Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Novos Movimentos Sociais Na Sociedade em PDF
Novos Movimentos Sociais Na Sociedade em PDF
Texto eletrônico.
Modo de acesso: World Wide Web.
CDD-Dir: 341.12191
(Organizador)
Cidadania, justiça
e controle social
1ª Edição
Santa Cruz do Sul/RS
2016
AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível superior (CAPES), no âmbito do
Programa de Apoio a Eventos no País (PAEP), Processo nº 3.075/2015-13, pelo apoio financeiro
para a realização do III Seminário Internacional de Direitos Humanos e Democracia e do pre-
sente livro.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................................................................................7
PARTE I – DIREITOS HUMANOS E LUTAS EMANCIPATÓRIAS............................................9
Novos movimentos sociais na sociedade em rede: hacktivismo e desafios para o direito (1999
Seattle World Trade Organization Meeting)...................................................................................... 57
Germano Schwartz & Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior
Justiça ambiental e ecologia política: reflexões sobre a técnica de construção do espaço urbano..........87
Jerônimo Siqueira Tybusch
Lei do Feminicídio no Brasil: ilusão de segurança jurídica para as mulheres ........................ 143
Marli Marlene Moraes da Costa
Resumo....................................................................................................................................................... 196
6
NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA SOCIEDADE EM
REDE: HACKTIVISMO E DESAFIOS PARA O DIREITO
(1999 Seattle World Trade Organization Meeting)44
Germano Schwartz45
Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior46
Introdução
O advento das tecnologias nas duas três últimas décadas influenciou sobremaneira as rela-
ções sociais existentes. Tais relações apontam um movimento flexível e instável, caracterizado
por redes de comunicação que alteram as bases da vida material, principalmente no que se refe-
re a tempo e espaço. Nesse cenário, reelaboram-se as comunicações existentes no sistema social,
sendo necessário observar como tal irritação perturba o sistema jurídico.
Nesse sentido, o presente artigo investigará o hacktivismo como nova forma de manifes-
tação política, entendendo-se que política e direito, inevitavelmente, estão acoplados estrutu-
ralmente por meio das constituições (SCHWARTZ; PRIBÁN; ROCHA, 2015). Para tanto, será
utilizada, principalmente, a obra de Manuel Castells para compreender as interações sociais na
sociedade informacional. A comunidade hacker será explorada em suas origens, relacionando
seus interesses e seus valores no desenvolvimento da tecnologia. Por fim, em perspectiva, serão
abordadas as informações reunidas e as manifestações ocorridas no 1999 Seattle World Tra-
de Organization Meeting e suas consequências, em especial as ações políticas antiglobalização,
cujos reflexos foram sentidos na esfera jurídica.
44 O presente artigo é resultado de projeto financiado por Edital Universal CNPq (P. 441774/2014-8) e foi gestado nas
discussões havidas no âmbito do “Observatório Direito e Novos Movimentos Sociais no Brasil”, albergado no Mestrado
em Direito e Sociedade do Unilasalle/Canoas.
45 Bolsista em Produtividade em Pesquisa do CNPq (Nível 2). Coordenador do Mestrado em Direito e Sociedade do
Unilasalle/Canoas. Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU. Pós-Doutor em Direito (University of
Reading). Doutor em Direito (Unisinos) com estágio doutoral em Paris X – Nanterre. Professor do Mestrado em Saúde
e Desenvolvimento do Unilasalle. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological
Association. Membro do Comitê Executivo do World Consortium on Sociology of Law. germano.schwartz@globo.com
46 Mestrando do Programa de Pós-Graduação da Unilasalle Canoas – Mestrado Acadêmico em Direito.
57
Germano Schwartz e Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior
BAUMAN (1999, p. 25-29), por seu turno, observa que a crescente aceleração da comuni-
cação global polarizou, ainda mais, as relações sociais da desdiferenciação (LUHMANN, 1977)
entre países centrais e periféricos. Alguns (Apple, Microsoft, entre outros) chegam a possuir
uma condição extraterritorial, isto é, por intermédio das redes de informação, verificam ser des-
58
Novos movimentos sociais na sociedade em rede
necessário incorporarem-se nas comunidades locais, com todas as benesses e os problemas que
tal atitude traz. Dessa maneira, há mecanismos de conservação do status quo que se espalham
pelas redes comunicacionais em fluxos que introduzem conceitos, normas, modas, tendências,
entre outros, e eles são impostos na realidade local (BAUMAN, 1999, p. 33). Assim, os fluxos es-
tabilizam-se por meio da habilidade de se manterem desorganizados possíveis grupos de resis-
tência. Para tanto, utilizam-se da projeção de estilos de vida descomprometidos com a realidade
social e histórica, inserindo práticas sociais unidimensionais, arquitetadas para a uniformidade
cultural globalizada (CASTELLS, 1991, p. 504-507).
