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Revista Brasileira de Agroecologia

Rev. Bras. de Agroecologia. 7(2): 63-76 (2012)


ISSN: 1980-9735

Sistemas agroflorestais como estratégia de desenvolvimento rural em diferentes


biomas brasileiros*
Agroforestry systems as rural development strategy in different Brazilian biomes

PALUDO, Rafael¹; COSTABEBER, José Antônio²

1 Assessor Técnico Social e Ambiental na Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos da Reforma Agrária do
Espírito Santo - COOPTRAES, São Mateus/ES, Brasil, paludorafael@gmail.com; 2 Docente na Universidade Federal
de Santa Maria - UFSM, Santa Maria/RS, Brasil, jacostabeber@gmail.com.

RESUMO: Este trabalho resgata o significado do termo desenvolvimento sustentável e salienta as


diferentes ideologias implícitas em duas correntes de pensamento, a ecotecnocrática e a ecossocial. A
partir da análise destes enfoques de desenvolvimento, observa-se a insustentabilidade da agricultura
convencional e destacam-se os princípios da Agroecologia no processo de construção de estilos de
agricultura sustentável. Nessa perspectiva, aborda-se a utilização de sistemas agroflorestais como
estratégia para a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Com base na revisão bibliográfica são
analisados três projetos de sistemas agroflorestais na agricultura familiar em distintos biomas brasileiros.
Conclui-se que estes projetos possuem características que podem ser potencializadas enquanto
alternativas de desenvolvimento, apresentando resultados positivos não apenas em relação a proteção
ambiental, mas também no que diz respeito a ganhos econômico e melhorias sociais da população
envolvida.

PALAVRAS-CHAVE: Agricultura familiar; Agroecologia; Desenvolvimento rural.

ABSTRACT: This work rescues the signification of the term sustainable development and highlights the
different implicit ideologies in two streams of thought: the ecotechnocratic and the ecosocial one. From the
analysis of these focus of development, it can be noticed the unsustainability of the conventional
agriculture, and, however, it is outstanding the principles of the Agroecology in the construction process of
the style of sustainable agriculture. This perspective approaches the agroforestry systems utilization as a
strategy to the promotion of the sustainable rural development. Based on bibliographic revision, three
projects about agroforestry in the family farming are analyzed, in distinct Brazilian biomes. Nevertheless, it
can be concluded these projects have characteristics that may be potentiated as development alternatives
showing positive results not only to environmental protection, but also concerning economic earnings and
social improvements of the envolved population.

KEY WORDS: Family farming; Agroecology; Rural development.

Correspondências para: paludorafael@gmail.com


Aceito para publicação em 22/06/2012
Paludo & Costabeber

Introdução
A preocupação com as questões ambientais vez mais presentes nos programas locais de
aumentou, principalmente a partir de meados do desenvolvimento promovidos por diferentes
século XX, pelas conseqüências sociais e entidades.
ambientais da industrialização e do modelo de Nesse contexto, o presente estudo teve por
produção predatório dos recursos naturais, onde objetivo geral abordar a utilização de sistemas
desenvolvimento caracterizava-se como progresso agroflorestais, baseados em princípios
a qualquer custo. Na década de 1970, pela agroecológicos, como estratégia para a promoção
preocupação com a finitude dos recursos naturais, do desenvolvimento rural sustentável na
surge o termo desenvolvimento sustentável a partir agricultura familiar. Especificamente o estudo teve
de diversas teorias, suscitando o debate a cerca como objetivos: a) Caracterizar o significado do
da relação entre crescimento econômico e termo desenvolvimento sustentável e os principais
preservação ambiental. Atualmente este termo é enfoques da sustentabilidade; b) Analisar as
muito utilizado por diversos setores, gerando várias condições de sustentabilidade do modelo agrícola
interpretações para o conjunto de idéias ao qual se convencional e a necessidade da promoção de
refere. Assim, observam-se duas correntes uma agricultura sustentável; c) Caracterizar os
principais de pensamento em relação ao sistemas agroflorestais e a sua relação com os
desenvolvimento, a corrente ecotecnocrática e a princípios da Agroecologia; e d) Analisar as
corrente ecossocial, que possuem enfoques potencialidades dos sistemas agroflorestais no
diferentes sobre a sustentabilidade. Por isso, na desenho de agroecossistemas sustentáveis e na
primeira parte deste texto abordam-se os princípios promoção do desenvolvimento rural.
do conceito de desenvolvimento preconizados por Foram avaliadas as potencialidades dos SAFs
essas correntes em relação à agricultura na configuração de uma agricultura sustentável,
sustentável. através de revisão da literatura, de relatos e de
Na perspectiva do Desenvolvimento Rural experiências em andamento destes sistemas de
Sustentável, analisam-se ainda os caminhos da produção na agricultura familiar. São tomados
sustentabilidade a partir dos enfoques principais e como focos de estudos três projetos de sistemas
suas relações com o atual modelo de produção agroflorestais em distintos biomas brasileiros. Os
agropecuária ou agricultura convencional. Nesse projetos são estimulados e localizados,
sentido, verifica-se a necessidade de uma respectivamente, pela Associação dos Pequenos
agricultura efetivamente sustentável, que atenda o Agrossilvicultores do Projeto RECA, na Amazônia,
imperativo socioambiental a partir da incorporação pelo Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica
dos princípios da Agroecologia, esta entendida – CAV, no Cerrado, e pelo Centro Ecológico – CE
como enfoque científico orientado a promoção de (Litoral Norte), na Mata Atlântica.
agroecossistemas sustentáveis. Sabe-se ainda que
alguns sistemas agroflorestais - SAFs estão se Agricultura e desenvolvimento sustentável
apresentando como a manifestação concreta de O termo desenvolvimento sustentável foi
estilos de agricultura com maior nível de utilizado oficialmente pela primeira vez em 1979,
sustentabilidade quando comparados com o na Assembléia Geral das Nações Unidas, sendo
modelo de agricultura convencional. Estes mais tarde definido no relatório Brundtland, em
sistemas constituem uma importante ferramenta no 1987, publicado com o nome "Our Common
combate à pobreza rural, segurança alimentar e Future" (Nosso Futuro Comum). Este relatório
conservação dos recursos naturais e estão cada

