Você está na página 1de 41

U MA D ES C R I ÇÃ O D E TRÁS - O S - MO NT E S

P O R JO S É ANTÓ N I O D E SÁ

Fernando d e Sousa

A B S T R AC T

l n this work we presem a manuscript dated [rom the late 1 8th cen­
t ury, which is an extremely importam dowment for the u n derstanding
o[ the Trás-os-Mo n tes region (Po r tu gal!. This wo rk wi/1 p recede a m o re
in-depth research work about the some administra ti ve region, based on the
man uscrip t sources left by ]osé A n tónio de Sá, and to be published in the
near future.

1 - I NT RO D U Ç Ã O

Tod o s os t ra b a l h o s d e i n ve st i g a ç ã o t ê m u m a h i stó r i a . U m a s vezes res p o n d e m


a preocupações d e natureza aca d é m i ca . Outras vezes s ã o « e n c o m e n d a d o s » , isto é , o
i n vestiga d o r é convi d a d o p o r alguma entidade a efectuar u m a o b ra sobre d eterm i n a d o
t e m a . P o r vezes, a i n d a , s u rgem d a própria vonta d e do est u d i os o , m otiva d os p o r razões
da mais d i versa natureza .
Este tra b a l h o q u e agora p u b l icamos t e m , ass i m , como n ã o p o d i a d e i xar de ser, a
sua h istória. U m a h istória a ntiga , q u e remonta a 1 9 7 1 , q u a n d o , term i n a d o o curso d e
H i stória , i n i ci a m os a n ossa tese d e l i c e n ciatura (então o brigatória para s e o bter o gra u d e
l i ce n c i a d o e p o d e r exercer a s fu n ções d e assistente u n i versitá rio), s u b o rd i na d a a o tema
d e Trás-os-Mon tes. S ubsídios para a sua história em fins do século XVIII, princípios do
século XIX, a qual foi a p resentada à Facu l d a d e d e Letras d o Porto 1 .
D u rante os dois a n os q u e d e m orou a e l a b o ração da referida tese, desde cedo n os
a p e rcebemos da excepci o n a l i m p o rtâ n cia da obra de J osé Antó n i o de Sá e n q ua n to fon t e
p ri v i l egiada da h i stória eco n ó m i ca e social d e Trás-os-Mo ntes n a segu n d a meta d e d o
século XVI I I .
Para a tese, consulta m os então, c o m o referi m os nas fontes e b i b l i ogra fia q u e
a p resentamos n o segu n d o vol u m e d a q u e l a , o s segu i ntes tra b a l h os , m a n u scritos e
i m p ressos, de J os é Antó n i o de Sá:

- M emoria académ ica sobre o modo de honrar os lavradores, e evitar a sua


estupidez e ignorancia, com aplicação a província de Traz os Mon tes;
- Memoria sobre a necessidade de cultivar os baldios em Traz os Mon tes;
- Memoria sobre alguns obstaculos da agricultura que convirá remover;

POPULAÇÃO E SOCIEDADE, N.' 3 - 1997 359


FERNANDO DE SOUSA

- Memoria dos ab uzos praticados na comarca de Mon corvo e provimen tos do


corregedor jaze A n tonio de Sá;
- Compendio de observaçoens que fórmão o plano da viagem política, e filosofica,
q ue se deve fazer den tro da Patria , Lisboa, 1 7 8 3 ;
- Dissertações ph ilosophico-politicas sobre o trato das sedas na comarca de
Moncorvo, Lisboa, 1 7 8 7;
- Descripção economica da Torre de Moncorvo, i n Memorias economicas da
Academia Real das Sciencias, T. I I I , Lisboa, 1 7 9 1 .

As três p r i m e i ras m e m órias i ntegram o fu n d o d e m a n uscritos da Aca d e m i a das


C i ê n cias, a q uarta m e m ória faz parte do fu n d o d e m a n u scritos da B i b l i o teca P ú b l ica
M u n i cipal do Porto e os últimos títul os, como se sabe, dizem respeito a trabalhos p u b l i cados,
da a utoria d e J osé Antón i o d e Sá .
D u ra n te a preparação da dissertação de l i cen ciatura, tivemos con heci m ento, a i n d a ,
d e u m o utro cód i ce m a n u scrito d este a u to r, i n t i t u l a d o Memoria a cadem ica em q u e s e
dá a descripção da província de Tras o s Montes, c o m 3 4 capít u l os , d e q u e a p e n a s s e
co n h ec i a m algumas passagens transcritas p o r Anto n i o Xavier Pere i ra Couti n h o , n os
Annaes agrícolas do districto de Bragança, e p o r Fra n cisco M a n u e l Alves, nas Mem orias
arq ueologico-historicas do distrito de Bragança. Foi consultada por a m bos os a uto res e m
Braga n ça , u m a vez q u e este m a n uscrito s e encontrava n a p osse d o d o utor J o a q u i m
G u i l herme Card oso d e Sá , n eto d e J osé Antón i o d e Sá , res i d e n te n a q u e l a c i d a d e .
D i l igên cias n ossas fe itas j u nto da fa m í l i a , q u e r e m Braga n ça , q u e r n o P o r t o , c o m o
o bj e ctivo de local izar este t ra b a l h o , res ultara m , contudo, i n frutíferas 2 .
D e fe n d i d a a t e s e d e l i ce n ciatura e convi d a d o como assistente p a r a a Facu l d a d e
d e Letras d o P o r t o , l ogo p u b l i q u e i , e m 1 9 7 4 , com u m a i nt ro d u çã o , a Mem oria d o s
ab uzos pra ticados na comarca de Moncorvo 3 , da q u a l . a l iás, v i m , a e n contrar, u m a có p i a
m a n uscrita n o Arq u i vo Naci o n a l da To rre do Tom b o .
M a i s tard e , n este ú l t i m o a rq u i vo , t i ve opo rtu n i d a d e d e l eva ntar o utros có d i ces
e papéis m a n uscritos d e José Antó n i o d e Sá, n omeadam ente o Plano da Correição.
Mappas, da comarca de M o n corvo; a Sin opsis das oppressoens, e vexames, q ue a má
administração da jus tiça, tinha cauzado aos lavradores da commarca de Moncorvo; a
Demarcação da comarca de Moncorvo com hum mappa thopografico que a demonstra;
o Regimen to dos corregedores do Reino; a Dissertação sobre a origem das sociedades
civis para servir de preliminar ao tractado dos corregedores das commarcas; e o utros
m a n uscritos d e m e n o r i m p ortâ ncia
Te mos, des d e há l a rgos a n os , l eva nta d a , tra nscrita e p ro n ta para p u b l i ca ç ã o ,
t o d a esta vasta produção d e José Anto n i o d e Sá . Mas e n t e n d e m os q u e só fazia s e n t i d o
p u b l i car t o d o s os tra b a l h os d este magistra d o , i m p ressos e m a n uscritos , d e s d e q u e
acom pa n ha d os d e u m a segura b i ografia e de u m a i ntrod ução q u e situasse, n o t e m p o , o
h o m e m e a obra.
Por o utro l a d o , n u nca esqu ecemos a Mem oria Academica d e Trás-os-Montes, que
co n t i n u a mos a t e n tar local izar. E a n ossa p ers everança aca b o u p o r dar os seus frutos.
Com efeito, e m j u l h o d e 1 9 9 0 , sob o patrocí n i o d o ext i n to I N I C . t i ve o p o r tu n i d a d e d e
efectuar u m a visita d e est u d o a Lo n d res, e d e tra b a l h a r n o Public Record Offfice e n a
British L ibrary. E n esta , i n espera d a m e n t e , a c a b e i p o r e n contrar u m exe m p lar d a c é l e b re
m e m ó ria de José Antó n i o de Sá, q u e conh ecia j á , i n d i recta m ente, desde 1 9 7 1 .

360
UMA DESCRIÇÃO DE TRÁS-OS-MONTES POR jOSE ANTÓNIO DE SÁ

Em 1 9 8 9 , J os é Luís Card o s o , no exce l e n t e t ra b a l h o q u e d e s e n volveu s o b re o


p e n s a m e nto eco n ó m i co em Portuga l , nos f i n a i s do sécu l o XVI I I 4, mas q u e eu só c o n h e ci
mais tard e , dava conta da referida m e mória de Trás-os-Montes, referên cia q u e inserira,
j á , e m n ota às pági nas das m e m órias da Aca d e m i a das C i ê n cias, que p u b l i co u com uma
i n trod ução s e o n d e tra n screve u as três m e m órias m a n uscritas d e J osé Antó n i o d e Sá a í
existentes, a q u e já fizemos referência.
Fi q u e i , assi m , i n d eciso, entre p u b l icar o referido estudo d e J osé Antó n i o d e Sá , o u
aguardar p o r tra b a l h o m a i s vasto , n o s mol des J á referid os. M a s , n ova referência à m e mória
d es c r i t i va d e Trás-os- M o n t e s , por J osé Ro d rig ue s M o n t e i ro , em co m u n i ca ç ã o q u e
a p resentou sobre J osé Antó n i o d e Sá , a o Congresso h istóri co com e morativo d os 4 5 0 a n os
da d i o cese de Braga n ça - M i ra n d a 6 , l evara m - n os a optar p e l a sua p u b l i ca çã o - para n ã o
acontecer o q u e n o s aconteceu há a n os, c o m a descri ção d e Trás-os-Montes, de Col u m ba n o
P i n to R i b e i ro d e Castro , q u e a ca b o u p o r s e r p u b l i ca d a p e l o m e u a m i g o e co l ega ,
professor d o u tor J osé Maria Amado M e n d es, q u a n d o eu a t i n h a já em t i pogra fia, graças
ao patrocí n i o f i n a n ce i ro d o G over n o C i v i l d e Vila Rea l , e n t ã o d i ri gi d o p e l o s a u d o s o
do utor Ca m i l o Botel h o ?
D e ci d i m os, ass i m , p u b l icar os tra ba l h os m a n u scritos de J osé Antó n i o d e Sá q u e
d i rectamente dizem respeito a Trás-os-Montes e chamar a atenção para a s u a i m portância
e n q u a nto fontes i m p resci n d íveis para o conhecimento d a m e n ta l i da d e dos tra s m o n ta n os
e da soci e d a d e e eco n o m i a d a q u e l a regi ã o , isto é , p o r o rd e m cro n o l ógica:

- Mem oria academ ica em que se dá a descripção da provincia de Tras os Mon tes,
e se propoem os methodos para a sua reforma ( 1 7 8 0- 1 7 8 1 );
- Dissertação sobre a origem das sociedades civis para servir de preliminar a o
tractado dos corregedores das comarcas ( 1 7 9 2 ) . ;
- Regimen to dos corregedores das comarcas do Reino ( 1 7 9 3).
- Demarcação da comarca de Mon corvo com hum m appa th opografico q ue a
demonstra ( 1 7 9 3 ) .

Nesse estudo i remos a i nda t e r em conta o s Planos d a correição. Mappas, da comarca


d e M o n corvo ( 1 7 9 2 ) , j á u t i l izados por nós ao tratarmos da i n d ústria de Trás-os- M ontes s ,
os livros m a n uscritos d os Provimentos da correição, do Arqu ivo M u n i c i p a l de M o n corvo,
e os o u t ros tra b a l h os , j á p u b l i ca d o s , d e José A n to n i o d e Sá, q u e d i z e m res p e i to a
Trás-os-Montes:

- Descripção econom ica da Torre de Moncorvo ( 1 7 8 6);


- M emoria academ ica sobre o modo de h o n ra r os lavradores e evitar a s u a
estupidez e ignorancia, com aplicação a província de Traz o s Montes ( 1 7 8 7);
- Dissertações ph ilosophico-políticas sobre o tracto das sedas na comarca de
Moncorvo ( 1 7 8 7) ;
- Memoria sobre a necessidade de cultivar os baldios em Traz os Montes ( 1 7 90);
- Mem oria dos ab uzos pra ticados n a comarca de Mon corvo e provimen tos do
corregedor ]ozé A n tónio de Sá ( 1 790).

N ã o u t i l izare m o s o Compendio de observações ( 1 7 8 3 ) , u m a vez que a Ad d i çã o ,


relativa a Trás-os-Montes, é cópia, como i remos explicar, d e partes da Memoria academica.
Mas, para j á , aí fica a p u b l i cação da Mem oria Academ ica de Trás-os- M o n tes,
com promete n d o - m e e u , em 1 9 9 9 , a p u b l icar o tra b a l h o q u e referimos.

36 1
FERNA NDO DE SOUSA

Ass i m . a p ós uma cu rta e tru n cada b i ogra fia de José Antó n i o de Sá, u m a vez q u e
só diz respeito á s u a v i d a a t é a ba n d o n a r as fu n ções d e corregedor da comarca d e
M o n corvo. a p resentemos, s u m a r i a m e n t e , esta c e l e b re d escriçã o d e Trás-os- M o ntes,
e fectuada por u m magistra d o que con heceu. como n i ng u é m , a sua terra nata l .

2 - ALG U N S ASPECTOS D A V I D A D E J O S É ANTÓ N I O D E S Á

Pouco se conh ece q u a n to á v i d a d e José Antón i o d e Sá . Não é este o m o m e n to


para tra çarmos a b i ogra fia co m p l eta d este magistra d o , q u e t e n ci o n a m os a p resentar
q u a n d o e fectuarmos a p u b l i cação da o b ra que já a n u n ci a m os.
Por agora, dare m os ape nas a con h ecer a l guns dados bi ográ ficos que dizem respeito
a J osé A n to n i o de Sá até ao m o m ento em q u e a b a n d o n o u as fu n ções de co rreged o r da
comarca d e Moncorvo, u m a vez q u e , daí em diante, passou a viver fora d e Trás-os-Montes.
J os é A n to n i o de Sá n a s c e u n a c i d a d e de B raga n ç a , fre g u e s i a de S a n t a M a r i a ,
a 2 0 de Março de 1 7 5 6 , t e n d o s i d o baptiza d o . na mesma fregu esi a . a 2 9 do m e s m o m ê s
e a n o 9. E r a f i l h o l egít i m o d e L u í s Fra n cisco d e Sá e Catari n a Rosa d e Castro, naturais da
mesma cidade; n eto paterno d e Fra n cisco d e Sá e Ana d a Paz. d o l ugar d e Reb o rd e l o .
t e r m o d e Vi n h a is; e n eto m a terno d e M a n u e l de Pa ços F u rta d o e Isa b e l d e Castro, a m bos,
d a referida cidade d e B raga nça. O pai vivia das sua fazen d a s e n egóci o , «com c o n h ecida
n o b reza » , sem que alguma vez tivesse exercido q u a l q uer ofício m e câ n i co w.

A l u n o da U n i versi d a d e de C o i m b ra . teve a op ortu n i d a d e d e b e n eficiar d a reforma


d e 1 7 7 2 , e m u i to p rovave l m e n t e , d o m a g i sté r i o d e D o m i n g o s Va n d e l l i e d e o utros
professores italianos. que lhe terã o despertado o gosto pela o bserva ção e pela experi men­
tação, n o m e a d a mente. n o d o m í n i o da h istória natura l . Bacharel e m 1 7 8 2 , o p ositor às
c a d e i ras d e leis da U n ivers i d a d e de C o i m b ra , exerce u , e m Trás-os-Montes, as fu n ções de
j u iz d e fora da To rre d e M o n corvo , e ntre 1 7 8 4 e 1 7 8 8 , com tal ze l o e d i l igência que. em
j u n h o d este último ano, fo i n omeado correged o r da comarca d o m e s m o n o m e .
Os s e u s p l a n os e provi m e ntos d e correição fo ram a p rova dos p e l o G over n o . p o r
aviso d e 1 d e Sete m b ro d e 1 79 0 , t e n d o Sá rece b i d o , a i n d a , h á b ito e t e n ç a .
N ã o s a b e m o s a o c e r t o q u a n t o t e m p o exerce u . e fe c t i va m e n t e . e s t e c a rg o .
A s p u b l i ca çõ es o f i c i a i s d ã o - n o como t e n d o s i d o co rrege d o r da comarca d e M o n co rvo
até 1 7 9 6 , ano e m que foi n o m e a d o outro corregedor para a q u e l e posto. Contudo, o seu
m a n dato registou vá rias i n terru pções. As correi ções d e 1 7 9 2 - 1 7 9 3 fora m u n idas. visto
J osé Anto n i o d e Sá ter esta d o i m p e d i d o , n a q u e l e a n o . na corte. Nos l ivros d e registo d a s
corre i ções d e M o n co rvo n ã o h á q u a i s q u e r re ferê n ci a s a o s p rovi m e n tos d a corre i çã o
d e 1 79 4 . E m 1 79 5 , serve d e correged or o j u iz d e fo ra d e M o n corvo. Antó n i o J osé d e Morais
P i m e n t e l . F i n a l m e n t e , e m 1 79 6 , e n contra-se j á a exercer a q u ela magistratura. o d o u to r
J os é Ped ro Soares dos Reis Vasconcel os, d o Desembargo d o Pa ço 11.

O q u e é q u e se terá passa do? Por avisos de 1 5 de j u l h o e 2 9 de Agosto d e 1 7 9 4 ,


S á foi e n carrega d o de e l a b o rar o p l a n o gera l e regu l a m entos d o Rei n o . tarefa a q u e se
d e d i co u a o l ongo d e « 1 o a n os d e efectivo tra ba l h o » .
P o r o u tro l a d o , e s t e m a gistra d o . a o c o r r i g i r e e x t i r p a r os m ú l t i p l os a b usos
p raticados pelas câ maras, J U ízes, escrivães e m i n istros da sua comarca. entrou e m d u ra
bata l h a com o prove d o r de M o n corvo, M a n u e l Antó n i o P i n to de Esco bar, q u e . con tra e l e
desencadeou u m a violenta ca m p a n h a . su bvertendo povos. re belando j ustiças e a n u la n d o .

362
UMA DESCRIÇÃO DE TRÁS-OS-MONTES POR JOSÉ ANTÓNIO DE SÁ

a i n d a q u e sem competê n cia para ta l . d e cisões e p rovi m e ntos de Sá. O ra . M a n u e l d e


Esco bar a b a n d o n a a p rovedoria d e Mon corvo e m 1 7 9 4 .
j usti ça s a l o m ó n i c a , com o a fa sta m ento d o s dois magistra dos e m l itígi o . m e s m o
se J osé Anto n i o d e Sá conti n u o u a m erecer a i nteira con f i a n ça d o G overno? Sej a como for,
d e 1 794 e m diante. este não mais exerce u fu n ções de correge d o r. q u e r em M o n corvo ,
q u e r e m q u a l q u e r o u tra comarca do Re i n o , passa n d o , dai em d i a nte, a ocupar l u ga res
que. pela sua natu reza e exerci cio, o i rão fixar em Lisboa, até à morte, q u e oco rreu e m 1 8 1 9.

