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Salvador
2015
TÂNIA REGINA OLIVEIRA CAMPOS
Salvador
2015
TÂNIA REGINA OLIVEIRA CAMPOS
Comissão Examinadora
_________________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Abel Lassalle Casanave
__________________________________________________________
Examinador: Prof. Dr. José Crisóstomo de Souza
__________________________________________________________
Examinador: Prof. Dr. Pedro Lino de Carvalho Júnior
Salvador, ____de____________2015.
RECONHECIMENTOS
John Locke
RESUMO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 07
2. TEORIA DA NORMA JURÍDICA SEGUNDO KELSEN E HART ........................... 09
2.1. Teoria da norma jurídica segundo Hans Kelsen ................................................... 10
2.1.1 “Ser” e “Dever-ser” ............................................................................................. 11
2.1.2 Sanção .............................................................................................................. 13
2.1.3 Validade e norma fundamental .......................................................................... 15
2.2. Teoria da norma jurídica segundo Herbert Hart .................................................. 16
2.2.1 Obrigação: diferença entre os enunciados “foi obrigado” e “tinha uma obrigação”... 17
2.2.2 Para além da sanção ......................................................................................... 19
2.2.3 Ponto de vista interno e ponto de vista externo ................................................. 21
3. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS EM KELSEN E HART ................ 24
3.1. O entendimento de Hans Kelsen ......................................................................... 24
3.1.1 Normas autônomas ........................................................................................... 26
3.1.2 Normas não autônomas .................................................................................... 26
3.2. O pensamento de Herbert Hart ........................................................................... 29
3.2.1 Normas de reconhecimento .............................................................................. 32
3.2.2 Normas de modificação ..................................................................................... 34
3.2.3 Normas de julgamento ...................................................................................... 36
4. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 37
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 41
7
1. INTRODUÇÃO
1
Sobre este ponto, vale aqui aclarar que não se pretende refutar uma teoria específica, senão demonstrar a
independência da teoria de classificação das normas hartiana em relação à teoria kelseniana de divisão das
normas.
10
dos principais conceitos das teorias de Hans Kelsen e Herbert Hart, seguindo esta
sequência, como que para oferecer uma noção geral desse tema amplo.
vale para todas as ordens normativas, inclusive o Direito. Porém, como foi
ressaltado, há um caráter peculiar na coerção exercida pelo Direito, que é
especificamente a característica de o ato coativo ser aplicado por uma estrutura
social organizada, um órgão ou autoridade competente, quando alguém pratica um
ato contrário ao conteúdo da norma jurídica (KELSEN, 2005, p. 33).
Embora se possa dizer mais acerca desse assunto, uma abordagem séria
ultrapassa em muito a proposta deste trabalho, sendo bastante esse curto apanhado
para o objetivo de fornecer ligeiras noções da doutrina kelseniana, de modo que
passaremos a tratar dos conceitos selecionados, iniciando por “ser” e “dever-ser”,
tão relevantes para a compreensão dessa teoria.
2
Kelsen chama as proposições elaboradas pelos juristas de regras jurídicas. Ele explica que a regra
jurídica é um juízo hipotético que toma a forma Se A é, B deve ser, afirmando que a regra ou a
proposição de dever ser que o teórico do Direito usa para representar as normas tem um sentido
descritivo, ou seja, reproduzem de forma descritiva o “dever ser” das normas. Leitura indicada sobre o
tema é o ensaio de Hart, Una Visita a Kelsen, 1977, Universidad Nacional Autónoma de Mexico,
Ciudad Universitaria Mexico 20, D. F.
13
intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo” (KELSEN, 2012,
p. 4). Se uma norma jurídica estabelece os requisitos e as condições para um
contrato específico, como o contrato de compra e venda, por exemplo, ela possibilita
que se atribua a um determinado ato, efetivado em conformidade com as suas
descrições, o status contratual equivalente a esse tipo de negócio jurídico.
