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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

A ilustração da Divina Comédia e António Carneiro.


O Inferno: uma proposta de ilustração

Pedro Caiado Baltazar Ribeiro de Almeida

MESTRADO EM DESENHO

2013
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES

A ilustração da Divina Comédia e António Carneiro.


O Inferno: uma proposta de ilustração

Pedro Caiado Baltazar Ribeiro de Almeida

MESTRADO EM DESENHO

Dissertação orientada pela Profª. Doutora Luísa Capucho Arruda

2013
Resumo

A Divina Comédia é uma das obras literárias mais ilustradas de sempre, no


entanto, e dentro deste tema tão vasto, são poucos os registos de ilustração para este
texto em Portugal.
Com este estudo pretende-se explorar as possibilidades de ilustração do Inferno,
através de uma técnica que até agora foi pouco investigada e resolver os problemas que
se deparam com a sua execução.
O Inferno foi ilustrado na sua totalidade pela primeira vez em Portugal por
António Carneiro, através de quarenta e dois desenhos. Pretende-se também com este
projecto divulgar este conjunto e enriquecer um pouco mais os estudos já existentes
desta obra que, infelizmente, e até ao momento, foi alvo de pouca atenção e de poucas
publicações. Esta documentação existente, permitiu abordar questões relativas à origem,
motivos e métodos utilizados por António Carneiro, e estabelecer alguma ligação com o
resultado final destes desenhos que, juntamente com outras obras dos vários ilustradores
de Dante, constituíram o suporte desta investigação.
Neste trabalho deu-se importância às estratégias de representação com o
objectivo de proporcionar uma visão diferente, procurando técnicas expressivas
adequadas à ilustração do Inferno, e, assim como António Carneiro, contribuir para a
ilustração da Divina Comédia.
Defende-se que a intenção de António Carneiro quando realizou os quarenta e
dois desenhos do Inferno era o de mais tarde ilustrar a Divina Comédia através de
pinturas, mas este projecto acabaria por nunca se concretizar. No entanto, não são claras
as intenções de António Carneiro e este estudo sugere algumas dificuldades particulares
no que diz respeito à falta de informação.
Neste estudo, descobrem-se as potencialidades estéticas e expressivas da técnica
de frottage, que de acordo com a pesquisa aqui realizada, nunca foi utilizada para
ilustrar a Divina Comédia, nem, ao que se sabe, como estratégia de ilustração de outras
obras.

Palavras-chave: Desenho, Frottage, António Carneiro, Inferno, Divina Comédia,


Dante Alighieri.
Abstract

The Divine Comedy is one of the most illustrated literary works of all time,
however, and within this vast subject, there are few records of illustration about this text
in Portugal.
This study aims to explore the possibilities of the illustration of Hell through a
technique that until now has been poorly investigated, and to solve the problems faced
in its use.
Hell was shown in its entirety for the first time in Portugal by António Carneiro,
through forty-two drawings. This project also intends to publicize his drawing project
and to further enrich a little the existing studies of this work which, unfortunately and so
far, have received little attention and few publications. This existing documentation,
allowed us to address issues relating to the origin, motives and methods used by
António Carneiro, and to establish a connection with the end result of these drawings
which, along with several other works of the various illustrators of Dante, constituted
the support of this research.
This work placed its emphasis on the strategies of representation with the aim of
providing a different view, looking for expressive techniques appropriate to the
illustration of Hell, and, like António Carneiro, to contribute to the illustration of the
Divine Comedy.
It is argued that the intention of António Carneiro when he completed the forty-
two drawings of Hell was to later illustrate the Divine Comedy through paintings, but
this project would ultimately never materialize. However, the intentions of António
Carneiro are unclear and this study suggests some particular difficulties regarding the
lack of information.
In this study, the aesthetic and expressive potentials of the technique of frottage
are discovered, which according to the research conducted here, has never been used to
illustrate the Divine Comedy, or, from what is known, as a strategy to illustrate other
works.

Keywords: Drawing, Frottage, António Carneiro, Hell, Divine Comedy, Dante


Alighieri.
Agradecimentos

À Professora Doutora Luísa Arruda, não só pela orientação desta dissertação, mas
também pela sua disponibilidade, pelas suas opiniões e críticas construtivas que foram
sempre uma mais valia para a realização deste estudo.

Ao Museu Nacional Soares dos Reis por ter autorizado fotografar e visionar in situ os
quarenta e dois desenhos de António Carneiro, e à Técnica Superior Elisa Soares que
facilitou o acesso aos desenhos e a outros documentos relacionados.

A Ingrid Surger da Universitätsbibliothek Heidelberg pela facultação de documentos


online, ao Dr. Volker Schümmer do Zentralinstitut für Kunstgeschichte e a Ana Barata
da Fundação Calouste Gulbenkian pela ajuda na procura desses documentos.

Ao João Decq pelos seus conselhos e informações prestados para este estudo.

Ao André Graça Gomes pela divulgação do seu trabalho e pelo fornecimento de


fotografias do mesmo.

Ao Afonso Porfírio, pela boleia e estadia no Porto durante a visita ao Museu Nacional
Soares dos Reis.

A todos os meus Amigos, em especial ao André Carvalho, Diogo Silva, Ivo Soares,
Joana Ferreira e Matilde Pessoa pela ajuda que me prestaram ao longo deste estudo.

Ao meu Irmão pela leitura, revisão e tradução de alguns textos.

Por fim, mas não menos importante, um agradecimento especial aos meus Pais que
sempre me apoiaram.
Índice

Introdução………………………………………………………………………………3

I parte: A ilustração da Divina Comédia e António Carneiro

1. Ilustradores de Dante
1.1 Primeiras representações……………………………………………………..9
1.2 Ilustradores de Dante em Portugal………………………………………….15
1.3 Listagem de ilustradores de Dante
como proposta de futuro projecto de investigação........................................21

2. Os desenhos do Inferno de António Carneiro....................................................37

II parte: O Inferno: uma proposta de ilustração

1. Memória descritiva…………………………………………………………….139
2. Matrizes e ilustrações………………………………………………………….151

Conclusão…………………………………………………………………………….173

Bibliografia…………………………………………………………………………...175

1
2
Introdução

António Carneiro é possivelmente o primeiro e um dos poucos portugueses a


ilustrar todos os cantos do Inferno de A Divina Comédia de Dante Alighieri. Quando
entre 1928 e 1930 realizou os quarenta e dois desenhos do Inferno, tinha em mente uma
posterior passagem a fresco. No entanto, esta última tarefa a que se propusera não se
concretizou mas, como consequência, deixou-nos este importante conjunto de desenhos,
feitos a lápis, tinta e aguarela sobre papel.
O conjunto foi exposto poucas vezes e pela última vez em 1995, e, passados
mais de oitenta anos desde a sua criação, tivemos a felicidade de encontrá-lo em bom
estado de conservação no acervo do Museu Nacional de Soares dos Reis.

Pretende-se neste estudo traçar a origem das primeiras representações de Dante


através de um breve texto, seguido de uma secção dedicada aos ilustradores de Dante
em Portugal. Paralelamente investigámos o máximo possível de ilustradores, a nível
internacional que representaram Dante e/ou a Divina Comédia e outras obras do poeta,
desde o séc. XIV até à actualidade. Desta investigação publicamos já uma lista de
nomes de ilustradores de Dante, organizados por ordem alfabética, ponto de partida para
uma futura pesquisa.
Pretende-se também com este estudo realizar uma aproximação aos desenhos de
António Carneiro, aos factores que os influenciaram e os motivos da sua realização,
realçando igualmente a importância dada pelo artista a esta obra. O texto não pretende
ser abrangente, mas antes realçar aspectos que nos pareceram importantes. Tendo em
conta a análise dos desenhos já existente, não foi nossa intenção concentrarmo-nos na
análise da composição de cada desenho, mas antes em outros aspectos que nos
pareceram relevantes para traçar a sua origem e os seus objectivos.
Divulgar no meio académico estes quarenta e dois desenhos através da sua
apresentação em imagens teve como objectivo prestar uma homenagem a António
Carneiro, a Dante Alighieri e a todos os que “no meio do caminho em nossa vida, se
encontraram por uma selva escura porque a direita via era perdida.”1
Para finalizar e sendo esta uma dissertação de carácter teórico e prático,
pretendeu-se que o projecto aqui apresentado fosse de algum modo a conclusão do

1
Inferno, Canto I, 1-3

3
percurso do Mestrado em Desenho, continuando a investigar e a aprofundar os méritos
expressivos de uma técnica de desenho abordada ao longo do primeiro ano de e que tem
como princípio a técnica de frottage de Max Ernst. Julgamos que a ilustração do Inferno
de Dante que propomos aprofunda e questiona este meio expressivo.
Assim, na memória descritiva abordamos os princípios teóricos e práticos da
frottage e ainda o processo de trabalho envolvido na nossa proposta de ilustração, para
que de alguma forma possa também servir de modelo para uma eventual investigação
no futuro.

Em Portugal as ilustrações da Divina Comédia, foram alvo de pouca atenção. No


entanto, existem várias dissertações sobre António Carneiro, como por exemplo
Natureza e Símbolo em António Carneiro2 de Maria José Queirós Lopes ou ainda A
Simbologia do Tríptico «A Vida» do Pintor António Carneiro3 de António Manuel de
Melo Fernandes, mas não foi encontrada nenhuma dissertação académica sobre os 42
desenhos do Inferno.
António Carneiro Ilustrador de Dante4 de Anna Candiago constitui a única obra
de carácter monográfico que se dedica ao estudo dos 42 desenhos que temos vindo a
referir, e que já nos fornecem um vislumbre acerca desta obra. O nosso trabalho de
investigação reúne vários dados e informações presentes em estudos anteriores que
poderão eventualmente levantar uma ou outra questão em relação a esta importante obra
de António Carneiro.
É de referir ainda que foram consultadas várias traduções em português da
Divina Comédia, mas escolheu-se utilizar a tradução da autoria de Vasco Graça Moura,
com o devido respeito às outras traduções. A tradução de Vasco Graça Moura é bastante
completa, fiel ao sentido do texto original, à articulação e ao mesmo esquema de rimas
em italiano, adaptado à língua portuguesa. Uma obra de excelência que juntamente com
a tradução da Vita Nuova de Dante Alighieri e ainda Rime e Trionfi de Francesco
Petrarca “deram” a Vasco Graça Moura o Prémio de Tradução 2007 do Ministério da
Cultura de Itália, que distingue anualmente o melhor tradutor estrangeiro de obras
italianas.

2
Maria José Queirós Lopes, Natureza e Símbolo em António Carneiro Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1983 [Dissertação de Mestrado em História de Arte].
3
António Manuel de Melo Fernandes, Simbologia do Tríptico «A Vida» do Pintor António Carneiro
Universidade Lusíada de Lisboa, 1998 [Dissertação de Mestrado em História da Arte].
4
CANDIAGO, Anna, António Carneiro Ilustrador de Dante, Porto, Civilização, 1965.

4
A internet foi uma ferramenta essencial, desempenhando um papel fundamental
na pesquisa para a lista de artistas que foi aqui apresentada por ordem alfabética. Porém,
e tendo em conta a vastíssima obra de ilustração da Divina Comédia, foi-nos impossível
registar todos os nomes e haverá certamente muito trabalho a fazer.
Não se incluiu grande parte da biografia e a restante obra de António Carneiro,
devido à quantidade de informação já existente. No entanto, registou-se o máximo de
informação possível em relação aos desenhos de António Carneiro, referente ao título,
técnica, material, tipo de papel, dimensão e número de inventário da colecção de todos
os desenhos de António Carneiro fotografados no Museu Nacional de Soares dos Reis.
Os desenhos foram apresentados por ordem de acordo com a estrutura narrativa do
poema e da própria numeração dos desenhos, juntamente com os textos correspondentes
à cena de cada canto escritos em italiano e reveladores da grande admiração que o
artista nutria pela composição original da Divina Comédia. Este registo fotográfico é
aqui apresentado na sua totalidade para que possa ser devidamente divulgado e
apreciado.
Finalmente, e quanto ao trabalho prático nesta investigação, a metodologia
artística será por nós abordada em profundidade no capítulo Memória Descritiva e
coloca a questão da validade e da actualidade do estudo e da ilustração da obra de
Dante.

