitada. Nesta hipótese, o sentido subjetivo de um ato posto em
conformidade com a norma fundamental […] seria juridicamente irrelevante
(KELSEN, 2009, p. 59).
Já “Os temas abordados pela teoria estática do direito são, nesse contexto, a
sanção, o ilícito, o dever, a responsabilidade, direitos subjetivos, capacidade, pessoa
jurídica etc (…).” (COELHO, 2001, p. 4).
72 Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução Luís Carlos Borges. São
Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 164-165.
73 Cf. RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos.
Tradução de Maria Cecília Almeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012 p. 179.
74 “Quatro ideias principais contribuem para o conceito de norma imperativa de Kelsen: as normas
são (1) padrões de avaliação (2) que regulam a conduta humana, (3) amparadas por razões
convencionais de obediência, sob a forma da perspectiva de que algum dano decorra da
desobediência, e (4) criadas por atos humanos que pretendem criar normas: isto é, estabelecer
padrões de conduta, regulando-a, amparados pela perspectiva de que algum dano decorra da
desobediência, a qual é a motivação convencional.” (RAZ, 2012, p. 163).
23
estejam ou não de acordo com a conduta prescrita.” (RAZ, 2012, p. 165). Entretanto,
nem todo padrão avaliativo é um guia de ação 79.
lógico de dedução que parte de seu conteúdo e vai até o conteúdo da norma
fundamental, mas porque são criadas conforme a norma fundamental 84. Assim, toda
norma jurídica pertence, necessariamente, a uma ordem que só pode ser
reconhecida como tal por suas partes terem a mesma origem, referirem-se à mesma
norma fundamental pressuposta. A perspectiva dinâmica visa, justamente,
compreender a relação das normas e sistemas com o princípio de origem, a norma
básica (ou fundamental)85. A dinamicidade advém do princípio da não derivação de
um dever ser de um ser (nem do ser por um dever ser) 86.
84 “Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu
conteúdo pode ser deduzido pela vida de um raciocínio lógico do de uma norma fundamental
pressuposta, mas porque é criada por uma forma determinada – em última análise, por uma forma
fixada por uma norma fundamental pressuposta. Por isso, e somente por isso, pertence ela à ordem
jurídica cujas normas são criadas em conformidade com esta norma fundamental. (KELSEN, 2009, p.
221).
85 “A norma fundamental de um sistema dinâmico é a regra básica de acordo com a qual devem ser
criadas as normas do sistema. Uma norma faz parte de um sistema dinâmico se houver sido criada
de uma maneira que é – em última análise – determinada pela norma fundamental.” (KELSEN, 2016,
p. 165).
86 Cf. RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos.
Tradução de Maria Cecília Almeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 173 -174.
87 Cf. ibid. p. 179.
88 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 221.
89 Cf. ibid. p. 11
27
ontológica, até a entrada da norma em vigor (que ocorre, no caso das normas
gerais, no momento de seu estabelecimento 90). A validade implica no dever, para os
pacientes diretos da norma, de se comportarem segundo o estabelecido e, para os
órgãos da comunidade jurídica, de aplicarem a medida coativa correlata. Portanto, a
validade da norma geral, que se inicia com seu estabelecimento, não se completa
plenamente através dos atos legiferantes e depende, ainda, de sua individualização
– i.e. da criação de normas individuais referentes às gerais (aplicação das normas)
para aplicação da sanção. Para Kelsen: “A ‘validade’ de uma norma geral, i.e. sua
existência específica, não é uma situação estática, mas um processo dinâmico.” 91
(KELSEN, 1991, p. 51, tradução nossa), portanto, a vigência completa da norma
geral depende do reconhecimento de sua validade pelos órgãos e indivíduos que
criam as normas individuais, das autoridades aplicadoras 92.
Além disso, a vigência relaciona-se também com a eficácia. Esta pode ser
definida como: “(…) isto é, do fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada,
da circunstância de uma conduta humana conforme a norma se verificar na ordem
os fatos.” (KELSEN, 2009, p. 11). Coelho observa que a validade possui três
pressupostos:
90 “A norma geral, a hipotética, vale logo que é estabelecida. Ela “vale”, quer dizer, ela é existente
como o sentido de um real ato de vontade.” (KELSEN, 1986, p. 61-62).