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Sistemas agroflorestais como estratégia

apresenta o acúmulo de diversos debates entre naturais são limitados e finitos. Mesmo com novas
especialistas convocados pela ONU e nele consta tecnologias, a substituição dos recursos nunca
o conceito mais conhecido de desenvolvimento poderá ser absoluta e, ao contrário da
sustentável: "sustentável é o desenvolvimento que ecotecnocrática, considera a economia um
satisfaz as necessidades presentes, sem subsistema da natureza. No que diz respeito à
comprometer a capacidade das gerações futuras agricultura, essa corrente se apóia na
de suprir suas próprias necessidades". Agroecologia como ciência que apresenta
O debate sobre desenvolvimento intensificou-se princípios, conceitos e metodologias para construir
no período pós-guerra, onde se afirmou a uma agricultura sustentável.
hegemonia de dois modelos “antagônicos” de
desenvolvimento que passaram a servir de A agricultura convencional
referência para diversas nações. O modelo A agricultura denominada convencional tem
comunista prometendo um “futuro radioso” e o suas origens nas revoluções agrícolas
industrial capitalista prometendo um “futuro contemporâneas. A primeira, ocorrida entre os
apaziguado e próspero” (ROTTA e REIS, 2007). séculos XVIII e XIX, na Europa, e a segunda,
Das controvérsias teóricas na definição e ocorrida em meados do século XX. Estas
orientação para um desenvolvimento sustentável, revoluções impuseram um novo modelo de
observam-se duas correntes de pensamento desenvolvimento para a agricultura (KAMIYAMA,
diferentes, denominadas, conforme Caporal e 2009). Esse modelo de modernização da
Costabeber (2007), de corrente ecossocial e agricultura mundial, baseado no princípio da
corrente ecotecnocrática, que possuem enfoques intensificação através da especialização e de
distintos sobre sustentabilidade. utilização de insumos industriais, passou a ser
A corrente ecotecnocrática segue o ideal de hegemônico a partir da chamada Revolução
desenvolvimento sustentável numa ideologia Verde, sendo atualmente referenciado como
liberal onde se defende a idéia de crescimento (da modelo de agricultura convencional. No Brasil,
produção e do consumo) continuado. Essa esse modelo acelerou a exploração dos recursos
proposta de crescimento para todos se torna naturais através da difusão de um conjunto de
polêmica, pois o planeta não tem como suportar tecnologias genéricas. A adoção dos pacotes
uma economia maior (com os padrões de tecnológicos ocorreu de forma heterogênea, sendo
consumo dos países considerados desenvolvidos) que as políticas públicas da época se tornaram
em todas as nações. Nessa corrente predomina o fontes de novas desigualdades e privilégios, em
otimismo tecnológico relacionado às capacidades três níveis distintos: entre regiões do país, entre
de se realizar um processo de substituição dos atividades agropecuárias e entre produtores rurais
recursos naturais não renováveis, evitando-se, (BALSAN, 2006).
assim, as possibilidades de colapso da natureza, Pode-se observar em diversos estudos (IYAMA,
sendo esta considerada como um subsistema da 2005; BALSAN, 2006; CAPORAL e
economia (COSTABEBER e CAPORAL, 2003). COSTABEBER, 2007) que esse modelo elevou
A corrente ecossocial segue o ideal de em boa medida a produção e a produtividade
desenvolvimento sustentável através da noção de agropecuária nacional, mas com graves sacrifícios
ecodesenvolvimento surgido na década de 1970. socioambientais. Mais recentemente, Caporal
Conforme Costabeber e Caporal (2003), ela (2009) salienta que em 2008 o Brasil assumiu o
assume a cautela e recomenda a prudência primeiro lugar nos gastos mundiais com
tecnológica, considerando que os recursos agrotóxicos, alcançando o recorde de US$ 7,125

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no uso de 733,9 mil toneladas de agrotóxicos, ou (CAPORAL e COSTABEBER, 2007).