5
6
A ilustração da Divina Comédia e António Carneiro

7
8
1. Ilustradores de Dante

1.1 Primeiras representações

O Julgamento Final (fig.1) de Coppo di Marcovaldo, situado no Baptistério de


São João, edifício de Florença onde foi baptizado Dante Alighieri, pode ter influenciado
o poeta a escrever a Divina Comédia, assim como influenciou Giotto di Bondone na
concepção do Julgamento Final (fig.2), situado na Cappella degli Scrovegni em Pádua.

1. Coppo di Marcovaldo 2. Giotto di Bondone


Juízo Final (pormenor), c.1265-70 Juízo Final (pormenor), c.1304-06
Mosaico Fresco
Florença, Battistero di San Giovanni Pádua, Cappella degli Scrovegni

Uma das primeiras representações de Dante (senão mesmo a primeira) é


atribuída ao seu contemporâneo Giotto e encontra-se no Palácio Bargello, em Florença.
É duvidosa a identificação estabelecida entre Dante Alighieri e a personagem que
aparece no canto inferior direito do Juízo Final na parede de trás da capela da Madalena
no Palácio Bargello. Os frescos, muito danificados e restaurados em 1937, reflectem as
características do estilo tardio de Giotto. Foram começados não antes de 1332 e
concluídos quando Giotto já estava morto.

9
3. Giotto di Bondone 4. Sandro Botticelli
Juízo Final (pormenor), c.1332-1337 Retrato de Dante Alighieri, 1495
Fresco Óleo sobre tela
Florença, Palazzo del Bargello Génova, colecção particular

Apesar de não existirem certezas em relação à autoria desta obra, sabe-se que
Dante e Giotto se conheciam. Dante faz alusão a Giotto no canto XI do Purgatório.
No seu livro Le Vite de' Più Eccellenti Pittori, Scultori, e Architettori, publicado pela
primeira vez em 1550, Giorgio Vasari5 apresenta-nos os três versos do Purgatório e
descreve Cimabue como sendo mestre de Giotto:

“Se a glória de Cimabue não tivesse sido contrastada pela grandeza do seu
discípulo, a sua fama teria sido maior, tal como dá a entender Dante na Divina
Comédia quando, no canto XI do Purgatório em alusão à própria inscrição da sua
sepultura, afirma:

Acreditou Cimabue na pintura


ser primeiro, e Giotto o há vencido,
tanto que a fama se lhe torna obscura.

5
Giorgio Vasari realizou igualmente representações de Dante, entre os quais Os Seis Poetas Toscanos
(1544), um possível Dante presente no tecto do Salone dei Cinquecento no Pallazzo Vecchio em
Florença, (1555-1572) e um retrato de Dante presente na capa de uma edição da Divina Comédia de 1564
com comentários de Christoforo Landino, Allessandro Vellutello e Francesco Sansovino.

10
Cimabue foi, portanto, entre as trevas, a primeira luz da pintura, e não só no
desenho de figuras como também na cor, sendo muito aclamado pelas suas
novidades. Despertou nos seus compatriotas o ânimo de segui-lo numa ciência tão
bela e difícil. Merece, por este motivo, infinitos elogios, dada a impossibilidade e a
inabilidade do século em que nasceu e, deste modo, muito mais que se o século já
dominasse esta ciência.”6

Mais à frente no mesmo livro na secção acerca de Giotto, Vasari escreve o


seguinte:

“…Em pouco tempo, Giotto não só alcançou o estilo de Cimabue mas, mais
ainda, ao imitar a natureza desterrou o tosco estilo grego em voga na sua época e
ressuscitou a boa arte da pintura moderna, introduzindo o retrato humano natural
que não era realizado desde há séculos atrás. Hoje em dia ainda é possível
contemplar na capela do Palácio de Podestà em Florença o retrato da efigie de
Dante Alighieri, poeta coetâneo e amigo de Giotto, do qual apreciava os
extraordinários dotes que a natureza lhe tinha concedido, tal como destaca
Giovanni Bocaccio na novella V dedicada a Micer Forese da Rabatta e a Giotto.”7

“Mas, até que ponto é que Giotto, embora contemporâneo do poeta, teria, não
digo falsificado, mas estilizado, espiritualizado a fisionomia de Dante, na
preocupação de revelar-nos, não a «realidade humana» do grande florentino, mas o
retrato psicológico da personagem super-humana que lograra descer aos infernos,

6
“Si la gloria de Cimabue no hubiera tenido por contraste la grandeza de su discípulo Giotto, su fama
habría sido mayor, como afirma Dante en la Divina Commedia, cuando en el canto XI del Purgatorio, en
alusión a la propia inscripción de su sepultura, dice:

Credette Cimabue nella pittura


Tener lo campo, et ora Giotto il grido,
Sí che la fama di colui oscura.

Por tanto, Cimabue fue, entre tantas tinieblas, la primera luz de la pintura, y no sólo en el dibujo de las
figuras, sino también en su color, siendo muy celebrado por sus novidades. Despertó en sus compatriotas
el ánimo de seguirlo en una ciência tan bella y difícil, por lo que merece alabanza infinita, dada la
imposibilidad y la torpeza del siglo en el que nació, y, por tanto, mucho más que si el siglo ya hubiese
dominado esta ciencia.” (VASARI, 2004, p.109)
7
“…Giotto en poco tiempo no sólo alcanzó el estilo de Cimabue, sino que, aún mas, imitando a la
naturaleza desterró el tosco estilo griego de su época y resucitó el buen arte de la pintura moderna, e
introdujo el retrato humano del natural, que no se realizaba desde hacía siglos. Todavía hoy se puede
contemplar en la capilla del Palacio del Podestà de Florencia el retrato de la efigie de Dante Alighieri,
poeta coetáneo y amigo de Giotto, y al que apreciaba por las extraordinarias dotes que la naturaleza le
había concedido; como destaca Giovanni Bocaccio en la novella V dedicada a Micer Forese da Rabatta y
a Giotto” (VASARI, 2004, p. 117)

11
escalar o ofuscante Olimpo cristão, e falar a Deus? Os autores italianos que se têm
ocupado da iconografia dantiana, e aos quais me reporto, apresentam uma dúvida
que me parece legítima, tanto mais quanto é certo que Boccaccio, na Vida de
Dante, nos dá do poeta um retrato sensivelmente diferente. Com efeito, o Dante
que o autor do Decamerone descreve – ele. Que o conheceu – possui, é certo, o
mesmo nariz aquilino, o mesmo lábio inferior procidente e severo da pintura de
Giotto; mas o rosto é largo, de uma palidez de ouro baço, e aparece-nos ornado de
uma barba negra, crespa e revolta. Este Dante barbado constitui um problema para
os iconógrafos. Qual é o verdadeiro,- o glabro ou o felpudo? O da face larga, ou o
do perfil cortante de lava do Vesúvio? Não vejo razões para que o não sejam os
dois. O ilustre florentino, como qualquer simples mortal, podia ter engordado e
emagrecido; e nada o impedia, nem mesmo a glória, de usar barbas e de deixar de
as usar. […]
Dir-se-á que o facto de Dante ter ou não ter usado barba não influi de modo
algum na ideia que nós possamos fazer do seu génio ou da sua obra.
Evidentemente. Mas já o mesmo não se sucede com a extrema emaciação revelada
no retrato de Giotto; com a cor da pele, que faz pensar numa possível sufusão
ictérica; com o exophthalmus, o progeneísmo e a hipertrofia do lábio inferior,
susceptíveis de ser interpretados pelo médico como estigmas de degenerescência,
ou, pelo menos, como perturbações do ritmo morfológico; e, enfim, como a
«atitude curvada» que, no dizer de Boccaccio, caracterizava a figura de Dante, e
que alguns peritos italianos explicam por um desvio cifótico da coluna vertebral.
Olhando o retrato do grande poeta de Florença, não nos resta dúvida de que ele foi
constitucionalmente um doente; e isso explica a sua permanente melancolia e
certos aspectos patológicos do seu carácter e da sua obra.”8

A revista The Burlington Magazine, publicou em 1979 um artigo interessante


intitulado Giotto’s Portrait of Dante? escrito por E. H. Gombrich:

“Dante é a primeira pessoa em quase mil anos, cujo nome evoca imediatamente
uma imagem vívida da sua presença física. Não que ele tenha sido a primeira
pessoa ou até mesmo o primeiro poeta após a era clássica, cujo retrato foi
proferido, mas para apreciar todo o mundo que separa os retratos medievais da
nossa imagem de Dante, precisamos apenas de olhar para o chamado Códice

8
MANUPPELLA, 1966, p.184-186. (Texto escrito por Júlio Dantas publicado no jornal O Comércio do
Porto: ano LXXXI, nº 159, pág.1, Folhetim. Porto: 7 de Julho de 1935)

12
Manesse, uma colecção encantadora das obras alemãs Minnesänger, que podem
muito bem datar aproximadamente do período de vida de Dante. Considere a
famosa página que mostra Walter von der Vogelweide na pose em que ele se
descreve sentado de pernas cruzadas numa pedra, com a cabeça apoiada pela sua
mão. Não há claramente nenhuma tentativa de retratar as características reais de
Walter, que se assemelham à fórmula adoptada por Heinrich von Veldecke.
Certamente, o miniaturista não pôde ou nem tentou descobrir como eram esses
homens. Ele marcou-os pelos seus gestos e pelo seu traje…”9

5. Walter von der Vogelweide (124r), 6. Heinrich von Veldecke (30r),


séc. XIV séc. XIV
Códice Manesse Códice Manesse

Este tipo de traje está igualmente presente em várias representações de Dante.


Considerando por exemplo as iluminuras de Maestro delle Vitae Imperatorum, de
Priamo della Quercia, de Giovanni di Paolo ou de Guglielmo Giraldi, para além do
feitio semelhante, também é possível observar que o traje de Dante é azul, assim como o
traje comprido de Walter von der Vogelweide, ao contrário do traje vermelho a que

9
“…Dante is the first person for almost a thousand years whose name immediately evokes a vivid image
of his physical presence. Not that he was the first person or even the first poet after the classical age
whose portrait was handed down, but to appreciate the whole world which separates medieval portraits
from our image of Dante, we need only look at the so-called Manesse codex, a delightful collection of the
works of German Minnesänger which may well date back approximately to Dante’s lifetime. Take the
famous page showing Walter von der Vogelweide in the pose in which he described himself sitting cross-
legged on a stone with his head supported by his hand. There clearly is no attempt here to portray the
actual features of Walter, which closely resemble the formula adopted for Heinrich von Veldecke.
Certainly the miniaturist neither could nor did attempt to find out what these men had looked like. He
marked them by their gestures or their costume…” (GOMBRICH, 1979, p. 471)

13
Dante está normalmente associado e que está igualmente presente no traje de Heinrich
von Veldecke.
Também o gesto está presente noutras representações de Dante.

7. Sir Joseph Noel Paton 8. Auguste Rodin 9. Andrea Fossombrone


Sonho de Dante, c. 1852 O Pensador, 1902 Retrato de Dante, 1921
Óleo sobre tela Bronze e Mármore Gravura
Lancashire, Bury Art Gallery and Museum Paris, Musée Rodin Ravenna, Centro Dantesco

Apesar da restauração de 1937 que pode ter alterado de alguma forma os seus
traços originais, a representação de Dante da autoria de Giotto pode mesmo ser a mais
fiel às verdadeiras características físicas do poeta. Giotto foi contemporâneo e
conhecido de Dante, no entanto e segundo John Ruskin “Sandro Botticelli foi o único
pintor de Itália que sentiu e entendeu completamente Dante.”10 O Retrato de Dante
Alighieri (fig.4) de Botticelli evidenciou talvez de uma forma exagerada os traços de
Dante presentes na obra de Giotto e apesar de já existirem anteriormente vários retratos
de Dante, o de Botticelli parece ter sido dos retratos que definiu com contornos mais
marcantes as características de Dante representadas posteriormente até à actualidade.
Assim como no Códice Manesse, nos códices iluminados da Divina Comédia
não houve nenhuma tentativa de retratar as verdadeiras características de Dante. Mais
do que o rosto, o que distingue neste caso as figuras é o traje, o cabelo e a barba.
“Os códices iluminados da Divina Comédia [...] não nos confrontam com o
Dante da nossa imaginação, vestido de vermelho com as suas familiares coberturas de

10
“Sandro Botticelli was the only painter of Italy who thoroughly felt and understood Dante.”
(HUNTINGTON et al., 1903, p.23)

14
cabeça e o seu perfil magro, mas pelo século XV o mais tardar, os ilustradores tenderam
a adoptá-lo, como Botticelli fez nos seus desenhos memoráveis.”11
Os desenhos de Botticelli são o culminar de uma tradição de representação da
Divina Comédia que surgiu com as iluminuras da primeira metade do século XIV.