91 The ‘validity’ of a general norm, i.e.., its specific existence, is not a static state of affairs, but a
dynamic process.”
92 Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Fabris, 1986. p. 63.
93 Cf. ibid. p. 4.
94 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. p. 11.
28
sentido de realmente sofrerem a punição 95. Vista dessa maneira, a eficácia é uma
análise do que acontece na realidade, portanto, um fato do ser e não uma qualidade
do dever ser. No entanto, este é o ponto de convergência entre ambas
características, uma norma só é válida se for, em certa medida, eficaz; a ineficácia
absoluta da norma implica na sua invalidade (não existência), e assim, a eficácia é
uma condição de vigência96.
95 Eficácia do Direito significa que os homens realmente se conduzem como, segundo as normas
jurídicas, devem se conduzir, significa que as normas são efetivamente aplicadas e obedecidas.
(KELSEN, 2016, p. 55).
96 “Porém uma norma jurídica deixará de ser considerada válida quando permanece duradouramente
ineficaz. A eficácia é, nesta medida, condição da vigência, visto ao estabelecimento de uma norma se
ter de seguir sua eficácia para que ela não perca a sua vigência (KELSEN, 2009, p.12).
97 “Uma norma que preceituasse um certo evento que de antemão se sabe que necessariamente se
tem de verificar, sempre e em toda parte, por força de uma lei natural, seria tão absurda como uma
norma que preceituasse um certo fato que de antemão se sabe que de forma alguma se poderá
verificar, igualmente por força de uma lei natural.”
98 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 30.
29
O princípio de que a norma de uma ordem jurídica é válida até sua validade
terminar por um modo determinado através desta mesma ordem jurídica, ou
até ser substituída pela validade de uma outra norma desta ordem jurídica,
é o princípio da legitimidade (KELSEN, 2009, p. 233).
99 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 33.
30
É verdade que aquilo que já aconteceu não pode ser transformado em não
acontecido; porém, o significado normativo daquilo que há um longo tempo
aconteceu pode ser posteriormente modificado através de normas que são
postas em vigor após o evento que se trata interpretar (KELSEN, 2009, p.
15).
100 “Neste caso, ela não vale a-espacial e intemporalmente, mas apenas sucede que não vigora para
um espaço determinado e para um período de tempo determinado, isto é, os seus domínios de
vigência espacial e temporal não são limitados. O domínio de vigência de uma norma é um elemento
do seu conteúdo, e este conteúdo pode, como mais adiante veremos, ser predeterminado até certo
ponto por uma norma superior.” (KELSEN, 2009, p. 14).
101 “Como a outro propósito já foi referido, o domínio da validade de uma norma, especialmente o
seu domínio temporal de validade, pode ser limitado, quer dizer: o começo e o fim da sua validade
podem ser determinados, por ela própria ou por uma norma mais elevada que regula sua produção.”
(KELSEN, 2009, p. 232-233).
102 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 14.
103 “Kelsen regards the concept of the basic norm as essential to the explanation of all morative
systems, moral as well as legal.” (RAZ, 1998, p. 45).
31
Dado que o fundamento de validade de uma norma somente pode ser uma
outra norma, este pressuposto tem de ser uma norma: não uma norma
posta por uma autoridade jurídica, mas uma norma pressuposta, quer dizer,
uma norma que é pressuposta sempre que o sentido subjetivo dos fatos
geradores de normas postas de conformidade com a Constituição é
interpretado como o seu sentido objetivo. Como essa norma é a norma
fundamental de uma ordem jurídica, isto é, de uma ordem que estatui atos
coercitivos, a proposição que descreve tal norma, a proposição fundamental
da ordem jurídica estadual em questão, diz: devem ser postos atos de
coerção sob os pressupostos e pela forma que estatuem a primeira
Constituição histórica e as normas estabelecidas em conformidade com ela.
(Em forma abreviada: devemos conduzir-nos como a Constituição
prescreve.) (KELSEN, 2009, p. 224).