Então, o autor compreende que a norma, através do dever-ser, constitui
um juízo de valor, positivo ou negativo. A relação estabelecida entre o fato da ordem
do ser com a norma da ordem do dever-ser é constituinte de uma medida de valor.
Um dado comportamento humano pode ser realizado em conformidade com a
norma jurídica, caso em que o juízo de valor é positivo, visto que tem adequação
com o que preceitua a norma; ou pode ser realizado em desconformidade com a
norma jurídica, e por essa razão é negativo, por não corresponder ao que está nela
prescrito (KELSEN, 2012, p. 21).
Feita essa introdução na teoria kelseniana para se referir ao conceito de
dever-ser, onde foi apontada a significação do termo para além da ideia de
prescrição (comando), abrangendo ainda as de permissão, autorização e atribuição,
passaremos para o conceito mais proeminente da teoria de Kelsen: sanção.
2.1.2 Sanção
como o caso em que um homem tira a vida de outro e, movido por remorso, passa a
alimentar o desejo de sofrer a sanção cabível como se lhe representasse um bem
(KELSEN, 2012, p. 36).
Segundo Kelsen, o ato de coerção, ou o uso da força, deve ser executado
apenas na hipótese em que a conduta humana é violadora do dever-ser da norma,
isto é, quando a conduta humana ocorre em desconformidade com o conteúdo da
norma jurídica, havendo resistência. Kelsen, assim, quer sustentar que não pertence
“à essência do Direito „forçar‟ (obter à força) a conduta conforme ao Direito”
(KELSEN, 2012, p. 37-38). Acentua que o uso da força é geralmente proibido pelo
Direito que o define como delito, mas é permitido como sanção, em certas
circunstâncias e a determinados indivíduos. Apenas quando a conduta humana
realizada é proibida e a sua ocorrência configura um ilícito em face do Direito, é que
a sanção terá aplicação. É a conduta ilícita um pressuposto da sanção.
O autor afirma que o Direito é uma ordem de coerção, sendo a sanção
elemento certo e necessário no seu conceito de Direito, mas Kelsen não ignora que
existem nos ordenamentos jurídicos normas que não estipulam uma punição. Ele
também assevera a existência dessas normas, porém o seu entendimento é de que
as normas jurídicas desprovidas de sanção, denominadas de não autônomas, estão
essencialmente interligadas com as que estatuem atos de coerção, chamadas de
autônomas, sendo estes os tipos em que ele classifica as normas jurídicas. Daí
enfatizar que, em virtude do vínculo entre elas é que se deve compreender a
concepção do Direito como uma ordem coercitiva (KELSEN, 2012, p. 57).
Na primeira edição da Teoria Pura do Direito, Kelsen apresentou a
classificação das normas jurídicas em primárias e secundárias, compreendendo as
primeiras como as que estipulam uma sanção para o caso de não observância de
uma conduta devida. Quanto às secundárias, disse que elas descrevem certa
conduta a ser obedecida, inexistindo, nelas, uma previsão de sanção. Considerou
estas como supérfluas segundo a técnica legislativa, enquanto as primárias seriam
as autênticas normas (KELSEN, 2012, p. 61). Essas teorias classificatórias serão
examinadas na seção 3. Em sequência, trataremos dos conceitos de validade e
norma fundamental.
15
3
O modelo suposto por Hart é de uma comunidade simples, onde reina um monarca absoluto (Rex),
o qual controla o povo através de ordens apoiadas por ameaças, é habitualmente obedecido, porém
não tem o hábito de obedecer a ninguém.
18
obrigar alguém a fazer algo. Ele adota uma situação especial como exemplo do uso
do modo imperativo, tratando-se de uma situação em que um assaltante portando
uma arma de fogo se dirige ao funcionário de um banco e diz ”entregue o dinheiro
ou atiro” (HART, 2009, p. 24). Nesse caso, ocorre o uso de ameaça de um dano
para compelir alguém a fazer alguma coisa. O modelo do assaltante serviria para
ilustrar a noção de obrigação em geral, presente no ato em que o meliante manda
que o funcionário passe o dinheiro sob o risco de concretizar uma ameaça, isto é, a
de disparar-lhe um tiro. Mas, evidentemente, as características nele presentes
contrariam o Direito, configurando-se uma ação delituosa.