seja, o país consumiu 3,9 litros de agrotóxicos por Sob o enfoque agroecológico, Caporal e
habitante. Isso representa um grave potencial de Costabeber (2007) ressaltam que a
contaminação ambiental e de danos à saúde. sustentabilidade deve ser estudada e proposta
Com relação aos ecossistemas naturais, cabe como sendo uma busca permanente de novos
salientar que o modelo de monocultivos tem sido pontos de equilíbrio entre diferentes dimensões
responsável pela perda drástica de biodiversidade que podem ser conflitivas entre si, em realidades
em todos os biomas, o que tem resultado na perda concretas. Defendem que a construção do
de espécies nativas e no risco de extinção de desenvolvimento rural deve assentar-se na busca
muitas plantas e de animais silvestres. A de contextos de maior sustentabilidade,
simplificação também resulta num crescente observando-se que a sustentabilidade em
desequilíbrio ecológico, no rompimento de cadeias agroecossistemas é relativa e que só poderá ser
tróficas e na artificialização extrema das áreas de comprovada no futuro, essa busca deve ser
produção (CAPORAL, 2009). Além disso, esse alicerçada em seis dimensões básicas inter-
modelo agrícola também não contribui para a relacionadas, com diferentes níveis de
segurança alimentar, pois o objetivo principal da importância: ecológica, econômica e social (em
produção é financeiro e está atrelado ao mercado. primeiro nível), cultural e política (em segundo
Dados da FAO (2009) mostram que atualmente há nível) e ética (em terceiro nível).
1.020 milhões de pessoas subnutridas no mundo, A Agroecologia adota o agroecossistema como
número mais elevado desde 1970, primeiro ano unidade de análise através de uma compreensão
que se tem dados disponíveis. Claramente a fome holística e, de maneira geral, considera uma
aumentou por causa dos altos preços, onde muitas agricultura sustentável aquela capaz de integrar os
pessoas pobres simplesmente não têm condições seguintes aspectos: a) baixa dependência de
de produzir e nem podem pagar pelos alimentos insumos comerciais; b) uso de recursos renováveis
que necessitam. Tudo isso seria fruto da baixa locais; c) utilização dos impactos benéficos ou
renda e do desemprego crescente, resultado da benignos do meio ambiente local; d) aceitação
crise econômica global do modelo de e/ou tolerância das condições ambientais locais; e)
desenvolvimento vigente. manutenção da capacidade produtiva a longo
prazo; f) preservação da diversidade cultural e
A perspectiva agroecológica de biológica; g) utilização e valorização do
desenvolvimento etnoconhecimento; e h) produção de mercadorias
Na perspectiva do Desenvolvimento Rural para o consumo interno e para a exportação
Sustentável verifica-se a necessidade de uma Gliessman (2000, apud CAPORAL e
agricultura que atenda as necessidades COSTABEBER, 2007).
socioeconômicas e ambientais a partir da Portanto, o processo de transição
incorporação dos princípios da Agroecologia. Esta agroecológica é muito complexo, tanto
é considerada um enfoque científico destinado a tecnologicamente quanto metodológico e
apoiar a transição dos atuais modelos de organizacional, e depende dos objetivos e das
desenvolvimento rural e de agricultura metas estabelecidas, dado que a sustentabilidade
convencionais para estilos mais sustentáveis a é um conceito relativo ao que não é sustentável.
partir de diversas disciplinas científicas, analisando Neste sentido Gliessman (2000, apud CAPORAL e
a atividade agrária sob uma perspectiva ecológica COSTABEBER, 2007) distingue três níveis no

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processo de transição para agroecossistemas mais definindo SAFs como a integração de árvores em
sustentáveis. O primeiro nível diz respeito ao paisagens rurais produtivas, salientando a
incremento da eficiência das práticas importância das árvores, tanto nos sistemas de
convencionais e na redução de insumos externos, produção como nas paisagens.
escassos e daninhos ao meio ambiente. O Sua principal caracterização é realizada
segundo nível da transição se refere à substituição conforme os aspectos funcionais e estruturais,
de insumos e práticas convencionais por práticas sendo diferenciadas três categorias básicas: os
alternativas. Procura-se a substituição de insumos sistemas silviagrícolas (combinação de uma ou
e práticas intensivas em capital, contaminantes e mais espécies florestais com culturas agrícolas
degradadoras do meio ambiente por outras anuais ou perenes); os sistemas silvipastoris
benignas sob o ponto de vista ecológico. O terceiro (combinação de pastagens e animais com uma ou
nível da transição refere-se à fase de redesenho mais espécies arbóreas); e os sistemas
dos agroecossistemas, para que estes funcionem agrossilvipastoris (associação de animais,
com base em um novo conjunto de processos geralmente de pequeno porte, com cultivos
ecológicos. É mais complexo e considera-se agrícolas e árvores ou arbustos em uma mesma
indispensável para se alcançar a sustentabilidade. área).
Assim, observa-se que é fundamental que a Através dos SAFs criam-se diferentes estratos
busca da sustentabilidade seja estabelecida ou andares vegetais, procurando imitar uma
mediante estratégias de transição agroecológica, e floresta natural, onde as árvores e/ou arbustos,
esta não se resume simplesmente em realizar a pela influência que exercem no processo de
substituição de insumos ou a diminuição do uso de ciclagem de nutrientes e no aproveitamento da
agrotóxicos. Nesse contexto, sabe-se que alguns energia solar são considerados os elementos
sistemas agroflorestais, prática bastante antiga e já estruturais básicos e principais para a estabilidade
utilizada pelos indígenas, estão se apresentando do sistema. Os SAFs, observando-se os princípios
como a manifestação concreta de estilos de agroecológicos, têm por objetivo harmonizar os
agricultura com maior nível de sustentabilidade agroecossistemas com os processos dinâmicos
quando comparados com o modelo de agricultura dos ecossistemas naturais, buscando-se assim, o
convencional. Por isso, podem contribuir no oposto da agricultura moderna, na qual o homem
processo de transição agroecológica e no tenta adaptar plantas e ecossistemas às
redesenho de agroecossistemas. necessidades da tecnologia. Conforme Noronha
(2008) e May e Trovatto (2008) estes sistemas têm
Os sistemas agroflorestais demonstrado enorme potencial para produzir
Os sistemas agroflorestais - SAFs são sistemas sustentavelmente grande diversidade vegetal e até
de produção agrícola que consorciam espécies animal. Assim, através dos SAFs obtém-se uma
florestais (frutíferas e/ou madeireiras) com cultivos importante ferramenta para a agricultura familiar
agrícolas e em alguns casos também animais, na no combate à pobreza rural, na garantia da
mesma área e numa sequência temporal. O Centro segurança alimentar e na conservação dos
Mundial Agroflorestal (The World Agroforestry recursos naturais.
Centre –
http://www.worldagroforestry.org/af/index.php) Caracterização de três experiências com
possui uma definição simples e abrangente, sistemas agroflorestais na agricultura familiar