104 “In the law the autonomy of the legal norms is secured by the fact that they are all links in what
may be called chains of validity. The term is not used by Kelsen, but the idea is essential to his
philosophy.” (RAZ, 1998, p. 50).
32
e verdadeira (como a qual se pode derivar da metafísica platônica) 105. Não somente
ela é princípio de validade, mas é a característica que permite reconhecer a unidade
dos sistemas normativos, i.e. o fator que torna um emaranhado de normas em um
conjunto unificado. Joseph Raz, 1998, comenta em um artigo que a teoria da norma
básica é derivada a partir de dois axiomas: o primeiro informa que uma norma que
autorize, direta ou indiretamente, a criação de outra e a assim criada são
necessariamente partes do mesmo ordenamento; o segundo axioma afirma que
todas as normas de um sistema derivam sua validade de uma única norma 106.
105105 RAZ, Joseph. Kelsen’s theory of the basic norm. In: PAULSON, S. L.; PAULSON, B. L.
Normativity and Norms. Clarendon Press Oxford – New York, 1998. p. 47-67.
106 “Kelsen accepts two propositions which he considers too self-evident to require any detailed
justification. They can be regarded as axioms of his theory. The first says that two laws, one of which
directly or indirectly authorizes the creation of the other, necessarily belong to the same legal system
[…] The second axiom says that all the laws of a legal system are authorized, dire ctly or indirectly, by
one law (RAZ, 1998, p. 47-67).
107 “He overcomes this problem by postulating that there is in every system one non-positive law –
alaw which authorizes all the fundamental constitutional laws and the existence of which does not
depend on the chance action of any law-creating organ, but is a logical necessity.” (RAZ, 1998, p. 48).
108 Kelsen vale-se do argumento da unidade fornecida pela norma fundamental para abordar a
questão da epistemologia e da aplicação da lógica aos postulados da ciência jurídica (e
mediatamente aos ordenamentos). Ao falar do princípio da não contradição, por exemplo, ele aplica o
conceito de unidade sistemática das normas para explicar o fato da ciência jurídica ajudar na
construção de seu objeto a medida em que o conhece – o princípio da não contradição só é aplicado
aos postulados, mas como os postulados também constroem o direito, as contradições vão sendo
retiradas à medida que conhecidas e descritas (Cf KELSEN, 2009, p. 228-229).
109 No original: It provides the non factual starting-point essential to the explanation of normativity,
and it guarantees that all the law of one system belong to the same chain of validity.
33
Uma norma é reconhecida como fundamental quando ela não pode ter sua
validade derivada através de um silogismo, ou seja, quando não se pode afirmar,
como a premissa menor desse silogismo, que ela é válida por ter sido posta através
de um ato de vontade de algum sujeito (a menos que este sujeito seja considerado
como em um patamar supremo, como Deus), consequentemente: para Kelsen: “Se a
validade de uma norma não pode ser fundamentada desta maneira, tem de ser
posta como premissa maior no topo de um silogismo, sem que ela própria possa ser
afirmada como conclusão de um silogismo que fundamente sua validade.” (KELSEN,
2009, p. 226). Não sendo o sentido de um ato de vontade, segue-se que esta norma
tem de ser o sentido de um ato do pensamento (i.e. um ato cujo o sentido é dar a
conhecer algo)111 e não é derivada de nenhuma outra.
110 Cf. DUXBURY, Neil. The Basic Norm: An Unsolved Murder Mystery. Londres: London School of
Economics and Political Science, 2007. p. 2-3.
111 “Se, porém, a norma fundamental não pode ser o sentido subjetivo de um ato de vontade, então
apenas pode ser o conteúdo de um ato do pensamento. Por outras palavras: se a norma fundamental
não pode ser uma norma querida, mas a sua afirmação na premissa maior de um silogismo é
logicamente indispensável para a fundamentação da validade objetiva das normas, ela apenas pode
ser uma norma pensada.” (KELSEN, 2009, p. 227).