Muitos aspectos separam o modelo do assaltante de um caso de
obrigação em geral, de uma situação de obrigação próxima do Direito. De acordo
com o exame feito por Hart (na perspectiva de mostrar as deficiências da teoria do
direito compreendido como ordens coercitivas), pode-se destacar o fato de que a
superioridade do assaltante é momentânea e provém unicamente do seu poder de
infligir um dano ao funcionário. Inexiste autoridade ou direito para obrigar. O
assaltante dá uma “ordem” pontual, tendo em vista uma só conduta, a de o
funcionário lhe entregar o dinheiro; e individual, dirigida unicamente à pessoa do
funcionário. Na situação em que existe o Direito, de regra, as ordens normativas são
gerais, seja em relação ao comportamento determinado, ou em relação aos
destinatários, e as obrigações, longe de serem momentâneas, caracterizam-se pela
permanência, ressaltando, por último, o fato de que as ordens são frequentemente
obedecidas. (HART, 2009, p. 29).
Poder-se-ia indagar sobre a propriedade da afirmação de que o caso do
assaltante ilustra uma obrigação. Ele não tem qualquer autoridade ou direito sobre o
funcionário do banco, e este não recebeu ordens de um superior para obedecê-lo. A
resposta, de acordo com o autor, está em que é necessário compreender que “Há
uma diferença entre as afirmações de que alguém foi obrigado a fazer alguma coisa
e a de que tinha a obrigação de fazê-lo” (HART, 2009, p. 107).
Para Hart, a situação do assaltante seria descrita corretamente acaso
disséssemos que “se B obedecesse, teria sido „obrigado‟ a entregar seu dinheiro”,
em que B é o funcionário. Ele afirma que esse é um tipo de enunciado de obrigação
que diz respeito a questões psicológicas, como convicções, medos e motivos, que
19
Nos capítulos II, III e IV de sua obra, Hart se propõe a analisar alguns
elementos presentes no pensamento jurídico dominante, extraídos especialmente,
20
da estrutura social, afirmando-os como um dos principais temas de sua obra, por
promoverem o entendimento da maneira de pensar, de falar e de agir que a
existência de normas enreda. Segundo o autor, eles representam tipos de atitudes,
do membro ou membros de um grupo social, diante das normas de que a sociedade
dispõe, implicando tipos diferentes de enunciados. Hart afirma que esses conceitos
traduzem a forma como os indivíduos se relacionam com as normas (HART, 2009, p.
115).
Quando os indivíduos têm uma relação com a norma como a de um
simples observador, e não a encaram como um guia de conduta para as suas vidas,
essa atitude é chamada por Hart de ponto de vista externo. Ele ressalta que do
ponto de vista externo podem ser feitas muitas descrições, várias afirmações, mas
discrimina o tipo em que o observador apenas registra as regularidades do
comportamento observado “nas quais consiste parcialmente a obediência às
normas, e as outras reações regulares- reações hostis, recriminações ou punições-
aos desvios ou infrações das normas” (HART, 2009, p. 115).
Nessa posição, o observador poderá, após algum tempo de verificação,
fazer associações entre os desvios ocorridos e a reação hostil, de modo que a
violação à norma, para ele, é só um sinal de que haverá uma reação, com o que se
tornará capaz de fazer previsões do tipo que, a um desvio se seguirá uma reação
hostil ou uma punição, pois se valerá da mera verificação de regularidades
empíricas, sem considerar a forma como os integrantes do grupo social que aceitam
as normas encaram o seu próprio comportamento. Nessa posição do ponto de vista
externo, o observador não poderá fazer afirmações de como o grupo se relaciona
com as normas, pois não se valerá de noções de norma, de obrigações ou de dever.