3 - A MEMORIA ACADEMICA EM QUE SE DÁ A DESCRIPÇÃ O DA PROVINCIA


DE TRAS OS MONTES (17 80-1 7 8 1)

Esta descri pção de Trás-os-Montes foi ela borada por José Antonio de Sá em 1 78 0- 1 78 1 .
Com efeito. esta memória é a nterior a 1 7 8 3 , a n o e m q u e fo i p u b l i c a d o o
Compendio de observaçoens. N este, josé Antó n i o de Sá dá conta de u m a « d escri p çã o ,
q u e fiz da p rov í n cia d e Trás-os-Montes e m u m a m e m oria » e i n forma q u e p a r a a s
averigua ções efectuadas n a p rovín cia, va l e u -se d e «algumas pessoas i n struídas» como
L u í s C a e ta n o d e C a m p o s - que re fere , ta m b é m n a m e m oria academ ica e q u e l h e
m i n istro u « d outas o bservaçoens» sobre o conce l h o d e Chaves - . d o a l c a i d e - m ó r d e
B raga nça, e d e D i ogo Wite, capitão de cava l os, « p essoas d ota das d e i nstru ção e ge n i o
verda d e i ra mente patri ótico».
O a u tor i n fo r m a . a i n d a , que, s o b re a p roví n cia d e Trá s - o s - M o n tes. t e m feito
a l gumas o bserva ções a resp e ito do seu gén i o , costu mes. i n d ústria . ri q u eza. agri c u l t u ra ,
comércio, etc. , exist i n d o t u d o « e m uma colecçã o i n forme; p o rq u e p re n d e a i n da de várias
i n dagações para a sua ú lt i m a perfeiçã o » .
Terá chega d o a a p erfei çoar o s e u t ra b a l h o ? Em 1 7 8 7 , Já j u iz d e fora d e M o n corvo,
d i rigi n d o-se à Aca d e m i a das C i ê ncias, José Antó n i o d e Sá refere que teve a h o n ra d e
a p resentar. n a s sessões d o a n o a nteri o r. o esta d o e m q u e s e e n co ntrava a provín cia
t ra s m o nta n a , e x p o n d o t u d o q u a n to t i n h a p o d i d o s a b e r do seu gé n i o . cost u m e s .
i n d ústri a . eco n o m i a e comércio. E acrescenta q u e a s u a m e mória s o b re Trás-os-Montes
ccfo rma u m l ivro m a n uscrito» 1 2
S ej a c o m o fo r, n ã o n o s parece q u e , para a l é m d e eve n t u a l m e n t e d a r u m a n ova
e m a i s c u i d a d a a p res en t ação à s u a d es c r i ç ã o de Trá s - o s - M o n t e s , te n h a a lt e ra d o o
c o n t e ú d o e até a redacçã o da m e s m a . u m a vez q u e . n a a d i çã o a o Compendio de
observaçõens. a p rese nta u m a descri çã o da fá b ri ca das sedas d e Trás-os-Montes e u m a
n otícia do m o nte d e Montesi n h o e á rea c i rcu ndante q u e são pratica mente u m a có p i a
dos capítulos 8 , 9 , 1 O , 1 1 , 2 8 , 2 9 , 3 0 e parte d o 3 1 da Memoria academica 1 3 , a i n d icar.
assi m, para a l é m das referên cias já m e n c i o n a das. a a utori d a d e d esta . Razão pela q u a l
n ã o i n d i ca m os o Compendio de observaçoens com o tít u l o relativo a Trás-os-M o ntes.
Por o utro lado, na Memoria academica . José Antón i o d e Sá refere expressa m e n t e
q u e se encontrava e m Montesi n h o a 2 5 d e Setembro d e 1 78 0 , a data m a i s tardia exarada
n o seu texto.
F i n a l mente. o a utor refere, n o frontespício desta m e m ó r i a , q u e era sócio da
Aca d e m i a das C i ê n cias. a q u a l t i n h a sido fu ndada e m 1 7 7 9 e como títu l o aca d é m i co . q u e
era o p ositor às c a d e i ras d e l e i s da U n iversidade d e Coi m b ra .
S u b l i n ha-se. a i n d a , q u e J o s é Antó n i o de Sá esclarece q u e . e m b o ra s e n d o n a t u r a l
d e Trá s - o s - M o n tes. n ã o p o d e a p resentar u m a cc i d e i a exacta » d a p roví n c i a , u m a vez

363
FERNANDO DE SOUSA

q u e « n o tempo em q u e com as l uzes da o bserva çã o po di a exa m i n á - l a » vive u fora d e l a .


E q u e , p o rtanto, só p o d i a dar « u ma id eia vaga » , e m bora suficiente, para fo rmar o p l a n o
da reforma geral d e Trás-os-M o n tes.
Na conclusão, a l iás, volta a reiterar que a descrição não é exacta , u ma vez q u e
d e p e n d e d a v i a g e m e d e o u tras ave r i g u a ç õ e s q u e a i n d a n ã o t e m fe itas, m a s q u e s e
co m p ro mete a fazê - l o e a a p resentar os resu l tados á Aca d e m i a , a s s i m q u e se reco l h e r a
Trás-os-Montes.
O p ri m e i ro a u t o r a co n h e c e r e citar a Memoria academ ica fo i , co m o n ós j á
d isse mos, Pere i ra Couti n h o , a q u e s e segu i u Fra n cisco M a n u e l Alves. Ap roveitamos esses
extractos n o n osso tra b a l h o sobre A In dústria em Trás-os-Mon tes ( 1 78 0- 1 8 1 3), p u b l i ca d o
e m 1 9 7 7 . M a s a q u e l a d e s c r i Çã o d a p r ov í n c i a , e f e c t u a d a p o r J os é A n t ó n i o d e S á ,
perma n e ce u , n o s e u conj u nto, i n é d i ta e n ã o l o c a l izável até a o presente. Pa ra a s u a
p u b l icação, servi m o - n os d o cód i ce da British Library , o q u a l n ã o é , segu ra m e n t e , o cód i ce
m a n u scrito q u e existia em B raga n ça na p osse do n eto de José Antó n i o de S á , u ma vez
q u e o exe m p l a r existente e m I n glaterra terá s i d o a d q u i ri d o por a q u e l a i nstitu i ç ã o , e m
junho de 1 85 5 .
I m porta s u b l i n har q u e esta Memoria constitui a p ri m e i ra d escri çã o d a p rovíncia
d e Trás-os-Mo ntes n o sécu l o XVI I I , antece d e n d o e m mais d e u m a década o tra b a l h o de
Col u m b a n o (este, com o se sabe, inserido num p lano global da descrição das seis p rovín cias
d o Re i n o , d e fi n i d o pelo G overn o ) , e prece d e n d o a s n u m erosas d escrições d e cará cter
l o c a l e regi o n a l que vão s u rgir n o Portuga l d e finais do Antigo Regi m e , e m gra n d e parte
i n s p i radas pela Aca d e m i a das Ciên cias.
A Memoria academ ica va i constitu i r a matriz origi n a l de todas as m e m ó rias e
d escrições q u e J osé Antó n i o de Sá i rá fazer s o b re Trás-os-Montes, e m bora com o t e m p o
e c o m a experi ência co l h i da n o exercício d a s s u a s i m p ortantes fu n ções na província, o s
seus est u d os reve l e m u m m a i o r rigor e p rofu n d i d a d e .
Nos tra ba l hos d a s u a a utori a , q u e i rá escrever a t é 1 79 6 , u t i l izará este s e u p ri m e i ro
estu d o com m u ita fre q u ê n cia e n u merosas vezes se serv i rá da m esma l i n guagem e até
d e certas expressões a í regista das.
Ate n d e n d o a que o estu do desenvo lv i d o desta m e m ória i rá ser feito j u n ta m ente
com os o utros tra b a l h os referi dos, d e José A n tó n i o d e Sá , n o n osso próx i m o tra b a l h o ,
l i m itar- n os-e m os , a p e n a s , a chamar a atenção para a s u a excepci o n a l i m p ortâ ncia
e n q u a n to fo n t e p r i v i l e g i a d a p a ra o c o n h e c i m e n to d e T rá s - o s - M o n t e s e m f i n a i s do
Antigo Regi m e .
Com efeito, q u e r a n ível econ ó m i co , q u er a nível socia l , e a i n d a n o d o m í n i o da
h istória da vida material e da h istória das m e nta l i dades, esta d escrição d e Trás-os-Montes,
p o r José A n tó n i o d e Sá , reve l a - s e fu n d a m e n ta l , ú n i c a , e m m u itos a s p e ctos, co m o os
estu d i osos daquela regi ã o terã o oportu n i da d e d e constatar p o r si próprios , e com pl e ­
m e n tar da descrição d e Col u m b a n o , a q u a l , e n q u a d ra d a p e l a m emória d e Sá, ga n h a u ma
o u tra d i m e nsã o e u ma o u tra l e i t u ra .
P o r o utro l a d o , terei oport u n i d a d e d e d e m onstrar q u e a m a i o r parte d a s m e d i das
precon izadas p o r este i l ustre tras m o n ta n o , m u ito parti c u l a r m e n t e , no que d i z resp e i to
à i n d ústria das sedas, i rã o ser a d o pta das p e l o G overn o , a d e m o n strar a perti n ê n cia e
oportu n i d a d e das mesmas.
Aq u i fica, pois, esta magnífica fo nte, que e u tão determ i n a da m ente procure i ao
l o n go d e 25 a n os, faze n d o j u stiça à sentença d e Pascal de que, quem e n contra sem
p rocurar é porque j á procurou m u ito sem e n contrar.

364
UMA DESCR IÇÃO DE TRÁS-OS-MONTES POR JOSÉ ANTONIO DE SÃ

N O TA S

1 Dois vol u mes policopiados, Porto, 1 9 7 3 .

2 A n naes agríco las do dístrícro de B ragança - Pri m e i ro a n o , 1 8 7 6 a 1 8 7 7 , Porto 1 8 7 8 , p p . 2 7 - 2 8 ;


e Fra ncisco Manuel Alves - Memorias arqueologico-hiswricas do dis triro de Bragança - Tom o I X ,
Porto, pp. 2 4 3 - 2 4 5 .

3 Fernando d e Sousa - A Memoria dos abusos p ra ticados na comarca de Mon corvo de josé A n ra n io
de Sá ( 1 7 9 0), Separata da Revisra da Faculdade de Letras da Univers i d a d e do Porto, série d e
H istória, Vai . IV, Porto, 1 9 74.

4 o Pensamenro económico em Porwgal nos finais do século XVIII. 1 780- 1 808 - Lisboa, 1 9 8 9 .

s Memórias Económicas lnédiws ( 1 780- 1 808) - L i s b o a , 1 9 8 7 , p. 90.

6 José Rodrigues Monteiro - o Trás-os-Montes setecen tisro na obra de josé A n ronio de Sá - i n Páginas
da Histó ria da diocese de Bragança-Miranda. Con gresso Histórico. 4 5 0 anos da Fu ndação. A c tas
- Braga nça , 1 9 9 7 .

7 josé Maria Amado Mendes - Trás-os-Mon tes nos fins d o século XVIII - Segu ndo u m manuscrito d e 1 7 96,
Coim bra , 1 9 8 1 .

s Fern a n d o d e Sousa - A lndt't srria e m Trás-os-Montes ( 1 780- 1 8 1 3 1, Vila Real, 1 9 7 7; Fern a n d o d e


S o u s a - A lndtistria das sedas em Trás-os-Montes ( 1 790- 1 8 1 3 ) - Separa ta da Revisra d e História
Económ ica e Social - Vo l . (?), Lisboa, 1 9 79.

9 Arq u i vo Distrita l d e Braga nça - L ivro de Registo de Baptismos de Santa Ma ria - Ma ço 3 , Livro S .
Agra d ecemos a co nsulta e fectuada pelo d i rector do Arqu ivo D istrita l d e Braga nça, doutor Belarm ino
Afonso, q u e com tanto zelo e ded icação tem desempen t1ado ta i s funções.
t O Arqu ivo Nacional da Torre d o Tombo, Desem bargo do Paço - Leitura de Bachareis - Letra J . Maço 5 3 .

11 Arqu ivo M u n icipal d e Moncorvo - Livro dos Provimentos d a correição 1 7 8 7- 1 7 9 1 ; Livro dos
Provimen tos da correição, 1 7 9 1 - 1 7 9 3 ; Livro dos Provimen tos da correição, 1 7 9 5 - 1 8 1 4.

1 2 Compendio de Observaçoens - Lisboa, 1 7 8 3 ; e Memória académica sobre o modo de honra r os


lavradores, e eviwr a sua eswpidez, e ignorâ n cia com aplicação à p rovíncia de Trás-os-Montes
- i n Memórias económicas inéditas ( 1 780- 1 808! - Lisboa, 1 9 8 7.

1 3 Cf. os capítulos referidos da Memoria academica com a Ad dição do Compendio de Observaçoens,


pp. 2 1 3-242.

1 4 Fern a n d o d e Sousa - S ubsídios para a história social do a rcebispado de Braga. A comarca de Vila
Real nos fins do século XVIII - Separa ta da Revi sta Bracara A ugusta - To m o XXX, j u l h o-Deze m b ro
de 1 9 76.

365
FERNANDO DE SOUSA

N O R MAS G ERAIS D E TRAN S C R I Ç Ã O D A MEMÓRIA ACADÉMICA

1 - Manteve-se a ortogra fia origi nal. Apenas s e e l i m i nara m a s m a i úsculas e m desuso.

2 - Desl igara m-se a s pa lavras d e acordo com a s suas forma s normais.

3 - Qua nto a pontuação, a penas se acrescentou u m a ou outra virg u l a , necessá ria para a
m e l h o r com preensão do texto.

4 - Desdobrara m-se as a b reviaturas.

5 - As notas o u a d ita m e ntos que nos pertencem vão entre I. J.

366
UMA DESCRIÇÃO OE TRÃS-OS-MONTES POR JOSÉ A NTONIO OE SÃ

M E MO R I A AC A D E M I CA

EM Q U E

S E DÁ A D E S C R I PÇÃO DA P ROV I N C I A

DE
TRAS O S MO NTES ,

E
SE PROPOEM OS METHODOS

PARA A S U A R E FO R M A .

Por

J o zé Antonio de S á, oppozitor

as c adeiras de leis da Universidade

de Coimbra e socio da Ac ademi a

das S cienci as de Lisboa.

367
FERNANDO DE SOUSA

NISI UTILE EST Q UOD FA CIMUS STULTA EST GLORIA

(Acacl . Scient. U l i s i p . )

368
U M A DESCR /ÇÀ O DE TRÀS-OS-MONTES P O R jOSE ANTÓNIO DE SÁ

'rUL :/�TUca./
&n fUL
J;
dt' a ob�� cld L�i?zcftt
(� dL
'Jta.r OJ!JZOizáJ �

24 369
FERNA NDO DE SOUSA

3 70
UMA DESCRIÇÃO DE TRAS-OS-MONTES POR jOSE ANTONIO DE SA

M E MO R I A ACA D E M I CA
S O B R E A P ROV I N C I A D E TRAS O S MONTES

CAPITULLO 1

P ro s p e cto d o q u e n e l l a se tracta

Será o o bjecto d 'esta memoria a provincia de Tras o s Montes. Fa llarei da sua situação
geogra p h i c a , e economica, d o seu ge n i o , i n d o l e , costu mes, i n d ustria , das suas p r i n ci p a es
p rod u cçoens, extracçã o e comm erci o , restri n gi n d o - m e a fa l l a r do co n cel h o d e Chaves
co m o d e l l es o m e l h o r para com h u m golpe de vista , em h u m mapa p o d e r conj e c t u rar o
principal da p rovincia. Descreverei ta m b e m com toda a b revi dade o l u gar de M o ntezi n h o
e o s e u m o n t e , o l u g a r d e F ra n ça , á v i l l a d e C h a c i m . O q u e t u d o s e r v i rá co m o d e
prolegomenos a h u m proj ecto d e reforma q u e propore i , versa n d o-se s o b re a a gri cu l t u ra
como p r i n c i p a l base de toda a i n d ustria , comm erci o, e uti l i d a d e p u b l i c a . N e l l e d escreverei
as cauzas fizicas, e m oraes, que o bstã o a o adianta m ento d 'agri cultura e m Tras os M o ntes,
fa ze n d o ver a o m e s m o t e m p o os c a m i n hos mais segu ros d e s e evi tare m ; p ro p o n d o
a n e cessi d a d e d a v i a ge m , o s m e i os d e s e fazer p o l i t i ca e f i l os o p h i c a m e n t e , c o m o s e
dezab uzarã o o s l avra d ô res e se evitará a sua est u p i dez, e p o b reza , a p recizã o d e rom p e r
os c a m p os i n cu ltos, d e agricultar os b a l d i o s , de faci l itar o s tra nsp ortes, e d e fazer a l g u n s
r i o s navegáveis. U l t i m a m e n t e darei h u m p l a n o d 'a gricultura, e m q u e fa l l e da l avo u r a , d os
seus p ri n ci paes i nstrumentos, da com b i nação das terras, q u a l i d a d es das argi llas e mames;
dos estercos, regas, e sua influencia na vegeta ção , da escolha das sementes, d os methodos
de semear, e co l h er e outras co uzas t e n d entes a perfeição, e reforma d 'agri cultu ra .
Fa l l a re i s e mpre c o m o exe m p l o e practica d a s n a ç o e n s cultas, b e m certo q u e o s
s i m p l e x p roj ectos, su bsist i n d o só n a i d é a , e q u e a experi e n cia n ã o tem a i n da fel i ci ta d o ,
n ã o são tã o d i g n o s d e propor-se, e p ersu a d i r-se, c o m o a q u e l l es , cuja e x p e ri e n cia t e m
ja fo rm a d o os principaes interesses d a s resp u b l icas, q u e os a b ra çarã o . Ex a q u i t o d o o
o bj ecto da m i n h a p resente disserta çã o.