De outra parte, sabe-se que os fluxos de comunicação de maior alcance atingem de for-
ma material a sociedade, influenciando o sistema social global. Exemplifica-se com o fato de as
megacidades serem vistas como grandes estruturas tecnocráticas que fornecem seu espaço físico
para a função especializada que a rede informacional da economia destina- lhes. Seguindo tais
parâmetros, a rede informacional define o espaço material de seus produtos ou serviços (CAS-
TELLS, 1999a, 502-503).
Nessa mesma linha de pensamento, entende-se que a lógica de tais comunicações, para
os processos de informação e desenvolvimento tecnológico, cria uma imunidade sobre qualquer
reflexão ou crítica de sua aplicação no contexto social, garantindo uma blindagem de neutralida-
de para ações tomadas (DUPAS, 2001, p. 69-70). Ao investigar essa lógica, TAVARES expõe que
a organização das comunicações está relacionada diretamente com um processo histórico, uma
construção social, engendrada por opções políticas e conflitos entre grupos e classes. Ainda,
destaca a habilidade dos fluxos dominantes de estabelecerem padrões e hábitos para manter o
status quo (2014, p. 70-72).
O quadro social descrito, como destaca CASTELLS (1999c, p. 95-100), apresenta uma cres-
cente desigualdade e exclusão social. Trata-se daquilo que MASCAREÑO (2014) descreve: toda
inclusão gera, automaticamente, exclusão. Nem todos estarão incluídos, mesmo na sociedade
em rede, mas tantos quantos sejam incluídos tantos outros serão excluídos. Muitos dos excluí-
dos, em determinado momento, tentarão restar incluídos. E é, nesse momento, que o UnRecht,
representado – nesse caso – pela cultura hacker, tentará modificar (ou adaptar) o Recht.
novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. O termo es-
pecifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo
oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam
esse universo.
59
Germano Schwartz e Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior
O movimento social californiano Computers for the People quis colocar a potência de cálculo nas
mãos dos indivíduos, liberando-os ao mesmo tempo da tutela dos informatas. Como resultado prá-
tico deste movimento “utópico”, a partir do fim dos anos 70, o preço dos computadores estava ao
alcance das pessoas físicas, e neófitos podiam a aprender a usá-los sem especialização técnica. O
significado social da informática foi completamente transformado. Não há dúvida de que a aspira-
ção original do movimento foi recuperada e usada pela indústria. [...] Aqueles que fizeram crescer
o ciberespaço são em sua maioria anônimos, amadores dedicados a melhorar constantemente as
ferramentas de software de comunicação e não os grandes nomes, chefes de governo, dirigentes de
grandes companhias cuja mídia nos satura.
Assim, a cultura hacker surge como movimento social no ciberespaço e se consolida como
tal, definindo padrões de comportamento no espaço da internet e, consequentemente, na reali-
dade material. Ao contrário do propagado nas redes midiáticas, os hackers não são um grupo de
invasores que habitam a internet em busca de acessos privados trafegando na rede de maneira
ilegal, proliferando confusão e desordem no ambiente virtual. Suas práticas estão ligadas ao
desenvolvimento de tecnologias por meio de uma lógica de distribuição e de acesso gratuito aos
softwares e aos seus códigos-fontes (CASTELLS, 2003, p. 38).
A ética dos hackers revela-se como valor social no ciberespaço. A comunidade hacker possui
outro modo de enfrentar o trabalho e o dinheiro, princípios fundamentais para a manutenção dos
fluxos econômicos dominantes. Sua atividade é desempenhada pela paixão de produzir as prá-
ticas descritas anteriormente, ou seja, bastando a diversão por si só (HIMANEN, 2001, p. 30-31).
André GORZ defende que a nova classe trabalhadora do imaterial, formada por progra-
madores de computador, possui uma visão crítica da sociedade contemporânea, pois compre-
ende suas exclusões intrínsecas. Nessa linha de raciocínio, a comunidade hacker entende que
há possibilidade de mudança, conduzindo o movimento social contra a realidade vigente. A
estrutura das redes de informação consiste na tentativa de libertação de mecanismos de manu-
tenção dessa mesma rede (2005, p. 70-71). Os valores e os interesses da cultura hacker fundem-se
ao coletivo social, fazendo emergir novas formas de protesto, quer na realidade virtual, quer na
realidade material, afetando, via de consequência, o sistema jurídico.
60
Novos movimentos sociais na sociedade em rede
What the electrohippies did for the WTO action was a client-side distributed DoS action. The
electrohippies method of operation is also truly distributed since instead of a few servers, there tens
of thousands of individual computer users involved in the action. The requests sent to the target
servers are generated by ordinary Internet users using their own desktop computer and (usually)
a slow dial-up link. That means client-side distributed actions require the efforts of real people,
taking part in their thousands simultaneously, to make the action effective. If there are not enou-
gh people supporting then the action it doesn’t work. The fact that service on the WTO’s servers
was interrupted on the 30th November and the and 1st of December, and significantly slowed on
the 2nd and 3rd of December, demonstrated that there was significant support for the electrohi-
ppies action. So, the difference between the two actions is one of popular legitimacy versus indivi-
dual will. The structure of the client-side distributed actions developed by the electrohippies means
that there must be widespread support across a country, or continent in order to make the system
work. Our method has built within it the guarantee of democratic accountability. If people don’t
vote with their modems (rather than voting with their feet) the action would be an abject failure.