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Paludo & Costabeber

Na agricultura familiar observa-se uma A Associação dos Pequenos Agrossilvicultores


crescente demanda por alternativas compatíveis do Projeto Reflorestamento Econômico
com a diversidade dos ecossistemas locais e com Consorciado Adensado - RECA
os sistemas culturais que levem em conta as (http://www.clab.it/gc/reca) surgiu em 1987, criada
dimensões econômica, ambiental e sociocultural por famílias remanescentes de um assentamento
da sustentabilidade. Os sistemas agroflorestais, de reforma agrária realizado pelo INCRA, em
adotados por agricultores familiares brasileiros e 1984, na cidade de Nova Califórnia, situada na
assistidos por organizações de assistência técnica divisa dos Estados do Acre e de Rondônia. No
rural, são geralmente implantados buscando-se a assentamento haviam inicialmente 700 famílias
interação com os princípios da Agroecologia, oriundas de diversas regiões do país, onde
potencializando a transição de modelos simples decidiram cultivar arroz, feijão, milho, café e outras
para propostas complexas através de estratégias culturas, baseados na agricultura tradicional e nos
participativas, conforme a situação local. Dentre pacotes da revolução verde (REBRAF, 2005a).
essas experiências, muitas refletem uma tendência Devido às dificuldades e limitações, tais como
à transição agroecológica, desde a diminuição e vários surtos de malária, falta de assistência
substituição de insumos ao redesenho de suas técnica, inexistência de linhas de crédito
propriedades através dos SAFs, respeitando as compatíveis com a sua realidade e dificuldade de
condições do ecossistema (MAY e TROVATTO, acesso ao mercado, passaram a migrar. Os
2008). agricultores que resistiram às dificuldades,
Para se verificar as potencialidades dos SAFs aproximadamente 80 famílias, resolveram
na configuração de agroecossistemas sustentáveis organizar uma associação para facilitar a busca de
e na promoção do desenvolvimento rural, são recursos para melhorar a produção e viabilizar o
analisadas através de revisão da literatura, três escoamento dos produtos. Diante da degradação
experiências em diferentes regiões brasileiras, com causada pelo modelo agrícola utilizado,
vistas a se observar as potencialidades dos SAFs verificaram a necessidade de trabalhar com
nesses ecossistemas. Essas experiências iniciaram plantas da região e de preservar a floresta (SÁ et
com a atuação de entidades civis organizadas com al., 1998; REBRAF, 2005a). Mediante a troca de
o objetivo comum de buscar uma agricultura mais experiências com os seringueiros e populações
sustentável e de base ecológica, em alternativa tradicionais, resolveram implantar SAFs
aos impactos negativos da agricultura empiricamente, de forma consorciada para
convencional. Os projetos selecionados para o recuperar as capoeiras, evitar as queimadas e
estudo são experiências que se destacam em seus buscar a integração com o ambiente da Floresta
biomas, estimulados por entidades promotoras do Amazônica para uma produção mais sustentável.
desenvolvimento sustentável, como a Associação Em 1989, com o apoio de uma agência
dos Pequenos Agrossilvicultores do Projeto RECA, financiadora da Holanda, a Cebemo, que se
na Amazônia, o Centro de Agricultura Alternativa interessou em apoiar o projeto, passou a ser
Vicente Nica – CAV, no Cerrado, e o Centro denominado de Reflorestamento Econômico
Ecológico - CE (Litoral Norte), na Mata Atlântica. Consorciado e Adensado – RECA.
Através da iniciativa do projeto foram
Associação dos Pequenos Agrossilvicultores do implantadas centenas de hectares de SAFs entre
Projeto RECA os anos de 1988 e 1994, constituídos basicamente