CAPITU LLO 2

D ' a g r i cu l tu ra , e das s u a s ex c e l l e n c i a s em gera l

M ostrar as exce l l e n cias da agri cultura p o r argu m e n tos i ntri nsecos; p ro c u rar a sua
origem n os tempos mais rem ottos; e o s e u progresso, descreve r h u ma h i storia exacta a
este respeito; faria h u m a vasta e vo l u m moza materia; eu n ã o q u ero exte n d er- m e n 'esta
parte, n e m ca n çar- m e em fazer ver, q u e a agri cultura hé a p ri m e i ra de todas as artes, a
mais n o bre, q u e faz h o n ra ao espi rita h u m a n o , a baze do commerci o , sustentacol o das
n a ço e n s ; isto hé com m u m m e n t e s a b i d o p o r todos. E p rovera a Deos, que ta nto fosse

371
FERNANDO DE SOUSA

executa da a arte, como h é conhecida a sua exce l l e n ci a ; e por isso n ' este c a p i t u l o d i re i
p o u cas couzas e s ó tanto q u a nto possa servi r d e prefacção a presente m e m o r i a , q u e
p r i n c i p a l m ente versa sobre a agri cultura.
H é p o i s esta , u za n d o das express oens d e m o n s i e u r D u h a m e l , huma s c i e n c i a ,
q u e n os e n s i n a a bem cul tivar as terras, para d ' e l las t i rar os p ro d u ctos possíveis: como
as prod ucçoens da te rra são o bem m a i s rea l , e fu n d a m e n to mais sol i d o dos Esta dos,
segue-se que a te rra b e m , o u mal co n d i ci o n a d a , as o p erações d 'agri c u l t u ra bem, o u mal
d i rigidas decidem da r i q u eza , o u i n d i gencia d os cidadaons.
Os a n t i gos patriarchas e m n e n h u ma o utra couza punhão a o p u l e n cia dos seus
patri m ó n i os q u e nas terra s , d e q u e se n utrião e l l es , e os seus gra n d es reba n h os. Logo
n o pri n c i p i o d o mundo, Ca i m cultivava as terras. Abel a pascentava os ga dos, ta l foi a
occupação d ' lsac, e outros san ctos patriarchas. E ntre o paga n i s m o o i n vento d 'agri c u l t u ra
era attri b u i d o aos d e oses, p o l i t i ca com q u e fazi ã o respeitave is, e san ctas as couzas uteis
a o b e m p u b l i co. Ass i m ve mos, q u e os G regos refferião a Ceres, e Tripto l e m o s e u fi l h o a
origem da cultura dos ca mpos; os egypcios a Osiris; os ita l ianos a Saturn o, ou a jano seu rei .
Os p r i m e i ros h o m e n s t i n hã o h u m a p ractica m u ito perfeita nas couzas d o ca m p o ,
como nos consta p e l os a n naes, q u e nos restão dos antigos egypci os. Os patriarchas
s a b i ã o b e m a arte d 'agri cultura, pecuaria, e das terras.
Ro m u l o fas su bsist i r o b o m regi men d ' h u m a rep u b l ica n ova na boa a d m i n istra ção
d a s terras, que d i v i d i o p e l a s fa m i l i a s . Para reprezentar i sto m a i s sagra d o , e l ége d oze
sacerdotes com o nome d e Arva l l es d e Arva , dest i n a dos a offere cer a o s d e oses a s
p r i m i cias da te rra e a rogar- l h es col h eitas a b u n da n tes. Nos d i n h e i ros esta m pavã o h u m
carn e i ro , o u b ô i c o m o sym b o l o d a o p u l e n ci a , e d a q u i traz a a hy m o l ogia o n o m e d e
p e cu n i a . Pod e d i zer-se q u e o i m p erio rom a n o n u n ca fo i verd a d e i ra m ente gra n d e , q u e
q u a n d o s o u b e contentar-se d os seus p roprios l egumes, e m istu rar n a magistratura , e n a
m i l i cia os cu i d a d os da lavoura.
O espírito d e co n q u i sta d o m i n a nte n ' esta n a çã o fez perder a a n t i ga d i g n i d a d e
d ' estas b e i Jas, e paci f i cas ocupacçoens, d e i x a n d o n a s m a o n s d o s escravos a a gri c u l t u ra
d os cam pos.
A i n u n dação dos barbaros, motivou n a agri cultura huma gra n d e d e ca d e n ci a p e l o
i n fe l i z axioma esta b e l e c i d o entre e l l es: q u e t u d o o q u e n ã o e r a m i l i ci a , e r a h u m acto d e
re n u n ci a çã o à glória, e p re e m i n en c i a . A razã o d e n a o fazerem o s a th e n i enses s e n d o tã o
i n stru i d os, m a i o res p rogressos n 'agri cultura, era p o rq u e se entregavã o mais à i ma g i n a çã o
e s u b t i l ezas de espirita. O s magistra dos tra nspo rtavã o d ' o utros paizes os viveres p e l o
m a r. E l l es t o d o s s e p u l tavã o n a s p o e z i a s , orator i a s , m e d i ci n a s , f i l oso p h i a s, e t c .
D e m oravã o-se nos theatros e m corrigir as s u a s traged ias, e nas praças as gra m maticas,
e erros d os seus reth ori cos, a b a n d o n a n d o para os escravos a agricultura. Com tudo a i n da
t i n h ã o l e i s sau dave is a este respeito, como a q u e l l as em q u e proh i b i ã o com pena d e
m o rte t u d o o q u e s e o p p u n h a a o s e u p rogress o . O b o i d e st i n a d o p a ra o ara d o , n e m
a i nda e m sacri f 1 c i o p o d i a s e r m o rto; e d e ixarão regras para h u m a b o a agri cultura, como
a f f i rma Ci cero.
N ' h uma palavra , a agri cultura que s ustenta o h o m e m , e o corpo p o l i t i co por ser
a m ã i d e to das as artes e d o comm erci o , d eve re p u tar-se a mais exce l l ente d e to das as
ocupacçoens d a vida, nada mais d igo a este res peito , as l uzes d o sol patte nteão-se por
s i mesmo, va mos a o p ri n ci p a l .

372
UMA DESCRIÇÃO DE TRÃS-05-MONTES POR jOSE ANTÓNIO DE SA

C A P I T U L L O 3

P o r q u e se dá s ó a i d éa g e ra l da p rov i n c i a d e T r a s os M o n t e s

S e n d o eu mesmo da prov i n ci a de T r a s os M o ntes; d ' e l l a não p o s s o dar j á h u m a


i d éa exacta ; porq u e n o tempo em q u e c o m as l uzes d a o bservação p o d i a exa m i n a - l a ,
h a b i tei fora d ' e l l a ; h á fa l ta d e correspon d entes exactos; n e m m e s m o d o s lavra d o res s e
póde t i ra r h u ma perfeita descri pção dos seus prod u ctos p o r q u e a s u a i g n o r a n c i a e
serv i d ã o l h e s faz crer, q u e s i m i l h a ntes ave rigu a ç o e n s , ou são para l h es i m p o r n ovos
tri b u ttos, o u para d ' a l g u m outro m o d o os vexar. E q u eren d o d os ren d e i ros s a b e r isto, a
sua avareza o i m pede; porq u e s u p poem q u e hé para l h es fazer oppozição nas co m m e n d a s
e re n d a s , q u e trazem. D a r e i pois h u ma i d éa vaga d ' e l l a q u a nto sej a basta nte p a r a formar
o plano da reforma da p rovi ncia e m gera l .

C A P I T U L L O 4

Situação

A situação d ê o o n o m e a prov i n ci a de Tras o s M ontes; p o r q u e f i c a a respeito d o


M i n h o , de traz da montuosa serra do Marão, h u m ra mo dos Montes Pireneos. Estend e m-se
os m o ntes d e n o rte a sul d o Rei n o d e G a l iza athé ao D o u ro , e parece cercarem a
p rov i n C i a do M i n h o , como fazem os A l p es. a lta l i a . Em m u itas partes tem estes m ontes.
e m i n e n cias d e m a i s d ' h u ma legoa, como se vê nas serras d o G erês, e n a s a l t u ra s d o
M a r ã o . Pode fazer-se a d e marca ção d 'esta p rov i n ci a da Portela d e H o m e m p e l a p a r t e d o
n o rte a t h é a p o n t e d e Cavés. Pel o poente, p e l o rio Ta m ega , a t h é entrar n o D o u ro , q u e faz
a d i vizão com a p rov i n cia da Beira athé Vilvestre. Daq u i para a parte do n o rte o m e s m o
D o u ro a d i v i d e d o Re i n o d e Leã o , athé q u a tro l egoas d e p o i s d e se ch egar a M i ra n d a ,
conti n u a -se d ' a l l i a dem arca ção athé o r i o M a çã o p erto de M a i d , i n cl i n a n do-se a o poente
com a Serra , Tei xe i ra , e com a s d e S e n a b ri a e Gerez.
Tri nta l egoas d e com primento, e vinte de largura dão os geogra fos a esta provincia
o a b ba d e d e Pera lhe d á d e circu ito cento e tri nta l egoas; s u p posto ou tros contem d ' o u tra
fo rma , segu n d o os mapas d e Fern ão Alvares Seco, e Pedro Te i xe i ra .

CA P I T U L L O 5

D i v i z ã o d a p rov i n c i a

Esta p rov i n c i a d i v i d e-se e m d u a s cidades, Braga n ça e M i ra n d a , e m s i n coenta e


q u atro v i l l as , e m u itos l u gares, seiscentas e vi nte paroch i a s , em q u e p o u co m a i s , o u
m e n os h averá cento tri n ta e s e t e m i l e ta ntas pessoas. Tem d u a s pra ças d 'a r m a s ,
Chaves com trez reg i m entos e Braga n ça com dois, d e q u e h é gen era l o i l l ustris s imo e

373
FERNANDO DE SOUSA

exce l l e n tissi mo con d e d e Sam payo. Consta d e q uatro correiçoens, M i ra n d a , Braga nça,
M o n co rvo , Vila Rea l . As vil/as, q u e l h es são sogeitas, se co n h ecem n o segu inte mapa.

Miranda - A/gozo - Frechas


- Azi n h ozo - Fre i x i e l
- B e m posta - Freixo d ' Espada a C i n ta
- Carrocêdo - Lamas d e Orel h ã o
- Fai l d e Fri e i ra - L i n hares
- M oga d o u ro - M on corvo
- Penas de Royas - M i ra n d e l / a
- Re b o rd a i n hos - M o n fo rt e d e R i o Livre
- San ceriz - M oz
- Va i d e Passó - M u rça d e Pa n oya
- Vi l /ar Seco de Lomba - N u ze l / os
- Vi m i ozo - Pi n h ove l / o
- Vin haes - Sa m payo
- Sezu l fe
Bragança - Ch aves - To rre de D. C h a m a
- Ervedoza - Va l d a s n es
- G u stei - Vi l /as Boas
- M ontal egre - Vi l a F l o r
- O uteiro - V i l l a ri n h o da Casta n h e i ra
- Re b o rdaons
- Ruivaes Vil/a Real - Al ij ó
- Va i d e Nogu e i ra - Dornellas
- Va i d e Pra dos - Ervededo
- Vi l / a Fra nca - Favayos
Torre d e - Lord e / l o
Moncorvo - A b re i ro - S. M a m e d e d e R i b a tva
- Agoa Revez - Proveze n d e
- Al fa n d ega da Fé - Ra n h a dos
- Anciaens - Vi l / a Rea l
- Castro Vicente
- Chacim Honras - Ga l egos
- Cortiços - So b roza

As v i l / a s con fi n a ntes com G a l iza e Caste l l a , q u e tem fo rta l ezas, são a s segui ntes:

Fortalezas - Montalegre - Miranda


- Erved e d o - A/gozo
- Ch aves - Penas d e Royas
- M o n forte do Rio Livre - M oga d o u ro
- Braga n ça - Fre ixo de Espada a C i n ta
- Outeiro

Te m m u itas a b b a d ias, reitorias, viga i rarias.

3 74
UMA DESCRIÇÃO DE TRÁS-OS-MONTES POR jOSE ANTÓNIO DE SÁ

M u itos rios regã o esta prov í n c i a , e i n f i n itos regatos. Os m a i s concid erave i s são os
segui ntes: Angu e i ra . Alved r i n h a , Azi b o , Beça , Corgo, Ca l d o , Calvo, D o u ro . Ferve n ça , Fri o .
Fresn o . Lobos. Mação, Mente, P i n h ã o , Ra baça l , Sa bor, Ta mega , T i n h e l a , T u a , Tue l l a ,
V i l l a riça, Vel larva . zacharias.
Tem m u itas fon tes a b u n d a ntes e d e h u m exce l lente gosto. H u ma gra n d e e
fa m oza fonte da v i l l a de V i n h a es affi rmasse ser a m e l h o r de Tras os M o ntes; p o r m a i s
q u e se b e b a n u n ca offe n d e o estomago, e faci l ita a expu lsão das arêas. e p e d ra . Tem
q u a renta e trez fontes de agoas m e d i c i naes. E as agoas de m u itos rios são u t i l i s s i m a s
p a r a b a n hos.

CA P I T U L L O 6

Do g e n i o , e costu m es

Os tra n s m o n t a n o s t e m v i vaci d a d e n a t u ra l , são ro b u stos; e se exercitão n a c a ç a .


o s e u gen i o parti cular n ã o h é o das l etras; e p o r i s s o se a c h a a prov í n ci a m u ito fa l ta d e
h o m e ns i n stru i d os . e d e t o d o o Re i n o h é a q u e t e m m e n os g e n t e n a U n i ve rs i d a d e .
H é verd a d e , q u e l h es n ã o fa lta ta lento ; porem a d e maziada p o b reza . q u e há n 'esta
prov í n c i a . hé a ca uza d i sto; p o i s n ã o p o d e m os p a i s de fa m í l i a s s u p o r tar os g a stos
n ecessarios para o ca m i n h o das l etras. Os mesmos n o b res não d erigem o s seus f i l h os
aos est u d os; mas natura l mente os i n c l i n ã o para as armas; e por isso segura me nte p ô d e
affi rmar-se q u e e m n e n h u ma prov í n ci a há tão p o u ca g e n t e , q u e s i rva a Sua M agesta d e
n a toga , e n a s l etras.

superstição

A gente hé m u i to s u p erst i c i oza . a p egados com excesso as o p i n i oens d os seus


m a i ores. a b uzadissimos, i n d oceis, m u ito perti nazes e m d e i xar as preocupacçoens com
que tem vivido, a i n da que alias estas os tenhão m izerave l m ente deteri orado. São m u ito
fa ceis á persuasão d e couzas sobre naturaes, crem p rod ígios, enca ntos, fei t i çarias, etc.
Isto é tã o u n i versal, q u e apennas há terra aonde não creião q u e alli há m o u ros e n ca nta dos,
th ezo u ros esco n d i dos, que só p o r magica podem t i rar-se; e i n f i n itas o u tras fa b u l a s a n n is.

vestido

O m o d o de vest i r nas cidades e v i l l a s concideravei s h é p o l i d o , e veste m a m o da


da corte; porem uzam m u ito de capotes; e este m a i o r l uxo tem-se a u gm e n ta d o há
p o u cos a n n os; m u ita gente e m Braga n ça se l e m b ra d e sere m raríss i m a s as fivélas. e
espa d i n s de prata , e os vest i d os erão p r i n c i p a l m ente de ba eta p reta . As cazas são m u i to
p o b re s . d e t o d o o Re i n o s ã o os m o rgad 9 s d e m e n os re n d i m e n t o ; em B r a ga n ç a n ã o
há h u m a caza q u e fa ça das suas fazendas q uatro m i l cruza d os; e o q u e t e m d e fu n d o
s i n co e n ta m i l cruzados, q u e s ã o po ucos, se reputão h o m e n s m u ito ricos. Da q u i s e segu e
a ca uza de se tratare m , a i n d a as pessoas n o b res, com m u i to p e q u e n a e q u i pagem, s e m
l i b rés, s e m cava los. e t c . P o d e d izer-se q u e os m i l itares são os q u e e ntretem o m a i o r l uxo
da p roví n c i a .

375
FER NANDO DE SO USA

As m u l h eres e s co n d e m -s e d os h o m e n s , p r i n c i p a l m e n t e e m Braga n ça ; n ã o
fa l i a m s e n ã o a s pessoas m u ito chegadas em parentesco de sorte q u e a i n da en tre cazas
a m i cissimas as s e n h oras não se co m m u n i cã o com os h o m e n s . Não a p parecem nas
j a n elas; esco n d e m -se d e tráz de rotulas a perta d issi mas, que a b rem para o l har m u ito
p o u co, e com m u ita cautella e se, os h o m e n s ven do-as, se não ret i rã o , são re p utadas
i n h o n estas.

Gentes do campo

A g e n t e d o c a m p o hé m u i to i m p o l i d a e i g n o r a n t e ; a m a i o r parte n ã o s a b e m
l er n e m escrever, s ã o p o b res, n e m co l h e m mu ito p ã o para s i , n ã o obsta nte tra b a l h are m
todo o a n n o . N ' a l g u m a s a l d ê a s n ã o traze m çapatos, n e m bottas, uza m d ' h u m a p e l l e
a q u e chamão a barcas. Isto m u i to p r i n c i p a l mente s e o bserva J U n to a raya de Caste l l a ,
c o m o e m M o ntezi n h o , Cova d e L u a , Pet i sq u e i ra , G ua d ra m i l , etc . , a o n d e os lavra d o res sã o
m u 1 to p o b res, est u p i d os, e i g n o ra n tes. De n o ite n ã o se a l l u m i ã o com azeite; e q u a n d o
n e cessitão d e l u z uzão d e paos secos. Para as m u l h eres fazerem d e n o i te serã o , fazem
h u m a f i nta para o azeite, e se J U ntã o , n 'h u ma caza em que tra b a l h ã o , a que d ã o o n o m e
d e f 1 a d e i ro.

