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A Magia e a Academia – Considerações aos Aspectos Gerais da Magia e Sobre a Vida do

Estudante de Magia.1

I. Breves Considerações Sobre a Arte


As artes arcanas, ou A Arte como é comumente referenciada no meios acadêmicos,
são um conjunto de disciplinas, fórmulas e conceitos que procuram isolar, categorizar e
compreender o fenômeno da magia. Além de seu aspecto gnosiológico, as artes arcanas
procuram fornecer para o seu praticante um conjunto de métodos e processos, mais ou menos
padronizados, para que este consiga manipular as energias arcanas ambientais e produzir,
consequentemente, o resultado desejado (ou algo próximo). Essa manipulação padronizada
pode-se dar por meio de feitiços, encantamentos ou rituais.
Em termos mais precisos, o que ocorre quando um usuário de magia manipula as
energias ambientais é uma movimentação do medium conhecido como a Trama. É por meio
dessa “entidade” (na falta de um nome mais apropriado para designar a natureza e essência
desta estrutura) que ocorre a manifestação deseja da magia, ou seja, sua materialização no
plano de existência do usuário. Alguns sábios afirmam que conjurar uma magia é o ato de
comunicar, ordenar, o rearranjamento da própria Trama, modificando seu padrão estrutural e
produzindo, in loco, modificações no ambiente. De certa forma, executar a magia é executar
um procedimento de destruição e reconstrução, pelo menos no caso dos magos23.
Quando falo em magos, estou falando de estudantes das artes arcanas, pesquisadores,
pensadores e artistas que utilizam-se do longo conhecimento acumulado pelas gerações
passadas e aqueles concedidos pela própria benção da Deusa. Para conjurarem seus poderosos
feitiços, estes arcanistas devem primeiramente conhecer em profundidade a “fórmula”
1 Excerto retirado do Guia Para Todas as Coisas e Além, tomo I (4. ed.) de autoria do Arquimago
Beowulf, o Andarilho – Biblioteca de Castelo Alto.
2 Os feiticeiros possuem a habilidade natural e instintiva de moldar a magia, os bruxos se valem de
pactos com patronos misteriosos, os bardos utilizam-se da reverberação dos sons primordiais e
os magos valem-se do intelecto, do estudo e dos “processos”. O poder celestial dos clérigos
deriva da concessão de divindades, elas que permitem que eles modifiquem a Trama.
3 Uma vez tive uma “produtiva” conversar com Mortimer, o Louco, e ele usou a seguinte explicação
ou teoria para a magia (apesar da loucura do homem é possível que ele tenha algum sentido):
“Imagine que cada magia que criamos é uma entidade viva, cada feitiço é um ser, para ter acesso
a seus efeitos este ser deve estar presente, mas como fazer isto? Simples! o processo de
memorização e de gestos força, aquela patacoada toda, forla a ”entidade-feitiço” a habitar na sua
mente, uma vez lançado o feitiço ela se esvai, Puff ! Você quer provas disso ??? Como é difícil
conversar com ignorantes … A “prova” desta teoria é que os pergaminhos, uma vez utilizados, se
esvaem – os diagramas e palavras são a própria magia, a própria entidade, caso você não tenha
entendido.. E não espere que cada magia seja igual à outra, nem uma formiga é igual à outra
imagine uma M A G I A e elas nem sempre estão de bom humor.”- BEOWULF, Angrimar.
Conversas & Cartas – Vol II. 2, 1200 DQ.
daquela magia, ou seja, o intricado e complexo padrão de gestos, posturas, raciocínios,
palavras, imagens mentais e vários outros elementos que aprisionam a energia mística na
mente do conjurador e formulam a ordem a ser dada à Trama. O procedimento consiste em
conhecer a magia em sua completude e depois em conhecer o “resumo” prático dela, que
deverá ser preparado mentalmente e que efetivamente aprisionará a magia a ser lançada4.
Uma vez criado o padrão do encantamento e armazenada sua “energia”, ela só será
dispersada por ocasião da própria conjuração ou de uma magia subsequente cujo efeito é
liberar espaço mental. Outro fator interessante é que a mente mortal tem um limite na
quantidade de energia arcana que consegue acumular simultaneamente, além de sua
capacidade restrita em memorizar os demais fatores envolvidos na conjuração. Aos fatores
psíquicos aderem-se os componentes verbais e materiais, quando todos os elementos são
combinados ai sim há a efetiva conjuração. Os componentes têm a função de auxiliar a Trama
a modelar-se, por meio da correspondência entre fatores, e a dar a forma e função a magia.
. Quando uma magia é liberada a sua trama de energia se desfaz e ela (geralmente)
surte seus efeitos, depois de conjurada uma magia não pode ser lançada novamente até que
todo o processo mental seja refeito e isto demanda um bom descanso. Existem, porém, alguns
“truques” mágicos de maior simplicidade que subvertem está regra – estes uma vez
preparados podem ser lançados uma grande quantidade de vez, dado que o procedimento
mental acumula uma grande quantidade de energia que é utilizada, neste caso,
fracionadamente. A magia exige do espírito, do intelecto e até mesmo da constituição física
de seus praticantes, a devoção a Arte é uma devoção completa do ser, tenha isto sempre em
mente.
Quanto a natureza da Trama a cercam muitos mistérios 5, alguns afirmam que ela é o
próprio corpo da Deusa6, mas o importante é que todo o mundo está imbuído desta energia,
cada pedra, cada ser é um reservatório e uma parte da Trama. De certa maneira podemos dizer
que o universo inteiro está em comunhão, pois cada partícula do ser, cada manifestação de
energia faz parte dessa grande “trama” da existência.

