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0 SILENCIO EM PSICANALISE _Juan-David Nasi0 ov A RUPTURA DO SILENCIO Dedo em riste, ele riscou um tracgo rdépido sobre o vidro embacado, nao sem que visse aparecer e flutuar diante de si um olho feminino. De susto, quase soltou um grito. Mas era apenas um sonho dentro de seu sonho; e, recom- pondo-se, o viajante constatou que, refletida no espelho, estava a imagem da jovem assentada do outro lado. Y. Kawabata, Pais de neve Os analistas falam pouco de seu siléncio, ainda que ele prova- velmente constitua o ato mais comum de sua pratica. Teria por isso adquirido as caracteristicas de uma banalidade e mesmo de um sim- ples método ou convencao? Isso sé poderia se dar pela invalidagao da negatividade essencial em que 0 processo analitico se sustenta. Pois, se o siléncio se faz evidéncia, nao é mais o siléncio analitico, em nossa opiniao. Precisamente, o siléncio do analista ajusta-se ao eco de seu pro- prio lugar e, para aparecer na negatividade do ato analitico, ele nao se pode reduzir ao calar da pessoa do analista. Esse lugar, que Lacan designa como o do morto 39 s6 toma de fato sua consisténcia ao fazer gir outros lugares — dos quais nao determinaremos a natureza — também alguns fantasmas. O lugar do analista, como seu siléncio, sui entdo a qualidade de uma sombra que, ao se delinear, desperta evela certos atos psiquicos, assim como a perspectiva de uma incdg- Nia sombra desenrolada pelo siléncio do analista nascem novas capazes de renoyar os dizeres. quer dizer que o analista intervém concretamente na dialética da 2 ao fazer 0 morto, ao cadaverizar sua posigdo como dizem os chi- ja por seu siléncio onde ele é o Outro com O maiisculo, seja sua propria resisténcia onde ele é outro com o mintsculo” La chose freudienne”, em Ecrits, op. cit., p. 430.) : Entretanto, as formacgdes despert todas quivalentes, talvez na vamento. Tentaremos condicgdes do dades de um 1”, adas por esse siléncio nao ¢5,, 2 Nao sejam iguais quanto a cumprir tal ren, distinguir algumas figuras e refletir sobre 4. aparecimento de um siléncio que conservaria as qualj. ato analitico, Lugares revelados pelo siléncio do analista Se Se enfocarmos a posi¢ao do analista a partir da fungdo de sey siléncio, perceberemos pelo menos dois lugares que se recortam em hegativo ao do analista: o do Outro, primeiramente, quando o anali- Sando tenta responder ao enigma do desejo desse Outro, ¢ 0 analista nao se toma por destinatario direto de uma mensagem. O siléncio do analista cava 0 leito do Outro, convidando o ana. lisando a produzir as respostas que ele propde 4 suposta mensagem de um Outro *”. Dessa maneira, o analisando pode desenrolar 0 texto _€_08_agires pelos quais se suspende e se aliena no desejo suposto do Outro que ele modelou. O siléncio do analista encontra aqui sua pertinéncia por seu pré- prio poder de relangar outra vez o desejo e os significantes do anali- sando, sem jamais fixar qualquer significagaéo. E toda sedimentacao de significagao daria evidentemente a esse Outro uma inoportuna consisténcia imagindria, interrompendo simultaneamente os novos per- cursos do desejo na lingua. Pois evidentemente, quando solicita o apa- recimento de atos psiquicos (dizeres, sonhos, lapsos...) que engen- dram novas cadeias de representagao, o analista deseja. Se ele convida sua vinda no analisando € porque ele mesmo se presta a ela, renovan- do constantemente as qualidades de seu siléncio pela mobilidade de suas associagdes mudas. Contra toda postura ou decisao yoluntarista, o siléncio do ana- lista se produz igualmente em ato: & medida que seu siléncio faz lugar 1 ij ‘ para o Outro #0 analista se encontra Incessantemente deslocado em ———_——_— 40. “Os acessos de vertigem, os solucos, tudo & colocado na conta de uma outra pessoa, mas sobretudo na conta des: : ‘sa outta personagem pré-histdrica, inol- yiddvel, que nenhuma outra chega a igualar mais tarde.” (S. Freud, carta n.° 52 de 6-12-1896, em La naissance de la psychanalyse, P.U.F., 1973 as lyse, P.U.F., 1 41. Ba es eat que o analista dé lugar, com a neutra- gu — a ete Gin, Ser ‘ne-uter’ nem um nem outro dos dois € para Passar-lh, « psychanalyse et a © a palavra.” (J. Lacan, “La : Reg net lenement) em, £crtts, op. cli, p. 439.) 106

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