34
Para Kelsen:
112 Mesmo dentro de vista de um sistema de normas morais religiosas a norma fundamental que
estabelece que devemos obedecer a Deus não é ela própria posta por Deus: “E se a norma: devemos
obedecer às ordens de Deus, é aceita como posta por Deus, não poderá ser fundamento de validade
das normas postas por Deus, pois também ela é uma norma posta por Deus.” (KELSEN, 2009, p.
227). Lembremos também que esta norma fundamental não pode ser estabelecida pela ciência
normativa respectiva, esta não tem autoridade legislativa e só pode dar a conhecer seu objeto.
113 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 227.
114 Cf. ibid. p. 227.
115 Cf. DUXBURY, Neil. The Basic Norm: An Unsolved Murder Mystery. Londres: London School of
Economics and Political Science, 2007. p. 3.
35
Neste sentido a norma fundamental é uma ficção por ela não ser o real
sentido de um ato de vontade e por conferir autoridade a uma outra autoridade, fato
que demandaria a existência de uma autoridade superior capaz de assim conferir
este atributo à outra (hipótese que levaria a um regresso ao infinito e que derrogaria
o limite último da primeira constituição histórica) 118. A função dela continua, contudo,
sendo epistemológica, e a natureza ficcional 119 é “(…) um recurso do pensamento,
do qual se serve se não se pode alcançar o fim do pensamento com o material
existente.” (Vaihinger apud Kelsen, 1986, p. 329).
116 “A norma fundamental é um pressuposto indispensável, porque, sem ela, o caráter normativo do
evento histórico fundamental não poderia ser estabelecido. Este ato último, ao qual recorre o jurista
positivamente e além do qual ele não prossegue, é interpretado com um ato de legiferação, já que é
expressado na norma fundamental, a qual, por sua vez, não é justificada por uma norma superior e,
portanto, transmite apenas validade hipotética.” (KELSEN, 2016, p. 566).
117 “Qualquer tentativa de ultrapassar os fundamentos relativo-hipotéticos do Direito positivo, isto é,
de abandonar uma norma fundamental hipotética por uma norma fundamental absolutamente válida,
que justifique a validade do Direito positivo (uma tentativa que, por óbvios motivos políticos, ocorre
regularmente), significa o abandono da distinção entre Direito positivo e Direito natural. Significa a
invasão do tratamento científico do Direito positivo pela teoria do Direito natural, e, na medida do
possível, uma analogia com as ciências naturais, uma intrusão da metafísica no domínio da ciência.”
(KELSEN, 2016, p. 565).
118 Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Fabris, 1986. p. 329.
119 “Vaihinger regarded fictions as useful falsities, as does Kelsen here. The basic norm, he is
arguing, can still be presupposed as if it exists as the meaning of an actual act of will, even though it
does not.” (DUXBURY, 2007, p. 7).
36
Kelsen define assim os juízos: “O juízo jurídico de valor de que uma conduta é
lícita ou ilícita é uma asserção de uma relação afirmativa ou negativa entre a
conduta e uma norma cuja existência ´pressuposta pela pessoa que faz o juízo.”
(KELSEN, 2001, p. 204-205). Desta afirmativa deriva-se o fato de os juízos serem
asseverações com alvo nas relações entre os comportamentos realizados no ser
(conforme as hipóteses de realização preestabelecidas) e o dever ser positivo, ou
seja, do comportamento enquanto prescrito ou proibido pela norma válida de um
sistema121. Os juízos em si, contudo, contém uma conceituação relevante nas
ciências lógicas e filosóficas.
120 Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 203-204.
121 Cf. ibid. p. 205.
37
122 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 22.
123 “Como função do conhecimento tem um juízo de ser sempre objetivo, isto é, tem de formular-se
independentemente do desejo e da vontade do sujeito judicante.” (KELSEN, 2009, p. 22).
124 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 23.
38
uma análise da realidade de algo, não de sua conformidade a algum valor, esta é a
objetividade tanto alardeada aqui quanto aos valores 130.
Outra distinção se faz necessária para a compreensão dos juízos. Kelsen diz
que os valores e os juízos podem ser usados para expressar relações de meio e fim,
de adequação de um meio para alcançar determinada finalidade. Neste sentido,
adequação a um fim constitui um valor positivo e não adequação, o valor negativo 131.