4 A magia formulá tica se opõe a magia espontânea.


5 Isto ocorre, segundo alumas linhas de pensamentos, porque a Trama são várias coisas ao
mesmo tempo, primeiramente ela é o próprio corpo da Deusa, depois ela é um condutor e um
armazém de energia e depois ela é a própria estrutura das regras que governam a magia arcana
(Arte) e a magia divina (Poder).
6 A Inominada é a patrona da magia e a própria trama (segundo consta), sua função da cosmologia
é fornecer a magia para os mortais por seu próprio intermédio – ela é a consciência da trama, por
assim dizer.
A Trama, como a manifestação da energia primordial, é a conexão que torna possível
aos mortais acessarem essa “vontade do existir”, sem acesso a ela os conjuradores ficam
inaptos a exercer a Arte. A Trama também está ligada ao destino (pelo menos é o que
especulam uma grande quantidade de sábios), mas poucos indivíduos conseguem ter tanto
poder, ou mesmo compreensão dela, para conseguirem interagir de forma adequada com este
seu aspecto.
Em resumo, a magia pode ser considerada como a própria vontade do “ser”, a vontade
da existência em deixar de ser o não-ser e tornar-se tudo que há, extirpando o nada do todo e
penetrando cada espaço, tornando o todo um complexo sem vazios. A Trama, como hoje se
apresenta, é resultado de um processo longo para desemaranhá-la (através da utilização da
magia e da própria Trama7). Existem locais onde a trama está ausente, consequentemente não
é possível utilizar-se de poderes arcanos em tais localidades; existem também as zonas de
magia selvagem, locais onde a incerteza e o perigo de utilizar-se das artes arcanas é ainda
maior.
Apesar de a magia povoar todo o universo, utilizar-se de seus benefícios (e
malefícios) é algo caro, complexo e perigoso. Poucos conseguem custear (ou ter a capacidade
e a paciência) estudos arcanos, mesmo a contratação de usuários da Arte ou a aquisição de um
objeto encantado é um processo que está além do usual. Contudo, a magia não é um evento de
todo incomum, uma parte da população já presenciou algum ato mágico, já viu um conjurador
ou mesmo presenciou algum item mágico em ação. Apesar de não totalmente incomum, não
pode-se dizer que a magia seja um evento ordinário, banal, na vida da maioria da população
que habita os reinos. Grande parte dessas pessoas jamais terá dimensão do quão importante e
impactante é a magia em suas vidas, por isso, é dever de todo mago resguardar a Trama e
utilizar-se de forma consciente e responsável a magia, tanto para sua proteção quanto para a
dos outros – toda ação gera consequências e as consequências da magia são alarmantemente
graves.