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pela associação de quatro espécies perenes: líquido de R$ 12.714,05, uma relação benefício
pupunheira (Bactris gasipaes), cupuaçuzeiro custo de 1,27 e remuneração da mão-de-obra
(Theobroma grandiflorum), castanha-do-brasil familiar diária de R$ 43,00 (a oportunidade da
(Bertholletia excelsa) e café (Coffea canephora). região era de R$ 23,00 ao dia). Isso demonstra a
Entre os anos de 1996 e 2002, implantaram viabilidade econômica dos SAFs praticados,
também SAFs constituídos pela associação de contribuindo assim para a capitalização das
café, espécies florestais e pupunha para produção famílias e para melhorar a infraestrutura da
de palmito, em vários espaçamento e arranjos. associação. Através de recursos geridos pelo
No início do projeto, a associação só possuía projeto, a associação adquiriu um terreno na
uma balança, uma seladora, um freezer e duas rodovia BR-364 para instalação de uma indústria
tesouras para despolpar as frutas. Em virtude do de beneficiamento dos produtos, a sede da
aumento da produção com os SAFs, em 1993, associação e um centro de difusão de tecnologias.
implantaram uma fábrica de processamento de Uma importante estratégia do projeto RECA é a
cupuaçu para beneficiar a polpa e também a diversificação da produção, possibilitada pelos
semente, extrair o óleo e fazer chocolate SAFs, evitando assim uma crise produtiva ou de
(REBRAF, 2005a). Em 1995 começaram a mercado. Lunz (2007), avaliando os SAFs do
comercializar a semente de pupunha, por ser mais RECA, verificou que, das espécies identificadas,
simples de beneficiar e mais rentável. A partir de 52% têm algum uso medicinal. O grande potencial
1999, passaram a vender sementes certificadas, das frutíferas na melhoria da alimentação e no
fiscalizadas com acompanhamento técnico e com tratamento de muitas doenças é de suma
certificado de garantia. Iniciaram também a importância para comunidade, devido à baixa
produção artesanal do palmito de pupunha e assistência médica na região e aos altos preços
passaram a exportar palmito para a França, em dos medicamentos industrializados. Além do
parceria com a Associação dos Produtores consumo e de uma pequena exportação, a maior
Alternativos (APA Ouro Preto d’oeste/RO). parte dos produtos é vendida para distribuidoras
Os sistemas agroflorestais apresentaram alguns nacionais, sobretudo para o nordeste e centro-
problemas após sete anos de implantação. Os oeste do país, sendo o restante direcionado ao
agricultores constataram uma queda da mercado local. Todos os produtos têm registro
produtividade e um aumento da ocorrência de junto ao MAPA, ao IBAMA e a ANVISA - Agência
pragas e doenças, sendo a broca-do-fruto do Nacional de Vigilância Sanitária (REBRAF,
cupuaçu a principal, encontrando-se bastante 2005b).
disseminada. Esses problemas foram considerados São os próprios agrossilvicultores os
relacionados ao mau manejo do cupuaçu, a baixa administradores do projeto RECA, buscando
fertilidade natural dos solos, principalmente nos também promover a expansão da experiência dos
teores de potássio e pela pupunheira causar SAFs para outros agricultores. Os sócios do RECA
efeitos negativos na produção e desenvolvimento vendem seus produtos a um preço previamente
do cupuaçuzeiro (LUNZ e MELO, 1998). fixado em Assembléia e a associação processa e
Sá et al. (2008), analisando a rentabilidade comercializa os produtos finais. Uma vez ao ano a
financeira de um modelo de SAF do projeto RECA, Assembléia é informada sobre o resultado
considerando um período de 18 anos e com taxa financeiro e o lucro é distribuído
de juros de 6% ao ano, demonstraram haver proporcionalmente à quantidade vendida e os
viabilidade econômica, obtendo um valor presente sócios que trabalham no processamento são

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remunerados. nova proposta de desenvolvimento. Depois de três


Segundo Carvalho et al (2008), as áreas com décadas da eucaliptocultura nas áreas de
SAFs do projeto RECA passaram a ser chapada, os agricultores ficaram limitados às
denominadas pelos produtores como "Florestas de áreas dos vales, aumentando a pressão sobre
Alimentos", pois possibilitam renda e alimentação essas terras.
diversificada a sua comunidade, valorizando a A concentração de terra passou a ser
propriedade e evitando a degradação ambiental. fundamento da dominação e da exploração,
Também os agricultores passaram a se provocando, além de sérios impactos sociais
autodenominar agrossilvicultores, incorporando negativos, processos de desagregação ecológica.
novos valores, mudando sua postura ao falar, agir Com isso, as comunidades de agricultores
e trabalhar, respeitando a floresta Amazônica. familiares tiveram que restringir suas áreas de uso
Pelas atividades desenvolvidas no sentido de produtivo, forçando um aumento constante na
produzir respeitando a natureza, o projeto RECA, exploração dos recursos naturais (NORONHA,
em 2007, recebeu o 12º Prêmio Ford de 2008). Estes fatores, somados à técnica tradicional
Conservação Ambiental, na categoria “Negócios de cultivo da região na época, caracterizada pela
de Conservação”, com premiação de R$ 23 mil à queima de restos culturais e excessivas capinas
comunidade. Outro prêmio, de US$ 10 mil, foi do solo por cultivo, às características
conferido pela Organização das Nações Unidas pedogenéticas e ao relevo extremamente
(ONU/Cepal) e W.K. Kellogg Foundation, relativo declivoso levaram a um intenso desgaste do solo,
ao 4º Lugar dentre mais de duas mil experiências tornando-o, em muitos casos, inviável ao cultivo
da América Latina. O RECA também recebeu o tradicional.
segundo lugar no Prêmio Chico Mendes de Os grandes projetos desenvolvimentistas na
Conservação Ambiental (XANGAI, 2007). região do vale do Jequitinhonha criaram um
cenário de exclusão, sejam eles de ordem
Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica – ambiental, social, cultural e econômica
CAV (NORONHA, 2008). Assim, conforme o Centro de
O Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica Agricultura Alternativa Vicente Nica, sua criação
– CAV (http://cavjequi.org/index.php) é uma fundamenta-se na busca, junto aos produtores
organização não governamental, com sede em familiares da região, de uma proposta de
Turmalina – MG, na região do alto vale do agricultura que garanta a sobrevivência, respeite
Jequitinhonha. Foi fundado em 1994, tendo como os costumes locais e o meio ambiente. Esta busca
origem o Sindicato de Trabalhadores Rurais de do construir junto baseia-se no método proposto
Turmalina. por Paulo Freire: ver, julgar e agir. Ou seja,
Conforme Pereira et al. (2007), a partir de 1970 analisar com a comunidade, a partir da visão que
o Estado passou a fornecer grandes incentivos às as próprias pessoas têm do mundo e de seu
empresas eucaliptocultoras para promover o espaço, para perceber seus compromissos, suas
desenvolvimento na região do vale Jequitinhonha. responsabilidades e seus direitos.
Foram grandes investimentos para o monocultivo As áreas experimentais de SAFs são
de eucalipto nas áreas de chapada, restringindo o implantadas nas unidades de produção de
uso tradicional para a criação de gado. Pelas agricultores conhecidos como monitores, sendo
condições de acesso a terra e às técnicas de uso, estes pesquisadores e multiplicadores dos
as comunidades entraram em conflito com esta benefícios dos SAFs, e responsáveis pelo trabalho