1.2 Ilustradores de Dante em Portugal

As mais antigas influências dantescas em Portugal encontram-se na literatura,


datam pelo menos do século XV e manifestam-se nas produções de alguns poetas12
reunidas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, publicado inicialmente em 1516.
“Dentro do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516), o grupo de textos
conhecidos pelo nome de Inferno dos Namorados constitui um caso de particular
importância pela presença, em alguns poetas, de uma interpretação romântica ante
litteram da mensagem dantesca do canto V do Inferno.”13

Os desenhos mais antigos que se encontraram durante esta pesquisa pertencem a


Augusto Roquemont e a Domingos Sequeira. No desenho de Roquemont (fig.1), “Dante
situa-se no primeiro plano do lado direito, de pé e de perfil, com gabão volumoso até
aos pés e cabeça coberta. O tema do desenho de Roquemont é copiado a partir de uma
pintura de Raffaello, razão pela qual este desenho está situado cronologicamente no
período em que o artista permaneceu em Itália (entre 1818 e 1828). Este desenho
aparece em exposição no Catálogo do Museu Grão Vasco de 1934, na denominada 5ª
Sala dos Seculos XVII e XVIII, a fechar o percurso expositivo, logo a seguir aos
desenhos de Domingos Sequeira.”14
Por volta de 1823, Domingos Sequeira realizou a gravura O conde Ugolino com
os filhos, na prisão (fig.2) e um desenho (fig.3) correspondente à mesma cena. “O
11
“The illuminated codices of the Divine Comedy […] do not at first confront us with the Dante of our
imagination, clad in red with his familiar head coverings and his gaunt profile, but by the fifteenth century
at the latest, illustrators tended to adopt it, as Botticelli did in his memorable drawings.”
GOMBRICH, 1979, p. 471.
12
Diogo Brandão, D. João Manuel, Anrique da Mota e Duarte de Brito.
13
“All’interno del Cancioneiro Geral di Garcia de Resende (1516), il gruppo di testi noto con il nome di
Inferno dos Namorados costituisce un caso di particolare rilievo per la presenza, in alcuni poeti, di
un’interpretazione romantica ante litteram del messaggio dantesco del v canto dell’Inferno.” (DI
PASQUALE, 2009, p.13)
14
consultar página web:
http://www.matriznet.imc-ip.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=206514

15
assunto é técnicamente bem tratado, mas com disposição teatral; a luz e claroescuro os
característicos de Sequeira.” (COSTA, 1922, p.215) Domingos Sequeira realizou ainda
vários desenhos dantescos (fig4; fig.5).
Em 1863, o escultor Victor Bastos realizou o desenho Grupo (Inferno de Dante)
(fig.6). “Um grupo de figuras femininas nuas contorce-se em espiral, em cima uma
mulher tem a mão na testa, em baixo uma tem uma coroa de louros e outra abraça uma
que lhe está próxima; no fundo mais figuras esboçadas.”15
Em 1868, Columbano Bordalo Pinheiro fez o seu primeiro estudo a óleo, uma
pequena cópia do quadro de A barca de Dante de Delacroix, com a inscrição no verso:
“copiado por Columbano Bordalo Pinheiro em 1868.” (ALDEMIRA, 1941, p.56)
Em 1873, o jornal Diario Illustrado de 30 de Março trouxe na primeira página a
biografia de Dante e uma gravura do seu retrato (fig.7) baseada no retrato de Dante de
Stefano Tofanelli e de Raffaello Morghen. Ainda no século XIX, produziu-se a
litografia Dante Alighieri Poeta Italiano (fig.8), que tem inscrita no lado esquerdo da
folha: Lith. de M.el Luiz e no lado direito: Souza, também baseada no mesmo retrato de
Dante.
Já no século XX, no artigo Ainda Junqueiro publicado pela revista Feira da
Ladra em 1931, João Barreira revela as inabilidades de Guerra Junqueiro para a
matemática e para a música, confessadas pelo próprio. “Mas a inhabilidade para o
desenho é que Junqueiro confessava ser nele radical, não conseguindo reproduzir a
forma do mais simples objecto, sobretudo da figura humana.
- A única coisa que sei fazer é o perfil do Dante.”16 (fig.9)
No dia 26 de Abril de 1935, o Diário de Lisboa publicou o artigo Geometria de
imagens. A literatura planificada pelo cinema. O «écran» ampliador dos grandes livros
da humanidade17, escrito e ilustrado com uma caricatura de Dante (fig. 10) por Roberto
Nobre.
Em 1943 a Livraria Sá da Costa editou a adaptação em prosa de Marques Braga
da Divina Comédia com ilustrações de Alberto Sousa (fig.11) inspiradas nas gravuras
de Gustave Doré e direccionada ao público juvenil. Em 2009 a mesma obra foi
reeditada com ilustrações de André Letria (fig.12).

15
consultar página web:
http://www.matriznet.imc-ip.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=200528
16
Feira da Ladra, num.1, 1931, p.170.
17
Diário de Lisboa, 26 de Abril de 1935, p.6.

16
Entre 1961 e 1963, a Editorial Minotauro editou a Divina Comédia ilustrada por
vários artistas:
O Inferno com vinhetas e aberturas de canto desenhadas por Figueiredo Sobral18
(fig.13), e ilustrações de Manuel Lapa, Fernando Azevedo, António Areal, Francisco
Relógio, Bartolomeu Cid (fig.14), Figueiredo Sobral, Fernando Conduto, Luís Jardim,
João Abel Manta (fig.15), Rogério Ribeiro, António Ramos e Querubim Lapa.
O Purgatório com vinhetas e aberturas de canto desenhadas por Júlio Pomar, e
ilustrações de Júlio Pomar, Lima de Freitas, Luís Filipe de Abreu, Maria Keil (fig.16),
Cândido da Costa Pinto (fig.17), Fernando Azevedo, Carlos Botelho, José Júlio, Alice
Jorge, Menez, Manuel Baptista, João Abel Manta e António Charrua.
O Paraíso com vinhetas e aberturas de canto desenhadas por António Areal
(fig.18), e ilustrações de António Areal, Carlos Botelho, Sá Nogueira, Nikias
Skapinakis, Infante do Carmo, Maria Velez, Fernando Azevedo, João Vieira, Cipriano
Dourado e Guilherme Camarinha.
Em 1962, Júlio Pomar realizou um conjunto de xilogravuras para O Purgatório
(fig.19) e em 2006, a editora Bertrand lançou numa edição limitada de mil exemplares A
Divina Comédia de Dante Alighieri, traduzida por Vasco Graça Moura e ilustrada por
Júlio Pomar, com dez retratos inéditos de Dante (fig.20; fig.21). Esta edição recupera
também 33 desenhos que Pomar realizou para O Purgatório (fig.22) publicado pela
Editorial Minotauro em 1962.
Em 2011, Rui Chafes realiza 25 desenhos para a exposição Inferno (A minha
fraqueza é muito forte) (fig.23; fig.24; fig.25), embora estes desenhos não estejam
directamente relacionados com o Inferno de Dante.
Em 2012, André Graça Gomes realiza uma série de estudos do Inferno para a
exposição Matriz integrada no Projecto Vicente 2012. (fig.26; fig.27; fig.28)

18
Juntamente com António Carneiro, Figueiredo Sobral é o único artista português neste estudo que
ilustrou todos os cantos do Inferno.

17
1. 2.

3. 4. 5.

6. 7. 8.

18
9. 10. 11. 12.

13. 14. 15.

16. 17. 18.

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19. 20. 21. 22.

23. 24. 25.

26. 27. 28.

20
1.3 Listagem de ilustradores de Dante como proposta de futuro projecto de
investigação

Na seguinte lista encontram-se todos os artistas que surgiram durante a pesquisa


realizada para este estudo. Não foi encontrada nenhuma obra que reunisse todos estes
ilustradores, sendo um dos principais objectivos desta lista o de mais tarde realizar uma
base de dados na internet, com o maior número possível de artistas que tenham ilustrado
Dante, a Divina Comédia e as outras obras do poeta, para que possa ser consultada
numa futura investigação.
Não desvalorizando a obra dos restantes artistas presentes nesta lista, pareceu-
nos importante realçar a negrito os artistas que realizaram uma obra de ilustração da
Divina Comédia que consideramos relevante pela quantidade, qualidade e importância
do trabalho produzido. Os nomes em itálico correspondem aos artistas iluminadores da
Divina Comédia.
Devido ao fácil acesso na internet, as biografias não foram aqui incluídas.

A. Salinas-Ternel (1862 - ?)
Achille Incerti (1907 – 1988)
Adolf von Sturler (1802 – 1881)
Adolfo de Carolis (1874 – 1928)
Adolfo Magrini (1876 – 1957)
Adolphe William Bouguereau (1825 – 1905)
Agenore Fabbri (1911 – 1998)
Agnolo Bronzino (1503 – 1572)
Agostino Arrivabene (1967)
Albert Hock (?)
Albert Maignan (1845 – 1908)
Alberto Gerardi (1889 – 1965)
Alberto Martini (1876 – 1964)
Alberto Schiavi (?)
Alberto Sousa (1880 – 1961)
Alberto Sughi (1928 – 2012)
Alberto Zardo (1876 – 1959)

21
Alberto Ziveri (1908 – 1990)
Aleksandr Golovin (1863 – 1930)
Alessandro Kokocinski (1948)
Alessandro Vellutello (1473 - ?)
Alexandre Cabanel (1823 – 1889)
Alice Jorge (1924 – 2008)
Aligi Sassu (1912 – 2000)
Ambrogio Lorenzetti (c.1290 – 1348)
Amos Cassioli (1832 – 1891)
Amos Nattini (1892 – 1985)
André Graça Gomes (1985)
André Letria (1973)
Andrea Buscemi (?)
Andrea del Castagno (1421 – 1457)
Andrea Fossombrone (1886 – 1963)
Andrea Orcagna (1308 – 1368)
Andrea Pierini (1798 – 1858)
Andre-Charles Coppier (1866 – 1948)
Angela Rossi (?)
Angelo Bioletto (1906 – 1987)
Anna Bertoni (?)
Annebelle Claudia
Anne-Fieke Later (?)
Annibale Fasan (1956)
Annibale Gatti (1828 – 1909)
Anselm Feuerbach (1829 – 1880)
Antoine Étex (1808 – 1888)
Anton Maria Mucchi Vignoli (1871 – 1945)
António Areal (1934 – 1978)
António Carneiro (1872 – 1930)
António Charrua (1925 – 2008)
Antonio Marini (1668 – 1725)
António Ramos Rosa (1924)
Antonio Rauco (?)

22
Armando Spadini (1883 – 1925)
Arnold Tóth (1979)
Arnoldo Ciarrocchi (1916 – 2004)
Arturo Martini (1889 – 1947)
Ary Scheffer (1795 – 1858)
Attilio Razzolini (?)
Auguste Rodin (1840 – 1917)
Augusto Pelliccione (1938)
Augusto Roquemont (1804 – 1852)
Baccio Baldini (1436 – 1487)
Barry Moser (1940)
Bartolomeo Crivellari (1716 – 1777)
Bartolomeo di Fruosino (c.1366 – 1441)
Bartolomeo Pinelli (1771 – 1835)
Bartolomeu Cid dos Santos (1931 – 2008)
Bela Čikoš Sesija (1864 – 1931)
Benjamin Martinez (?)
Bernard Buffet (1928 – 1999)
Bernard von Neher (1806 – 1886)
Bernardino India (c.1535 – c.1590)
Bernardino Marinucci (1931)
Bernardino Poccetti (1548 – 1612)
Bertel Thorvaldsen (1770 – 1849)
Bonaventura Emler (1831 – 1862)
Bonaventura Genelli (1798 – 1868)
Bonino de Boninis (1454 – 1528)
Brigid Marlin (1936)
Bruno Di Maio (1944)
Bruno Sabatini (?)
Bruno Saetti (1902 – 1984)
Cândido da Costa Pinto (1911 – 1976)
Carl Christian Vogel von Vogelstein (1788 – 1868)
Carl Oesterley (1805 – 1891)
Carlo Barbieri (?)