II. Dos Perigos da Magia

7 O processo de “domesticação” e de modificação permanente da Trama são amplamente


influenciados por fatores culturais e usuais, exemplo disso são as palavras de poder que
começaram como simples componentes verbais da preferência de K’Rean, o Poderoso e pelo
costume adquiriram poderes em si mesma. Especula-se que este processo seja uma espécie de
estímulo – respostas e que esteja relacionado com as múltiplas entidades sencientes (além da
própria consciência da Deusa) que tornam um componente vivo e mutante do universo.
É meu dever alertar o desavisado leitor, que agora mesmo pode estar sonhando com as
maravilhas que as artes arcanas ofertam, que a Arte cobra seu preço. A magia é perigosa e os
magos jogam um perigoso jogo onde apostam sua vida (e a de outros), saúde e sanidade.
Histórias de mutilações, mortes e acidentes terríveis são relativas comuns no mundo arcano e
costumam virar notícia, então esteja avisado, caro leitor, de que ao procurar o caminho da
Arte você pode estar trilhando os passos de sua própria destruição. Este um dos motivos de os
arcanistas e seus sectos serem tão discretos e de a magia não ser empregada em “massa”.
Esses “acidentes” existem pela própria natureza da magia, as movimentações e ordens
à Trama precisam ser precisas para produzir o efeito desejado. Perder o controle das energias,
executar alguns gestos errados ou uma memorização errônea causam Imprevisibilidade
(definição: movimentação sem controle dos fios da Trama que ao se reestruturarem podem
provocar efeitos diferentes do esperado – prejudicando ou até mesmo tornando a magia mais
poderosa). A causa mais comum de Imprevisibilidade é o uso abusivo dos truques (cantrips),
após um certo ponto esses feitiços simples cobram seu preço. Portanto, nem mesmo a mais
simples das magias está isenta de riscos.