Descreverá, conforme assinalado, as regularidades observáveis da conduta do
grupo, bem como algumas previsões ou sinais (HART, 2009, p. 116).
Quando os membros de um grupo social se relacionam com as normas
como se lhes representando um manual de conduta, e aceitam conduzir os seus
atos conforme as determinações normativas, a atitude desses indivíduos pode ser
chamada de ponto de vista interno. Para essas pessoas, as normas “estabelecem
um padrão de comportamento e uma obrigação” a ser seguida. Nessa posição, os
desvios à conduta normal não consistem em um mero sinal de que se seguirá uma
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reação hostil, nem constitui uma previsão de punição, mas representa para o grupo
uma razão para a hostilidade. O grupo busca se comportar de acordo com as
prescrições normativas, e as normas funcionam como preceitos prescritivos de
obrigações que devem ser cumpridos por sua importância, constituindo-se numa
espécie de compromisso voluntário (HART, 2009, p. 115-116). Esse contexto de
normas diferencia-se da ideia de um simples hábito, como o de frequentar um
determinado restaurante, onde os desvios não resultam em retaliações ou reações
hostis, inexistindo as noções de compromisso e de razão para punição em caso de
violação.
Hart afirma que o ponto de vista interno retrata a maneira como as
normas funcionam para aqueles que a consideram como guia de comportamento, e
as utilizam em suas vidas, podendo ser traduzido com afirmação do tipo „Eu tinha a
obrigação‟, ressaltando que esse grupo constitui a maioria da sociedade
representada por autoridades, juristas e pessoas em geral. Quanto ao ponto de vista
externo, reproduz a maneira como as normas funcionam na vida de integrantes do
grupo social que só se atentam para a norma quando acreditam que reações hostis
possam advir de uma violação, revelado em expressão como “Você provavelmente
terá problemas se (...)”, mas não pode reproduzir a forma como as normas
funcionam para aqueles que a consideram para avaliar o próprio comportamento e o
dos demais indivíduos na sociedade. (HART, 2009, p. 117).
Hart assevera que esses conceitos se referem a aspectos internos e
externos das normas, e devem ser ambos considerados para a compreensão da
complexidade do fenômeno jurídico. Deste modo, no contexto social normativo
verifica-se um padrão de comportamento regular e uma atitude crítica, perante a
norma, de aceitação, referindo-se aos pontos de vista externo e interno. A teoria do
Direito como a de ordem apoiada por ameaça parece ter em vista somente o
aspecto externo das normas, na medida em que dá a entender que as pessoas
atuam com receio de possíveis reações hostis às infrações das normas.
24
4
Kelsen modificou o seu entendimento sobre a qualificação das normas, expondo um pensamento,
na primeira edição da obra Teoria Pura do Direito, que foi alterado na sua segunda edição.
26
dispõem dos deveres das partes nos diferentes tipos de contratos, também ilustram
essa categoria de normas. A seguir, abordaremos, em separado, cada uma das
modalidades de normas secundárias.
que compõem o poder judiciário e que são responsáveis por decidir se, em
determinadas situações, houve violação às normas primárias. A segunda norma
enumera as competências atribuídas ao Supremo Tribunal Federal, delimitando os
litígios e ações que devem ser conhecidos, processados e julgados por essa Corte
maior do judiciário.
Segundo Hart, há ligações entre as normas de julgamento e a de
reconhecimento. Ele explica que “a norma que conferir jurisdição será também uma
norma de reconhecimento, que identificará as normas primárias por meio dos
julgamentos dos tribunais” (HART, 2009, p. 126). Tratam-se dos julgamentos que
representam precedentes, os quais são observados pelos julgadores nas suas
decisões, de modo que a norma de julgamento permite aos juízes, por meio de suas
sentenças, identificar as normas primárias.
4. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
________. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista, Ariane Bueno
Suddati. São Paulo: Edipro, 2001.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8.ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2012.
________. Teoria geral do direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 4ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2005.