23
Carlo Carrà (1881 – 1966)
Carlo Giancarli (?)
Carlo Guarienti (1923)
Carlo Levi (1902 – 1975)
Carlo Mattioli (1911 – 1994)
Carlo Muccioli (1857 – 1933)
Carlo Salodini (1903 – 1950)
Carlos Alonso (1929)
Carlos Botelho (1899 – 1982)
Carsten Svennson (1926)
Cas Waterman (1958)
Charles A. Buchel (1872 – 1950)
Cipriano Dourado (1921 – 1981)
Claudio Del Romano (?)
Claus Brusen (?)
Columbano Bordalo Pinheiro (1857 – 1929)
Cristina Califano (?)
Cristobal Rojas (1857 – 1890)
Cyril Bouda (1901 – 1984)
Dai Dudu (?)
Daniela Ovtcharov (1964)
Danny Evo Heinricht (?)
Dante Gabriel Rossetti (1828 – 1882)
Dario Rivarossa (1969)
Dariusz Kaleta (1960)
Dasha Shkurpela (1978)
David Bowers (1956)
David Istvan (1982)
Di Vogo (1962)
Diana Hesketh (?)
Dinko Fabris (1958)
Domenico Antonio Tripodi (?)
Domenico Boffa (1975)
Domenico Cantatore (1906 – 1998)

24
Domenico Colantoni (?)
Domenico di Michelino (1417 – 1491)
Domenico Fabris (1814 – 1901)
Domenico Ghirlandaio (1449 – 1494)
Domenico Mastroianni (1876 – 1962)
Domenico Peterlini (1822 – 1891)
Domenico Purificato (1915 – 1984)
Domingos Sequeira (1768 – 1837)
Don Simone Camaldolese (em actividade entre 1378 e 1405)
Donald Newman (1955)
Donn P. Crane (1878 – 1944)
Duccio Federighi (1975)
Dugald Stermer (1936 – 2011)
Duilio Cambellotti (1876 – 1960)
Ebba Holm (1889 – 1967)
Edgar Degas (1834 – 1917)
Edouard Jean Conrad Hamman (1817 – 1888)
Eduard Bendemann (1811 – 1889)
Eduard von Steinle (1810 – 1886)
Edward Thor Carlson (1925)
Eike Erzmoneit (1948)
Elisabeth de Lunde (1970)
Elisabeth Sonrel (1874 – 1953)
Elizabeth Harris (?)
Emilio Greco (1913 – 1995)
Emma Mazza (?)
Ennio Di Vincenzo (1930 – 2009)
Erik Heyninck (1952)
Ernesto Bellandi (1842 – 1916)
Eugen Ciuca (1913)
Eugène Auguste François Deully (1860 – 1933)
Eugène Delacroix (1798 – 1863)
Eugène Later (?)
Evelyn Paul (1883 – 1963)

25
Ezio Anichini (1886 – 1948)
Ezio Marzi (c.1875 - ?)
Fabio di Lizio (1976)
Fausto Zonaro (1854 – 1929)
Federico Faruffini (1831 – 1869)
Federico Zuccari (1539 – 1609)
Felice Giani (1758 – 1823)
Fernando Azevedo (1923 – 2002)
Fernando Cezan (?)
Fernando Conduto (1937)
Fernando Di Nicola (?)
Fernando Infante do Carmo (1945)
Ferruccio Ferrazzi (1891 – 1978)
Figueiredo Sobral (1926 – 2010)
Filippo Agricola (1776 – 1857)
Filippo Bigioli (1798 – 1878)
Filippo Napoletano (1587 – 1629)
Fiona Hall (1953)
Fortunato Rizzi (?)
Francesco Arduini (?)
Francesco Clemente (1952)
Francesco Fontebasso (1707 – 1769)
Francesco Messina (1900 – 1995)
Francesco Nenci (1782 – 1850)
Francesco Podesti (1800 – 1885)
Francesco Scaramuzza (1803 – 1886)
Francisco Relógio (1926 – 1997)
Franco Gentilini (1909 – 1981)
Franco Morelli (?)
François-Maurice Roganeau (1883 – 1973)
Franz Stassen (1869 – 1949)
Franz von Bayros (1866 – 1924)
Frederic Lord Leighton (1830 – 1896)
Frederick Richard Pickersgill (1820 – 1900)

26
Friedrich Preller (1804 – 1878)
Fritz Mock (1867 – 1919)
Fyodor Konstantinov (1910 – 1997)
G. F. Marcazzi (?)
Gaetano Previati (1852 – 1920)
Gaetano Zompini (1700 – 1778)
Galileo Chini (1873 – 1956)
Gary Panter (1950)
George Gonzalez (1966)
George Grosz (1893 – 1959)
Gérard Garouste (1946)
Giacomo Leonardis (1723 – 1794)
Giacomo Lolli (1857 - ?)
Gianfranco Gozzini (?)
Gigino Falconi (1933)
Gil Bruvel (1959)
Gio. Giacomo Macchiavelli (?)
Giorgio Bicchi (?)
Giorgio de Chirico (1888 – 1978)
Giorgio Kienerk (1869 – 1948)
Giorgio Szoldatics (1873 – 1955)
Giorgio Vasari (1511 – 1574)
Giotto di Bondone (1267 – 1337)
Giovan Battista Galizzi (1882 – 1963)
Giovanni Brancaccio (1903 – 1975)
Giovanni Britto (c.1500 – 1550)
Giovanni Buffa (1871 – 1954)
Giovanni Costetti (1874 – 1949)
Giovanni De Sanctis (?)
Giovanni del Ponte (1385 – c.1437)
Giovanni di Paolo (c.1403 – 1482)
Giovanni Fattori (1825 – 1908)
Giovanni Magnini (?)
Giovanni Maria Mataloni (1869 – 1944)

27
Giovanni Migneco (?)
Giovanni Mochi (1829 – 1892)
Giovanni Stradone (1911 – 1981)
Giovanni Toscani (1372 – 1430)
Giovanni Trombara (?)
Gisberto Ceracchini (1899 – 1982)
Giuilio Aristide Sartorio (1860 – 1932)
Giuliano Giampiccoli (1698 – 1759)
Giulio Clovio (1498 – 1578)
Giulio Ruffini (?)
Giuseppe Aprea (1879 – 1946)
Giuseppe Bagnariol (?)
Giuseppe Bertini (1825 – 1898)
Giuseppe Frascheri (1809 – 1886)
Giuseppe Mentessi (1857 – 1931)
Giuseppe Migneco (1908 – 1997)
Giuseppe Salietti (1905 – 1988)
Giuseppe Zigaina (1924)
Go Nagai (1945)
Gregory Gillespie (1936 – 2000)
Gualtiero de Baci Venuti (1857 – 1938)
Guerra Junqueiro (1850 – 1923)
Guglielmo Giraldi (em actividade entre 1445 – 1489)
Guilherme Camarinha (1912 – 1994)
Gulácsy Lajos (1882 – 1932)
Gustav Courtois (1852 – 1923)
Gustave Doré (1832 – 1883)
Gustave Moreau (1826 – 1898)
Guy Denning (1965)
Gy. Szabó Béla (1905 – 1985)
Hans von Bartels (1856 – 1913)
Harry Bennett (1919 – 2012)
Heinrich Maria von Hess (1798 – 1863)
Heinrich Muecke (1806 – 1891)

28
Helder da Rocha (?)
Henri Delaborde (1811 – 1899)
Henri Martin (1860 – 1943)
Henrik Drescher (1955)
Henry de Groux (1866 – 1930)
Henry Holiday (1839 – 1927)
Henry Siddons Mowbray (1858 – 1928)
Hermann Freihold Plueddemann (1809 – 1868)
Hugo Crosthwaite (1971)
Igor Grechanyk (1960)
Ilya Repin (1844 – 1930)
Ines Morigi Berti (?)
Ines Scheppach (1953)
Ingeborg Westfelt-Eggertzin (1855 – 1936)
Ivan Aivazovsky (1817 – 1900)
Ivan Bilibin (1876 – 1942)
J. Schnorr von Carolsfeld (1794 – 1872)
Jack Lipowczan (1951)
Jack Zajac (1929)
Jacob del Burgofraco (?)
Jacopo Guarana (1720 – 1808)
Jacques Callot (1592 – 1635)
Jan Van der Straet (1523 – 1605)
Jean Alaux (1786 – 1864)
Jean Delville (1867 – 1953)
Jean Léon Gérôme (1824 – 1904)
Jean Louis Ernest Meissonier (1815 – 1891)
Jean Paul Gahinet (?)
Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780 – 1867)
Jean-Baptiste Camille Corot (1796 – 1875)
Jean-Hippolyte Flandrin (1809 – 1864)
Jeff Weispfenning (1966)
Jennifer Strange (?)
João Abel Manta (1928)

29
João Vieira (1934 – 2009)
Johann Friedrich Overbeck (1789 – 1869)
Johann Heinrich Füssli (1741 – 1825)
John Elliott (1858 – 1925)
John Flaxman (1755 – 1826)
John William Waterhouse (1849 – 1917)
José Júlio Andrade dos Santos (1916 – 1963)
José Roosevelt (1958)
Joseph Anton Koch (1768 – 1839)
Joseph von Fürich (1800 – 1876)
Julia Bugueva (1952)
Júlio Pomar (1926)
Justus van Gent (c.1410 – c.1480)
Karl Andreae (1823 – 1904)
Karl Begas (1794 – 1854)
Karl Friedrich Lessing (1808 – 1880)
Karl Friedrich Mueller (1813 – 1881)
Karl Kunz (1905 – 1971)
Karlheinz Schäfer (1941)
Klaus Wrage (1891 – 1984)
Krittika Ramanujan (?)
Krzysztof Izdebski-Cruz (1966)
Lea Contestabile (1949)
Leila Lazzaro (?)
Lello Scorzelli (1921 – 1997)
Léon Ferrari (1920)
Leonard Baskin (1922 – 2000)
Leonardo Cremonini (1925 – 2010)
Li Tiezi (?)
Lia Garofalo (1949)
Libera Musiani (1903 – 1987)
Libero Andreotti (1875 – 1933)
Lima de Freitas (1927 – 1998)
Lino Bianchi Bariviera (1906 – 1985)

30
Lionello Balestrieri ( 1872 – 1958)
Lodovico (Cigoli) Cardi (1559 – 1613)
Lopoldo Metlicovitz (1868 – 1944)
Lord Frederick Leighton (1830 – 1896)
Lorenzo di Pietro (1410 – 1480)
Lorenzo Mattotti (1954)
Luca Signorelli (c.1445 – 1523)
Lucas van Leyden (1494 – 1533)
Luigi Ademollo (1764 – 1849)
Luigi Broggini (1908 – 1983)
Luís Filipe de Abreu (1935)
Luís Jardim Portela (1931 – 2003)
Luxoro Tammar (1825 – 1899)
M. Coquard (?)
M.el Luiz (?)
Maestro delle Vitae Imperatorum (em actividade entre 1430 e 1450)
Magda Francot (1942)
Manfredo Manfredini (?)
Manolo Belzunce (1944)
Manuel Baptista (1936)
Manuel Lapa (1914 – 1979)
Marcel Rieder (1862 – 1942)
Marcel Ruijters (1966)
Marcello Avenali (1912 – 1981)
Marcin Kolpanowicz (1963)
Margaret Bowland (1953)
Maria Keil (1914 – 2012)
Maria Velez (1935)
Marie Spartali Stillman (1844 – 1927)
Marie-Philippe Coupin de La Couperi (c.1773 – 1851)
Mario Costantini (?)
Mario Donizetti (1932)
Mark Wilkinson (1952)
Markus Vallazza (1936)