O fim e o meio de uma relação podem ser pensados enquanto relação do ser, como
descritas na lei natural, ou como causa e efeitos em sentido amplo, como
consideradas nas relações de imputação. Conforme já abordado, existe um
paralelismo inegável entre causa e efeito enquanto causalidade e imputação, onde
este meio e o fim são determinados através de um ato de vontade cujo significado é
uma norma. Portanto, Kelsen diz: “O valor que reside na correspondência-ao-fim é,
portanto, idêntico ao valor que consiste na correspondência-à-norma, ou ao valor
que consiste na correspondência-ao-desejo.” (KELSEN, 2009, p. 24-25). Juízos que
fazem referência à norma são objetivos, e essa é outra forma que eles podem
assumir.
Quanto ao encaixe dos juízos de valor kelsenianos na teoria geral dos juízos,
parte-se da descrição dada por Abbagnano (2007). No verbete sobre juízo de seu
dicionário filosófico, diz:
130 Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 350.
131 “Adequação ao fim (Zweckmässigkeit) é o valor positivo, contradição com o fim (Zweckwidrigkeit),
o valor negativo.” (KELSEN, 2009, p. 24).
40
132 Quando designamos os juízos de valor que exprimem um valor objetivo como objetivos, e os
juízos de valor que exprimem um valor subjetivo como subjetivos, devemos notar que os predicados
“objetivo” e “subjetivo” se referem aos valores expressos e não ao juízo como função do
conhecimento. Como função do conhecimento tem um juízo de ser sempre objetivo, isto é, tem de
formular-se independentemente do desejo e da vontade do sujeito judicante.” (KELSEN, 2009, p. 22).
133 “Nesse sentido, o J. é uma atividade valorativa, embora possa expressar-se (como de fato o fez
com freqüência) por fórmulas verbais diversas, como regras, normas, exortações, imperativos,
pareceres, conselhos, conclusões e, em geral, fórmulas que expressam uma escolha ou um critério
de escolha.” (ABBAGNANO, 2007, p. 591).
134 “2) Juízo é o processo mental mediante o qual decidimos conscientemente que algo é de um
modo ou de outro” (MORA, 1994, p. 1608).
135 “Se designarmos como juízo de valor o juízo através do qual determinamos a relação de um
objeto com o desejo ou vontade de um ou vários indivíduos dirigida a esse mesmo objeto e, desse
modo, considerarmos bom o objeto quando corresponde àquele desejo ou vontade, e mau, quando
contradiz aquele desejo ou vontade, este juízo de valor não se distingue de um juízo de realidade,
pois que estabelece apenas a relação entre dois fatos da ordem do ser e não a relação de um fato da
ordem do ser com uma norma da ordem do dever-ser objetivamente válida. Constitui apenas um
particular juízo de realidade.” (KELSEN, 2009, p. 21).
41
sujeito judicante, ou a dois desejos (também fatos do ser), ou ainda a dois deveres
ser (subjetivos)136 – em resumo, juízos de valor não podem pertencer, pelo menos
dentro da concepção metodológica da filosofia transcendental à luz de Kelsen, às
ciências e nem serem método de conhecimento 137.
136 Apenas um fato da ordem do ser pode, quando comparado com uma norma, ser julgado valioso
ou desvalioso, ter um valor positivo ou negativo. É a realidade que se avalia.” (KELSEN, 2009, p. 19).
137 “É exatamente neste ponto que Kelsen afasta-se de Kant e aproxima-se do positivismo científico,
cuja principal reivindicação é a adoção, no âmbito das ciências sociais, da neutralidade e da
objetividade das ciências naturais justamente no intuito de evitar a interferência de juízos de valor na
atuação do cientista.” (CONSANI, 2016, p. 137-138).
138 “Nesse sentido, o ato judicativo é a aceitação ou a recusa de uma proposição (ou de uma
demonstração); em outros termos, é a crença.” (ABBAGNANO, 2007, p. 592).