C A P I T U L L O 7

Industria

O ge n i o natural d a prov i n cia está i n d i c a n d o a i n d ustria d ' e l l a ; a s u a p o u ca


p ovo a ç ã o , a m e n o r d e todas as do Re i n o , d e c l a ra as p o u ca s a r t e s , q u e se exercitã o ;
v 1 sto q u e a i n d u st r i a h é a m ã i i d e toda a p ovo a ç ã o ; e x c e p t o a fa b r i c a d e s e d a q u e h é
c o n c 1 d erave l ; n ã o h á o u tra d e q u a l i d a d e a l g u m a n ã o o bsta n t e h aver c o m m o d i d a d es
para isto p e l a a b u n d a n c i a de m a t e r i a s , e m u i ta n e cess i d a d e q u e há d a s m e s m a s
ma n u factu ras. Os lavra d o res s ã o extremamente occiosos; n o t e m p o q u e l h es resta d e
tra b a l h a r na terra, q u e h é basta nte, não se occupão m a i s q u e em viver n o desca n ç o , n ã o
s a b e m officios; n e m os prete n d e m a p re n d e r. Se o a n n o h é a b u n da n t e , e os fructos l h e
dão para passare m , n ã o se q u erem exercitar em j ornaes, n e m o utras couzas e m q u e
p o d i ã o ga nhar d i n h e i ro.
As cidades, e v i l l a s experim então fa ltas nottaveis de carvã o e l e n has, e d ' o utros
gen eros, que cost u m ã o i m p o rtar, q u a n d o a i n d igencia os o b ri ga a com p rar pão para a
passagem de caza . Havendo basta ntes lans na provincia, não há h u ma só fa brica de panos;
ve n d e m - n a para fora serv i n d o-se depois d os m esmos panos, dando a os outros o ga n h o ,
q u e e l l es p o d i ã o l u crar se foss em i n d usm ozos. Não há h u ma só fa brica de l o u ça v i d rada ,
n ã o o bsta nte h aver exce l l e ntes argi l l as e ba rros q u e p o d i ã o faci l i ta l l a . Não fazem m a i s
q u e q uartas e p a n e l l as, co m p ra n d o aos caste l h a n os o resto da l o u ça ; deteri o ra n d o-se a
s i , e ao Re i n o na extracção do d i n h e i ro para fora; e o mesmo dos vi d ros q u e ta m b e m
co m p rã o aos caste l h a n os, a dvert i n d o q u e em m u itas partes, e m q u e há a b u n da n cia d e
l e n h a s , s e p o d i ã o co nstru i r exce l l e ntes fa bri cas d e v i d ros, c o m o e m a l g u n s va l l es d e
Barroso , Terra d e L o m b a , etc. A prov i n ci a h é m i l itar, a tropa gasta m u i to ferro; c o m t u d o
n ã o há h u m a só fa brica d e l i e, have n d o m i nas co n ci d eraveis, e ri q u i ss i ma s q u e a natu reza
pôs em mo ntes a b u n d a ntissimos de len has; como no monte de Mo ntezi n h o , e em outras

3 76
UMA DESCR IÇÃO OE TRÁS-OS-MONTES POR jOSE ANTÓNIO OE SÀ

partes, em q u e m u i tos signaes e esco rias m ostrã o o gra n d e tra b a l h o , q u e os a n t i gos


t i verã o n ' e l l es . D este descu i d o , e re p r e h e n civel i n d igen cia tem a p rov i n c i a toda a p e rd a
e os caste l h a n os t o d o o ga n h o : p o r q u e d e H es p a n h a ve m f e r r o para a t ro p a , p re g o s ,
e panelas.
Have n d o a b u n d a n ci a d e cascas d e carva l h o e sobro; n ã o h á h u ma s ó fa brica d e
atta n a d os , a dvert i n d o q u e há m u itos cou ros, m a s todos o s q u e se gastã o , e o s b ezerros
ve m d e fo ra da p rov i n c i a .
Su cce d e m u itas vezes n o Verã o, não l eva rem os r i o s bastante a g o a p a r a m o erem
as azen has; fa lta o pão, d e sorte que se reparte p o r J USt i ça ; com tudo não h á hum só
m o i n h o d e vento. N ' h u m a palavra fa ltão as artes da p ri m e i ra n e cess i d a d e ; os h o m en s
são contumazes e m se d eza b u zarem e a i n d a a q u e l las couzas, q u e são faci l l imas , e d e
m u i to i n t eresse n ã o as q u erem segu i r, p o r n ã o se a partarem d o cost u m e dos s e u s
mai ores. A s artes, q u e uzã o estã o n 'h u ma summa i m p erfei.Yão , por fa lta d e i nstru m entos,
e de methodos. Obs ervo na R i b e i ra das Náos dous h o m e n s serrarem o pao mais grosso
d o B razi l . Em Tras os M o n tes chopos, p i n h os, e o utras m a d e i ras d ' este ge n e ro occu p ã o
q u atro h o m e n s p o r cauza d e não serem b o a s as serras.

CA P I T U L L O 8

Da fa b r i ca d e s e d a s

A fa b r i c a d e s e d a s d e T r a s os M o n t e s h é n otave l p e l a s u a gra n d eza , e p e l a


p e r fe i ç ã o d a s o b ras, e m q u e t r a ba l h ã o . H é m u ito u t i l a t o d a a p rovi n c i a ; n ã o s ó p e l a
conve n i e n cia q u e d á a o s negociantes, q u e ve n d e m e m todas as fe i ras e partes d o Rei n o
a s suas fazendas; mas t a m b e m pela i n f i n ita ge nte q u e occu pão; q u e a l iás n ã o p o d erião
passar, o q u e m u ito con corre para a p ovoa ção das terras. Isto se m ostra pelo p rogresso
ou d e c a d ê n ci a d a m e s m a fa b r i c a . E u m e l e m b ro de estar e m B raga n ça d e c a d e n t e a
fa b r i c a d e s e d a s , a p o b reza era s u m m a e m u itas fa m i l i a s se tra n s p o rtarã o para L i s b oa
e P o r t o p o r n ã o p o d e r e m l á s u b s i st i r. A fa b r i c a d e C h a c i m está b e m d i m i n u t a ; o s
fa brica ntes se m u darão p a r a Braga nça, e o utras partes p a r a terem de q u e viver. H é h u m a
verd a d e , q u e d i eta a razã o , e c o n f i rma a experi e n ci a : os p ovos ta n to são m a i s p ovoados,
q u a nto i n d ustri ozos; o q u e se vê clara m ente n a Holanda, Inglaterra e o u tros paizes.
A fa brica se exercita e m Braga nça, V i n h a es, Re bord e l l o , Chaci m , Sornes, Lo b u çã o .
A s faze n d a s são p e l u ças d e t o d o o gen ero l i zas, d e d a d o s , riscadas, ma ntos, gorgoro e n s ,
set i n s , tafetás, n o b rezas, e t c . São d ' h u ma m a n u factu ra especi a l ; e q u e m erecem gra n d e
esti mação e m toda a parte. E m Braga n ça consta d e m a i s de duzentos teares, d oze d e
seti m , v i n t e d o u s d e n o b reza , trez de n o b reza larga , oitenta d e tafetá, trinta e ta ntos d e
ma n tos, e gorg o ro e n s e o s m a i s d e p e l u ças, e q u arenta tornos. Esta fa b r i c a h é ta nto
m a i s util, qua nto h é tra b a l h a d a , e p rovi nda s ó da p rov i n c i a . H á m u ita a b u n da n ci a de
seda, que s ustenta n ã o só esta gra n d e m a n u factura, mas va i m u ita para todo o Rei n o , e
os negocia ntes mesmo da corte, a vão com prar as d u as fa m ozas fe i ras de seda em G rij ó
de Va i B e m feito e em M i r a n d e l l a nos d i a s de Santhiago, e S. Bartol o m e u , a o n d e con corre
m u ita seda, e especi a l , que se cria por a q u ellas partes.
Esta seda h é toda fiada na mesma p rovi ncia; p o re m a i n d a não h é com p e r fe i ç ã o ,
e e m partes se fia m u ito m a l , d o q u e se s e g u e h u m notavel d etri m e n to p a r a a m esma
fa brica; e p o r isso s i m i l hante seda n ã o h é capáz para setins, n e m tafetás, o u n o b rezas, e

377
FERNANDO DE SOUSA

se ga sta a i n d a m u i ta d ' l ta l i a para estas m a n u factu ras; o q u e p o d i a evitar-se regu l a n d o ,


e d a n d o o s verd a d e i ros meth o d os d e fiar, esta be le ce ndo m estras p u b l i cas, q u e e n s i ­
nasse m ; proh i b i n d o fiar a todas a s pessoas, q u e n ã o fossem exa m i nadas. con d e m n a n d o ,
e castiga n d o aspera m ente as q u e pozessem rodas sem l i c e n ça p u b l ica.
Ass i m se o bteria gra n d e perfe i çã o d ' esta arte, d a q u a l depende i n t e i ra m ente a
boa q u a l i d a d e das sedas, e p o r cons e q u e n ci a das ma n u factu ras. A fa b ri ca teria m u ita
m a i s u t i l i d a d e e m se servi r só das suas sedas, e athé o Re i n o , q u e i n teress a , e m q u e se
tra ba l h e i n d e p e n d e nte d os estra nge i ros.
Depois da arte d e fiar segue-se a d e trocer a qual está e m perfe i çã o , cuj os tornos
trocem não só para a provi ncia, mas para todo o Rei n o. N o Porto já trocem a seda redo n da,
q u e v a i d e Tras os M o n t e s , etc. I sto n a s e d a fina, mach a e re d o n d a d e q u e u zã o para
p e l l os, retrozes , troçães. De sorte q u e todas as fa bricas d o Re i n o se serve m m u ito d a s
sedas trocidas e m Tras os Mo ntes.
A arte d e tingir, tã o i nteressante para a q u a l i d a d e das m a n u factu ras, e m q u a nto
a cor p reta , está em m u ita perfe i ção; d e sorte que e m n e n h u m a parte d o Rei n o se t i n ge
m e l h or; d estas há trez t i n t u rarias p u b l i cas em Braga n ça , e os mesmos fa bricantes s a b e m
t i n g i r parti cularmente. Para as o u tras cores m a n d ã o a o Porto a s e d a , a i n da q u e as s a b e m
tingir. n ã o h é com ta n ta perfeição. Há c o m t u d o h u m exce l l ente ti nture i ro , q u e t i n ge d e
toda a cor, porem só para o fa bricante m a i o r cha m a d o J o ã o Anton i o Lopes Fern a n d es.
H é evi d e n t e o q u a nto i n t e ressaria e m B raga n ç a a p e r fe i çã o d a t i n t u ra r i a d e
todas a s cores, o q u e s e obteria faci l m ente d a n d o p rov i d e n cias a este resp eito. D e p o i s
s e g u e - s e a a r t e d e d o b a r, q u e l á s e exercita , e o c c u p a i n f i n itas m u l h eres, q u e s ó s e
sustentã o d 'esta arte.

CA P I T U L L O 9

H i sto r i a da fa b r i c a d e s e d a s d e B raga n ça e C h ac i m

Como a fa brica d e sedas d e B raga n ça h é das mais fa m ozas, n ã o s ó d a p rov i n c i a ,


mas d o Re i n o , n ã o m e d espensa d e dar d ' e l l a h u m a b reve h isto r ia, m ostra n d o a s u a
orige m , d e ca d e n ci a , p rogresso , e a uge, e m q u e se vê.
Há pouco mais d e cem a n os q u e se conserva em B raga n ça esta fa brica d e sedas,
o m a o regi m e n , fa l ta d e meth o d o , e d e consu m m o das fazendas a t e m fe ito p o r m u i ta s
vezes d e c a d e n t e .
Fa b ri cavão-se n e l l a d i versas q u a l i da d es d e o b ras, q u e t i n h ã o gra n d e est i mação
e m t o d o o Re i n o pela b o n d a d e d o t i n to e d a s m a n u fa c t u ras. P o r mais de s i n co e n ta
a n n os se conservou no seu f l oreci m ento. Depois d ' i sto entrou esta fa b rica e m gra n d e
a b uzo; v isto q u e fa l c i f i cavã o a s sedas n o t i n to , e c o m e l l as tra m avã o a s m a n u fa c t u ra s ;
e s e n d o i sto n a m a i o r parte dos t e á res, as o b ras p erd erão toda a est i m a çã o p e l a s u a
má q u a l i d a d e e p e q u e n a d u ra . Isto p r i n c i p a l mente pouco t e m p o a n tes d o terre moto.
Pe l o mesmo t e m p o e ntrou esta fa brica e m huma n otavel decadencia; p o r que sendo os
ma ntos as suas p r i n ci paes m a n u factu ras, e t e n d o q uazi toda a sua extracçã o para a
corte, co meçarão as senhoras de Lisboa a n ã o uza l l os; cuj o costume se ficou conserva n d o
a t h é h oj e , excepto n 'a l gu m a s s e n h o ra s m a i s graves , q u e n ã o sa h i n d o d e carruage m ,
n ã o uzão d e l e n ços; m a s d e m a ntos. Para rã o p o r esta ca uza q uazi todos o s teares, o s
fa b ri ca ntes d e c a i rã o e m h u m a n otavel p o b reza , chega n d o a m izeria d e n e cessitare m
d 'esmolas para s u bsist i r.

378
UMA DESCRIÇÃO OE TRÁS-OS-MONTES POR JOSÉ ANTONIO DE SÁ

Ao u z o d a s p e l u ça s em P o r t u g a l d eve a fa b r i ca t o d a a s u a resta u ra çã o ,
a p p l i carão-se o s fa brica ntes a este gen ero d e ma n u factu ra e a i n d ustria s e resta b e l eceo.
Pore m , o que h é l a m e n tave l , tornarã o a a b uzar d a s u a fe l i ci d a d e , d a m n i f i ca rã o a s
m a n ufacturas d e forma , q u e s e n d o a l iás est i maveis, as p ozerã o e m esta d o d e n i ng u é m
as q u e rer, e d e l h es ser o co n s u m o d i fficultozo. S e n d o a sua d e c a d e n c i a m u ito m a i o r d o
q u e a n tes t i n h a s i d o . A p o b reza torn o u a i n f i l i citar i n f i n ita g e n t e d e a m bos os sexos;
porque n ã o só a arte d e tecer, mas a d e d o bar, de que se sustentão as m u l h eres p e n d e
do con s u m m o d a s m a n u facturas. M uitas fa m i l ias d esampararão a c i d a d e p o r l h es fa ltar
d e que v i ver; e u m e s m o m e l e m b ro d e ver fa b r i c a n tes h u m i l h a d os a os h o m e n s d e
n e g o c i o p e d i n d o c o m a s m a o n s posta s, s e d a s para t ra b a l h a rem; p ro p o n d o - l h e s a
m izeri a , e n e cessi d a d e em q u e vivião e l l es, e a sua fa m i l i a a q u e n ã o p o d i ã o atte n d e r
p e l o l i m ita do consu m m o das fazen das.
Ex a q u i pois o esta d o e m que se achava a fa brica d e Braga n ça q u a n d o e m 1 7 7 3
e 1 7 7 4 o gra n d e n egociante J o ã o Anto n i o Lopes Fern a n d es p ô z n ' e l l a o s o l h os c o m a
m a i o r efficacia. Este h o m e m hé h u m suj eito m u ito agi! e i n d ustriozo; e certa m e n te o
pri m e i ro , q u e tem a p pareci d o em Braga n ça capaz de fazer v i v i f i car a fa brica, e i n d ustr i a ,
p e l o s b o n s co n h e c i m e ntos, q u e t e m d a s s e d a s , e d a s m a n u fa c t u ra s , v i g i l a n c i a n os
teares; e em todo este gen ero de commerci o . Hé p o r conse q u e n cia h u m m e m b ro d a
soci e d a d e u t i l i s s i m o ; n ã o só a Braga nça; m a s a t o d o o Re i n o .
A i n d a q u e , d e s d e o t e m p o d o terre moto, este h o m e m teve a l g u n s teá res p o r
s u a conta; cujas m a n u factu ras s e m p re se d i st i ngu i rã o d a s o u tras, c o m t u d o só e n t ro u
a fazer-se m a i s co n h ecer e m 1 7 7 3 e 1 7 7 4 . N este t e m p o fez l eva ntar todos q u a ntos
teares se achavão d e c a h i d os; e m a n d o u fazer p o r sua conta m u i tos d e n ovo; p o n d o em
acção os fa bri cantes a ba n d o n a d os , e i n stiga n d o o utros, a que a p re n d essem o offici o ,
e n s i n a n d o - l hes o m o d o d e fa b r i carem ta fetás, q u e a t h é e n t ã o l h es e r a desco n h e c i d o .
Faz co n d uzir da rea l fa brica desta corte h u m perito, e experi m e nta d o t i n t u re i ro . E d i f i ca
d o u s t i n tos h u m só de preto, e outro das mais cores, em q u e se t i nge m u ito perfe i ­
ta mente: Faz tra ba l har p e l u ças da m e l h o r q u a l i d a d e e d ' h u m gra n d e co n s u m m o ; m u i tas
ta fetás, a l gu mas n o b rezas , setins exce l l e ntes, que m u i tos os q u erem com p re fere n c i a aos
d e lta l i a . Estas o b ras são todas m u ito perfeitas, para o que con corre a gra n d e e co n t i n u a
vigi l a n cia q u e o d i to n egoci a n t e t e m , vigi a n d o os teares e d a n d o todas as prov i d e n cias
para evitar o a b uzo: Ex aqui porque estas m a n u factu ras tem gra n d e co n s u m m o , para
to das as partes d o Re i n o , e m e s m o p a ra as A m e r i cas; para o que conco rreo m u i to a
l i b erda d e da extracção sem pagar d i reitos con ced ida as m a n u facturas de sedas do Re i n o
p e l o S e n h o r R e i D . J o s é I , d e s a u d oza m e m o r i a n o s s e u s rea es d e cretos d e 2 d e A b r i l
de 1 7 5 7 e de 2 4 d e O u t u b ro d o mesmo a n n o . Suste nta J o ã o Anto n i o Lopes Fern a n des
cento e o i to teares; s e n d o o maior n u m ero d e tafetás; e m q u e con s o m m e todos os a n n os
o i to m i l arrateis de seda, a q u a l hé d 'lta l i a q uazi toda p o r ser a da p rov i n ci a m u i to m a l
f i a d a ; e p o r i s s o s e s uj e ita a o r i s c o d e t o d a esta q u a n t i a . Isto s e n d o a prov i n ci a t ã o
a b u n d a n te d e s e d a , q u e c o l h e regu l a r m e n t e v i n t e m i l a r r a t e i s d e s e d a f i n a e o u tros
ta n tos d e seda mach a , e red o n d a .
O resto d os teáres sã o d i v i d i d os p o r mais trez o u q uatro negociantes, q u e todos
n ã o fazem o n u mero dos que sustenta João Anto n i o Lopes.
Esta fa brica com tudo n ã o esta n d o d e b a i x o d ' i nspecçã o p u b l i ca a m eaça m u ito
b revemente a sua decadencia; e p o r isso d evia estar nas vistas d ' h u m conserva d o r, q u e
fosse recto, faze n d o marcar as m a n u facturas, q u a l i fi c a n d o-as, i m p e d i n d o os fu rtos, q u e
Já s e faze m basta ntes n a s sedas, e d a n d o outras p rovi d e n cias congruentes a este fi m .

379
FER NANDO OE SOUSA

Act u a l m ente se q u e ixão os fa brica ntes da carestia de v i veres, de l e n has, e carvã o ,


sem o q u e se n ã o p ó d e tra ba l har n a q u e l l e c l i m a , e da fa lta de cazas, o q u e d ' a n tes n ã o
e r a , e i m p utã o isto a v i n d a d ' h u m regi m ento d ' i n fa ntar i a , q u e d e M i ra n d a se m u d o u para
Braga n ça há trez a n n os .
Desde os tempos m a i s a n t i gos a v i l l a d e C h a c i m fo i m u ito i n d ustri oza , e n trete n d o
h u m a gra n d e m a n u factura de gorgoroens, ma ntos, ve l u d os lavrados, e l i zos. q u e fazião
v i ver m u ita gente d ' a m bos os sexos. Des d e o anno d e 1 7 5 0 , a t h é o d e 7 5 constava a
fa b r i ca de vinte tantos tornos, de trocer m a i s d e s i n coe nta teares de sedas l izas, d o u s d e
ve l u d o , oito d e sedas lavra das, e d ez d e toda a vari edade d e fitas. Entreteve i sto n o s e u
m a i o r a u ge o gra n d e fa bricante, o m estre d e ca m p o passa d o , q u e m o rreo há p o u cos
a n n os e agora se acha e m h u m a notave l d e c a d e n c i a .