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Sistemas agroflorestais como estratégia

de educação ambiental nas comunidades rurais. animais, cobertura do solo, adubo, lenha, madeira
Os SAFs propostos priorizam a produção de (para construção ou ferramentas), medicinal,
alimentos e produtos agroflorestais, procurando amarrio, indicadoras de qualidade do solo,
imitar ao máximo a natureza combinando diversos corantes, artesanato e outras substâncias usadas
tipos de plantas num consórcio diversificado e para limpar a garapa (NORONHA, 2008). Isso
adensado, sem uso de produtos químicos e demonstra o conhecimento dos agricultores sobre
protegendo a terra com a produção de adubos o manejo dos agroecossistemas para a satisfação
naturais e cobertura a partir das próprias plantas de suas necessidades de forma sustentável.
cultivadas neste consórcio. Os sistemas não Conforme Pereira et al. (2007), a implantação de
possuem um modelo específico, os agricultores sistemas agroflorestais se mostrou viável para a
pela observação e experimentação, aplicam os recuperação e o cultivo das áreas dos vales que
princípios agroecológicos da técnica e assim a vão anteriormente estavam degradados, pois
modelando conforme as condições ambientais e as promoveram, além do aumento do teor de matéria
necessidades de suas famílias (NORONHA, 2008). orgânica do solo, a reestruturação e recuperação
Através do CAV, observa-se que a maioria das dos solos degradados, possibilitando o retorno do
famílias adota os SAFs e práticas ecológicas em uso de terras antes inviáveis para o cultivo. Outro
seus agroecossistemas. Teodoro e Ribeiro (2007), aspecto importante é que os agricultores, ao fugir
entrevistando os agricultores da região, evidenciam da proposta de agricultura industrial modernizada
os resultados do trabalho dos monitores como e se identificar com a agricultura local através das
multiplicadores de práticas sustentáveis de uso da iniciativas de difusão dos SAFs pelo CAV,
terra. Das famílias entrevistadas, 20% não passaram a refletir sobre novos temas,
adotaram nenhuma prática, 22,5% adotaram um principalmente sobre organização social, meio
tipo de prática, 52,5% adotaram mais de um tipo e ambiente e uso coletivo das chapadas. Ou seja,
5% não responderam. Os resultados confirmam a esse processo permitiu que a reflexão fosse além
disseminação de algumas práticas agroflorestais, do aspecto exclusivamente agrícola para
assim como uma adaptação dessas práticas por identificar outros fatores que influenciam nas
parte dos agricultores conforme a sua relação mudanças produtivas, ambientais e sociais
histórica com a terra e o conhecimento tradicional observadas na região (ASSIS e RIBEIRO, 2007).
adquirido ao longo dos anos de observação. Assis Os resultados com os SAFs na região
e Ribeiro (2007) afirmam que os agricultores permitiram ao CAV desenvolver outras ações,
engajados na proposta foram se capacitando como projetos de conservação da água e das
coletivamente e se responsabilizando em montar, nascentes, melhoria dos produtos locais e
na própria comunidade, áreas dedicadas à comercialização coletiva, estimulando os
experimentação, aperfeiçoamento e demonstração mercados locais. Esses trabalhos abriram caminho
da eficácia dos SAFs. Também observam que as para a participação das famílias em programas
desvantagens dos SAFs na demora de produção e públicos como os Territórios, do Ministério do
a baixa produtividade específica em relação ao Desenvolvimento Agrário (MDA), o Programa Um
cultivo intensivo são obstáculos para a sua Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), os Consórcios
aceitação em larga escala na região. de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
Os SAFs são manejados com fins (CONSADS), programas de educação rural. A
diversificados, onde os principais usos da essas atividades se juntam reflexões sobre o papel
produção são: alimentação humana e de outros da mulher na agricultura, o modelo de extensão