31
Masaccio (1401 – 1428)
Massimina Pesce (1941)
Massimo Campigli (1895 – 1971)
Medardus Höbelt (1914 – 2011)
Menez (1926 – 1995)
Michael Hiep (1959)
Michael Mazur (1935 – 2009)
Michael Parkes (1944)
Michael Wm. Kaluta (1947)
Michel de Saint Ouen (?)
Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564)
Michelangelo Cactani (1804 – 1882)
Michelangelo Schiavoni (1712 – 1772)
Mikhail Ivanovich Pikov (1881 – 1971)
Milton Glaser (1929)
Miquel Barceló (1957)
Mirko Basaldella (1910 – 1969)
Modest Cuixart (1925 – 2007)
Moebius (1938 – 2012)
Monica Fagan (1949)
Monika Beisner (1942)
Moritz von Schwind (1804 – 1871)
Mosè Bianchi (1840 – 1904)
Nardo di Cione (? – 1366)
Natale Faorzi (?)
Nazarene Reels (1947)
Nicaise de Keyser (1813 – 1887)
Nikias Skapinakis (1931)
Nino Carmine Pitti (?)
Nino Gregori (?)
Olivier Zappelli (1966)
Orfeo Tamburi (1910 – 1994)
Osvaldo Tofani (1849 – 1915)
Otto Greiner (1869 – 1916)

32
Pacino di Bonaguida (c.1280 – antes de 1340)
Paolo Rossetto (1968)
Pasquale De Carolis (?)
Patrick Waterhouse (1981)
Patrick Woodroffe (1940)
Paul Erland (?)
Paul-Emile Colin (1867 – 1949)
Peter Cross (1951)
Peter Howson (1958)
Peter Kattenberg (1954)
Peter van Oostzanen (1962)
Peter von Cornelius (1784 – 1867)
Philipp Veit (1793 – 1877)
Pierluigi Borghi (?)
Piero Bagnariol (?)
Pierre-Charles Comte (1823 – 1895)
Pierre-Claude-François Delorme (1783 – 1859)
Pietro Antonio Novelli (1729 – 1804)
Pietro Benvenuti (1769 – 1844)
Pietro Senno (1831 – 1904)
Plinio Nomellini (1866 – 1943)
Poul Simon Christiansen (1855 – 1933)
Priamo della Quercia (c.1400 – 1467)
Primo Costa (?)
Querubim Lapa (1925)
Quinto Martini (1908 – 1990)
R. T. Rose (?)
Raffaelle Gianetti (1832 – 1916)
Raffaello Morghen (1758 – 1833)
Raffaello Sanzio (1483 – 1520)
Raffaello Sorbi (1844 – 1931)
Raoul Vistoli (1915 – 1990)
Reinhard Schmid (1960)
Remo Brindisi (1918 – 1996)

33
Renato Guttuso (1911 – 1987)
Renato Signorini (1908 – 1999)
Renzo Vespignani (1924 – 2001)
Riccardo Di Virgilio (?)
Richard M. Powers (1921 – 1996)
Richard Pernsteiner (?)
Rico Lebrun (1900 – 1964)
Robert Cimbalo (?)
Robert Hamerstiel (1933)
Robert Rauschenberg (1925 – 2008)
Robert Turner (?)
Roberta Coni (1976)
Roberta Delaney (1936)
Roberto Nobre (1903 – 1969)
Rodolfo Margheri (1910 – 1967)
Rogério Ribeiro (1930 – 2008)
Rui Chafes (1966)
Sá Nogueira (1921 – 2002)
Salvador Dalí (1904 – 1989)
Sandow Birk (1962)
Sandro Arduini (?)
Sandro Botticelli (1445 – 1510)
Sandro Cerchi (1911)
Sanne Glissov (1956)
Santo Spartà (?)
Satoshi Kitamura (1956)
Serafino Macchiati (1861 – 1916)
Sergio Cicognani (1927)
Seymour Chwast (1931)
Seymour Kirkup (1788 – 1880)
Sidney Nolan (1917 – 1992)
Siegfried Zademack (1952)
Silvestro Cutuli (1948)
Silvio Benedetto (1938)

34
Silvio Bicchi (1874 – 1948)
Silvio Gregori (?)
Simeon Solomon (1840 – 1905)
Sir Joseph Noel Paton (1821 – 1901)
Sophie Janinet Giacomelli (c.1786 - ?)
Stefano Ianni (1964)
Stefano Tofanelli (1750 – c.1810)
Stephanie Henderson (1959)
Steven Kenny (1962)
Suloni Robertson (1969)
Taddeo Gaddi (c.1300 – 1366)
Takeshi Yamada (1960)
Theodor de Bry (1528 – 1598)
Theodor Zeller (1900 – 1986)
Thomas Stothard (1755 – 1834)
Tim Roosen (1972)
Tom Duff (?)
Tom Phillips (1937)
Tommaso Piroli (1752 – 1824)
Tono Zancanaro (1906 – 1985)
Tullio Vietri (1927)
Ugo Levita (1958)
Val Dyshlov (?)
Valery Kharitonov (1939)
Victor Bastos (1830 – 1894)
Vincenzo Camuccini (1771 – 1844)
Vincenzo Gazzotto (1807 – 1894)
Vincenzo Gozzini (1806 – 1886)
Vincenzo La Bella (1872 – 1954)
Vincenzo Mascia (1957)
Vincenzo Morani (1809 – 1870)
Vincenzo Petroncini Gozzini (?)
Vincenzo Precenzano (?)
Vincenzo R. Latella (?)

35
Vincenzo Stanghi (? – 1860)
Virgilio Guzzi (1902 – 1978)
Vitale Sala (1803 – 1835)
Vito D’Ancona (1825 – 1884)
Vittorio Ribaudo (1937)
Vlada Mirkovic (1954)
Vladimir Favorsky (1886 – 1964)
Vladimir Ovtcharov (1963)
Volodia Popov (1961)
Voytek Nowakowski (1959 – 2011)
Walter Crane (1845 – 1915)
Walter Girotto (1953)
Wayne Barlowe (1958)
Wilhelm Trübner (1851 – 1917)
William Blake (1757 – 1827)
William Dyce (1806 – 1864)
Wolfgang Harms (1950)
Yan’ Dargent (1824 – 1899)
Zhang An (?)

36
2. Os desenhos do Inferno de António Carneiro

Durante o primeiro semestre de 1928, sabendo de que se tratava de uma obra de


elevada importância, mas de muito trabalho envolvido, António Carneiro lançou a si
próprio o desafio de interpretar a Divina Comédia de Dante Alighieri, inicialmente
através dos seus próprios métodos de desenho. Realizou quarenta e dois estudos de
composição para uma posterior passagem a fresco que nunca se concretizou.
Em vida, António Carneiro não chegou a expor os quarenta e dois desenhos.
Em 1961, Cláudio Carneiro, filho de António Carneiro, ainda propôs a venda
dos desenhos à Fundação Calouste Gulbenkian, mas este acordo nunca se concluiu. Em
1965, estes desenhos foram expostos no Ateneu Comercial do Porto e em Roma, no
Palácio Florença, para comemorar o VII centenário do nascimento de Dante. Em 1967
foram expostos nos Estados Unidos, em Providence, na «Maison Française». Em 1982 o
Instituto Português do Património Cultural adquiriu os 42 desenhos a Katherine Ribeiro,
nora de António Carneiro. Estes desenhos destinavam-se ao acervo do Museu Nacional
de Soares dos Reis, no Porto, onde estiveram expostos em 1995, aquando da reabertura
da exposição permanente do Museu. Esta exposição foi temporária devido aos
problemas de conservação dos desenhos quando expostos nestas condições. 19 Desde
então, permaneceram no acervo desta instituição, onde tivemos a felicidade de os
encontrar a todos ainda em bom estado de conservação.

António Carneiro ilustrou dezenas de livros20. A obra de ilustração mais


importante foi a interpretação da Divina Comédia de Dante, que estudamos neste texto.
Ilustrar o poema pelo qual nutria uma grande e antiga admiração, correspondia à
concretização do sonho que há muito o perseguia. O início da execução do projecto
tardou, por não possuir um atelier onde pudesse trabalhar livremente com modelos,
conforme desejava. Só em 1925 depois de inaugurado o atelier, lhe foi possível
começar o trabalho a que se tinha proposto. No seu atelier recitava para os amigos
passagens da Divina Comédia, na língua original, que aprendera em Itália durante a sua
estadia em 1899. Fez planos para uma nova viagem a Itália para visitar os cenários
descritos no poema e assim adquirir material para uma melhor interpretação dos cantos

19
ver BALDAQUE (1995), p.90.
20
ver FRANÇA (1973), pp.49-55

37
do poema, para posterior estudo do ambiente desenhado in situ. Esta intenção foi
descrita pelo Visconde de Vila-Moura:

“Assisti ao acumular, durante anos, dos seus sonhos, que amei em si, a seu lado!
E que sonhos!
Era a ilustração da Divina Comédia do Dante, para o que tencionávamos visitar,
especialmente, a Itália, repetindo os lugares que pudessem dar-nos, de alguma
sorte, a geografia provável do Poema, - sobre o qual, a propósito do seu trabalho,
eu lhe prometera uma conferência…” (VILA-MOURA, 1931, p.43)

Após ter contraído tuberculose, a sua filha Maria morre em 1925. A doença e a
sua morte afectaram o ritmo de trabalho e, por sua vez, a produção das obras do pintor.
Na sua grande maioria, os trabalhos que realizou nesta fase em que se remete ao
isolamento, reduzem-se a pinturas de interiores de igrejas obscuras, abrigos silenciosos
de meditação. Quadros com um sentimento de ausência absoluto. Mais tarde, perto do
fim da vida, a sua obra adquiriu uma espiritualidade mais acentuada com os desenhos da
Divina Comédia e regressaram os seus interesses simbolistas e humanos.
Apesar da falta de vestígios que definem os espaços e as paisagens e das figuras
com falta de volume e de materialidade, estes desenhos constituem novidades na obra
do artista: o movimento e a gestualidade. António Carneiro liberta-se das suas obras
anteriores de cenas triviais, de retratos e até mesmo dos interiores e, com recursos
limitados, consegue superá-las com uma liberdade de gestos que interessaram ao
ilustrador nesta fase de maior maturidade como artista. No entanto, a sua vida chega ao
fim e António Carneiro queda-se no Inferno, sem nunca ter chegado ao Purgatório e ao
Paraíso.

Torna-se complicada a tarefa de falar destes desenhos, principalmente quando já


foram falados na abordagem concisa de Anna Candiago (CANDIAGO, 1965),
possivelmente o único livro que se centra exclusivamente nas quarenta e duas
ilustrações do Inferno de António Carneiro. Longe de ser um projecto comercial, este
livro é antes a expressão duradoura de uma admiração, onde os desenhos se revelam
quase como uma partilha de pensamentos secretos do artista, como uma confissão. O
objectivo aqui não é o de completar ou melhorar a análise de Anna Candiago, mas
enriquecer por muito pouco que seja, a informação já existente em relação a esta obra

38
particular de António Carneiro e contribuir para a sua divulgação que, mesmo depois da
publicação do livro de Anna Candiago, permanece quase esquecida.