III. Do Estudo da Magia


O estudo da magia não é tarefa fácil, nem barata. São necessários anos de árduo
treinamento para que o usuário seja capaz de lançar o mais simples dos truques e mesmo
assim muitos não galgam nem mesmo este patamar. Além de extraordinária capacidade
mental, é preciso uma dedicação fora do comum e uma grande força de vontade por parte do
estudante. Além dessas características é preciso que se exija grande estabilidade psíquica do
pretendente a aprendiz.
O primeiro passo que o pretende deve tomar é achar um tutor, um professor
capacitado. Este primeiro mestre, que de preferência começará a ensiná-lo nos primeiros anos
da juventude, deverá passar os conceitos básicos (pressupõe-se, obviamente, que o
pretendente seja plenamente alfabetizado) da educação mental superior, devendo ensinar pelo
menos o básico das seguintes áreas: metafísica, física, filosofia, lógica, linguística (gramática,
retórica e estrutura linguística), filologia, aritmética & geometria (real, imaginária, lógica e
ilógica), química alquímica, astronomia, cartografia planar, astrologia, história e teologia. O
estudo dessas mateiras tem como função treinar a mente e o espírito do estudante,
aclimatando o usuário ao pesado ritmo de estudos que deverá empregar nos anos vindouros,
além de lhe fornecer um conjunto básico de conhecimentos, necessários para compreender os
próximos estudos e a própria realidade da existência.
Depois do treinamento preliminar nas artes liberais o usuário começara a entrar no
reino da magia propriamente. Nesta fase do treinamento o usuário será exposto a
encantamentos e feitiços, auxiliará seu preceptor a realizar rituais e terá acesso as fórmulas de
seus primeiros truques. Esta fase tem como função ensinar a disciplina mental e o caminho de
construção mental necessário para qualquer feitiço, como gosto de dizer está e a fase da
construção do pensamento mágico. É aqui que o iniciado começa a desenvolver sua percepção
arcana e a sentir a presença e a força da Trama.
A próxima fase, a última que costuma ser acompanhada pelo preceptor original, é
onde o estudante começa a ter acesso as fórmulas mágicas de seu professor, que lhe ensinará a
forma apropriada de ler as magias – cada mago costuma desenvolver sua própria linguagem
codificada – e a como escrever apropriadamente uma fórmula mágica prática em seu
grimório8.
O grimório é o livro de magias pessoal de cada mago, ele pode ser um único tomo
como uma biblioteca inteira de pergaminhos, a forma física não importa, o importante é que
este “livro” é escrito de forma especial, contendo fórmulas mágicas pessoais que em si
próprias são uma magia. Este livro costuma ser o bem mais precioso de qualquer mago. A
escrita e transcrição das fórmulas é uma arte e demanda um conjunto especial de tintas, uma
série de materiais e algumas outras técnicas9.
Finalizada esta etapa tem-se um mago, inciante e incompetente, mas ainda sim um
mago. O próximo passo varia muito de pessoa para pessoa, o mais comum é que o neófito
procure uma grande cidade ou um templo da Deusa para procurar aprofundar seu
conhecimento. Nas grandes cidades é possível que haja alguma organização formal, como
uma guilda ou um conselho, ou mesmo uma universidade ou escola. No templo da Deusa o
iniciado poderá servir como um escriba ou serviçal, auxiliando nos trabalhos gerais da ordem,
em troca disso ele terá contato com outros usuários das Arte e acesso a uma seleção de
conhecimentos arcanos.
8 Lembro aqui que os grimórios contem, como regra, apenas uma fórmula resumida da magia, é
uma espécie de resumo mental, de trilha escrita, que é ela própria imbuída de magia e serve para
criar a forma mental e “aprisionar” a energia que subsequentemente virará o feitiço. Os livros de
magias, não sendo grimórios, não são mágicos como este e contem descrições muito mais longas
e detalhadas que servem para compreender toda a linha de raciocínio e a construção, mas que
por si próprios são inúteis para lançar diretamente o feitiço.
9 Como tudo na Arte há uma grande variedade quanto a forma de executar esse procedimento, um
toque pessoal sempre está presente.
Devo ressaltar a importância desta etapa para o leitor: conhecimento é poder, no caso
dos magos, literalmente. Magias, rituais e encantamento são bens extremamente valiosos e
raros, por isso mesmo, os arcanos são extremamente cuidadosos e cautelosos quanto a quem
terá acesso a esse poder – dificilmente um jovem mago, sem filiação alguma, conseguirá ter
acesso ao conhecimento necessário para sua evolução e progressão. A tendência a paranoia é
uma constância entre a classe, a suspeita e o medo tornam complexas qualquer transações que
envolva magia ou qualquer conhecimento secreto, por este motivo é que os magos costumam
cercar-se de todas as proteções institucionais possíveis10. Apenas dinheiro não é suficiente
para que o aspirante a mago tenha acesso a esse mundo de poderosas magias e tradições, é
preciso que haja confiança entre as partes e é justamente ai que entram as instituições: elas
são os garantidores, os fiadores que emprestam sua confiança ao novato.
Além do esoterismo natural do ambiente arcano, o que dificulta muito o
autodidatismo, há um outro fator envolvido na escolha pela filiação: a ausência de um método
sistemático de estudo. Aprender magia é um processo muito íntimo, cada mago tem sua
própria relação com a Trama e aprende as formas que para ele são funcionais, portanto, não
há uma sistemática padronizada que funcione universalmente. É essencial o contato com
magos mais experiente e com mestres que auxiliarão dentro de suas próprias demandas – o
que levará, inevitavelmente, a aquisição do “estilo” do mestre pelo aprendiz. A vantagem de
pertencer a uma das instituições é poder ter acesso a diversos outros magos e mestres é poder,
após ter uma série de preleções e conversas, decidir qual deles será seu “guia” mor11.
Magos que não filiados são comuns, em realidade estes compõe a maior parte do
corpo de algumas regiões. A filiação é mais comum nas grandes cidades. Apesar das
dificuldades apresentadas existem diversos magos que percorrem toda a sua jornada pela
magia sozinhos, ou acompanhados por indivíduos não magos. Esta espécie ronda pelas ruínas
de antigos impérios, tumbas ancestrais, selvas desconhecidas e por toda outra sorte de locais
perigosos e inóspitos a fim de angariarem qualquer pedaço de conhecimento mágico (além de
associarem com outras entidades e raças). Este caminho é, com certeza, mais perigoso mas
traz grandes recompensas e é de grande auxílio para toda a comunidade de arcanos. O mundo

10 A maior parte das negociações é feita por intermédio das guildas, cabalas ou dos templos, sendo
permeados de regras e salvaguardas para ambas as partes.
11 O que em muitos casos leva a unificação de diversos magos sobre o mesmo Selo. Os selos
representam um mago, normalmente de alto poder, e indicam a filiação de alguém ou de algum
lugar ou objeto associado aquela figura. Os selos também servem para proteger a autoria
daqueles que se reúnem sobre ele, sendo protegidos pela Tripla Maldição – romper o selo
prejudica qualquer um que tentar falsificá-lo.
é grande, antigo e cheio de mistérios, longe estamos de compreender a magia em sua
totalidade, muito foi esquecido e muito ainda será descoberto e assim será até o fim dos
tempos.

IV. As Universidades

Podemos definir as universidades como sendo centros permanentes de ensino superior.