139 “Observaremos que, como a terceira, a quarta, a quinta, a sexta e a oitava definições destacam
no juízo principalmente sua qualidade de produto mental ou de objeto ideal, o juízo se apresenta
como algo distinto da proposição (concebida como uma oração enunciativa) assim como do processo
psicológico correspondente, de tal modo que os autores que admitem a doutrina do juízo na lógica
costumam considerar infundada toda acusação de psicologismo.”(MORA, 1994, p. 1608).
42
Estas questões ficam mais clara quando Kelsen declina-se sobre o problema
da justiça. O problema da justiça irrompe de maneira relevante apenas onde há um
conflito de interesses, quando dois valores se contrapõe e um deve,
necessariamente se sobrepor ao outro 143, perante um cenário desta natureza um
140 “O juízo é uma forma de conhecer e de pensar que informa outras formas. A forma liga a matéria,
originalmente, à mente.” (MENESES, 2002, p. 213).
141 Cf. OTA, Weinberger. Hans Kelsen as philosopher. In: HANS, Kelsen. Essays in legal and moral
philosophy. Boston: D.Reidel Publishing Company, 1973. p. XXV.
142 Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 350.
143 Onde não há conflito de interesses, nõa há necessidade de justiça. Um conflito de interesses se
apresenta, todavia, quando um interesse só pode ser satisfeito à custa de outro, ou seja, quando dois
valores se contrapõe e não é possível concretizá-los ao mesmo tempo se a concretização de um
43
deve julgar conforme valores escolhidos de maneira arbitrária (pessoais) pois não há
um critério último de valoração racional que exclua um valor em face de outro, a es te
oposto, mas, possivelmente, tão válido quanto. Para Kelsen (2001, p. 5): “É pura e
simplesmente impossível decidir de modo racional-científico entre os dois juízos de
valor em que se fundamentam essas concepções contraditórias.”.
implicar a rejeição de outro; quando é inevitável, para dar prioridade à concretização de um dos dois,
decidir qua deles é mais importante, mais elevado, maior.” (KELSEN, 2001, p. 4).
144 Cf. HANS, Kelsen. Essays in legal and moral philosophy. Boston: D. Reidel Publishing
Company, 1973. p. 87.
145 No original: Relative moral value is constitued by social norm which posits as obligatory a specific
form of human behaviour. Norm and value are correlative concepts.
146 “A ela só é possível uma resposta subjetiva, válida apenas para o sujeito que julga, e não uma
constatação válida para todos, como por exemplo a de que metais se expandem com o calor. Este
último é um juízo de realidade, não um juízo de valor.” (KELSEN, 2001, p. 5).
44
que possa excluir a possibilidade de validade de uma norma concebida como seu
oposto, em outro sistema, portanto, a experiência só admite valores relativos e o
conflito entre os valores podem ser resolvidos apenas através da escolha arbitrária
entre um ou outro, ou o compromisso entre os mandamentos de ambos 147.
A ciência jurídica não pode eleger valores absolutos para julgar as ordens
válidas, os juízos e proposições jurídicas lidam conhecendo as ordens através dos
instrumentos da razão, sua função é descritiva. A política, por sua vez, é a ação dos
homens que criam as normas. Esta sim é baseada em valores pressupostos como
universalmente válidos e que o agente procura realizar no mundo do ser, portanto, é
uma ação da vontade148. A vontade dos sujeitos legiferantes só importa ao direito
enquanto criadora de normas e só até o momento em que a norma se realiza, passa
a existir; os valores motivadores da vontade só importam à jurisprudência na medida
em que se realizam nas normas e passam ao dever ser e podem ser considerados
valores objetivos e passíveis de estudo racional. Neste sentido é possível considerar
como científico um juízo de finalidade que enuncie um meio como adequado a um
fim, caso o fim seja aceito, na fórmula: se X é o fim, Y é o meio adequado; a
juridicidade de um juízo assim expresso depende de X é um comportamento
normado, por exemplo, se um sujeito deseja realizar um contrato deve, como
prescreve a legislação Z, valer-se de um escrivão com fé pública, caso o sujeito não
se valha do escrivão, o meio que escolheu é inadequado por ser contra a norma e,
portanto, tem um valor negativo – nesta medida se realiza um juízo de valor
objetivo149.