Os 42 desenhos de António Carneiro do Inferno de Dante, feitos no final da sua


vida entre 1928 e 1930 (ano da sua morte), representam a resposta considerada pelo
artista que foi igualmente poeta. A admiração de António Carneiro pela imaginação de
Dante era imensa. É a admiração de um poeta pelo outro. No seu poema Desalento
(CARNEIRO, 1936, p.36), António Carneiro chega mesmo a comparar Beatriz com a
Arte, reflexo da sua admiração por Dante e, acima de tudo, pela Arte: “Carneiro
considerava a Arte a essência da vida e dela falava com amor e entusiasmo
excepcionais. Se alguém, contudo, desviava a conversa para temas mais banais, ele
tornava-se de improviso um estranho no grupo, quase um ausente.” (CANDIAGO,
1965, p.6.) Carneiro foi único a expressar os seus sentimentos complexos de forma
visual e esta complexidade da resposta no final da sua vida é, talvez, inerente às suas
origens.21

José-Agusto França refere no catálogo António Carneiro 1872-1930. Catálogo


da Exposição Retrospectiva do I Centenário:

“Há muito que as imagens do poeta o perseguiam. Em 1913, escrevendo a


Pascoaes a propósito de «A Morte e o Doido», dirá que gostou «voluptuosamente
desse quadro dantesco, de uma simbolização estranha e de profundo e vasto
misticismo».” (FRANÇA, 1973, p.55)

O desenho (fig.a) de António Carneiro datado de 1912 e presente no livro O


Doido e a Morte (PASCOAES, 1913) revelava já por parte de António Carneiro, um
certo interesse pelo tema do Inferno.

21
“António Carneiro nasceu em Amarante em 16 de Setembro de 1872: o pai, que partira para o Brasil, só
dará notícias quando já o nome do filho começar a ser conhecido; a mãe, pobríssima, morrerá deixando-o
com sete anos. Da sua triste infância ele mesmo gostava de recordar com os amigos as horas mais alegres,
aquelas em que era obrigado a seguir os vários funerais com os companheiros de orfanato, onde, menino,
fora recolhido. Podia nesses momentos apanhar a cera que caía das velas durante as solenidades e
modelá-la depois a seu gosto. Já pintor famoso, recordava com manifesta comoção o dia em que teve
como presente um lápis de duas cores. Tal foi o seu entusiasmo que a mãe, pelo aniversário, lhe ofereceu
uma caixa completa. Quando entrou em poder da extraordinária dádiva, considerou-se o mais feliz dos
seus companheiros e passou todos os momentos livres a pintar.” (CANDIAGO, 1965, p.5-6)

39
a.

Não é certo o primeiro contacto que Carneiro teve com Dante ou com a Divina
Comédia, mas em 1899, nas suas notas da viagem a Itália, Carneiro escreve o seguinte:

“Quinta-feira, 13: Biblioteca Ambrosiana e Pinocoteca.


Doido amante de coisas antigas, pelas sugestões que elas me trazem, gostei
muito de ver os manuscritos da Biblioteca. São preciosos: um Virgílio anotado da
mão de Petrarca, acompanhando uma iluminura representando Virgílio; fragmentos
dum Homero, com miniaturas do fim do IV século; cartas de Lucrecia Borgia,
Ariosto, Tasso, Galileu, S. Carlos Borromeu, e uma Divina Comédia, de Dante, da
primeira metade do século XIV.” (VASCONCELOS, 1982-84, p. 113)

António Carneiro esteve perante um exemplo raro e um dos primeiros


manuscritos da Divina Comédia, escrito em 1353, pouco tempo depois do códice MS
108022.
Esta experiência foi sem dúvida marcante para um artista que considerou Dante um
“espírito superior” na nota que escreveu acerca de Giotto, durante a sua passagem pela

22
MS 1080 (Milão, Biblioteca dell' Archivio Storico Civico e Trivulziana) é a mais antiga Divina
Comédia ilustrada com uma data precisa e foi produzida em Florença, em 1337. No entanto, existem
algumas cópias iluminadas da Divina Comédia que podem ter sido concluídas mais cedo na mesma
década, embora seja difícil estabelecer com precisão pois não se encontram datas escritas nos próprios
manuscritos, como é o caso do códice Palatino 313, cujas iluminuras são atribuídas à oficina de Pacino di
Bonaguida, pintor e iluminador italiano com um estilo arcaico relacionado com as tradições do final do
século XIII e com uma influência adicional das primeiras obras de Giotto. A fase final da sua carreira
(desde aproximadamente 1330 até à data da sua morte, antes de 1340) foi dedicada exclusivamente à
produção de manuscritos.

40
Basílica de Santa Cruz em Florença, 16 dias mais tarde, no domingo 29 de Junho de
1899: “Dante foi o seu grande amigo; e é possível que esta convivência com um espírito
tão superior, tivesse poderosamente influído na sua manifestação de pintor.”
(VASCONCELOS, 1982-84, p.132)

Estas observações positivas acerca de Dante levantam uma questão de como a


admiração de Carneiro por Dante é registada nestes desenhos. Antes de considerar esta
questão, é necessário ver o que António Carneiro produziu realmente. A actividade
central artística de Carneiro, para além das suas pinturas e dos seus desenhos, foi a
produção de ilustrações para livros. A produção de Carneiro sofreu uma quebra a partir
do início da segunda década do século XX e o Visconde de Vila-Moura, que reconheceu
em António Carneiro um homem de “alma pura e de forte carácter” (VILA-MOURA,
1931, p.43), tentou divulgar os seus desenhos do Inferno. Artisticamente, estes desenhos
foram um sucesso impressionante, permanecendo as ilustrações mais interessantes de
Carneiro.
A intenção de Carneiro era pintar, mas não é certo quantos quadros foram
pensados. Numa carta que escreveu a Azeredo Perdigão, Cláudio Carneiro lembra as
palavras do seu Pai: “necessito de dez anos para pintar essa série de frescos.”
(BALDAQUE, 1995, p.89)
Considerando as suas pinturas e numa época em que o seu ritmo de produção
entrava em declínio, parece pouco provável que um homem de 55 anos realizasse pelo
menos 100 pinturas de grande escala em dez anos, portanto uma selecção deve ter
permanecido na sua mente. O progresso das ilustrações de Carneiro, e alguns dos seus
pensamentos acerca de Dante, foram registados em poucas notas e apontamentos.
Particularmente interessante é o artigo do Visconde de Vila-Moura publicado em 1921
pela revista catalã Vell I Nou:

“Não se imagine, porem, que o delicado poeta da cor e de traço é de qualquer


modo alheio ao tumulto humano da formidavel tragedia de sempre.
Propositadamente solicitei para a Vell I Nou um estudo do seu trabalho de
illustração á Divina Comedia.
É um argumento do «Inferno» do divino italiano, pelo qual pode ver-se até que
ponto a alma do intérprete se deforma e amplia por fixar a maior tragedia literaria
de todos os tempos.

41
Ahi [sic] está, além de tudo, o anatomista, o desenhador em grande, que tem nos
olhos as imagens dos blocos humanizados de Miguel Angelo, de Rodin; das telas
formidaveis de Ticiano; de Veroneso; dos artistas das figuras musculadas; e na
alma, as primeiras lições desse genio admiravel, só obscuro por ter nascido neste
canto do mundo, que foi Soares dos Reis, e ao qual, bem por certo, a Arte do pintor
tanto deve. Incide a interpretação sobre o canto XXVIII do «Inferno».
Reproduz a multidão triste dos que semearam a discordia. Ao lado as figuras
hirtas, hieráticas, dos poetas.
No final — Bertrand de Bornio, «o que deu ao rei João os maus conselhos»,
ostentando a cabeça sôlta a laia delanterna [sic].
É urna visão violenta, formidavel, a que se evola do canto de Dante, — o Poeta
de inquietação, da avidez, das sombras precitas, penitentes, caminhando pelo
scenario [sic] funéreo a orchestrar [sic] seus gemidos, que fendem «o ar sem
astros» e mal accendem [sic] o hemispherio [sic] de trevas em que se debate a
acção.
O episodio marcado é um caso macabro, extravagante, arythmico [sic],
corporizando, illustrando [sic] a vida sem esperança, fecho de toda a desavença
humana.
É um turbilhão de almas, humanizando-se por monumentalisarem [sic] seu
soffrimento [sic]; passando como arvores que houvessem perdido as raizes e um
vendaval de Justiça arremessasse para um mundo sem destino, —o do seu penar
perpetuo!
Pelo exemplo deste episodio se pode avaliar do escrupulo e trabalho do
illustrador [sic].
Este é tambem a ultima paixão, o grande tormento de Antonio Carneiro, cujo
intuito resulta, ainda, nitido, dos estudos que temos presentes, e dos quaes [sic] a
actual reproducção [sic] é documento mais do que bastante: prova duma Arte
superior e ousada, —e que cremos definitiva na obra do desenhista e do pintor.”
(VILLA-MOURA, 1921, p.99)

Este artigo faz-se acompanhar de um desenho (fig.b) de António Carneiro, feito


possivelmente no ano de publicação do artigo e correspondente à cena de Os que
semearam discordia (fig.36). É interessante notar que este desenho, apesar de ter sido
feito anos antes, é bastante semelhante ao desenho (fig.c) correspondente a esta cena,
pertencente ao conjunto dos quarenta e dois desenhos apresentado neste capítulo.
Curiosamente, o primeiro desenho (fig.b) parece mais trabalhado e definido no traço e

42
na mancha. Existe um maior contraste de luz e sombra, e a falta de volume e de
materialidade das figuras dão lugar a uma evidente modelação. Por outro lado, o
segundo desenho (fig.c) parece mais trabalhado ao nível do traço e revela a utilização
do lápis que é praticamente inexistente no primeiro. O primeiro desenho parece quase a
continuação do segundo e, a partir desta evolução “invertida”, quase é possível imaginar
um quadro final de características verdadeiramente grotescas, completamente diferente
de qualquer outra obra de Carneiro.
Segundo o Visconde de Vila-Moura, “estes são trabalhos já fora dos processos,
desenhos directos, sem sombra de academismo.” (VILA-MOURA, 1931, p.36) O
primeiro desenho (fig.b) prova que os restantes apresentados neste capítulo não são
meros acasos. Esta cena foi previamente pensada, e as diferenças, não só no aspecto de
composição da cena, mas mesmo a nível de tratamento de linha e de mancha, são muito
poucas.

b. c.

Estes desenhos estão intimamente relacionados com o próprio texto de Dante. O


artista fez um comentário visual detalhado e seguiu a autenticidade do poema, a fim de
entrar mais profundamente nele. Vistas simplesmente como ilustrações do texto de

43
Dante, elas são extraordinárias na sua sensibilidade para o significado de Dante e da
atmosfera do Inferno.
Na última fase da sua vida, António Carneiro estava no auge dos seus poderes
artísticos, capaz de se ocupar completamente da imagética proverbialmente complexa
da obra de Dante e impor uma clareza relativa em cenas repletas de figuras em acção.
Por exemplo, no desenho O Acheronte (fig.5) existem várias figuras, divididas em
grupos distintos, mas muitas mostram formas individualizadas de aflição. Ao mesmo
tempo, a configuração sugere a tristeza infinita dos rios e lagos infernais, embora ainda
nenhum dos tormentos do Inferno tenha sido experimentado. Esta ilustração e muitas
outras deste conjunto, atingem grande parte do seu efeito através da expressividade da
linha que torna possível traduzir a aparência das personagens, com variação mínima, às
vezes, a atitude, as rugas subtis e as convulsões do rosto, as modificações no arranjo das
pregas e os sentimentos expressos pelos versos de Dante.
A investigação subtil do artista e a força do seu traço atingem muitas vezes
interpretações surpreendentes, incluindo folhas onde a incompletude de trabalho ou o
enredo dos episódios atingem um ritmo encantador. Este conjunto também se destaca
igualmente pela concentração desigual de sequências: em alguns casos dois desenhos
ilustram cenas diferentes do mesmo canto e não se sabe se Carneiro pretendeu dar duas
visões sobre uma determinado canto, ou se se propôs a rejeitar alguma; outros casos,
raras vezes compila numa única imagem vários momentos de um canto que revelam
pormenores fantásticos.
Por exemplo, no desenho Dante e Virgílio (fig.2) Virgílio tranquiliza Dante,
enquanto lá atrás a presença da loba passa quase despercebida e vai desaparecendo à
medida que os dois se afastam. Já no desenho Beatriz (fig.3), Carneiro decidiu
representar Dante, Virgílio e Beatriz na mesma página. Ao contrário do desenho Dante
e a Loba (fig.1) e Dante e Virgílio, em que a figura de Dante surge, respectivamente,
assustada e enfraquecida, no desenho Beatriz a aparição de Beatriz provoca um estado
de êxtase em Dante, retratado nos traços simples e expressivos que definem a sua figura.
Igualmente interessante neste desenho é a figura de Beatriz que ao contrário da loba,
que tem um aspecto quase abstracto e desaparece no horizonte afogando-se na paisagem
quase como O Cão de Goya, os traços revelam bem a sua silhueta que surge no topo de
uma montanha no canto superior da folha, apesar da dimensão da figura distante e da
impossibilidade de admirar o seu rosto. Mais nenhuma figura é colocada neste lugar.
Carneiro sentiu que Beatriz não pertencia a esta série de desenhos entre as figuras nuas