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rural que os agricultores desejam e a busca de manejados através do sistema de roça e queima
alternativas técnicas e políticas para o semi-árido mantendo o solo permanentemente limpo com o
(ASSIS e RIBEIRO, 2007). uso de herbicidas e realizando-se a aplicação de
fungicidas no controle de doenças. Estas práticas
Centro Ecológico (Litoral Norte) trouxeram várias conseqüências negativas, como
Na década de 1980, diante dos impactos erosão e perda da fertilidade dos solos, aumento
socioambientais negativos da Revolução Verde e a de pragas e doenças e diminuição da
retomada das lutas sociais no campo, criou-se no biodiversidade. Além dos problemas causados
Rio Grande do Sul um cenário para o surgimento pelo sistema de produção, os agricultores ainda
de organizações que buscavam uma nova forma enfrentavam problemas na comercialização e no
de desenvolvimento no meio rural. Neste contexto, escoamento da produção, o que gerava um
em 1985, surge o Projeto Vacaria em uma processo de descapitalização das propriedades e
propriedade rural de 70 hectares no município de degradação dos recursos naturais, contribuindo
Vacaria/RS, para demonstrar a viabilidade técnica para o êxodo rural.
e econômica da Agricultura Ecológica. Já no final Como a maioria dos produtores da região tem a
dos anos oitenta e início dos noventa, com o apoio banana como seu cultivo principal, o CE resolveu
da Comissão Pastoral da Terra, o projeto começou promover uma ecologização progressiva destes
a trabalhar com agricultores familiares da Região bananais. No sentido de permitir a recuperação da
de Torres, passando assim a atuar em duas capacidade produtiva e dos elementos da
regiões distintas do Estado, a Serra e o Litoral paisagem nativa, são propostos SAFs dinâmicos,
Norte (GONÇALVES, 2002). Em 1991, o projeto procurando imitar o ecossistema local promovendo
Vacaria passou a se denominar Centro de a regeneração natural das espécies da Mata
Agricultura Ecológica Ipê (CAE - Ipê), mudando o Atlântica. O manejo dos bananais baseia-se na
foco de atuação da unidade de produção da observação do ecossistema natural para planejar a
entidade para o acompanhamento às Associações intervenção, que deve ser a mínima possível e
de Agricultores Ecologistas. respeitar a arquitetura vegetal original, procurando,
Em 1997, o CAE - Ipê passa a atuar além da mesmo com a utilização de espécies exóticas,
produção, buscando a ecologização da desempenhar funções semelhantes às espécies
propriedade como um todo, desde as pessoas nativas (MEIRELLES, 2003). Gonçalves (2009)
envolvidas à suas relações sociais. Nesse período, afirma que alguns SAFs chegam a ter mais de 30
o CAE - Ipê passa a denominar-se Centro espécies nativas típicas, sendo algumas
Ecológico – CE ameaçadas de extinção, como a canela-sassafrás
(http://www.centroecologico.org.br/index.php) e (Ocotea odorifera) e o palmiteiro (Euterpe edulis).
envolve-se também na formação de Cooperativas Esta grande variedade de espécies no sistema
de Consumidores de Produtos Ecológicos, na o torna mais equilibrado e mais resistente ao
Serra e no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, ataque de doenças e as intempéries. Como
considerando que uma participação ativa dos exemplo, em 2004, a região foi afetada por um
consumidores é imprescindível para o ciclone extratropical com ventos de até 180 km/h,
desenvolvimento da Agricultura Ecológica. causando grandes estragos na produtividade
Conforme Gonçalves (2002), na região do agrícola da região. Já os bananais dos agricultores
Litoral Norte do RS, bananais eram implantados e que manejam SAFs, quase não sofreram com os

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Sistemas agroflorestais como estratégia