147 Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 23.
148 Cf. ibid. p. 349.
149 “Só quando se sabe que entre A e B existe a relação de causa e efeito, que A é a causa de que B
é o efeito, se alcança o juízo de valor (subjetivo ou objetivo): se B é desejado como fim ou é estatuído
numa norma como devido (como devendo ser), A é adequado ao fim (é producente). O juízo relativo à
relação entre A e B é um juízo de valor – subjetivo ou objetivo – apenas na medida em que B é
pressuposto como fim subjetivo ou objetivo, isto é, como desejado, ou estatuído por uma norma.”
(KELSEN, 2009, p. 25).
150 Kelsen, no artigo Julgamento de Valor na Ciência Jurídica (KELSEN, 2001, p. 203-224), cita o
artigo Value and Existence como base de uma das concepções de valor utilizadas.
45
Os valores da teoria estrita podem ser, por sua vez, descritos enquanto
ocupantes de duas funções: a primeira, chamada adjetiva, onde o objeto é bom – a
cópula ´é’ nos juízos derivados de valores assim conceituados informa a relação
sentimental do sujeito com o predicado –; já a segunda, qualitativa, o objeto valorad o
tem uma característica – ‘tem’ é cópula do juízo e indica uma característica do
predicado em relação com o sujeito. Na variedade relacional, o valor é subjetivo, não
determinado pela natureza do objeto, mas através da relação dos sujeitos com
estes, portanto os valores podem ser, teoricamente, subsumidos através de
categorias do ser. Contudo, Urban defende que nenhuma das duas conceituações
de valor relacional (como quale ou adjetivo) resistem ao escrutino profundo. Caem
por terra a função adjetiva dos valores, pois, tanto enquanto relação psicológica
como enquanto concepção ontológica, eles se relacionam com a ideia de realização,
naquela como realização de uma tendência, nesta como realização de um
interesse152, de forma a sempre presumirem outros valores que informam que a
realização de uma tendência é boa, caindo, assim, num exercício de lógica
circular153. A concepção qualitativa, é uma tautologia ou um absurdo lógico, as
qualidades são inerentes aos objetos, ou pertencem a eles enquanto fenômenos
casualmente entregues à razão. Portanto, um juízo de valor que atribua qualidades
ao objeto equivale a dizer que o objeto é como deve ser, se tem valor negativo, não
possui certa qualidade, é equiparado a dizer que o objeto é como não deveria ser.
Proposições formuladas desta forma enquanto descrevem a realidade de um objeto
são absurdidades154.
151 Urban, Wilbur M. Value and existence. The journal of philosophy, psychology and scientific
methods, Nova York, v. 13, n. 17, p. 449-465, ago. 1916. p. 451.
152 Cf. ibid. p. 455.
153 Cf. ibid. p. 453.
154 Cf. ibid. p. 459-460.
46
podemos entender, mas não a um conceito que podemos definir.” 155 (URBAN, 1916,
p. 460, tradução nossa).
Os valores, porquanto, não são nenhuma relação com os objetos do ser, nisto
concordam Urban e Kelsen. Não podendo ser como manda a concepção
substantiva, resta, portanto, saber em qual categoria estariam os valores. Urban
afirma, para responder ao questionamento, uma terceira concepção de valor,
denominada de valor como uma objetividade 156. Nesta visão, valor não é se encontra
dentro do ser, da existência, mas numa categoria entre elas. É um dever ser, nas
palavras de Urban: “Para alguns, valor é o que deveria ser; para outros, o que deve
ser reconhecido.”157 (URBAN, 1916, p. 461, tradução nossa). Nos juízos de valor
desta concepção se apreende que um objeto é como deve ser, ou que não é como
deve ser, – como bem clarificar Urban (1916, p. 463), não se depreende desses
juízos a existência mesma do objeto –. Em resumo: “O sentimento de valor existe, a
relação entre o valor e o sujeito emocional subsiste, mas o valor em si, se é preciso
158
ter um termo, é meramente “válido.”.” (URBAN, 1916, p. 465, tradução nossa). O
conhecimento dos juízos é sobre uma específica objetividade, ou seja, se o objeto é
como deve ou não ser. Esta é a concepção que Urban adota como sendo a correta,
ou, pelo menos, a mais apropriada.