44
dos condenados, mas a sua presença foi essencial, para despertar na figura de Dante, um
sentimento oposto aos que são experienciados no Inferno.
Carneiro quase não representa estas expressões ao longo dos vários círculos do
Inferno. O desenho Geryon (A Fraude) (fig.22), não revela a face de homem justo de
Geryon23. Carneiro apresenta-nos a Fraude de cara voltada. Para além de revelarem as
transformações criativas presentes na figura de Dante ao longo do conjunto, estes
desenhos reforçam os efeitos destrutivos resultantes da condenação de Dante.
António Carneiro foi capaz de criar ritmos de beleza suave, assim como
desencadear uma tempestade de linhas nervosas e doentias, criando maior dramatismo
através do contraste entre a figura oprimida e do cenário onde cada mancha parece
destacar um sentimento de hostilidade. A maioria dos desenhos, mesmo aqueles menos
trabalhados, têm uma atmosfera conseguida através da utilização de aguadas de tinta
que exprimem as horríveis, mas sempre em mudança, condições climatéricas dos nove
círculos do Inferno que são muitas vezes aqui sugeridos por essas manchas encurvadas e
em espiral, particularmente visíveis a partir do desenho A Porta do Inferno (fig.4). Este
desenho, ao contrário dos restantes é dominado pela força das palavras que se
encontram escritas no topo da composição e onde se centra quase toda a atenção,
enquanto o aspecto indefinido produzido pelas manchas diluídas na porta, conferem
grande expressividade a esta cena. Igualmente expressivo e dramático é o desenho
Cerbero (fig.9), que após a cena apaixonante do desenho Paulo e Francesca (fig.8),
revela uma composição com vários elementos distintos, e com uma simplicidade de
traço o artista representa “mais tormentos e mais atormentados”24 debaixo da chuva
eterna. A presença discreta e o próprio tratamento indefinido de Cerbero criam na cena
um efeito avassalador, reforçando a ideia de que mais assustador que os monstros que
vão surgindo ao longo da viagem é o próprio sofrimento das almas. O desenho seguinte
Os Avaros e os Pródigos (fig.10) revela um equilíbrio e uma conjugação fenomenal
entre o traço simples do lápis que representa as figuras, e a mancha aguada que
preenche os pesos de ouro que as figuras empurram com o peito. Ainda no mesmo
canto, mas já no círculo quinto, os coléricos do desenho O Stige (Os Dominados pela

23
“Por face tinha a face de homem justo,
tão benignas feições fora revela;
e de serpente, o resto era robusto.”
Inferno, Canto XVIII, 10-12.
24
Inferno, Canto VI, 4.

45
Cólera) (fig.11) ferem-se reciprocamente ou sofrem enterrados no limo, dando sempre a
sensação de que o Inferno é um lugar enorme repleto de zonas de miséria e de tortura.
Ao longo destes desenhos assistimos ao sofrimento das figuras que se estende
até à composição trágica do penúltimo desenho: Os Traidores – Ugolino (fig.41), que
lembra de certa forma a representação da mesma cena da autoria de Domingos Sequeira
e que vimos anteriormente. De um modo geral, os quarenta e dois desenhos são
impressionantes, mesmo apesar dos escassos elementos que indicam o espaço em que a
cena decorre, a redução da configuração da paisagem e da simplicidade das figuras que
se encontram neste ambiente pouco definido, mas sugerido pela força das tonalidades
repletas de dramatismo concedido pelos negros, cinzas e sépias de uma aguada ou então
pelo traço leve de uma pena, lápis ou pincel que se respondem mutuamente. A
gestualidade das figuras surge assim de uma linguagem de claridades e sombras, através
de uma expressão gráfica nervosa, gerada pelas pinceladas e traços que projectam sem
pretensões realistas os protagonistas do Inferno.
Outro aspecto interessante são as referências das linhas de Dante nas margens de
todos os desenhos, registo minucioso da sua leitura. Longe de dificultar a imaginação do
artista, elas parecem tê-la estimulado. Os textos que António Carneiro escreveu nas
margens recuaram, por assim dizer, para a natureza puramente física da representação
para procurar refúgio nas linhas do poema, como se ele se tivesse sentido sempre
obrigado a moderar uma reinterpretação mais criativa com a autenticidade do texto.

Interessa também referir aspectos menos notados relativos a estes desenhos.


Possivelmente, o mais antigo registo fotográfico deste conjunto encontra-se no artigo I
disegni danteschi di Antonio Carneiro do jornal Il Giornale dantesco de 1931,
composto por três fotografias correspondentes a três desenhos pertencentes ao conjunto
dos quarenta e dois desenhos aqui apresentado (fig.30, fig.31 e 33).
Apesar de as fotografias presentes no Il Giornale dantesco e no livro António
Carneiro ilustrador de Dante serem a preto-e-branco, os oitenta e um anos que separam
as três fotografias de 1931 das fotografias que foram tiradas propositadamente para este
estudo, parecem não ter alterado muito o estado de conservação dos desenhos, assim
como as fotografias presentes no livro de António Carneiro ilustrador de Dante, à
excepção de algumas manchas e desgastes nas margens do papel, próprios da passagem
do tempo. Raras são as excepções em que os desenhos apresentados por Anna Candiago
estão mais danificados que os desenhos apresentados neste estudo, o que é

46
perfeitamente normal visto que essas imagens são quase cinquenta anos mais antigas.
No entanto, é de salientar o caso do desenho A Perfídia (fig.33) presente nos três
registos fotográficos.

d. e. f.

d. A Perfídia (pormenor), imagem presente em Il Giornale dantesco de 1931


e. A Perfídia (pormenor), imagem presente em António Carneiro Ilustrador de Dante (1965)
f. A Perfídia (pormenor), imagem de 2012

No canto superior esquerdo da fotografia do Il Giornale dantesco (fig.d), é


possível ver um pequeno desgaste, embora não seja totalmente perceptível pois a
imagem não revela as margens da folha. Já a imagem presente no livro de Anna
Candiago (fig.e) apresenta o mesmo canto bastante danificado. Surpreendentemente, a
fotografia que foi tirada para este estudo (fig.f) não revela qualquer estrago. Antes de
serem aqui inseridas, estas três imagens foram sobrepostas de forma a interceptarem-se
relativamente nos mesmos locais. Este desenho pode ter sido cortado na margem da
folha ou restaurado e nesse último caso é de louvar o bom trabalho do responsável pelo
restauro. Por outro lado, o desgaste pode pertencer à própria fotografia e não ao
desenho, o que dadas a circunstâncias parece pouco provável, ou as três fotografias
podem ter sido tiradas de ângulos ligeiramente diferentes mas o suficiente para validar a
hipótese de o desenho ter sido cortado naquele local específico.

47
Todos os desenhos do conjunto são de dimensões relativamente uniformes à
excepção do último (fig.42) que é de dimensões ligeiramente inferiores. Este último
desenho da série é o mais colorido de todos, com aplicações de lápis, tinta e aguada
azul, sanguínea e sépia sobre um tipo de papel meio brilhante e de menor gramagem que
os outros desenhos, apresentando dois grandes vincos que atravessam o desenho e se
cruzam na aresta esquerda da folha. Estas características quase o colocam de parte do
resto dos desenhos que se encontram todos na mesma fase de acabamento, uns com
mais indicações a lápis ou a tinta, sugerindo que o artista trabalhou sempre com o efeito
de toda a série na mente. No entanto não se sabe se Carneiro pretendeu rejeitar algum
deles, se estava satisfeito com o equilíbrio das imagens, ou se tinha a intenção de fazer
mais. A verdade é que estes desenhos nunca são explorados com exaustão, isto é, são
estudos preliminares para futuras pinturas e alguns destes desenhos podem até ter
permitido ao artista penetrar em determinadas partes do poema sem ter que transpor as
suas ideias do papel para a tela. Ao tentar acompanhar os processos criativos de António
Carneiro, é-se privilegiado com uma visão intimista de uma mente rica, apanhada nas
várias fases de criação. O facto de Carneiro deixar adormecida uma ideia que é
retomada tempos depois, pode sugerir que ele deixou-a amadurecer para mais tarde
poder criar o que ele imaginou ser uma obra de arte.
O percurso deste trabalho e as suas metamorfoses formam uma história
extraordinária, que ocuparam pelo menos os últimos dez anos da vida de um homem
que desenvolveu o seu último projecto com uma perspectiva gloriosa e difícil e com a
mesma dedicação obstinada e o mesmo espírito com que executou as suas pinturas.
Estes desenhos são únicos na obra de António Carneiro. Talvez fossem o reflexo da
despreocupação e da falta de interesse pela vida, e paradoxalmente da vontade de viver
e do medo da morte, da incerteza em relação ao futuro ou da amargura sentida pelo
próprio pintor, numa fase mais complicada da sua vida.

No 36º aniversário do seu casamento, António Carneiro dedica à sua mulher o


último poema do seu livro Solilóquios (CARNEIRO, 1936), o poema Victória escrito
em São Paulo em 1929, aquando da viagem que fez ao Brasil no mesmo ano:

48
“Os pés dilacerados dos espinhos,
E sangrando, ferido, o coração,
Ergo-me à Luz, vencida a cerração,
A Selva escura, os hórridos caminhos.

Ao verem-me partir, moço loução,


Tão alheio aos terrenos borborinhos,
Alguns clamavam (loucos mesquinhos)
Que eu combatia por um sonho vão.

Humilde, respondi: - “Confio em Deus!...”


E, assim em Israel – dos altos céus
Baixou de Deus, ainda, a voz augusta…25

- Não mais temor e espanto. A alma, forte,


Marcha, serena, desafiando a Morte,
Como jamais intrépida e robusta.”

Na fase final da sua vida, António Carneiro apresenta este poema que em muitos
aspectos se assemelha à viagem de Dante pelo Inferno. Apesar de não ter chegado ao
Purgatório e ao Paraíso, António Carneiro saiu do Inferno e neste poema parece relatar
essa experiência em busca da redenção. Dia 31 de Março de 1930, três meses depois de
ter escrito este poema, António Carneiro morre junto da sua mulher e dos seus filhos,
após ter contraído hepatite no regresso a Portugal.
Como muitos dos artistas e escritores do século XIX, o pintor teve um certo
prazer pela exploração das profundezas da natureza humana. Conhecido como o
“retratista das almas” (LAPA, 2010, p.31), António Carneiro tinha uma grande
admiração pela Natureza e pela alma humana, e nos desenhos do Inferno ele quis
envolver o seu ser no sofrimento íntimo das almas. A escassez de cenas do Purgatório e
do Paraíso, é talvez o reflexo da maior dificuldade que António Carneiro teve em
interpretar a visão de Dante da redenção celeste, do que com o seu panorama infernal.
No último desenho, os horrores do Inferno dão lugar pela primeira vez a sentimentos de
ternura.

25
ALIGHIERI, Dante, A Divina Comédia, Lisboa, Livraria Sá da Costa – Editora, 1955, p.10, 45-46:
“«Se eu apreendo bem o sentido das tuas palavras», respondeu a sombra augusta de Virgílio.”

