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A DIVINA COMÉDIA COMO TEXTO DA CULTURA CRISTÃ À LUZ DA SEMIÓTICA

DA CULTURA DE IÚRI LOTMAN.

A Divina Comédia, considerada um dos maiores clássicos da literatura ocidental,


apresenta, com uma construção poética não antes vista, uma síntese do pensamento medieval.
Nela, Dante Alighieri é o autor-personagem que, ao se perder em uma “selva selvagem”
obtém uma oportunidade anunciada pelo poeta Virgilio de se salvar das feras que o
perseguiam mediante um caminho em que deveria perpassar pelas regiões dos mortos:
inferno, purgatório e paraíso, títulos nos quais sua obra encontra-se dividida.
Então, Dante inicia sua caminhada através dessas regiões nas quais, entre
personagens bíblicos e da antiguidade, o poeta colocou amigos e inimigos políticos com os
quais travava grandes diálogos. Outra característica marcante de sua obra está em suas
imagens, descrições detalhadas de cada ambiente dos três reinos. Dante se utilizou de
personagens e personalidades falecidas até 1300. Seu trabalho apresentou uma nova rima, a
“terza rima”, “que consiste em versos de métrica decassílaba, onde a primeira linha rima com
a terceira, e a segunda linha determina a rima da primeira e terceira linhas da estrofe seguinte,
que por sua vez é dividida em tercetos (ABA, BCB, CDC...)” 1.
Ainda, apresentou um novo estilo que o poeta designou “dolce stil novo”2, além
de dar um teor antropocêntrico à obra séculos antes do que a história atualmente determina
como período renascentista. Ao ascender ao paraíso o poeta descreve sentir o seu
transumanar3, o humanizar-se. Pois, apesar de ele estar caminhando para a luz, para o paraíso
onde seu fim se dá pela contemplação do mistério de Deus, a obra também aponta para Dante
e sua forma de lidar com sua humanidade e a dos personagens, tendo em vista que Dante na
Comédia aparece como um “construtor do futuro a partir da contínua evocação do passado”4.
Dante produziu um texto da cultura ao reinterpretar e dar uma forma inédita a um
passado, aos discursos já presentes e arraigados na cultura medieval. E para dissertar sobre a
Comédia e sua condição de texto da cultura cristã, os trabalhos de Iúri Lotman e sua semiótica
da cultura mostram-se pertinentes a fim de compreender como a Divina Comédia foi

1
SILVA, Tainá Almeida. A Divina Comédia: uma perspectiva semiótica da cultura. 2015. 75 págs. Trabalho
de conclusão de curso (Bacharel em Teologia) – Universidade do Grande Rio “Professor José de Souza Herdy”
(UNIGRANRIO), Duque de Caxias, 2015.
2
“di qua dal dolce stil novo ch’i’ odo!” (deste, que eu ouço, novo estilo à beira.) ALIGHIERI, Dante. A Divina
Comédia: Purgatório. Tradução de Italo Eugenio Mauro. São Paulo: Editora 34, 2014, 3ª ed., canto XXIV, v. 57.
3
“Transumanar não pode-se entender/por palavras, portanto o exemplo baste/pra quem experiência a graça
conceder.” ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia: Paraíso. Tradução de Italo Eugenio Mauro. São Paulo:
Editora 34, 2014, 3ª ed., canto I, vv. 70-72.
4
STERZI, Eduardo. Por que ler Dante. São Paulo: Globo, 2008, p. 57.
recepcionada, reinterpretada e ainda se faz presente no imaginário popular, nas artes, na
teologia cristã. Por texto, Lotman designa qualquer unidade – escrita, fala, gesto, música,
imagem – que transmite informação e possui potencialidade para, além de preservar a
informação transmitida, ser reinterpretado nas culturas e assim produzir novos textos.
“Lotman ressalta que tal exercício faz parte da cultura, já que o interlocutor e o receptor não
são idênticos e não possuem o mesmo código de informações a fim de que compreendam
determinada mensagem de forma única”5. Por isso:
Essa dinâmica propicia a transformação de dados em comunicáveis que, por sua vez,
passam a fazer parte da memória coletiva. Pois o texto é unidade da cultura e não
somente do sistema linguístico. A saber, “A cultura como texto implica a existência de
uma memória coletiva que não apenas armazena informações como também funciona
como um programa gerador de novos textos, garantindo assim a continuidade” 6.

Além da permanência do texto na história através das traduções que surgiram e


surgem, pode-se atribuir à igreja cristã, determinadora do estilo de grande parte das
manifestações artísticas no medievo, a permanência das imagens da Comédia não somente na
literatura, mas também na teologia ocidental. No período escolástico, onde a igreja buscava
sistematizar seu discurso, pode-se identificar aquilo que Rocha caracterizou como
desistoricização do discurso teológico que “consiste em anular a atualização da mediação cultural,
para identificar “aquela” mediação cultual como definitiva [...]. Se a univocidade já é afirmada no
objeto dessa experiência, tudo que partir dela também o será”7.
Ainda, “Rocha também destaca a influência do helenismo na construção da
teologia cristã, na qual a consequência da categorização do divino (ou melhor, discurso
religioso) em elemento supramundano provocou o descolamento do mesmo da realidade”8. A
partir desta dogmatização do discurso teológico, consequentemente as imagens da Comédia
inspiradas naquilo em que a igreja defendia também ganharam características dogmáticas,
atemporais, compondo uma aura de terror principalmente no que diz respeito ao inferno
dantesco. “A produção de uma teologia do medo se instaurou na Idade Média, junto às

5
SILVA, Tainá Almeida. A Divina Comédia: uma perspectiva semiótica da cultura. 2015. 75 págs. Trabalho
de conclusão de curso (Bacharel em Teologia) – Universidade do Grande Rio “Professor José de Souza Herdy”
(UNIGRANRIO), Duque de Caxias, 2015.
6
Idem.
7
ROCHA, Alessandro Rodrigues. Teologia sistemática no horizonte pós-moderno: um novo lugar para a
linguagem teológica. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 96.
8
SILVA, Tainá Almeida. A Divina Comédia: uma perspectiva semiótica da cultura. 2015. 75 págs. Trabalho
de conclusão de curso (Bacharel em Teologia) – Universidade do Grande Rio “Professor José de Souza Herdy”
(UNIGRANRIO), Duque de Caxias, 2015.
concepções de juízo final que a permeavam, devido à popularidade de movimentos e ideias
apocalípticas da época”9.
falar da forma como ela refletiu e reflete nos discursos e encerrar com a conclusão
da folha, falar um pouco do Moltmann

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SILVA, Tainá Almeida. A Divina Comédia: uma perspectiva semiótica da cultura. 2015.
75 págs. Trabalho de conclusão de curso (Bacharel em Teologia) – Universidade do Grande
Rio “Professor José de Souza Herdy” (UNIGRANRIO), Duque de Caxias, 2015.
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Tradução de Italo Eugenio Mauro. São Paulo:
Editora 34, 2014, 3ª ed.
STERZI, Eduardo. Por que ler Dante. São Paulo: Globo, 2008.
ROCHA, Alessandro Rodrigues. Teologia sistemática no horizonte pós-moderno: um novo
lugar para a linguagem teológica. São Paulo: Vida Nova, 2007.

9
Idem.

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