Sua principal nota distintiva é a organização, mais ou menos estruturada, de um curriculum e
a garantia de um selo externo de garantia – a diplomação – da proficiência do aluno ali
formado. Definindo de forma sintética as universidades são uma sociedade de mestres e
alunos, uma corporação acadêmica para o ensino e desenvolvimento da Arte.
Estas sociedades acadêmicas prescindem de uma estrutura física própria. A maioria,
em verdade, não conta com a estrutura física alguma, ofertando suas preleções nos mais
variados locais. A grande vantagem que o mago neófito tem ao ingressar numa dessas
instituições, em vez de optar pelas mais opulentas guildas, é o acesso mais liberal ao
conhecimento mágico que esta estrutura societária oferece, além do guia que a estrutura
curricular oferece; sem contar com a maior disponibilidade e inclinação dos mestres em
aceitarem tutoria privada (que é um aspecto essencial para o avanço de qualquer mago). As
disputas e debates são comuns, é esperado que um mestre tenha pelo menos uma disputatio12 a
cada meio ano e os alunos costumam ingressar em debates formais periodicamente.
Outro fator atrativo dessas instituições é o status de membro. Apesar da natureza
discreta que inevitavelmente qualquer instituição mágica adquire, a maioria das cidades se
beneficia em grande medida do estabelecimento de uma universidade em seu território, afinal
os alunos, mesmo que em pequeno número, fornecem um influxo de dinheiro e atraem uma
gama de serviços especializados para o local, fazendo a economia ter um grande crescimento.
Além do fator financeiro é sempre bom que uma cidade conte com algum número de
arcanos, não são todas as cidades inimigas e os bestas inteligentes que tem a coragem e o
incentivo para atacarem uma cidade cheia de magos. Por conta das vantagens que a academia
gera seus membros costumam tem um status diferenciado dentro dos reinos e cidades, na
prática isto quer dizer que os acadêmicos são cidadãos da universidade e será ela a
responsável por suas punições criminais e civis.

12 https://pt.wikipedia.org/wiki/Disputa_(escol%C3%A1stica)
O custo educativo não é baixo, além da anuidade paga a universidade o aluno deve
custear sua estadia e alimentação, além dos materiais específicos de sua atividade. No mínimo
o neófito deverá arcar com o preço de um grimório em branco (o mais básico custa a partir de
100 PO) e das tintas e materiais para transcrição de magias (valor variável), comumente ele
incluirá nas suas posses um conjunto de pergaminhos em branco, a vidraria básica para
alquimia, os componentes materiais mais comuns para magias e uma cópia dos 10 volumes do
Fundamentum Magicae13 (360 GP em base, menos ou mais a depender da qualidade do
escriba e da edição).
A maioria das universidades costuma ser especializada em algumas das oito artes
menores, que em conjunto formam a Arte, sendo elas: Abjuração, Alteração, Conjuração,
Encantamento, Vaticínio14, Ilusão, Evocação e Necromancia. Não é que as universidades
ensinem apenas uma das artes menores, em verdade para a formação de um mago competente
ele deve aprender os fundamentos de todas as oito, é apenas que os mestres do local
historicamente são especialistas em determinada arte (ou que as contribuições daquela
universidade para a comunidade acadêmica foi maior em determinado assunto, dai sua fama).
A Universidade de Porto do Duque, por exemplo, é reconhecida por seu foco em magias de
Abjuração, seu fundador, Vrynm, o Mago de Aço15, ficou conhecido por suas incríveis
abjurações.
A expedição de diplomas ocorre após o aluno completar todo um ciclo e ensino e
passar pelos devidos testes e provas. O diploma tem tanto valor quanto a reputação da
instituição que a emite, portanto, o centros universitários matem um rigoroso sistema de
admissão e um ainda mais rigoroso controle de diplomação. O aluno passará meses, até anos,
se preparando exclusivamente para seu teste final, uma etapa que combina a apresentação e
defesa de um tratado ou peça monográfica perante seus mestres e um teste que avaliará sua
proficiência na prática das artes. Bem sucedido, o aluno obterá seu diploma e poderá deixar a
universidade ou procurar especializações posteriores – tornando-se ele mesmo um mestre ou
apenas buscando expandir seu conhecimento.