[..] The mission of the electrohippies collective is to assist the process of change towards a more
fair and sustainable society using only electrons. Electronic communications and the new media
represent a new space within society that we have to utilise as we would the street or the council
chamber. Our aim is to use our skills to make tools available for ordinary people to do undertake
electronic activism themselves. We must reduce the complex to the everyday, and enable people to
access technology and use it to further their own causes.
Na nota retrorreferida, o coletivo electrohippies anuncia que o software criado para atacar os
servidores-alvo do 1999 Seattle WTO meeting é legítimo e democrático, pois utilizou o acesso
individual para sobrecarregar os servidores-alvo.
No ano seguinte, o governo do Reino Unido cria o Terrorism Act 2000 cap 11 e o Regu-
lation of Investigatory Powers Act 2000 cap 23 (UK, 2000b). Interessante observar o trecho da
seção 58 do Terrorism Act 2000 (UK, 2000ª, p. 26) que dispõe:
Collection of 58.—(1) A person commits an offence if— information. (a) he collects or makes a
record of information of a kind likely to be useful to a person committing or preparing an act of
terrorism, or (b) he possesses a document or record containing information of that kind. (2) In this
section “record” includes a photographic or electronic record.
An Act to make provision for and about the interception of communications, the acquisition and
disclosure of data relating to communications, the carrying out of surveillance, the use of covert
human intelligence sources and the acquisition of the means by which electronic data protected
by encryption or passwords may be decrypted or accessed; to provide for Commissioners and a
tribunal with functions and jurisdiction in relation to those matters, to entries on and interferences
with property or with wireless telegraphy and to the carrying out of their functions by the Security
Service, the Secret Intelligence Service and the Government Communications Headquarters; and
for connected purposes. [28th July 2000]
O ataque ao 1999 Seattle WTO meeting demonstra que a nova configuração social na era
61
Germano Schwartz e Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior
En un mundo de redes, la capacidad de ejercer control sobre otros depende de dos mecanismos
básicos: 1) la capacidad de constituir redes y de programar/reprogramar las redes según los objeti-
vos que se les asignen; y 2) la capacidad para conectar diferentes redes y assegurar su cooperación
compartiendo objetivos y combinando recursos, mientras que se evita la competencia de otras
redes estabeleciendo una coperación estratégica.
Since early Summer 2000, the electrohippies have been rather ‹quiet›. This is because the majority
of the e’hippies are based in the UK, and during 2000 the British government has been developing
new laws to ‘police’ British cyberspace. This potentially makes the actions of the electrohippies
collective in the UK, whilst not illegal, potentially subject to a disruptive investigations by the state.
Over the past six months the electrohippies have been investigating these new laws. In our view,
whilst not affecting ‹mainstream› Internet users in the UK, these laws impact on the rights of or-
dinary people who wish to protest or take some form of protest action on the Internet. This clearly
affects the work of the electrohippies collective, but many other groups in the UK also.
In our view, these new laws are in conflict with our democratic rights. There should be no distinc-
tion between rights of protest in real life and in cyberspace. These laws create this distinction, and
threaten the development of a true civil society within the new public arena created by electronic
communications. The government cannot allocate this space arbitrarily to one group in society –
the e-commerce corporations – and deny everyone else rights to develop their own activities and
communities.
Ao se referir ao Estado, à violência e à vigilância, CASTELLS assevera que o poder da tec-
nologia faz potencializar as estruturas e as instituições, de forma a salientar as relações entre o
poder e o Estado (1999b, p. 349). Nessa linha de pensamento, denota-se uma relação complexa
entre o Estado e o status quo.
Como visto, o hacktivismo baseia-se na inconformidade com as estruturas vigentes. En-
tendem que os excluídos, ao se rebelarem contra tais mecanismos, contrariam a legalidade que
ampara o Estado. Em outras palavras, o direito posto é uma norma contrafática (LUHMANN,
1983). Se, por um lado, alguns indivíduos estão amparados pelas leis, ao mesmo tempo, outros
restam excluídos do amparo do Estado de Direito. Nessa esteira, a internet (a rede) revela-se no
palco da comunicação em que se potencializa a efetiva transformação da sociedade (CASTELLS
2013, p. 172), mesmo que, para isso, o UnRecht que o hacktivismo representa ainda necessite de
tempo para se transformar em Recht.
Considerações finais
As mudanças tecnológicas trazidas pela complexa sociedade contemporânea causaram
uma mudança paradigmática no funcionamento da sociedade. Referidas práticas estão relacio-
nadas à facilidade de comunicação e ao intenso fluxo de informações que transita nos espaços
sociais, sejam eles materiais ou imateriais. Todas essas mudanças obedeceram a um processo
62
Novos movimentos sociais na sociedade em rede
63
Germano Schwartz e Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior
64