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Inicialmente, cabe destacar que o direito não é uma ciência, mas existe uma ciência do direito.

Para elaborar e aplicar o direito, o jurista necessita se valer de juízos de valor, escolhas e
decisões que são diversos de uma ciência descritiva e objetiva. Assim, depreende-se que há a
ciência do direito, enquanto objeto de análise, e o direito aplicado na vida real, sendo essa
diferença de atitude que justificaria a distinção entre ciência do direito e jurisprudência.

Tal concepção dicotômica é recente, visto que data da concepção positivista da ciência. Isso se
dá visto que chegou um momento em que apenas a lei se tornou insuficiente para preencher as
lacunas em julgamentos fáticos. Um claro exemplo disso é encontrado no art. 4º do Código de
Napoleão.

Essa linha de raciocínio também esclarece que a doutrina e a ciência do direito orientam os
juízes em processos delicados. Por isso, no direito anglo-saxão, a jurisprudência engloba a
doutrina. Isso se dá também na Alemanha.

O autor ainda destaca que para Kelsen o cientista deve elaborar uma ciência das normas
jurídicas, na qual os juízes de valor seriam eliminados. O direito seria o principal objeto dessa
ciência, sendo, nesse ângulo, um sistema dinâmico de normas hierarquizadas, já que as normas
de nível superior dão validade a órgãos para criarem normas de nível inferior, sempre indicando
as modalidades e os limites dessa limitação. Não sendo infringidos esses limites, há uma
liberdade de criação por parte desses órgãos. Assim, a norma fundamental, de natureza
constitucional, não pode ser juridicamente fundamentada, sendo ela pressuposta.

Seguindo a lógica Kelsiana, o que não é regulado pelo direito é indeterminado, portanto não é
objeto de análise da ciência do direito. Isso se dá, em casos como o legislador ou juízes
exerceram seus mandatos, dependem dos juízos de valor que pertencem ao domínio da política
ou da moral, ou seja, fogem do caráter objetivo. Nesse sentido, cabe ao teórico enumerar as
escolhas autorizadas pela norma superior.

Outros teóricos positivistas como Hart e Ross têm uma visão diferente de Kelsen. Hart entende
que o papel do teórico é analisar as estruturas e esclarecer as noções jurídicas. Em contrapartida,
Ross vê o trabalho do teórico como um trabalho mais empírico, estudando e prevendo o
comportamento dos juízes. Entretanto, em nenhuma dessas vertentes se vê como papel da
ciência do direito guiar o juiz na resolução de casos concretos.

Como conclusão, entende-se que a ciência jurídica não quer deformar seu objeto com valores de
fora de sua alçada. Entretanto, o estudo do direito positivo mostra que na prática é impossível
não atrelar esse com juízes de valor, que seriam imprescindíveis para guiar os legisladores ou
juízes.
Ainda, o doutrinador Chaim Perlman faz uma análise da obra de seu colaborador J.
Miedzoanogora, intitulada "Philosophies positivités du droit et droit positif", que por sua vez se
utilizou do direito vivo, ou seja, das decisões judiciárias e no modo mais geral no
funcionamento concreto de um Estado de Direito. Nesse sentido, uma ciência positiva do direito
deve olhar de perto os fenômenos que são objetos de seu estudo. Assim, Chaim Perlman
analisou decisões que vieram do direito belga.

Inicialmente, analisou a decisão colocada no estudo "De quelques lacunes du droit


constitutionnel belge". Na referida, o artigo 26 da Constituição Federal belga preceituava que "o
poder legislativo se exerce coletivamente pelo Rei, pela Câmara dos Representantes e pelo
Senado". Nesse sentido, durante a Primeira Guerra Mundial, o poder legislativo foi exercido
exclusivamente pelo rei, por se tratar de um estado de exceção, através de decretos-leis.
Entretanto, essa situação não era prevista pela Carta Magna Belga. Ainda, cabe ressaltar que
existiam outros dispositivos constitucionais que pleiteavam pela absoluta permanência do art.
26.

Nesse sentido, a jurisprudência posteriormente decidiu que os decretos-leis introduzidos pelo rei
belga eram conformes à Constituição Federal belga, encontrando assim formas de preencher
lacunas no texto constitucional belga. O procurador geral Terdelin se baseou em três axiomas
para demonstrar a constitucionalidade do decreto-lei:

1. A soberania belga jamais esteve suspensa.


2. Uma nação não pode dispensar um governo.
3. Não há governo sem lei, ou seja, sem poder legislativo.

Dessa forma, é nítido que, na impossibilidade de reunir o congresso, o rei deve legislar sozinho.
Para Chaim Perlman, a natureza desses axiomas não é precisada. Apenas seria claro que o
segundo e o terceiro se tratam de "princípios gerais do direito".

Cabe ressaltar que o princípio da continuidade do Estado cria um estado de força maior que
impede a aplicação de certos artigos da Constituição Federal e faz com que apareçam regras que
não são fundamentadas na norma fundamental, no sentido de Kelsen, mas também conduzem à
violação de seus artigos.

Nesse sentido, percebe-se a invalidade prática da fala Kelsiana de que uma lei só pode ser válida
em virtude da constituição. Ainda, a existência dos princípios gerais do direito se opõe à ideia
de Hart de que as normas secundárias determinam os critérios que permitem identificar as
regras primárias de obrigações. Ainda, embora para Ross, a validade de uma lei é medida por
sua eficácia ou pela probabilidade de sua aplicação em decisões judiciárias, cai por terra o
argumento de que a doutrina é apenas uma previsão das decisões judiciárias, uma vez que, caso
esse fosse o correto, não seria possível explicar os desacordos entre a doutrina unânime e a
jurisprudência.

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