C A P I T U L L O 1 0

D o s m e t h o d o s q u e e m B ra g a n ça u z ã o o s fa b r i ca n t e s d e s e d a s

S e n d o as m a n u factu ras d e Braga n ça de h u m a perfe i çã o c o n h e c i d a , h é evi d ente


q u e os methodos d e tecer são os m e l h ores e h é verdade que n ã o estarião n o p reze nte
fl oresci m e nto senão fosse m d i rigidas pelas p rov i d e n cias e methodos d o m e n ce o n a d o
n egoceante João Anto n i o Lopes Fern a n des, q u e as resta b e l eceu e n ' e l l as conti n u a m ente
vigia para evitar a sua d e c a d e n c i a .
S e n d o a q u a l i da d e d os teares, p e ntes, c a i xas, l i ços q u e forma a b o n d a d e das
faze n d a s d eve faz e r h u m a parte i n teress a n t e d a m i n h a d es c r i p s ã o ; d e l l a s fa l l a r e i
om itti n d o o utras d e m e n os en t idade.

Tafétás dobletes

Para os t a fetas d o b l etes uzã o em B r a ga nça d ' h u m p e n t e q u e l eva q u a re n ta


portadas, faze n d o a largu ra de duas terças e m e i a , o q u a l hé de ca n a b e m i g u a l . Os l i ços
são m a i s l a rgos d o u s d e d o s d o q u e o p e n t e , a fim d e fa c i l itar a p a n c a d a ; p a ra o q u e
con corre o v i r a caixa d e largo para estre ito. A têia está mais froxa do q u e teza , n ã o s ó
p o rq u e ta m b e m faz dar m e l h o r pancada; mas porque fecha mais a o b r a . A s caixas, com
q u e s e bate, t e m i nt ro d uzi d o n a m a d e i ra d ezese i s a r ra t e i s d e c h u m b o d e t a l s o r t e
d i s p ostos, q u e a ca i xa d e s i m a t e m q u atro arra t e i s e a d e b a i x o d oz e , para s e fo r m a r
m e l h o r a p a n ca d a . C a d a p u i a d o p e nte tem q uatro f i os , e p o r i s s o há q u atro l i ços.
A seda d e que uzã o para este gen ero d e faze n d a , h é d ' l ta l i a d a m a i s s u b i d a ;
m a s n ã o da m a i s f i n a .
A tra ma c o m q u e se t a p a , h é igual e l a ça p a r a fechar m e l h or, CUJa gross u ra , n e m
h é d e mazia d a m e n te f i n a , n e m grossa; p o r q u e s e n d o grossa n ã o f i ca o p o n to c o m gra ça;
e sendo m u ito fina não tem a rigeza basta nte para passar a lançade ira e soffrer a pa n cada
da caixa. Isto d eve ser qua nto baste para que a o b ra n ã o atra m e .

Tafetás ligeiros

Nos ta fetás l i g e i ros há d i fferença q u e a caixa d e baixo tem m e n os q uatro arrateis


d e c h u m b o para m e l h o r soffrer a pancada; a d verti n d o que n ' estes tafetás se d i s farça
m a i s o atra m a r. A seda h é l i q u ida sem a lgum gen ero d e goma.

380
UMA DESCRIÇÃO DE TRAS-OS-MONTES POR jOSE A NTÓNIO DE SA

Setins

Os p e ntes para os set i n s são d e q u arenta portadas, q u e fazem a larg u ra d e trez


q u artas, os m e i o s s et i n s l evã o o i to fi os em p u i a , as c a i x a s são c o m o as dos tafetá s .
Os seti n s p o r e m d e toda a conta l evã o d éz f i o s e m p u i a d o p e n t e . A s caixas t e m trinta
arrateis de ch u m b o igua l m ente reparti d o pela made i ra . A seda para estes setins h é d a
m a i s d e lgada e da p ri m e i ra s o r t e . Como n ' este genero d e o b ras n ã o e n cruzão a seda
co mo e m outras, a f i m d e dar graça aos setins pretos d ã o- l h e p e l o aveço com h u ma
e s p e c i e de g o m a , ch a m a d a a l ca t i ra p r e p a r a d a s e m a l g u m a co n fe i çã o ; a q u a l t e m a
q u a l i d a d e de assentar o po nto, dar graça a o b r a , e faze- l a m a i s d u rave l .

M a n tos

O p e n t e d os m a n tos tem tri nta e s e i s portadas, q u e fazem a largu ra de trez


q u artas; cada puia consta de oito fios, a i n d a que não são precizos mais d e q uatro l i ços
porq u e os fios entrã o d o b rados. As caixas tem tri nta arrateis de ch u m b o e s e tra b a l h a a
duas pancadas. H é tra mada esta o b ra com s i n co fios de seda p u ra e aca ute l l ã o n ã o s ej a
fa lcifi cada esta no tíncto; o q u e h é muito natural e deteriora a m a n u factura. U z ã o da s e d a
da prov í n c i a , p o r e m da m e l h or. Esta o b ra l1 é i m perti n e n t i s i m a ; visto q u e n ã o disfa rça ,
n e m a i n d a a h u m l eve d escu i d o .

Pel u ças

Os pentes para as p e l u ças são de tri nta e s i n co p o rtadas, q u e fazem a largu ra d e


trez q u artos. Cada p u i a d o pente l eva d o u s fios d e tê ía, e h u m d e p ê l l o . A s caixas são
como as d os ma ntos. A seda h é da p rov í n ci a ; mas da m e l h or, e igua l , a qual h é a l g u m a
couza grossa , para q u e f e c h e o p e l l o . O f i a d o , c o m q u e se tra m ã o as p e l l u ças, h é f i n o ,
laço, m u ito c u r a d o e maci o , a f i m d e q u e fa ça u n i r a seda, e segurar o p e l l o . Para fazer o
pel l o uzã o d ' h u mas varas de m eta l co m gross u ra proporci o n a d a , q u e tem h u ma e s p e c i e
de ca n a l e h u m ferri n h o a q u e chamão tal haro l a , corre n d o por e l l e corta , e fo rma o p ê l l o
da p e l u ça . Te m m u ita c a u t e l l a n a esc o l h a das cores p a r a esta m a n u fa c t u r a , q u e s e
1 m p er fe í çôa por q u a l q uer som b ra , q u e t e n h a a l g u m f i o .

CA P I T U L L O 1 1

S o b re o s m et h o d o s d e fi a r a s e d a e m Tras o s M o n t es

Parece-me con gru ente tractar n ' este l ugar o methodo de q u e uzão em Tras os
M ontes; para fiar a seda o q u e faz h u m a a d d i çã o ao capitu l o da fa brica de sedas. Logo
que o cap i l h o está fo rmado p e l o b i c h o , o poem ao sol; afim d e q u e m o rra d ' entro no
cas u l o; a l iás nasceria; e por isso só excl u e m d ' i sto a q u e l l e s ca p i l h os , que se dest i n ã o para
semente. D e p o i s tem h u m enge n h o , a que chamão carri l h o , que consta d ' h u m forn i l h o ,
p o r s i m a do q u a l está h u m tach o , em q u e se l a n ça agoa, e o s ca p i l h os para se cozerem ;
t e m d u a s co lheres d e ferro de q uatro, ou sinco pol egadas de gra n d eza , com h u m b u raco
no s i m o , em q u e se u n e m as ba bas d os c a p i l hos, q u e fo rmão o f i o , o q u a l passa a h u ma

38 1
FERNANDO DE SOUSA

rod i n ha; a d o n d e faz a m a i o r u n i ã o , e se constitue perfeito, e d e p o i s em h u m a gra n d e


roda se faz e m m e a d a . Ex a m a n o b ra . Porem isto q u e era h u m methodo u t i l e p erfeito,
d eteriora-se m u ito co m grave d a m n i f i cação das sedas; por q u a nto fa lcificã o a meada por
dous m odos; pri m e i ro por que no meio da meada de seda f i n a , metem a seda macha
form ada só d os c a p i l h o s mach os; e d e p o i s a torn ã o a cobrir com seda f i n a , para que se
n ã o conheça. Daqui succedem os m a l es n ã o só d e esta r a seda fina fa l ci f i c a d a , mas
ta m b e m , p o r que tendo a macha a q u a l i d a d e d e se pegar, custa m u i to a d o b a r, e se
d estro h e gra n d e q u a n t i d a d e . O segu n d o meio d e a fa lcifi care m h é m istu rarem cap i l h os
de seda f i n a , e macha , cujas b a bas formão h u m fio d a m n i f i c a d o , e m a u ; por exe m p l o a
seis babas finas, i n tro d uzem duas ou trez machas.
Em outro tempo se m a n d o u vir hum m estre para ensinar o methodo d e lta l i a ;
pore m era m u i to d i fficu ltozo , o q u e d ê o ca uza a n ovos a b uzos, algumas f i a d e i ras o
i m itão, mas m u i to m a l ; e por isso da m n i ficão a seda.

CA P I T U L L O 1 2

D ' a g r i c u l t u ra

Os capitulas anteri ores estão mesmo i n d i ca n d o qual seja a agri cultura na prov i n ci a
d e Tras os Montes. O ge n i o , os costumes, as preoccu paçoens d 'este p a i z fazem conj e cturar
que ella está na d e c a d e n cia e i n fa n cia mais m i zerave l .
H u m terre n o fertil issim o q u e m ostraria bem depressa o s e ffeitos d 'arte Jáz debaixo
d e m e th o d os arb itrarias; q u e sem sci e n cia p rescreverã o os m a i ores, e que effi cázm ente
exe c u t ã o os p reze ntes. H á m u i ta s terras i n c u ltas, que senão attreve m a ro m p e r c o m
o ara d o ; porq ue ta m b e m o n ã o fizerão os pri m e i ros. Os i nstru m entos aratorios são
i m perfe i tos, as terras m a l p reparadas, as sementes sem escô l h a ; as co l h eitas e
s e m e n t e i ras sem m e l h o r regi m e n ; n ' h u m a palavra q u azi t u d o n ' h u m a i n fe l i z situação.
Para m e l h o r d e s crever a a gri c u l t u r a d e T r a s os M o n t e s , p r o ce d e n d o c o m o rd e m ,
fa l l a re m os das suas pro d u cçoens e m gera l , d a ferti l i d a d e d o terre n o , dos methodos dos
que uzã o . das ca uzas da sua i n fa n c i a , e h u m p roj ecto para a sua reforma.

CA P I T U L L O 1 3

D a s p ro d u c ç o e n s da p rov i n c i a

O terre n o h é m u i to fert i l e propriss i m o para a agri cultura . Te m va l l es a m e n os, e


d i latados, ca pazes de p roduzir todo o genero de fructos. Os p ri n c i paes em q u e a b u n da
s ã o t r i g o , c e n t e i o , a z e i t e , v i n h os , fructas, l i n h o s , fe n o s , ca sta n h a s , batata s , g a d o s ,
cava l l os, m i l h o , l eg u m es, s e d a , cera , s u magre, p resu ntos, l a n , etc. D e todos estes ge neros
pod eria haver huma a b u n d a n cia m u ito mai or; d e sorte q u e e n r i q u ecesse a p rov i n ci a , e
todo o Re i n o , e m e s m o os d e fora gozassem d ' este p a i s . A terra hé m u ito n a t u r a l para
a p ro d u cç ã o d a s b a t a t a s ; d ' e l l a s se s u s t e n ta m u i t a g e n t e e o a l q u e i re s e ve n d e
ord i n a r i a m e nte a secenta athé oitenta re is. H é certo q u e s e h o u vessem t ra ns p o rtes
p o d ia só a p rov i n cia dar batatas para to do o Re i n o ; e a i n d a para fo ra .

382
UMA DESCRIÇÃO DE TRAS-OS-MONTES POR jOSE A NTÓNIO DE SÃ

Em tod o o Barrozo, terra de M i ra n da e Braga nça n ã o col h e m feij ã o , n e m favas.


Comem m u ito p ã o secco e e m sôpas. H á m u itos q u e comem a oito arrateis d e p ã o , e
a l g u n s a déz p o r d i a ; p o r isso são p o b res, m izeraveis, q u e n ã o l h es ch ega o p ã o das suas
terras. o que n ã o s u ccederi a , se a gri cultassem os feij o e n s e a s favas. A casta n h a , e m q u e
h é a b u n d a n t e a prov i n ci a l h es faz c o m t u d o s u p p r i r esta fa lta , e serve m u ito p a r a o
sustento d os lavra d o res; e para os p o rcos. S e n d o o seu preço o rd i nario a s i n co e n ta reis.
Só o l ugar d e Carrazêdo col h e regularmente cada a n n o , trinta mil a l q u e i res; e co l h e rã o
p e l o t e m p o m u ito m a i s p e l o c u i d a d o . c o m q u e se a p p l i cã o a pla ntação d ' e l las; e ta n to
hé mais uti l , q u a nto n ã o custa mais q u e a p a n h a - las.
As orta l i ças são e m a b u n d a n c i a , e d ' h u m gosto exce l l ente. A couve d e ta l l o l a rg o
q u e , n o paiz se chama d e p e n c a , h é da m e l h o r. A terra da Vil lariça dá m u ita a b u n da n cia
d e meloens, e m e l a n cias; os m e l oe n s sem a menor d u v i d a , são d os m e l h o res d o Rei n o.
A pera pigarça de Chacim hé m u ito s uccóza e d ' h u m gosto d e l i ca d issi m o . A verga m ota
marm e l l a cam oeza , p era de re i , etc, n ã o cedem ás de n e n h u m a o utra p rov i n ci a .
Toda a q u a l i d a d e d e orta l iça h é capáz d e produzi r-se na provi ncia; porem a antiga
e m izerave l i d éa , em q u e estã o de nada i n n ovare m , hé a cauza de n ã o havere m m u i tas
m a i s p r o d u c ç o e n s . Os m i l ita res estra n ge i ro s , q u e tem h a b i ta d o n a p r ov i n c i a t e m
feito agri culta r m u itas orta l i ças q u e d esco n h ecião e cu i davã o , q u e se n ã o p o d erião a l l i
p r o d u z i r, s e m terem o utro a l g u m m o t i vo m a i s q u e n ã o terem agri c u l t a d o - a s . N ã o
uza n d o o rd i n a ria mente senão da couve gal l ega para o s ca l d os. J á agricultão a couve f l o r,
brocolos, espargos exce l l e n tes dos m e l h o res q u e a i n d a se con h ecerã o ; tod o o gen e ro d e
s e l l a d a s, etc.
D e s i n co partes. q u e terá a p rovi n c i a ca pazes de p r o d u zi r p l a ntas u t e i s , estão
q u a tro o c c u p a d a s e m l a m e i ro s , e b a l d i o s . Estes b a l d i os são t e r r a s de e x ce l l e n t e
q u a l i d a d e , d e q u e s e m a lguma agri cultura, só uzão para pastare m o s ga dos. Os o utros
são l a m e i ros d os particulares, e m q u e sem arte se produz o fe n o m i st u ra d o com m u itos
j u n cos, e outras couzas i n uteis e que destro e m a boa q ua l i da d e d a erva . Desco n h ecem
i n t e i ra m ente os prados artificiaes. Estes naturaes só sustentão o ga d o n o t e m p o de
verã o ; o fe n o hé m u ito pouco, e d e má q u a l i da d e .
D e todas as partes d a provi ncia, a veiga d e Chaves h é a m e l h o r e m a i s n a t u r a l
para h u m a fert i l i ss i m a p ro d u cç ã o ; h é h u m a p l a n i c i e gra n d e , fo r m oza e q u e fa z
a m e n iss i m o a q u e l l e paiz.
D o n orte a o meio dia tem esta d e co m p r i me nto d oze mil passos, e trez mil de
largu ra . Pode a veiga divi d i r-se e m trez partes iguaes. Huma h é i n culta, as outras d u as
são cu ltivadas; porem a l ternativa m ente, e a isto chamão à fol ha. S e n d o o terço d e doze,
consta cada parte d e q uatro mil passos d e com p r i m e n to, e trez mil d e largura. N ' h u m a
parte se semêa p ã o ; e a s u a co l h eita será , o rd i nari a m e nte fa l l a n d o , d e c e m m i l a l q u e i res,
d e q u e trez q u a rtos são d e cente i o , o resto h é trigo, e a l guma ceva d a . Na o u tra parte s e
s e m ê a m i l h o , e l i n ho. O m i l h o h é m u ito pouco. m a l cultiva d o ; e secca q uazi sem pre a n tes
da m a d u rêz, o que desa n i ma os l avra d o res. O l i n h o se p ro d ú z exce l l ente me nte , e em
a b u n d a n ci a . O regato , a q u e c h a m ã o d a s Ave l a n s o rega e fe rti l i za m u i to , e s e rá a s u a
co l h e ita ord i naria d e d u a s m i l arrobas.
E m q u a nto a o s gados, p o d i a m u ito bem a p rovi n c i a cre a l l os p a ra to d o o Re i n o ,
s e s e cuid ásse n o s p ra d os artifi ciaes; s e m duvida e l l es serião d os m e l h o res p e l a boa
q u a l i d a d e das ervas, d e que se n utre m . E m Tras os M ontes há partes exce l l e ntes em
que podião sustentar-se n u merozas caud elarias. Terra d e Miranda h é das m e l h o res d o
Re i n o para a boa q u a l idade d ' e l las, e está a h i a ca u d e laria q uazi perd i d a . C o m t u d o o s

383
FER NANDO DE SOUSA

lavra d o res fazem sua creação d e bôis , machos, m u l las, etc. e a ca uza ta m b e m d e se
a p p l i carem a este negocio, h é por serem p o b ri ss i m os e não terem extracção os seus
paens. Em te rra d e Braga n ça mais alguma couza se c u i da na c a u d e l laria; mas a i n d a está
em m u ita d e c a d e n c i a .
E m Barrozo, d u as l egoas d i stantes d e Ch aves, p raça d e t r o p a d e cava l l o , h ave n d o
gra n d e com m o d i d a d e e pástos p a r a h u ma d a s m e l h ores ca u d e l l arias d o Re i n o , n a d a
i n t e i ra m e n t e se c u i d a n ' i sto . Estes s i t i os a b u n d ã o , ta nto e m erva s , q u e d ã o i n f i n ita
ma nteiga para a prov i n c i a , e ainda para o M i n ho; porem a fa lta de meth o d o faz com q u e
e l l a n ã o seja t ã o b o a c o m o a d o n orte, n e m fazem a dé cima parte q u e p o d i ã o fazer, s e
tivessem p ra d os art i f i c i a es.
N esta s m o n t a n h a s d e Barrozo se cri ã o a s m e l h o res q u a l i d a d e s d e b ô i s , q u e
ve n d e m e m n ovi l h os para a m a i o r parte do Re i n o ; e a i n d a podia haver m u itos m a i s .
N estes sitios h é ta l o descu i d o , q u e há va l l es c o m o compri m e n to d ' h u m a legoa , sem
a l g u m genero d 'agri c u l t u ra .
A s carnes d e porco s ã o d ' h u m gosto esp ecia liss i m o , sustentá d os de casta n h a ,
bol ota , fa re l l os, e ervas. C o m t u d o não salgã o b e m as carnes; p o rq u e o s a l h é carissi m o ,
m u itas vezes se ve n d e o a l q u e i re a quatro centos e oitenta re is; daq u i succede serem
mesq u i n h os em sa lgarem as carnes, que m u i tas vezes em paiz q u ente n ã o a t u rã o h u m
a n n o s e m corru pçã o .
Para as partes de Chaves, e da Vil lariça se col h e a b u n d a n cia d e a z e i t e , d e q u e
extra h e m o s caste l h a n os gra n d e p o r ç ã o ; ass i m como ta m b e m d e v i n h os. Na V i l lariça se
co l h e o c a n e m o em a b u n d a n c i a ; e estes campos são h u ma p l a n i c i e naturalissima a tod o
o gen ero de prod u cçoens.
C o m o n ã o t e n h o huma i d éa ta l da p rovi n c i a d e Tras os Mo ntes que possa dar
hum mapa perfeito das suas p rod ucçoens, o q u e prometto fazer para a p erfe i çoar esta
m e m o r i a , q u a n d o me reco l h e r a e l l a , restringir-me-ei tão s ó m e nte a d a - l o do conce l h o
d e Chaves . Visto q u e este h é dos mais ferteis da p rov i n c i a ; e d ' e l l e se p ó d e t i ra r h u m a
i d éa para o m a i s resto d ' e l l a .