13 Fundamentos da Magia, um livro introdutório de autoria de Decratus, o Sereno. Escrito para


aprendizes o livro contem um conjunto básico de magias e truques fundamentais além de
fornecer uma leve introdução teórica e descrever um conjunto de exercícios mágicos. Não é lá o
melhor livro de todos mas é um tomo básico amplamente difundido . Outra opção é o Ars Magica
– obra em 30 volumes escrita por Johan Hagen, é maior e mais complexa mas fornece um melhor
material de estudo para o neófito e até o estudante intermediário.
14 Adivinhações ou profecias – em inglês essa é a school of divination.
15 Pele de Aço de Vrynm é uma das magias famosas cuja atribuição é dada a ele.
Background – Um acordo, então.
Toda noite ele tinha o mesmo sonho: ele era ainda um garoto e despertava de seu sono
agitado com as gotas da chuva que desciam do convés, o barco começa a balançar
violentamente, ele subia para o convés, alguém segurava seu braço, tudo se tornava escuro e
então ele despertava suando frio. Mais do que um pesadelo recorrente, este sonho era uma
lembrança. Em sua juventude um naufrágio mudará sua vida.
O sol já estava se pondo quando a cidade saiu da linha de visão do garoto. A galé
mercante, com seus dois mastros em riste, cortava o oceano e o jovem garoto de orelhas
pontudas chorava baixinho se perguntava onde estavam seus pais, os marinheiros e tripulantes
o ignoravam sem muito esforço. O barco havia zarpado do porto de Inala do Sul, nas terras de
Ishtarna, nas proximidades do Grande Deserto. Naqueles dias, esta terra de mistérios e
encantos se encontrava mergulhada numa guerra cruel e sanguinária, os Imortais de Zentar
haviam decidido dominar as terras dos emir ao sul e das tribos ao norte. Este conflito, entre o
que restava do antigo reino (Zentar) e as potências populares, não era novo, tinha tido muitas
indas e vindas, mas a região tinha estado em paz pelas últimas décadas, contudo. Ninguém
estava preparado para o banho de sangue que tinha se tornado este conflito.
O menino do barco não sabia de nada disto, a única coisa que ele sabia era que estava
sozinho neste barco. Seus pais, contudo, sabiam muito bem o que se passava – seu pai era um
soldado mercenário (Barruk dos Espadas Negras) e sua mãe era uma curandeira elfa (Elina).
Ambos estavam a serviço dos Espadas Negras e lutavam pelo Emir de Shadalar, o garoto
havia nascido durante o conflito. Conforme as forças do emir foram sucumbido para o poder
de Zentar, que mesmo enfrentando uma guerra em dois frontes triunfavam sobre ambas, os
pais do menino foram ficando cada vez mais sem opção até que chegaram a Inala, o último
porto, a última fortaleza. Por sorte eles conseguiram enviar o menino numa das últimas galés
em direção ao Mar de Ferro. Assim partiu o jovem, com as instruções de seus pais e uma
carta.
Os dias foram passando e o garoto foi parando de chorar e se acostumando com o
ambiente do barco, ele gostava muito de olhar as gaivotas e os peixes e de explorar os
recantos do grande barco. A nau contava com outros refugiados e o menino acabou por se
tornar responsabilidade de todos, as mulheres lhe alimentavam e ele brincava com as outras
crianças. Um tripulante em especial lhe chamava a tenção, era um senhor já na casa cinquenta
anos com cabelos longos e cinzentos e olhos cor de pedra, este senhor trajava uma túnica
longa e azul, da cor do mar, seus dedos eram cheios de anéis e em suas unhas haviam
estranhos símbolos pintados.
Esta inusitada figura ficava a maior parte do tempo em sua cabine e pela tarde saia
para olhar o pôr do sol enquanto fumava seu longo cachimbo e passeava pelo convés. o garoto
não tirava os olhos dele e da espada que ele carregava, um belo sabre cuja a bainha era
encrustada de joias. Durante um dos passeis vespertinos do velho o garotinho resolveu matar
sua curiosidade, enquanto os meninos brincavam e a tripulação fazia corpo mole, ele foi se
esgueirando por entre os caixotes e como um halfling enxerido chegou ao local sem ninguém
perceber. Logo ascendeu uma velha vela, que carregava escondo no bolso, afinal ele tinha
pensado em tudo menos para aquela visão: as paredes da grande cabine ostentavam cabeças
empalhadas de diversas feras: orcs e mastícoras, goblins, grifos e até mesmo um raro urso-
coruja; em um manequim havia uma bela cota de malha que reluzia em diferentes cores a