fortes ventos, não afetando os bananais dessas


famílias (GONÇALVES, 2009). O mesmo autor Considerações finais
ainda destaca que os SAFs fixam 50 toneladas de A noção inicial de desenvolvimento, que
carbono por hectare a mais do que os bananais conotava a idéia de progresso, entrou em crise
em monocultura. Portanto, os SAFs desempenham pelas conseqüências sociais e ambientais da
um importante papel no seqüestro de carbono industrialização e dos processos exploratórios dos
atmosférico, contribuindo para a diminuição das recursos naturais gerados pelo modelo. Existem,
causas do aquecimento global. atualmente, conceitos ambíguos de
Os SAFs, pelo consórcio com outras espécies e desenvolvimento sustentável, formulados por
sombreamento gerado, apresentam alta diferentes correntes de pensamento. A
resistência à infestação de doenças como a ecotecnocrática, voltada para o otimismo
sigatoka, doença que causa sérios problemas na tecnológico e econômico, segue o ideal de
bananicultura e foi a solução para as infestações progresso e lógica liberal que vem acentuando a
na região (BERTAZZO, 2007). Além da sanidade e crise socioeconômica e ecológica da agricultura.
de produzir com menor impacto ambiental, os Já a ecossocial busca mudanças estruturais da
SAFs também estão se mostrando viáveis sociedade e a incorporação da noção de
economicamente. Wives (2008), analisando os solidariedade entre as presentes gerações e
sistemas de produção da região, observou que destas com as futuras.
estes sistemas apresentam uma eficiência técnica A agricultura convencional mostra-se
e produtiva específica menor que os sistemas claramente insustentável e os modelos de
convencionais, mas uma maior produtividade desenvolvimento que seguem a mesma lógica não
média por área cultivada, além de melhorar a são sustentáveis. Assim, percebe-se que o
relação entre os recursos financeiros, os fatores de desenvolvimento rural deve ser orientado na
produção e a articulação com os canais de busca de pontos de equilíbrio entre as diferentes
comercialização. O estudo ainda demonstra que dimensões (social, econômica, ecológica, cultural,
os sistemas convencionais apresentam uma taxa política e ética), na transição para agriculturas
média de lucro de 21,6% ao ano, enquanto os mais sustentáveis a partir dos princípios da
SAFs de base ecológica geraram uma taxa de Agroecologia. Os sistemas agroflorestais
lucro de 44,6% ao ano. apresentam grande potencial para atender a esses
Através das ações do Centro Ecológico, requisitos quando incorporam os princípios
criaram-se várias associações de agricultores para agroecológicos, conforme observado nos projetos
viabilizar a proposta da agricultura ecológica e em andamento com os agricultores familiares.
criar mercado para os produtos orgânicos. Como se pode observar a partir das fontes
Conforme Bertazzo (2007), existem várias bibliográficas consultadas em relação aos três
associações na região com experiências nos projetos de implantação de sistemas
sistemas agroflorestais, envolvendo mais de 52 agroflorestais, a transição do modelo de produção
famílias. Observa-se, então, que os sistemas convencional para um mais ecológico e a busca
agroflorestais de base ecológica da região do de um redesenho de agroecossistema através dos
Litoral Norte do RS também estão ligados às SAFs vêm contribuindo para a fixação dos
práticas locais, à cultura e à paisagem do agricultores no campo nas diferentes regiões,
ecossistema natural. resgatando a auto-estima das famílias e

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incentivando o espírito associativo entre os (principalmente na área das Ciências Agrárias) e


agricultores locais. Também, estão se mostrando de uma maior promoção desses sistemas pelas
viáveis econômica, ecológica e socialmente na mesmas.
maioria dos sistemas adotados nos projetos, De todos os modos, considerando que esse
trazendo renda para as famílias, recuperando a trabalho de pesquisa se limitou a abordar as
capacidade produtiva dos agroecossistemas e experiências em curso a partir da revisão da
despertando uma maior conscientização entre os literatura disponível, sugere-se que estudos
agricultores na sua relação com a natureza e a futuros possam fazer observações da realidade
sociedade como um todo. concreta vivida pelas famílias de agricultores,
Problemas de sanidade e de produtividade, comunidades rurais e agentes de
observados em SAFs do projeto RECA, desenvolvimento, com vistas a investigar com
evidenciam as dificuldades de manejo quando os maior profundidade os avanços e limites dos
agricultores não conhecem a dinâmica e o sistemas agroflorestais na melhoria da qualidade
consórcio das espécies locais e priorizam as de vida e na promoção do desenvolvimento rural
comerciais, diminuindo a biodiversidade do com maior sustentabilidade.
sistema. Por isso, os SAFs devem ser implantados
e manejados conforme o conhecimento dos Notas
agricultores e preferencialmente com espécies * Artigo elaborado com base no Trabalho de
localmente disponíveis. Observa-se que os SAFs Conclusão de Curso de Engenharia Florestal do
ecológicos analisados, além de causar menos primeiro autor na Universidade Federal de Santa
impactos e não poluir o ambiente, compõem Maria/RS.
agroecossistemas mais estáveis e suportam
melhor as intempéries quando comparados com Referências Bibliográficas
estilos de produção que seguem o modelo ASSIS, T. R. P.; RIBEIRO, E. M. Sistemas
agroflorestais como recurso didático para a
agrícola convencional. Portanto, tem o potencial de organização dos lavradores do Alto
contribuir na diminuição das alterações climáticas Jequitinhonha. In: Agriculturas: Experiências
que estão ocorrendo no planeta, e também de em Agroecologia, v. 4, n. 2, jul. 2007.
suportá-las, mantendo sua capacidade produtiva. BALSAN, R. Impactos decorrentes da
modernização da agricultura brasileira. Campo
Os projetos com sistemas agroflorestais nos - Território: Revista de Geografia Agrária, v.
três biomas, de maneira geral, demonstraram 1, n. 2, p. 123-151, ago. 2006.
características que podem ser potencializadas BERTAZZO, 2007. Paisagens da
enquanto alternativas de desenvolvimento local e agrobiodiversidade em bananais do Rio Grande
do Sul. Revista Brasileira de Agroecologia, v.
apresentam resultados que tendem a um padrão 2, n. 1, fev. 2007.
de desenvolvimento sustentável, não apenas em CAPORAL, F. R. Agroecología en el marco de la
relação ao meio ambiente, mas também sob os Soberanía Alimentaria. Simposio de
pontos de vista econômico e social. Por fim, Agroecología para la Soberanía Alimentaria.
24 de septiembre de 2009. Centro de
salienta-se que a ação extensionista das entidades Convenciones, Salta – Argentina. Palestra.
foi fundamental para as mudanças nos sistemas 2009. Disponível em:
produtivos e nos resultados alcançados, o que nos www.inta.gov.ar/extension/prohuerta/.../SALTA-
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remete à importância e necessidade de mais
2009.
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