CA P I T U L L O 1 4

Do concel h o de Chaves

o co n ce l ll o de Chaves c o n f i n a pela parte do n o rte c o m G a l i za , e co n ce l h o d e


M o n fo rte d e R 1 o Livre; a o oriente c o m o d e M i ra n d e l l a , Lamas d 'Orel h a m e Agoas Revés;
a o m e i o d i a com o d e Villa Pouca; e a o occi d ente com o d e Montal egre. Contem v i nte
q u a tro l egoas de terre n o q u a d ra d o ; e por isso póde co n c i d erar-se em figura d ' h u m
q u a d ri l atro. l n volve trez gra n d es monta n has, d e q u e s a h e m cadeias d e montes, q u e s e
entrelação; d e i x a n d o en tre si va l l es, e ca m p os ca pazes de toda a p ro d u cção.
Te m mais de trez mil nascentes de agoas; e a lgu ns tão a b u n da ntes, que fo rmão
regatos ca pazes de fazer a n dar m o i n h os. H é travessa d o pelo Ta m ega o b l i q u a m ente, e se
fosse e m l i n ha recta seria para l e l l o a os l a d os do conce l h o. O n u m e ro dos m o ra d o res
extra h i d o d os l ivros da siza h é d e 7 1 1 8 .
Regu l l a n d o pois os a n n os ord i nariamente pela n ot i cias dos ren d e i ros, e suj e i tos
i n t e l l i gen tes de q u e se averiguou o passive i , póde fo rmar-se o segu i n te m a p a , e m q u e se
d e i xão ver as suas p ro d u cçoens, colh e ita , extracçã o , preço, etc.

384

� M A PA DAS P R I N C I PAES PRO D U CÇOENS D O CONÇELHO DE CHAVES, COLHEITA, PREÇO, E EXTRACÇÃO DAS MESMAS,
C OM A ENTRADA E SAH I D A DO DI NHEIRO E SUAS CA U ZA S

PREÇOS SOMMA D O S OM M A D O S OM M A D A
PRODUCÇOENS C O L H E I TA CONSUMMO EXTRAC Ç Ã O
I ORDINARIOS E M P O RT E CONSUMMO EXTRAC Ç Ã O

20.000 400 8.000.000 1 2 .000 4.800.000 8 . 000 3 . 200.000

24.000 320 7. 6 80.000 1 6.000 5. 1 20.000 8 . 000 2 . 560.000 c


J::
Vl Vl Vl )>
w 6 5 0.000 240 1 5 6.000.000 w 600.000 1 44.000.000 w 50.000 1 2.000.000 o
� "' �
w w w r;::
::> - n
::> 1 4 0.000 200 2 8 . 000.000 ::> 1 40.000 2 8.000.000 ::0
o o o .(')
-' -' -' )>,
<( 1 8.000 360 6.480.000 <( 1 8 .000 6.480.000 c( o
o
"'

1 .600.000 70 1 1 2.000.000 1 . 600.000 1 1 2.000.000 - .....


::0
)>.
l/)
60.000.000 80 4.800.000 30.000 2.400.000 30.000 2 .400.000 6
l/)
i::
o
2
Seda .. ................................................... I f 8 84.000 6 7 2.000 8 6 72.000 51
- 25
9.000 3 . 2 00 2 8 .800.000 Vl 9.000 2 8 . 800.000 Vl ::0
c( c( o
"' "' - l/)
o "'·
"" ························· ························ .. .. . . I 1 20 9.600 1 . 1 5 2 .000 1 20 1 . 1 5 2 . 000 o
"' "' )>
"' "' 2
c( - .....
�I 4.000 300 1 .2 00.000 c( 4.000 1 . 2 00.000 o
2
õ
Lam ... . . . . . . . . . . . ... . . . . . .. . . . . . . . .. ... . . . . . . . . . . . . . . . .. I I 1 . 500 2 .000 3 .000.000 500 1 .000.000 1 .000 2.000.000 o
"'
l/)
)>.
I I

1 6.000 2.400 3 8 .400.000 1 2 .000 2 8 . 800.000 � 4.000 9.600.000

11 2 2 0.000 500 1 1 0.000.000


i1 1 90.000 9 5.000.000 � I 3 0.000 1 5.000.000

- -
w I Totalidade . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . 1 5 0 6 . 1 84.000 457.55 2.000 I 48.632.000
CX>
V1
FERNANDO DE SOUSA

E N T R A D A D O DI N H E I RO PA R A O C O N C E L H O

C A U ZAS D ' E L LA SOM MA

Extracção dos pro d uctos ............ ....................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................. 4 8 . 6 3 2 .000

Soldos para a tropa ..................... ..................... . 60.000.000

M u n içoens de boca da tro pa .............. . 3 2 . 000.000

D i reitos d ' a l fa n d ega . 3 . 600.000

Despezas das esta l lages .................... . 8 . 000.000

Cazaes de fo ra ....... . 8 . 000.000

Despezas dos m i l itares de fora 1 0.000.000

Exportação da courama 2 . 000.000

[Totalidade] ........................ . 1 72.2 32.000

386
Ufv!A DESCR IÇÃO DE TRÁS-OS-MONTES POR JOSÉ ANTÓNIO DE SA

SA H I D A D O D I N H E I RO PA R A FO R A DO C O N C E L H O

C A U ZA S D ' E LLA S O M M A

A l fa n d ega 4 .600.000

Ta baco ........................................... . 7.400.000

Siza . . .... . . ................. ............................... . 5.000.000

Decima ................... . 5 .000.000

S u b s i d i o l i tterario ................................. .... ................... . 1 .600.000

Rea l d 'agoa . . ..................... . 600.000

Sabão ............................. ........................................... . 2 .000.000

B u l i a da Cruzada ................................ .................................. . . 800.000

Abbadias 4 4 0.000.000

Foros d o A l m oxarifado 4.000.000

Do Sarnache .......................... ..................... . 1 2 0.000

De T resminas 60.000

Re ndas da Mitra ................... . 3 . 700.000

Patri arch a l ............................................. ...................... . 2 . 700.000

Commenda de Moreira 4 .000.000

Calvão ........................................... ............................... ................................... . 1 .600.000

Carrazeda ............................. . 2.000.000

Nogu e i ra 200.000

Santa Leocadia . . 700.000

São Tyago . . . ................ . 3 . 5 00.000

Rio To rto .. 2 .600.000

S. João d e Cu rveira 2 .000.000

Parte da d e Santa J u sta. pertencente ao concel ho 1 60.000

Fazendas. de I a m estra ngeiras ....... . 30.000.000

Faze ndas do Reino ....... ... ....... ...... . 6.000.000

Para G a l iza. por ga do. pão etc. 9.000.000

Baca l h a o . assucar. a rroz, q u e ijo, etc. 1 8.000.000

Faze ndas d e seda, ga loens, etc.. do Rei n o .... 6.000.000

387
FER NANDO DE SOUSA

CA P I T U L L O 1 5

S o b re o s m et h o d o s , q u e uzão o s l av ra d o re s
n a p rov i n d a d e Tras o s M o nt e s

Os lavra d o res d e Tras os M o n tes g u i a d o s só p o r h u ma practica a ntiga dos seus


m a i ores, desco n hecem todos os bons m ethodos d e agricultar a s terras. E u d o u s o b re i sto
h u ma i d éa gera l , q u a l p u d e a d q u i ri r pelas averiguaçoens proprias, e n oticias dos m e u s
co rresp o n d e ntes; e n tre os q u a es t e n h o d evi d o m u i to a Luiz Ca eta n o d e Ca mpos, natural
d e Chaves, suj eito d i g n o d e est i mar-se, p e l o seu ta l ento, p ro b i d a d e , e h o n ra .

CA P I T U L L O 1 6

S o b re a s terra s i n c u l ta s , com o a s agri c u l t ã o ,


e a e s c o l h a q u e fazem d ' e l l a s

Começa n d o a fa l l a r d a s terras i n cu ltas, d e q u e tanto a b u n d a a p rovi n c i a , h u mas


s ã o altas, e e m m o n t e s , o utras baixas, e e m p l a n os , e c o m d i ffere ntes d e cl i n a ço e n s .
A m a i o r parte d a s b a i xas tem o terre n o m a i s a perta d o , e as a l tas m a i s solto . S ã o d e cores
d i ffere ntes con forme a sua natu reza d e argi l l a , cal, etc. , o u m i xtos; porem o rd i n a r i a m e n t e
a c o r d a s a l tas h é averm e l h a d a , e d a s b a i xa s p r e t a . P ro d u z e m m a tto e e rvas i n u t e i s .
O matto h é mais natural nos m o ntes, a erva n os p l a n os; q u a n d o q u erem agri culta r estas
te rras q u e i m ã o o monte, d e p o i s com a e n xada tirão as raizes, e sem methodo; p o rq u e
como i g n o rã o as charruas, n ã o podem b e m p e n etrar h u m a terra b rava .

CA P I T U L L O 1 7

S o b re o s estr u m es

Os estrumes, e m i sturas d e terras, couza tão esse ncial para a fert i l i d a d e , estã o
s e m ord e m na prov i n ci a . Uzão de estrumes das cava l lariças, c u rraes, ga d o , e de l a m a ;
a dvert i n d o q u e n ã o se cançã o e m co n h ecer q u a l h é o mais p ro p r i o a este. o u a q u e l l e
terre n o , e a dvers i d a d e d e p rod u cçoens i n t e i ra m ente i g n o rã o a m i st u ra d a s a rgi llas, c a l ,
gre d a , c i n zas, etc; n e m sobre isto fazem a m i n i ma experi e n c i a .
Adverti n d o q u e há e m d i versas partes m u i tos ba rros, e d e exce l l e nte q u a l i da d e ,
e d i versas cores, cuja profu n d i da d e sem pre h é a m enos d e o i to p éz. Para os a l h os, uzão
algumas vezes d e cinza, e para os outros s i m i l h a n tes prod u ctos; d e baga çã o uzão para
as v i n has só; p r i n c i p a l m e nte terra de l o m b a d a .
D e t o d a a q u a l i da d e d e matto, mas p r i n c i p a l mente d e tôj o fo rmão os l avra d o res
os estrumes; depois d e corta d o , o poem n os ca m i n h os p u b l i cos, para que sej a pizado, e
q uazi sem pre de pla ntas seccas. Não uzão do meth o d o de estrumar as terras com as
plantas produzidas n o mesmo terreno, enterrand o-as a ntes d e florecere m . Nem o bservão
p ro p o rçã o na q ua n t i d a d e , mas estrumão co n forme o esterco que tem; p o rq u e a fa l ta d e
ga dos faz com q u e haja m u i to p o u cos estrumes. Algumas semanas a ntes d e s e m eare m
o rd i na r i a m e nte hé q u e cost um ão estru mar, espa l h ã o l ogo o s estercos, e só p o r fa lta d e
t e m p o h é q u e o s t e m e m montã o n a s terras. Porem n 'algu mas partes os d e m o rã o

388
UMA DESCRIÇÃO DE TRÃS-OS-MONTES POR JOSÉ ANTÓNIO DE SÃ

ta m b e m m u i to de mais. Ta mbem os m esmos estrumes dos a n i maes sã o m istu rados com


p l a ntas re d uzidas a p u trefação. N ã o observão regra a l guma n a preparação dos estr u m es ;
n e m os s a b e m a p p l i ca r c o n fo r m e a q u a l i d a d e d a s terras, e d o s d iversos t e m p os.

CA P I T U L L O 1 8

Da l av o u ra ; p r i n c i p a l m e n t e d o grã o

Os i n st r u m e ntos, d e q u e uzão para l avrar as terras s ã o m u ito i m p er feitos e


i n ca pazes d e se o bter a ferti l i d a d e , para q u e são d esti n a d os.
os arados sã o d e f i g u ra conica e a t h é o meio tem p o u co mais d e grossu ra d e
q u atro p o l egadas; o s quaes, q u a n d o m u ito pen etrão d oze p o l ega das d e n tro nas terras.
Nas terras d e trigo, centei o, cevada, lavrão deixa n do-as em rêgos, os q uaes estão separa d os
com p o u c a d i fferença de pé e m e i o . M a i s de trez partes f i cã o sem l h e chegar o ara d o .
P o r e m a travess a n d o d u a s o u t r e z vezes a t e r r a ; a i n d a certa m e n t e s e p ó d e j u l ga r
h u m a parte i m m ovel . D e p o i s d e ararem as terras, uzão da gra d e , a q u a l h é i gu a l m en t e
d e fectuoza : visto q u e os seus d entes o rd i nariamente são d e pao, cu rtos, red o n dos, e m a l
o rd e n a d os; e só serve p a r a a rrazar a terra . S ó e m dous l ugares d o conce l h o d e Chaves m e
consta q u e u z e m d e charruas; p o r e m h é rarissimas vezes; a largu ra das sua ro das h é d e
vinte pol egadas, s ã o grossas, e c o m d o u s b u racos.
Ta m b e m costu m ã o t ra ba l har com enxadas, p ri n c i pa l m e nte as v i n h a s . Estas são
pouco mais, o u m e n os d e s i n co p o l egadas de largu ra , e seis d e compri m e nto, e os ca b os
de trinta. Os a n i maes d e q u e uzão para lavo u ra são bois e vacas J U ngidos, e a p ertados
pelas p ontas. Os carros são m u ito peza d os, e se podião fazer com metade d e m a d e i r a ,
q u e e m p regã o ; e se evitava h u ma trotacçã o t ã o e n o r m e como fazem .
Nas s e m e n t e i ra s n ã o se obse rva regra a l g u m a , n e m n o preparo d a s s e m e ntes,
e esco l h a d e terras, e tempo. A s e m e n t e i ra d o trigo, cente i o , ceva d a h é e m Sete m b ro,
e Outu b ro . A d o milho e m A b r i l , e Mayo. Porem n 'algumas terras frias semeão t ogo q u e
col h e m . N ' a l gumas terras cost u m ã o s e m p re semear o mesmo todos o s a n n os; o utras
desca nção, e só se semeão a lternativa m ente. Algumas o utras e m hum a n n o , p rod uzem
p a m , e e m o utro m i l h o , d e s ca n ça n d o desde j u n h o , que s e faz a c e i fa , athé A b r i l
segui nte, e m q u e s e semeia o m i l h o , e n o Agosto e Sete m b ro , e m q u e s e co l h e o m i l h o
i m m e d i a ta m e n t e se s e m e i a o pa m , p o rq u e a terra fi ca p re p a ra d a . U z ã o m u i to p o u co
de regas; ta m b e m há fa ltas de agoas; e em m u itas partes p o r p o u ca d i recção e m á o
meth o d o n ã o regã o os p red i os . Estas agoas, c o m q u e se rega , o u sã o e m poçadas, o u
corredias. Aon d e se e m poça , ordinari a m e n te regã o d e m a n h ã o u d e noite. A corre d i a , s e
h é p u b l i ca , se d i v i d e nas a l d êas pelos lavra d ores, e cada h u m rega q u a nto l h e p e r t e n c e .
A s terras, a ntes d e se semeare m , costumão-se lavrar d u a s vezes o rdi naria mente, excepto
as d esti nadas para o l i n h o , q u e estas são mais. As terras p roduzem e m p ro p o rção ao q u e
se s e m e i a c o m d i vers i d a d e , con forme as s u a s q u a l i da des: porem o rd i n ar i a m e n t e e m
trigo, e ce n t e i o h u m a l q u e i re d e s em en t eira n ove a t h é d e z d e colh eita; n o m i l h o h u m dá
duzentos. N o l i n h o h é mesma a colheita, q u e a semea d u ra .
Os trigos semeã o-se ordinaria m en t e e m terren os a pertados, e seccos, a lgumas
vezes cost u m ã o regar os s e ro d i os , m a s h é c o m rari d a d e . M u i tas vezes s e cost u m a
m o n dar; p o re m n ã o h é c o m m u ita fre q u e n ci a . A s ordinarias e n ferm i d a d es, q u e p a d e ce m
os paens sã o , o u seccarem p e l a fa lta d e c h u v a , o u s e n d o a s terras p l a n a s a p o d recerem
com a d e maziada agoa. As diversas ervas, que nascem com o pam o i n q u i n ã o m u itas
vezes, de fo rma que f i ca d e m á q u a l i da d e , e isto s u ccede e m m u itas partes.

389
FERNANDO DE SOUSA

CA P I T U L L O 1 9

Dos l i nhos

A terra dest i n a d a para os l i n hos h é a perta d a e rega d i a , lavra-se quatro o u s i n co


vezes; e a f i m de f i ca r b e m d esfe i ta , e p l a n a se agra d a e engassa m u ito m i u da m ente,
d e p o i s d e esterca d a . o tempo da semente i ra h é Mayo; d e p o i s d e nasci d o q u i nze d i a s
m o n da-se, o q u e se faz mais d u as vezes. Sega -se d a h i a h u m mez com p o u ca d i ffere n ça ;
cuj o tra b a l h o se re pete. Arra n ca-se quando se j u lga quazi madu ro o q u e tarda d o u s mezes.
Antes d e a b r i r a baga n h a fo rmão-se huns fe ixes, e se e n terrão com a m esma
baga n h a p o r trez o u q u atro dias. Depois d ' i sto ri passe e m huma taboa com d e ntes de
p á o , e a partada a baga n ha se poem a o s o l , e depois d e abrir d e i xa s a h i r a l i n h aça, de
que a se para o vento, e depois se passa p o r crivos. Para curtir o l i n h o , o u i sto se faz em
rios, o u e m póços forma d os d e fontes ou pequenos regatos.
Nos rios se gasta o t e m p o a c u r t i r, conform e e l l e corre mais, o u m e n os forte; mas
ord i nariamente h é s i n co dias , e dobrado se gasta nas agoas e m p oçadas. D e p o i s d i sto
fazem h uns m o l hos, q u e p o e m ao sol. Segue-se o pizare m - n o m u ito com h u n s ci l i n d ros
de páo que tem s i n co p o l egadas d e d i a m etro, e d oze athé q uatorze d e com p r i d o . D e p o i s
o macerão m u i to n a s m a o n s , p a ra l h e fazer s a h i r a m a i o r parte d a s a restas . Pass a - s e
a espadas, o que hé na segu i nte forma. Pega-se em h u ma porção de meio arratel, segurada
por h u m a das extre m i d a d es contra o b o rd o s u p e r i o r d ' h u m cort i ç o . O rest o , q u e f i ca
p e n d e n t e , se bate com h u m i n strumento de páo, a q u e chamão espa d e l l a . chato d o
co m p r i m e nto da m a ça c o m a largura d e quatro athé seis pol egadas, term i n a co m o faca
quazi em fio. Passa d e p o i s a ser sedado tantas vezes , q u a ntas se q u er m a i s , o u m e n o s
f i n o . Costu m ã o c u r a r o l i n h o e m mea das; mas isto n ã o faz q u e d e p o i s se não c u re e m
p e ça d e p o i s tecido; o q u e o fáz m a i s forte, e d u ráve l .