155 No original: The value predicate, like the existential, corresponds to a notion that we can
understand, but not to a concept that we can define.
156 Urban, Wilbur M. Value and existence. The journal of philosophy, psychology and scientific
methods, Nova York, v. 13, n. 17, p. 449-465, ago. 1916. p. 461.
157 No original: For some, value is that which ought to be; for others, that which ought to be
acknowledged.
158 No original: The feeling of value exist, the relation between the value and the emotional subject
subsists, but value itself, if we must have a term, is merely “valid.
159 Por outro lado, parece igualmente fatal interpretar a objetividade do valor recorrendo a um sujeito
ou vontade supra-individual. Estamos então de volta às dificuldades da definição relacional.” (URBAN,
1916, p. 465, tradução nossa).
47
Por fim resta diferenciar os valores jurídicos dos políticos. Os valores políticos
são do interesse de outras áreas do conhecimento social e se referem a normas de
outra natureza, como à moral. A moral é conceituada por Kelsen no seguinte
postulado:
160 Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 205.
48
De fato, não sei e não posso dizer o que seja justiça, a justiça absoluta,
esse belo sonho da humanidade. Devo satisfazer-me com a justiça relativa,
e só posso declarar o que significa justiça para mim: uma vez que a ciência
é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante em minha vida, trata-
se daquela justiça sob cuja proteção a ciência pode prosperar e, ao lado
dela, a verdade e a sinceridade. É a justiça da liberdade, da paz, da
democracia, da tolerância (KELSEN, 2009, p. 25).
162 Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça?: A justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 364.
163 Cf. ibid. p. 362.
164 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 398.
165 Cf. ibid. p. 396.
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Definido o que Kelsen quer dizer por valor e por juízo de valor, pode-se
sintetizar a relação dos valores com as normas. As normas jurídicas constituem
valores objetivos, os comportamentos por elas prescritos (devidos) são bons, valores
positivos, e os opostos ao devido, pressupostos de atos coercitivos, constituem os
valores negativos, são maus. As normas, sejam jurídicas ou não, são a única forma
de conceber valores objetivos, ainda que não valores absolutos – a aceitação de um
valor absoluto implicaria na derrogação de todos os sistemas que não a ele
aderissem, o que não se dá na realidade –, e os juízos que as tem como base são
objetivos, pois valem-se de um princípio de julgamento que pode ser reconhecido
por qualquer um desde que pressuponha a norma fundamental e eficácia global do
sistema. O dever ser é a categoria por excelência dos valores, sem o dever ser
qualquer pretenso juízo de valor apenas se refere à realidade factual, e, portanto,
são juízos de realidade. Norma, valor, e juízos de valor estão em circundante relação
de dependência. Kelsen, realmente toma o salto da fé e assume a posição relativista
para realizar até as últimas consequências sua compreensão do método
transcendental, indo, assim, onde nem Kant nem Cohen ousaram 166.
166165 KELSEN, Hans. The pure theory of law, ‘Labandism’, and Neo-Kantianism. A letter to Renato
Treves. In: PAULSON, S. L.; PAULSON, B. L. Normativity and Norms. Clarendon Press Oxford –
New York, 1998. p. 169-175.
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIA
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p. 147.
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KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 5ª Ed. São Paulo: Martins
Fontes – selo Martins, 2016.
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KELSEN, Hans. The pure theory of law, ‘Labandism’, and Neo-Kantianism. A letter to
Renato Treves. In: PAULSON, S. L.; PAULSON, B. L. Normativity and Norms.
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MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia: Tomo III. Editorial Ariel, S. A.;
Barcelona, 1994.
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L. Normativity and Norms. Clarendon Press Oxford – New York, 1998. p. 47-67.
VAIHINGER, Hans. Die Philosophie des Als—Oh. 6ª Ed. Leipzig, 1920. Apud
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução José Florentino Duarte. Porto
Alegre: Fabris, 1986. p. 329.