depender da luz e um elmo com o formato da cabeça de um dragão, diversas armas, cada uma
mais maravilhosa que a outra, estavam espalhadas pelo local.
Havia também uma escrivaninha pregada na parede e diversos livros espalhados em
baús, um destes tomos logo lhe chamou atenção era um grosso volume, quase de seu peso, a
capa do livro era feita de ouro e em seu centro uma caveira de cristal com olhos de rubi. Ao
relance deste misterioso livro ele logo sentiu uma forte atração, uma força poderosa,
irresistível, prontamente ele foi se esgueirando— sem saber o porque já que ele tinha certeza
de estar sozinho, contudo, espiar aquelas páginas não parecia ser algo que deveria ser feito a
vista de todos, era uma ação secreta, uma íntima conversa entre ele e aquelas páginas.
Com dificuldade ele tentava puxar o volume de dentro do baú, a coisa deveria pesar
quase o mesmo tanto que ele, então veio a brilhante ideia: por que não derrubar logo o baú?
Estava resolvido, ele procedeu a afastar um pouco o baú da parede de madeira, se apoiou no
vão e com suas perninhas botou toda a força que tinha e BOOM! O tomo estava no chão e ele
poderia deliciar-se com o que seja que estivesse ali, porém havia mais um empecilho, pelo
menos foi o que ele imaginou quando viu a fechadura na lateral do volume, mas algo lhe dizia
que a chave estava logo ali, próxima. Durante alguns segundos ele revirou as gavetas e
estantes, como estava muito concentrado ele não escutou os passos e só percebeu que estava
encrencado quando uma mão cheia de anéis segurou o seu braço e lhe ergueu, a voz do
homem ressoou como um trovão:
—Garoto o que pensa que está fazendo?!? Existem modos menos dolorosos de se perder um
olho!
Entretanto o menino não parecia ter escutado nada, ele estava com os olhos vidrados
na altura do peito de seu captor pois ali estava a preciosa chave. Vendo que o garoto parecia
lhe ignorar, o velho, cujo nome era Astor (um antigo aventureiro que hoje estava a serviço de
um poderoso arquimago), logo entendeu o que se passava: aquele tomo maldito, o grimório de
um necromante do império caído, era um ser senciente e havia tomado conta do menino.
Procedeu sem demora ao ritual para desencantá-lo que graças aos deuses funcionou.
O menino despertou do sono mágico dois dias depois. Espantado percebeu que ainda
estava naquela estranha cabine e que o homem de azul estava ali ao seu lado, ele tinha certeza
de que levaria uma bela surra. Mas o que aconteceu foi bem diferente na verdade, Astor
explicou tudo para ele: que o livro tinha encantado o garoto, que ele poderia ter se machucado
seriamente e que provavelmente aquele não era um simples tomo, mas, na verdade, o
recipiente da alma de um mago maléfico e que ele não precisava mais se preocupar pois as
medidas cabíveis haviam sido tomadas.
Conforme os dias foram passando o velho aventureiro foi se afeiçoando ao menino de
orelhas pontudas, ele gostava de contar suas histórias de aventura e glória, das batalhas contra
bestas sanguinárias e dos muitos tesouros que tinha encontrado, falava também dos poderosos
magos que habitavam a terra e que do alto de suas torres convocavam a ira das tempestades e
o ardor do fogo, era dos magos que o menino mais gostava. Astor sabia que aquele menino
era diferente, além de ser um meio elfo (o que poderia ser mais uma maldição do que uma
benção) ele havia sentido a magia e o livro/filacteria havia se interessado por ele, portanto,
imaginou, o garoto tinha potencial para ser um arcano e um dos bons. Ele mesmo era um
mago e era seu dever zelar pelo menino, fossem os delírios de um aventureiro cansado e
solitário ou uma promessa verdadeira, o importante era que Astor gostava do menino e o
menino gostava dele.
A viagem seguiu seu curso e eles finalmente adentraram no Mar de Ferro. Aquelas
águas são conhecidas por suas ilhas e pelos inúmeros perigos que abrigam, mas ninguém
esperava o que estava por vir. O livro amaldiçoado tinha sido realocado para o porão da galé,
isolado de todos e dentro de um baú acorrentado ele não deveria fazer mal a ninguém, assim
pensou Astor. Mas a influência do livro era maior do que ele imaginará, incapaz de atrair os
humanos o livro atraiu uma coisa muito pior: uma fera marinha anciã, um leviatã. A fera
rondou a galé de longe, espreitando sua presa tão atraente até que ela estivesse isolada no
oceano e quando isso acontece, milhas após as ilhas do Ferro, em meio a uma tempestade