CA P I T U L L O 2 0

Das vinhas

A agri cultura d a s v i n has consiste n a cava e póda. Costu m ã o podar-se d es d e


Deze m b ro , athé M a r ç o nas terras q u e n tes, nas frias e m M a r ç o . Cava -se a p ri m e i ra v e z e m
Abri l , e Mayo; p o re m h é i rregu lar, conforme o s terre n os n a s terras fo rtes. Cavasse d e p o i s
q u e a u v a s a h i o da flor q u e h é e m j u n h o, nas o utras h é em Abri l . n os va l l es escavasse
sem pre; n os d e c l i ves, só a uva , a q u e cha m ã o m e ra n ça n , e a segu n d a , q u e e m a l g u m a s
partes tha mão a red ra e m j u l h o e Agosto. N o f i m d e Sete m b ro p r i n cí p i os d e Outu b ro ,
t e m p o e m q u e as uvas estão m a d u ras, l a n ção-nas n ' h u mas partes e m t i nas, n 'o u tras e m
lagares e a h i s ã o p iza das p o r h o m e n s d escal ços. N o conce l h o d e Chaves s ã o p iza das n os
lagares p o r v i nte trez h o ras s u cessivas. D e i xã o -as algumas h o ras athé l eva ntar todo o
bagaço e a b rem h um b u raco n o fu n d o por d o n d e sahe o v i n h o q u e e n cu bã o . Segue-se
a co m p ressã o d o bagaço por h u m a trave , d e q u e está p e n d e n t e h u m a p e d ra m u i t o
p i zada q u e pezará o rd i nariamente trin ta arro bas.
Os toneis tem em diversas partes d i fferentes gra n d ezas. Em varias partes costuma
tol dar-se com o trovão para o q u e n ã o uzão d e rem e d i a a l g u m . E ta m b e m o ca l o r o faz
v i n agre; e i sto a l g u n s o evitão p o n d o ra m a das d iante das a d egas para fazer s o m b r a .

390
UMA DESCRIÇÃO DE TRÁS-OS-MONTES POR jOSE ANTÓNIO DE SÁ

O fa brico do v i n h o hé de d i versos m odos, o ord i nario hé o v i n h o m a d u ro estar nas


t i n a s athé acabar d e ferver, começa este a ferver às v i n te q u atro h o ras, e e m todo o
t e m p o da fervu ra se p iza para q u e ba ixe o bagaço. O verd e a os trez dias ferve , se l a n ça
logo nas cubas. Para reformar e m u l t i p l i car as vin has, uzã o de l a n çar cepas de ca beça;
i sto h é mergu l har a cepa e m h u m a gra n d e cova , e a h i l a n çã o o o rd i nario q uatro varas, e
costuma isto ser l ogo q u e ca h e a fol h a athé Março , as q uaes no mesmo a n n o d ã o uvas.

CA P I T U L L O 2 1

D a s O l i ve i ra s

A s o l ivei ras cri a m -se n o m e l h o r terre n o , costu mão pla ntar-se d e esta cas grossas;
n o tempo d ' i nvern o . Em a lgumas partes as lavrã o todos os a n n os, o u a o m e n os d e d o u s
e m d o u s . Cost u m ã o t i rar os ra mos seccos e l i m pa - las. Na varej a da azeito n a se d estro e m
m u itas vezes varas d e o l ive i ra s exce l l entes. A s o l iveiras, n e m d ã o igu a l m ente azeitona
todos os a n n os. Carregã o m u ito e m hum, e que chamão safra , e n o segu i nte d ã o m u ito
pouco. As azeitonas verdeaes carregão; porem algumas vezes faltão de todo. As aza m b ujas
produzem mais azeite que todas, e costumão carregar m u i to; p o re m como são m uito
m e u da s não são tã o boas; e por isso d e todos prefere m os e n xertos. A s e i fa d o azeite
d u ra d e s d e Feverei ro athé Mayo . Cost u m ã o a pa n har a azeito n a m u l h e res que ga n h ã o
4 0 reis; o s h o m e n s q u e varej ã o ga n h ã o 8 0 reis. O m o d o d e fa bricar o azeite h é c o m p o u ca
d i ffere n ça das mais partes de Portuga l .

CA P I T U L L O 2 2

D o s casta n h e i ro s

Os ca sta n h e i ros produzem-se e m toda a terra ; e p o r isso s e p l a ntão n a p e i o r.


Por m e i o d e l l e s q uazi n u n ca se semêia nada; porque pla n ta d os em terra só propria
d ' e l l es, são p rej u d i ciaes a o utro ren ovo. Costu mão-se l avrar estas terras ord i nari a m e n t e
c a d a d o u s a n n os . L i m pã o-os dos esga l h os i n uteis, d e q u e u z ã o para o fogo. Cost u m ã o
ta m b e m e n xerta - l os . Co rtã o as s u a s m a d e i ras e m a l g u m a s partes nos m i ngua ntes das
luas d e j a n e i ro , e Agosto, a s q ua es t e m hum uzo m u ito gra n d e para os c a rp i n t e i ros.
Os o u ri ços e fol has servem para estru mes n 'algumas partes.

CA P I T U L L O 23

D a s a m o re i ra s

As a m oreiras b ra n ca s são n a p rov i n cia e m m u ito pouca q u a n t i d a d e ; p o rq u e a i n d a


estã o n o a b uzo d e q u e n ã o são boas. Das pretas h é q u e mais s e serve m . Com t u d o e m
o d estricto d e M i ra n d e l l a hà algumas bran cas q u e costu mão semear e d e p o i s p l a n tar;
pelo contrario as pretas n u nca se semeão, mas só se pla ntã o , não as enxertã o , n e m

391
FER NANDO DE SOUSA

fazem alguma o utra agri cultura , excepto o l i m pa-las d'algum esga l h o secco. Costu m ã o
co l h e r a fol h a d e m a n h ã ; mas d e p o i s d o sol para as e n xugar d o orva l h o da noite porq u e
a l i á s s ã o n o civas a o s i rgo. E x a q u i porq u e q u a n d o ch ove col h e m só a m u ita p reciza, q u e
igua l m e n t e enxugão.

CA P I T U L L O 2 4

D a s a rvo re s s i l v e s t r e s

Há a b u n d a n cia d e arvores si lvestres, q u e se produzem sem cultura com o chôpos,


n egri l h os , carva l h os, s o b re i ros etc. Algumas são p l a ntadas, o u tras p ro d uzem-se d e si
m e s m o . Alguns são p rox i m os a os ca m i n h os, outros estã o e m m o ntes, serve m para
m a d e i ras, e algumas fol has a p p l i cã o os lavra d o res para o sustento dos p o rcos. E d 'estas
se fazem l enhas, e p r i n c i pa l m ente d o carva l h o .

CA P I T U L L O 2 5

D o s pa sto s

Na p rov i n cia o s pastos s ã o m u i to ma os; p o r n ã o s a b erem o s meth o d os d e o s


a perfe i ç oar, e s e acham s e m a l g u m gen ero d e p o l i c i a . A s ervas n ã o sã o d e b o a q u a l i d a d e ,
p o r estarem m i st u radas c o m J U n cos, e outras s e m e l h a ntes, q u e d estro e m a sua b o n d a d e .
Descon h e c e m o s p ra d os artifficiaes. Isto m u ito p r i n c i pa l m ente se observa n os b a l d i os ,
q u e s e n d o a l i á s terras exce l l entes para produzir p a m , se a c h ã o n ' h u m de sam paro tota l
de agri cultura , a i n d a para os mesmos pastos. Há a lguns pra d os, q u e se p o d e m d ' a l g u m a
forma d izer artificiaes, a q u e se c h a m ã o l a m e i ros. S e m e ã o - s e e l h e fazem passar as
a g o a s para os regare m . C o r tã o - o s duas o u trez vezes e m verd e ; e por fim o c o l h e m
secco para fen o . Tem d i fferentes q u a l idades d 'erva a m e l h o r h é a q u e ch a m a m m o l a r.

C A P I T U L L O 2 6

D o s ga d o s

A agricultura pecuari a , parte t ã o i n teressante, s e acha na p rovi ncia igua l m ente


sem perfe i çã o a l g u m a . N ã o o bstante haver toda a qualidade d e gados, há m u i to p o u cos
p o r fa lta d e pastos, nem os lavra d o res tem re b a n h o s e m proporção as terras, que pos­
suem; para o que ta m b e m con corre a sua gra n d e , e n otavel i m perici a . Alguns lavra d o res
são tã o p o b res, que nem tem os bois, com que lavrã o d e seu , mas os tomão d e renda
p o r certa porção d e pam. Os carn e i ros, e ovelhas pastã o nos m ontes. Os bois, e vacas
pastã o n o verã o , e n o i n verno com e m palha e fen o . D e cava l l os, égoas, machos, h á m u ito
p o u co . Os ga d os cost um ão p a d e cer va rias e n ferm i d a d es, principa l m ente t i n h a e bexigas,
e q u azi nada s a b e m s o b re os re m e d i os p a ra os curarem. Nem das ove l h a s e n fe r m a s
costu m ã o a p rove itar a lãa.
Há p o u cos l e ites, q uazi nada d ' i nverno, e mesmo d e verã o , e m Braga n ça , e varias
partes, h é precizo m u itas vezes e m pe n h os para se consegui r; por se ve n d e r p o u c a s
vezes. Q u e ij os ta m b e m s e fa z e m m u ito p o u co s , e t u d o p o r fa lta d e p a stos , e m á
q u a l i d a d e das ervas. Há p o u cas mante i gas, ig n orã o os bons m ethodos d e as fazere m .

392
UMA DESCR IÇÃO DE TRÁS-OS-MONTES POR JOSÉ A NTONIO DE SÃ

CA P I T U L L O 2 7

Das abelhas

o s lavra d o res ta m b e m uzão p o u co d e a belhas. para o q u e con corre s e r o paiz


sogeito a i n vernos rigorosos e m que m o rre m u i ta q u a ntidade; com t u d o e m partes são
s o l i citas e m conservar os enxames. q u e reco l h e m ord i naria m e nte e m j u n h o . Cost u m ã o
em j u n h o ti rar o m e l c o m h u m i nstru mento de ferro propri o para isso . Os cortiços s ã o
ci l i n d ri cos d e 8 , a t h é 1 O p o l egadas d e d i a m etro; com 2 o u 3 p é z d e a l t u ra . A fa lta d e
sustento aco m m ette as a belhas p ri n ci p a l m e n te d ' i n verno rigorozo , e m u itas vezes l hes
d ã o mel. para que n ã o pereção.
Antes de d i z e r a s c a u z a s . q u e tem o bsta d o a o p rogresso d 'a gri c u l t u ra e m
Tras os Montes. e o proj ecto para a sua reforma. parece-me congruente indicar o q u e o bservei
no m o nte d e M ontezi n h o ; q u e no paiz cha mão das Agussa d e i ras. no dia 25 de Setem b ro
de 1 78 0 , e em Montezi nho no lugar de Fra n ça, e na villa de Chaci m o achar-me com bastante
m o l estia m otivou n ã o fazer huma observaçã o mais perfeita; o que a i n d a p rottesto.

CA P I T U L L O 2 8

O b s e r va çã o d o m o nte d e M o nt e z i n h o

Quatro l egoas a o occidente d e Braga n ça . está situa d o o monte d e M o ntezi n h o ,


con f i n a n d o p e l o m e i o dia c o m Cova de L u a ; e p e l o n o rte c o m o l ugar d e M ontezi n h o .
prox i m o a raya . Pod e m os considera - l o c o m o tronco. e m q u e s e u n e h u ma cadêa d e
m o ntes. o s q u a es e m d i versas partes fazem h u m a figura d e circu l o , e o s ra i os sã o c o m o
l i n has. q u e servem d e p o n to a a n gu l os o btuzos, e c o n t e m n o fu n d o h u m p e q u e n o va l l e .
Estes m o n tes p o d e m concid erar-se b e m c o m o h u m a a rvore com s e u s ra m o s , t e n d o
figu ra i rregu lar, visto q u e h u ns fazem c o m o q u e se concid era com o tronco. h u m a n g u l o
re cto. o utro a g u d o . outro obtuzo; h u n s m a i s a ltos. outros m a i s baixos. h un s d e p ressos.
outros c o m p ressas. e agudos etc. fazen d o huma vista u n d u lar.
Começa n d o p o r Cova de Lua a o bserva ção. a assa d u ra principal do mo n te h é d e
p e d ras schistozas con t i n uadas. cujas l a m inas estã o e m d i versos ban cos c o m d i ffere n t e
s i t u a ç ã o . h u mas e m figura perpendicu lar. o utras h o rizonta l , o utras o b l i q u a mente. Estas
l a m i n a s dos sch istos estã o n ' h u n s com h u m a u n i ã o mais fo rte. n 'outros se despegã o com
s u m m a faci l i d a d e . A su perficie h é m u i to l iza . facil ita a reflexão dos ra ios d o s o l , e faz a o
l o n ge h u ma vista agradave l . Depois p o r e m m u d a o monte d e Ova d u ra , consta n d o d e
gra ndes ban cos d e cantarias. d o n d e se conduzem para diversas partes para o o rnato d o s
edi fici os; p e l o c h ã o se achão cahidas m u itas pedras a renatas; e q u artzos.
As suas pla ntas são carq ueij a , u rzes. matto. hé m u ito fragozo. e por isso d i ffici l i m o
para a agri cultura. Este m onte h é meta l ico. e i n volve a b u n d a n tissimas m i nas d e ferro
m u ito ricas. H u ma legoa dista nte de Cova d e Lua, no ca m i n h o do m onte, s e achã o m u itos
boccados d e m i n a d e ferro c a h i dos; p ezados e riqu issimos. Pode servi r d e s i g n a l h u ma
cantaria gra n d e q u e s a h e da parte de sima do monte. i n cl i nada para o cam i n h o . e n o
chão a h i mesmo s e achão duas. h u m a p l a n a . outra d e figu ra q uazi ova l .
N ã o p u d e desco b r i r a m i n a por h i r c o m bastante m o l estia. q u e a ugme ntava a
activi dade do s o l , e o matto hé m u ito espesso, q u e com basta nte tra b a l h o se pen etra.

393
FER NANDO DE SOUSA

Este m o n t e fo i e m o u tro t e m p o t ra b a l h a d o c o m m u ita d e l i ge n ci a ; p o rq u e


p ersci n d i n d o d a firme tra d i çã o da q u e l l es p ovos, observo vestigios fieis d 'esta verd a d e ,
p o r q u a nto e m d i versas partes d o m o nte se co n h ece t e r e m a l i i os a ntigos offici n a s a o n d e
tra b a l havã o m u itos metaes. V ê m - s e gra n d e m o ntoens d ' escorias, q u e attestão isto
m e s m o , como se o bserva em a b u n da n cia j u nto a h uma p e q u e n a fonte, q u e se e n co n tra
n a passagem d o Sa b o r, no mesmo r i o , e em d i versas outras partes.
Antes de chegar ás pedras de ferro, que se achão cahidas no ca m i n h o , 200 passos
p o u co m a i s , o u m e n os , n ' h u m decl ive do m o nte co m a face para o nasce n t e , se acha
hum fosso deba ixo da terra , que tem pequena p rofu n d i d a d e , p o re m gra n d e exten ç ã o .
Pela p a r t e exteri o r está cuberto d e matto m u ito espesso, e p o r i s s o faci l m ente s e n ã o v ê ,
mas p o d e m s e r v i r de signa l , para se co n h e cer h u mas fragas gra ndes d e ca ntaria e m l i n h a
recta , para a parte esq u e rda o l h a n d o a o nascente.
A e n trada h é m u ito estreita, apenas cabe hum h o m e m , e h é n o pri n c i p i o do
mesmo fosso; a descida h é p e q u e n a , d e vara e meia d 'a ltura e logo se poem os péz em
terra firme. Entrei d entro e m compa n h i a d'hum rustico, que m e i m pedia persu a d i n d o - m e
s e r a q u i l l o caza d ' e n ca ntos, a o n d e n i n g u e m s e atrev i a a e n trar. C o m h u m a l uz , q u e
l evava mos o bservei h u m fô sso gra n d e , q u e m e d i exacta m ente; t i n h a cem p a l m o s d e
c o m p r i d o , 3 5 d e l a rg o , e 1 5 d 'a l t u ra . E l l e fo i e m o utro t e m p o m u i to m a i s d i l a ta d o ,
m a s p e l o d e c u rs o d o s a n n os s e t e m e n t u p i d o p o r ca uza d a s p e d ra s , q u e ca h e m d o s
b a n cos i nternos.
D ' e n t ro se observão o utros dous fô ssos particu lares, hum para a parte e s q u erda
d o o cci dente, que se achava q uazi e n t u p i d o com o tempo; mas pers u a d o - m e , que seria
basta nteme nte comprido. A sua alt ura h é p o u co m e n os d e homem. Pel a parte d e sima
com d i recção para o o r i e n t e , s e acha o utro ta m b e m interno com 1 8 p a l m o s d e l a rgu ra
e 4 d e a l t u ra , ta m b e m se acha e n t u p i d o , pôde conj ectu rar-se que este fô sso hia sa i r a o
Sa b o r d ' a l l i meia l egoa.
A sua figura i nterna h é de a b o b e d a , mas p o u co regu l a r, os b a n cos de p e d ra sã o
d iversos, a b u nda em sch isto, a i n d a q u e externa m ente se não conhece. Te m d e n t ro m u i ta
terra h u m oza , e vegeta l em actual putrefacçã o. Os schistos estão postos h o rizonta l m ente,
e a s l a m i n a s s e d es p e gã o com faci l i d a d e , p ri n c i pa l m e n t e n o i n vern o ; razã o por q u e
co m o t e m p o s e v i rá a e n t u p i r. Te m ca ntaria e m ba n co s , e a l g u m a m u i to p e za d a , e
res p l a n decente de cor cinzenta.
Este fô sso h é d e p rezu m i r, que seria m a n u factura dos h omens; a f i m d e executar
a l g u m traba l h o , parti cular n a q u e l l e monte, e os o u tros fô ssos mais p e q u e n os, s e p o d e m
j u lgar c o m o c a n a e s , p o r o n d e q u e r i ã o c o n d u z i r a a g o a d o s r i o s vezi n h os ; e esto u
pers u a d i d o q u e m u i tos destes se acharão n o mesmo monte. Os rusti cos d i z e m , q u e
d este fô sso t i ravã o os m o u ros o u ro p u ro .
1 0 0 passos pouco mais, o u menos e m h u m a volta q u e faz o m o n t e , p a r a a parte
su peri o r á m ã o esq u erda há m u i tos, e gra n d es ban cos de cós novacu/a exce l l ente para
agu çar, de q u e se serve m os barb e i ros de diversas partes; e isto d e o o n o m e a o m onte,
que cha m ã o das Aguss a d e i ras. Os b a n cos tem l i n has e m disposição i rregu lar; h u ma s
fazem a figu ra d e h u m q u a d ra d o , o utras de h u m para l l e l ogra m o , o utras d e tria n g u l o , etc.
E s t e m o n t e he o bJ e c t o de g r a n d e s m u r m u ra ç o e n s e n t r e a q u e l l e s p ó v o s
ci rcu n vezi n h os; ha tra d i çã o , q u e a h i existem varias m i nas d e ch u m b o , esta n h o , ferro,
prata. o certo h e ser m u ito metta l l i co; e que a o bserva çã o fará con h ecer n e l l e bastantes
cousas. A i g n o ra n cia das gentes rusticas l h es faz crer, que a q u e l l e monte h e c h e i o de

394
UMA DESCRIÇÃO DE TRÁS-OS-MONTES POR jOSE ANTONIO DE SÁ

m o u ros e n ca nta d os, q u e se conservão a guardar p reciosos theso u ros; e p o r isso q u e só


h u m l i vro magico, a q u e chamão o tom b o , he capaz de desenca ntar a q u e l las ri q u ezas ,
co m o já tem succe d i d o a m u itas pessoas, q u e n o m e ã o . Cantão varias h isto rias, fa b u l a s
ridiculas, e a n n is.