furiosa, a besta destruiu o casco do barco. O garoto estava no convés observando a tempestade
que arrastrava o barco quando a fera os atacou, a nau rapidamente foi engolida pelo mar
revolto e enquanto se afogava ele sentiu algo envolver seu corpo.
Ele despertou no dia seguinte com o sol já a pino, estava num rochedo inóspito sem
nem mesmo uma planta ao seu redor. Astor os tinha salvado com a mágica de um
pergaminho. Ambos estavam agora desolados, sem comida, sem água, sem acesso a nenhuma
ajuda. Os dias eram quentes e as noites eram frias, a fome foi aumentado e a sede só dava
trégua quando a chuva dava o ar da graça. Aquele rochedo que erigia-se imponente e
soberano no meio do oceano, uma prisão mortal.
Quando o desespero estava no pico e eles já estavam mais mortos do que vivos uma
luz de esperança ascendeu. Um baú vinha flutuando no mar e ficou batendo numa das
saliências do rochedo, num primeiro momento eles pensaram que era uma das muitas peças
que a mente esfomeada prega no homem, depois de muito debate eles decidiram que poderia
ser verdade, ou que, pelo menos, valia a pena investigar. Astor cuidadosamente desceu do
canto que eles ocupavam no rochedo e o trouxe a caixa flutuante, quando abriram, para a sua
surpresa, lá estava o livro da caveira de cristal.
-Que porcaria! Este lugar não nos dá uma trégua, que destino miserável! De que nos serve um
livro amaldiçoado? - disse Astor já se preparando para lançar o livro no mar.
O garoto de orelhas pontudas porém o interrompeu, aquele livro poderia ser do mau
mas tinha poder, ele havia sentido. O velho pensou e pensou, era melhor deixar o livro
maligno matá-los ou morrer de fome e sede? Ele sabia que não tinha nenhuma aptidão mágica
então ele teria que fazer do garoto boi de piranha, o que também não era muito confortável.
Mais dias passaram até que a situação ficou definitivamente insustentável, não estava
chovendo, pelo contrário, o céu não tinha uma nuvem sequer e mais um pouco ambos já não
teriam força para nada, foi a gota final. Astor retirou o livro do “esconderijo” e o menino
começou a folheá-lo, cada vez mais ele sentir aquela estranha força tomar conta de seu corpo
e de repente não era mais a criança que falava, era a entidade do tomo da caveira de cristal:
– Eu sou Zar’Tarum, a Noite que não se esvai, a tormenta dos justos, o das infinitas vidas, o
dragão que escamas! Eu vim a vós mortais, regozijem-se e exultem! - disse o garoto-entidade
em sua nova voz.
Imediatamente, com sua esperteza de aventureiro, Astor tomou o tomo das mãos do
garoto e se preparou para jogá-la no mar quando a entidade lhe respondeu:
-PARE, TOLO! EU sou o único que pode salvá-los, afinal fui eu que os coloquei aqui – disse
ele gargalhando – Desejo apenas uma coisa em troca: o corpo deste garoto!
-Morremos aqui então, besta – respondeu Astor reunindo suas últimas forças – Lhe proponho
outro trato, você nos tira daqui e deixa o garoto em paz e eu não lanço este livro no fundo do
mar.
A fera que habitava o menino não poderia deixar de responder:
-Oh tempos! Oh costumes! Tão degenerados estão os tempos que mortais desafiam deuses.
Bem, Moribundo, eis minha resposta: Possuo este garoto até cumprir minha promessa depois
eu possuirei vós até consumir toda sua carne e achar um anfitrião apropriado para minha
alma!
Astor não pensou muito, aquela era a melhor proposta possível e ele sabia, então tratou
de firmar o acordo. Por mais poderoso e maléfico que fosse aquele ser ele sabia que dragões, e
ele sabia que aquilo já havia sido um dragão um dia (o nome não engana e dragões são bens
orgulhosos quanto a isto), cumprem suas promessas. Ambos precisavam um do outro (um
livro não pode executar gestos mágicos complicados, afinal). A criatura menino preparou seu
feitiço e os teletransportou para segurança e cumpriu fielmente sua promessa, o homem
também cumpriu sua promessa.
O menino foi levado para a segurança de seus parentes. Ele nunca mais viu Astor,
contudo aquela estranha experiência moldou sua vida. Graças as economias de seus pais ele
conseguiu a permissão de seu tio para seguir no caminho das artes arcanas, ele foi um
promissor aluno e hoje estuda com os magos de Porto Duque. Não é um jovem rico, longe
disso, mas suas reservas permitem uma vida confortável.

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