CA P I T U L LO 2 9

D o l u ga r d e M o n t e z i n h o

E m o baixo d este monte q uasi duas l egoas d e Cova d e Lua está situado o l ugar
de M ontezi n h o hum q uarto d e l egoa d ista nte da raya . Contém 22 morad o res, gente a
mais rusti ca, com q u e t e n h o co m m u n i ca d o . Pasmão, e se a ffligem e m ver gente d a
cidade; p o rq u e j u lgã o q u e l h es vão fazer m a l . H u m h o m e m a q u e m p rocu rava , p a r a d e l i e
s a b e r a l gumas cousas, se esco n d e o a p ressad a m e nte d e n tro em h u m forn o , e n t e n d e n d o
ser j u st i ça para p re n d e l l o.
Este l u g a r a c h a - s e ro d e a d o d e h u m a c a d ê i a d e m o n t e s , e h e m u i t o p o u co
cultiva d o , hé frigi d iss i m o , co l h e m pouco pão. Não tem n e n h u m a s vin has abso l u ta m ente;
as q u e poss u e m , estã o e m o l ugar d e Fra n ça , d i sta nte h u m a l egoa. H e b e m verd a d e , q u e
se sou bessem a arte da agricu ltura , n ã o estarião n a q u e l l a i n d igencia, n e m p recisarião
d ever a o l ugar d e Fra n ça toda a co l h e ita d o seu v i n h o .
Na sa h i da d o l ugar para a parte da raya se a c h ã o m u i tos b a n cos d e cantarias, com
d i versos veios d e larg u ra d e hum dedo, cuja materia h é s u l fu rea. Subi a hum o u t e i ro , a
q u e cha m ã o Lo m b o da M i n a , o q u a l , n ã o o bsta nte ter boa terra , p o u cas fragas, n ã o h e
a bsol uta m ente cultivado; p o d e n d o m u ito b e m s e r plantado de v i n has, o u d e p a m ; s e n d o
p e rg u n ta d os d a c a u s a d o s e u d es c u i d o , res p o n d e m q u e os s e u s m a i o r e s n u n c a o
cul tivarã o , e q u e o m u ito fri o o n ã o permittia.
No alto do monte, aonde se divide Portuga l de Castella, se acha h u m p rofu n d issi mo
fôsso, q u e se conhece ser feito artifici a l m ente; n ã o consta q u e pessoa a l g u m a t e n h a l á
d e s c i d o . Desej ava entrar n e l l e ; mas n ã o h a v i a co m m o d i d a d e , p o r q u e se n e cessitavã o
sari l hos, cordas, etc., d e q u e n ã o h i a p recav i d o .
A b o c a h e em figu ra de para l l e l ogramo, tem de com primento 2 0 pa l m os. As pedras,
que se l a n çava m d e s i m a , m ostravão h u m a p rofu n d i d a d e n o tave l , p o rq u e s e o u v i ã o
ca h i r p o r m u ito t e m p o . Os rusticos affirmão q u e tem mais d e 3 0 varas d e a l t u ra ; e se
pers u a d e m que n o fu n d o ha cazas, e salas, e m que dormião, e h a b itavão os m o u ros, e
q u e a l l i perma n ecem e n ca n ta d os. j u n to a e l l e se acha h u m p e q u e n o fôsso a b e rto h á
p o u cos a n nos com o dest i n o d e averiguar, se existia a l l i a lguma m i n a , q u e deixarão d e
tra balhar n ã o l h e s a h i n d o , se n ã o pedra. N a d a m a i s averiguei e m M o n tezi n h o .

CA P I T U L L O 3 0

D o term o , e l u gar d e Fra n ça

Parti para Fra n ça , e o bservei q u e o ca m i n h o , e a assa d u ra do monte he de p e d ras


sch istosas. Pe l o ca m i n h o s e achão basta ntes p e d ra s r i q u issimas d e esta n h o ; d e n otão
h u m a mina vezi n h a que n ã o pude d esco b r i r p o r cauza da mesma m o l esti a . Mas h e certo
que e m o u tro tempo foi bastante traba l h a d a , e q u e agora se acha e n t u p i d a .

395
FER NA NDO DE SOUSA

Para a parte d i reita, pouca d ista n cia fóra d o ca m i n h o , e m h u m sitio, a q u e


cha m ã o as Covas Altas d e Fra n ça , ha q ua tro fóssos, d os q u a es h u m h e gra n d í ssi m o , e
m a i o r q u e o do Lom b o da M i n a de Montezi n h o , o q u e se con h ece pelas p e d ras, q u e se
/ a n çã o . Te m a b o cc a estre i t a , q u a z i q u a d ra d a , com 1 O p a l m os d e c o m p r i m e n t o :
h e tra d i çã o q u e se com m u n ica a o Sa b o r, q u e co rre a / l i vezi n h o c o m d i sta n cia d e h u m
q uarto d e / egoa. A assa d u ra vez i n h a h e d e p e d ras schistosas.
Tudo isto são signaes evi d e n tes, d e q u anto os a n tigos tra ba l harão estes m o n tes,
d o n d e cond uzião agoa d e partes d i stantes; o que se con h ece a i n da pe l o s diversos regos,
por o n d e corria .
Fra n ça h e h u m l ugar m u ito a m e n o , e a p razíve l , para o q u e concorre estar situ a d o
j u nto a o Sa b o r, a c uj a s m a rgens estã o p l a nta d a s m u itas a rvo res, q u e faz e m s o m b r a s ,
e s í t i o s agradave i s . Te m 3 2 vezi n h os , está s i t u a d a d u a s / egoas d i sta n t e d e B raga n ça ;
h e m u ito cultiva d o , e col h e m u ito v i n h o .
O Sa b o r n a q u e l / e sitio h é riqu íss im o; por q u a nto d a s suas a r ê a s se col h e o u ro
p u ro , d e q u e há p o u cos a n n os se a p rove i t o u h u m s u geito da corte, q u e fez a / l i h u m
tra ba l h o n otave l com basta nte l u cro. E actu a l mente con h eço d o u s p retos, q u e s e n ã o
s u st e n t ã o d e o u t r a s c o u z a m a i s q u e d e procu rar a s a r ê a s d este r i o . A l g u m a s fragas
d ' e l / e sã o de p e d ra s s c h i st o s a s , de q u e s ó a b u n d a m a q u e l / e s s í t i o s ; e e n t r e e / l a s
s e a c h ã o h u m a s ve i a s t e n u e s d e m e ta l , q u e a i n d a n ã o exa m i n e i ; a g e n t e a ff i r m a
s e r e m d e p rata e q u e o m e s m o s u geito d e L i s b o a t i ro u d ' a l l i b a sta n t e . Te m c h e i ro
m u ito s u / fureo, de q u e a b u n d ã o a q u e l l es l ugares.

CA P I T U L L O 3 1

D a v i l l a d e C h ac i m

Chaci m h e h u m a v i l / a s i t u a d a para o occi d e n t e d e B raga n ç a , 6 l egoas d ista n t e ,


n a fa l d a d o m o n t e d e M o n t e m é , para a parte d o nascente. Tem s ó h u m l ugar d e term o ,
q u e h é o dos O l m os , h é governada por j u ízes ord i narios, e pertence a comarca d a Torre
de M o n co rvo. A p ovoação hé de 1 5 0 vezi n h os, e o a b bade tem de re n d i m e n to trez m i l
cruza d os. Esta v i l / a foi s e m p re m u ito i n d ustri oza , c o m o v i m os n o ca p i t u l / o 8 q u a n d o
fa l l a m os d a fa brica d e sedas.
H é m u ito ferti l , prod uz com a b u n dâ n cia trigo, cente i o , m i l h o , fe ij ã o , casta n h a s ,
a z e i t e , o rta l i ça ; h é e m l i n h os a b u n d a n t e . Te m e x ce l l e n tes p o m a res c o m fru ctos d e
d iverso g e n e r o , excepto d e esp i n h o , d e h u m gosto d e l i ca d o . N ' o utro t e m p o n ã o foi ta n to
cultiva d a , mas há 1 2 a n nos a esta parte tem fe ito m a i o r p rogresso.
Este paiz h é m u ito proprio para a creação d e a m ore i ras, pla ntadas d e n tro e m
p o u co a n n os , se fazem arvores gra n des. Faz-se a h i h u m a n otave l crea ção d e s e d a , m a s
a i n d a n ã o h é basta n t e p a r a c o n s u m m i r t o d a a fo l h a , q u e se extra h e para os l u ga re s
circ u m vezi n h os. As pessoas d e b e m tratã o-se com aceio, e civi l i d a d e .
Tem p e r t o o cel e b re hospício d e N ossa S e n h ora d e Balsa m ã o , resp e i tável p e l o
aceyo, e romarias, q u e d e t o d a s as partes vão fazer á q u e l l e l ugar sa n cto.
O m o nte c h a m a d o da Rod é l l a a b u n da e m a m i a nto, asb esto, e se achão n e l l e
r i q u í ss i m a s m i n a s d e sta p e d r a . H u m a , d e q u e extra h i basta n t e p o r çã o , está s i t u a d a

396
UMA DESCRIÇÃO DE TRÃS-OS-MONTES POR JOSÉ A NTÓNIO DE SÃ

logo passa d o o vão de h u m sitio. a q u e cha m ã o do Scre l e d o , no ca m i n h o . q u e va i d e


Para d i n h a para Limoens. p o r sima d o r i o Azivro , d i sta nte h u m a l egoa d e Chaci m para o
nascente, e h u m q uarto d e l egoa de N ossa S e n h ora d e Balsamão. Este m o nte a b u n d a
m u ito e m a l ecri m . E ta m b e m d e l l e h á d i versas fa b u las, d e q u e se pers u a d e m a q u e l l a s
gentes. o m o nte d e M o n t e m é o tem p o r p rod igiozo, e r i q u íssi m o ; e p o r i s s o exist e e n t re
e l l e s o segu i nt e a d a g i o : n o m o n t e d e M o n t e m é a t i rã o os p a stores c o m o u ro a o ga d o ,
e n ã o s a b e m o q u e h é . Tod os estes m o n tes n ecessita m d ' h u m a m a i o r averiguação.
H é sem d u v i d a , q u e a p rov í n cia d e Tras os M o ntes h é m u ito rica e m m i na s de
todo o genero. e q u e a i n daga çã o e estu d o nos seus m o ntes, fará desco b r i r basta ntes
m i n eraes; h u n s j á a b ertos, tra ba l h a d os pelos a ntigos, e o u tros n ovos. N ã o preciza mos d a
h isto ria para conh ecer o u z o da meth a l u rgia n este m o n t e p e l os a n tigos; as escorias e
fra g m e n tos q u e ve m o s n ' e l l es d ã o h u m s i g n a l evi d e n t e d a s o f f i c i n a s . c o m q u e n o s
m e s m o s m o n te s tra b a l h a r ã o os m e t á e s . co m o v i m o s n o c a p i t u l l o 1 1 é 2 8 q u a n d o
fa l l a m o s d o monte d e M o ntezi n h o .
E m 1 6 2 8 s e d e s co b r i a n o l u gar d e Pa ra m i o . d u a s l e g o a s d e B ra g a n ça h u m a
m i n a d e p r a ta t ã o a b u n d a n t e , q u e t i n h a e l r e i o i to a r r o b a s l i vres p a r a a s u a c o r o a .
N o pri n c i p i o d este s e c u l o se ext i n gu i u u m a fá b rica real d e esta n h o p u ríssi m o n o l ugar d e
Bri n h ozi n h o termo da v i l l a d e Bem posta , comarca d e M i ra n d a p o r má d i recçã o .

CA P I T U L L O 3 2

concluzão

E x a q u i pois a d escri p çã o da prov í n cia d e Tras o s M o n tes dada e m gera l , e o m a i s


b reve q u e p u d e , n ã o h é exacta , p o rq u e p e n d e d e viagem e o u tras averiguaçoens, q u e
n ã o t e n h o feito, mas p rottesto a i nda p ro p o l l a a esta res peitavel s o c i e d a d e d e p o i s d e m e
reco l h e r a e l l a .
Como a a gri cultura h é a b a z e fu n d a m ental da r i q u eza dos p ovos da s u a p ovoa ção ,
industria , e polimento. estou certo, q u e sendo ella b e m dirigida n a província d e Tras o s Montes,
fará a sua tota l reforma; p ovoar-se-hão os l ugares, a s gentes se farão ricas, i n d ustriozas.
e p o l i d as; executar-se- h ã o as artes, e se obterá a fe l i ci d a d e d a p roví nci a. Porta n to vou
p ro p o r as c a uzas q u e o bstã o a o p rogresso d ' a g r i c u l t u ra p r i n c i pa l m e n t e a s q u a es
precavidas, a agricultura florecerá em toda a prov í n ci a .

CA P I T U L L O 3 3

Das c a u z a s , q u e o b stã o a o p ro g re s s o d 'a g r i c u l t u ra


e m Tras os M o ntes

A s cauzas, q u e tem obsta do a o a d i a nta m ento d 'agri cultura e m T r a s os M o ntes.


se podem ta m b e m conciderar a lgumas geraes a tod o o Rei n o . Estas pois para m a i o r
cla reza as d i vi d i m os e m m o raes, e e m fizicas. P o r ca uzas m o raes e n t e n d e m o s a q u el l a s ,
q u e o b st ã o m e d iata m e n t e , i s t o h é , q u e n ã o i n f l u e m n a vegeta çã o , m a s p e n d e m d a

397
FERNANDO DE SOUSA

constituiçã o dos lavra d ores, do gen i o , e i n d o l e dos povos do seu governo, com m e rcio, e
a d m i n istração . As fizicas são a q u e l las, q u e o bstã o i m m ed iata mente; isto h é , q u e i n f l u e m
n a vegeta çã o, e nascem da ignorancia da a r t e d'agricu ltar as terras.

As ca u zas m oraes sã o:

1 - o desprezo co m que são o l ha d os os l avra d o res.


2 - A sua est u p i d ez, e ignora n cia.
3 - A sua p o b reza .
4 - Os m u itos b a l d i os e terras i n c u l tas.
5 - Andare m m u i tos p re d i os p o r maons d e arre ndatarios.
6 - A d i fficu l d a d e d os tra nsp ortes, e d o comm ercio.

As cauzas fizicas são:

1 - Uzarem d e i n stru m e ntos i m perfeitos para agricultar a terra .


2 - O b rarem por h u m a s i m p l es rota dos seus mai ores; e p o r isso:
3 - Ignoram a s co m b i n a çoens d e terras, argi l l as, mames, etc.
4 - A fa l ta d e estrum es, e a ignora n cia dos bons estercos .
5 - A fa l ta de regas.
6 - O utras m u itas i m perfeiçoens, que executão na esco l h a das s e m entes nas
sementeiras, e co l h eitas n a m a n u factura dos produ ctos, etc.

CA P I T U L L O 3 4

P roj e cto d e re fo r m a

Desenvolvere i pois estas i d éas p ro p o n d o a o mesmo t e m p o o s ca m i n hos, q u e m e


parecem j u stos a f i m d e constitu i r h u m proj e cto , q u e i n d i q u e a reforma d a prov i n ci a d e
Tras os M o n tes.

Portanto mostrare i :

1 - A gra n d e n e cessi d a d e q u e há d e se viajar a prov i n c i a , a f i m d e a co n h ecer


f i z i c a e m o r a l m e n t e ; p a ra com e x a c t i d ã o p r o p o r o s m e i o s da s u a
reforma.
2 - O res peito, e attenção com q u e deve m ser o l h a d os os lavra d o res.
3 - Os m e i os d e evitar a sua est u p i d ez e ignora n ci a .
4 - Os m e i os d e re m e d i a r a sua p o b reza .
5 - Q u e d evem agri cultar-se os b a l d ios e terras i n cu l tas.
6 - Que s e d evem a c a u t e l l a r os a r re n d a m e n tos d o s p r e d i o s d a m n ozos a
agri cultura.
7 - Q u e se d evem faci l itar os tra nsportes, e commercio. faze n d o n avegaveis
a l g u n s rios.

398
UMA DESCRIÇÃO DE TRÃS-OS-MONTES POR JOSE A NTÓNIO DE SA

Nas ca u zas fizicas m ostrare i :

1 - A n e cessi dade q u e há de se i nstitu i r h u m a academia d 'agri c u l t u r a , q u e


est u d e e proponha o s m e l h ores m eth odos d e agri culta r.
2 - A perfe i ç ã o dos i nstr u mentos, a n e cessi dade das charruas.
3 - A uti l i dade da combinação das terras, da q ualidade das argi las, e marnens, etc.,
a sua i n f l u e n cia n a vegeta ção.
4 - Os b o n s estercos, a sua i n f l u e n ci a n 'agricultura.
5 - A u t i l i d a d e das regas, o methodo d e se obterem.
6 - A boa esco l h a das sementes , os meth odos d e sem ear, colher e o utras mais
couzas, congru entes para a perfeição d 'agricu ltura .

399

Você também pode gostar