49
Tal fim aparentemente inconclusivo, bem como as pistas dadas principalmente
pela utilização da cor, do tipo de papel mais modesto, da dimensão do próprio papel e
dos vincos que nele se apresentam, levantam a questão do modo pelo qual os
sentimentos de António Carneiro em relação a algumas crenças de Dante possam
estabelecer-se fora desta série, ou pelas maneiras como o artista possa querer reforçar o
seu acordo com Dante acerca de várias questões. As intenções de Carneiro não são
claras e permanecerão sempre uma dúvida, mas para procurar respostas nas suas opções
a partir do texto original, é preciso interpretar totalmente este conjunto, apesar de o
artista nunca ter iniciado a fase final deste projecto. Se António Carneiro tivesse
iniciado as pinturas como previu, a avaliar pelas suas outras obras, provavelmente teria
encoberto algumas das suas respostas espontâneas a Dante e substituído a liberdade do
lápis e da caneta, pela aplicação mais comedida do pincel com óleo. Provavelmente
haveria ganhos de coerência global e na resolução de alguns problemas de interpretação,
mas também seria, de certa forma, a perda do conjunto como foi deixado para nós: uma
das melhores obras de António Carneiro e da ilustração em Portugal.
Quando vemos este conjunto de desenhos como uma série inacabada e com o
texto de Dante escrito pelo artista nas margens da folha, é quase como se estivéssemos a
olhar para eles na própria sala de trabalho de António Carneiro, como Anna Candiago
quando os viu pela primeira vez. A sensação da mente de António Carneiro a trabalhar o
texto de Dante, com uma percepção imediata que se iria perder na pintura e que só é
possível através do desenho.

50
“Deixai toda a esperança, vós que entrais.”

Inferno, Canto III, 9

51
1.

Dante e a Loba, Canto I, 1928-30


Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,4 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1381

Ed’ una lupa, che di tutte brame


sembiava carca nella sua magreza.

Questa mi porse tanto di gravezza


con la paura, ch’uscia di sua vista,
ch’io perdei la speranza d’ella’altezza.

52
53
2.
Dante e Virgílio, Canto I, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,3 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1382

Poeta, io ti richieggio
per quello Iddio che tu non conoscesti,
acciocch’io fugga questo male e peggio,
che tu mi meni là dov’or dicesti,
sì ch’io vegga la porta di san Pietro,
e color che tu fai cotanto mesti.

54
55
3.
Beatriz, Canto II, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,5 x 26 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1383

Quale i fioretti dal notturno gelo


chinati e chiusi, poi che il sol gl’ imbianca,
si drizzan tutti aperti in loro stelo;
tal mi fec’ io di mia virtude stanca:
e tanto buono ardire al cor mi corse,
ch’io cominciai come persona franca.

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4.
A Porta do Inferno, Canto III, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,4 x 26,3 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1384

Queste parole di colore oscuro


vid’ io scritte al sommo d’una porta.

58
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5.
O Acheronte, Canto III, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,7 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1385

Ed ecco verso noi venir per nave


un vecchio, bianco per antico pelo,
gridando: “Guai a voi, anime prave!
Non isperate mai veder lo Cielo:
i’ vegno per menarvi all’ altra riva,
n’ elle tenebre eterne, in caldo e in gelo.

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6.
Os Poetas nos Limbos, Canto IV, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,8 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1386

vidi quattro grand’ ombre a noi venire:


sembianza avevan nè trista nè lieta.

Quegli è Omero poeta sovrano;


l’altro è Orazio satiro, che vene,
Ovidio è il terzo, e l’ ultimo è Lucano.

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7.
Minos, Canto V, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,6 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1387

Stavvi Minòs orribilmente, e ringhia:


esamina le colpe nell’ entrata,
giudica e manda, secondo che’ avvinghia.

cignesi colla coda tante volte,


quantunque gradi vuol che giù sia messa.

64
65
8.
Paulo e Francesca, Canto V, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,6 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1388

Quali colombe dal disio chiamate,


con l’ali aperte e ferme, al dolce nido
volan per l’aer..............

Amor, ch’a null’ amato amar perdona,


mi prese del costui piacer sì forte,
che, come vedi, ancor non m’abbandona.

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9.
Cerbero, Canto VI, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,8 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1389

Cerbero, fiera crudele e diversa,


con tre gole caninamente latra
sovra la gente che quivi è sommersa.

Urlar li fa la pioggia come cani;


dell’ un de’ lati fanno all’altro schermo;
volgonsi spesso i miseri profani.

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10.
Os Avaros e os Pródigos, Canto VII, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,8 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1390

Qui vid’ io gente più che altrove Troppa,


e d’una parte e d’altra, con grand’ urli,
voltando pesi per forza di poppa;
Percotevansi encontro, e poscia pur li
si rivolgea ciascun, voltando a retro,
gridando: “Perchè tieni?” e: “Perchè burli?”.

70
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11.
O Stige (Os Dominados pela Cólera), Canto VII, 1929-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,7 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1391

Questi se percotean, non pur con mano,


ma con la testa e col petto e co’ piedi,
Troncandosi coi denti a brano a brano.
Lo buon Maestro disse: “Figlio, or vedi
l’anime di color cui vinse l’ira;

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12.
Os Violentos (Os Orgulhosos), Canto VIII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,7 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1392

Quei fu al mondo persona orgogliosa;


bontà non è che sua memoria fregi:
cosi s’è l’ombra sua qui furiosa.

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13.
As Três Fúrias, Canto IX, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,8 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1393

.... un punto furon dritte ratto


tre furie infernal di sangue tinte,
che membra femminile aveano ed atto,
e con idre verdissime eran cinte;
Coll’unghie si fendea ciascuna il petto.

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14.
Os Heréticos, Canto IX, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,8 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1394

Ed io: “Maestro, quai son quelle genti,


che seppellite dentro da quell’ arche
si fan sentir con gli sospir dolenti?”
Ed egli a me: “Qui son gli eresiarche
co´ lor seguaci d’ogni setta; . . . .

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15.
Os Epicuristas, Canto X, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
34 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1395

Suo cimitero da questa parte hanno


con Epicuro tutti i suoi sequaci,
che l’anima col corpo morta fanno.

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16.
Os Violentos, Canto XI, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
34 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1396

D’ogni malizia ch’odio in Cielo acquista,


ingiuria è il fine, ed ogni fin cotale
o con forza o con frode altrui contrista.

82
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17.
Os Centauros, Canto XII, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,8 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1397

E tra il piè della ripa ed essa, in traccia


correan centauri armati di saette,
come solean nel mondo andare a caccia.

84
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18.
As Harpias (Os Suicidas), Canto XIII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,5 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1398

Quivi le brutte Arpie lor nido fanno,

Ale hanno late, e colli e visi umani,


piè con artigli, e pennuto il gran ventre
fanno lamenti in su gli alberi strani.

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19.
Os Blasfemadores, Canto XIV, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,5 x 26,3 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1399

D’anime nude vidi molte gregge,


che piangean tutte assai miseramente,
e parea posta lor diversa legge.

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20.
Os Violentos contra a Natureza, Canto XV, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,6 x 26,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1400

Quando incontrammo d’anime una schiera


che venia lungo l’argine, e ciascuna
ci riguardava, come suol da sera
guardar l’un l’altro sotto nuova luna.
Gente vien con la quale esser non deggio.

90
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21.
A Ronda das Sombras (Ainda os Violentos), Canto XVI, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,4 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1401

Fenno una ruota di sè tutti e trei.


Così, rotando, ciascuna il visaggio
drizzava a me, sì che in contrario il collo
faceva a’ piè continuo viaggio.

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22.
Geryon (A Fraude), Canto XVII, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,4 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1402

La faccia sua era faccia d’uom giusto,


tanto benigna avea di fuor la pelle;
e d’un serpente tutto l’altro fusto.
I’ m’assetai in su quelle spallacce;
Come la navicella esce di loco
in dietro in dietro, sì quindi si tolse;

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23.
Os Sedutores, Canto XVIII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,7 x 25,6 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1403

Vidi demon cornuti con gran ferze,


che li battean crudelmente di retro.

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24.
A Lisonja Thaïs, Canto XVIII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
33,9 x 26,1 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1404

Taida è, la puttana che rispose


al drudo suo, quando disse: “Ho io grazie
grandi appo te?”: - “Anzi maravigliose.”

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25.
A Avareza e a Fraude, Canto XIX, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
33,5 x 26,7 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1405

Fatto v’avete Dio d’oro e d’argento;

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26.
Os Adivinhos, Canto XX, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
34 x 26,6 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1406

Chè dalle reni era tornato il volto;


e indietro venir gli convenia,
perchè il veder dinanzi era lor tolto.

102
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27.
Os Impostores, Canto XXI, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,7 x 25 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1407

Non vedi tu ch’ei digrignan li denti,


e colle ciglia ne minaccian duoli?

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28.
Ainda os Impostores, Canto XXII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,7 x 25,4 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1408

E Graffiacan, che gli era più di contra,


gli arroncigliò le impegolate chiome,
e trassel su, che mi parve una lontra.

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29.
Os Hipócritas, Canto XXIII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,8 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1409

Laggiù trovammo una gente dipinta,


che giva intorno assai con lenti passi,
piangendo, e nel sembiante stanca e vinta.

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30.
Ainda os Hipócritas, Canto XXIII, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
32,8 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1410

…. Quel confitto, che tu miri,


consigliò i Farisei, che convenia
porre un uom per lo popolo à martiri.

110
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31.
Sem nome (Vence a dor), Canto XXIV, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,7 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1411

…. Vinci l’ambascia
con l’animo che vince ogni battaglia,
se col suo grave corpo non s’accascia.

112
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32.
Os Ladrões, Canto XXIV, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
32,8 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1412

Tra questa cruda e tristissima copia


correvan genti nude e spaventate,
Con serpi le man dietro avean legate;
Quelle ficcavan per le ren la coda
e il capo, ed eran dinanzi aggroppate.

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33.
A Perfídia, Canto XXV, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,7 x 25,3 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1413

Ed io vidi un Centauro pien di rabbia


venir gridando: - “Ov’ è, ov’ è l’acerbo?”
Sopra le spalle, dietro dalla coppa,
con l’ale aperte gli giaceva un draco;
e quello affuoca qualunque s’intoppa.

116
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34.
A Felonia, Canto XXVI, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,8 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1414

Tal si movea ciascuna per la gola


del fosso, che nessuna mostra il furto,
e ogni fiamma un peccatore invola.

118
119
35.
Os Conselheiros de Fraude, Canto XXVII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,8 x 25,4 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1415

Dal principio nel fuoco, in suo linguaggio


si convertivan le parole grame.
Mentre ch’io forma fui d’ossa e di polpe,
che la madre mi diè, l’opere mie
non furon leonine, ma di volpe.

120
121
36.
Os que semearam discordia, Canto XXVIII, 1928-30
Lápis e aguada sobre papel,
32,8 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1416

I’ vidi certo, ed ancor par ch’io ’l veggia,


un busto senza capo andar, sì come
andavan gli altri della trista greggia.
E il capo tronco tenea per le chiome,
pésol con mano, a guisa di lanterna,
e quel mirava noi, e dicea: “O me!”

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37.
Os Falsificadores, Canto XXIX, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,6 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1417

“……………….
E ti dee ricordar, se ben t’adocchio,
com’ io fui di natura buona schimia.”

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38.
Os Falsários, Canto XXX, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,9 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1418

…… “Chi son li duo tapini,


che fuman come man bagnata il verno,
giacendo stretti a’ tuoi destri confini?”
L’una è la falsa che accusò Giuseppo;
l’altro è il falso Sinon greco da Troia;
per febbre acuta gittan tanto leppo.”

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39.
Os Gigantes - Anteu, Canto XXXI, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,6 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1419

Qual pare a riguardar la Carisenda


sotto ’l chinato, quando un nuvol vada
sovr’ essa sì, ch’ ella in contrario penda:
Tal parve Antéo a me, che stava a bada..
Ma lievemente al fondo, chi divora
Lucifero con Giuda, ci posò;

128
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40.
Os Traidores, Canto XXXII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,7 x 25,2 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1420

Forte percossi il piè nel viso ad una.


Piangendo mi sgridò: “Perchè mi peste?

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41.
Os Traidores - Ugolino, Canto XXXIII, 1928-30
Lápis, tinta preta e aguada sobre papel,
32,8 x 22,6 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1421

Come un poco di raggio si fu messo


nel doloroso carcere, ed io scorsi
per quattro visi il mio aspetto stesso

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42.
Sem nome (E, saindo, revimos as estrelas), Canto XXXIV, 1928-30
Lápis, tinta e aguada azul, sanguínea e sépia sobre papel,
28,3 x 18,8 cm
Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis,
Col. MNSR, n.º 1422

E quindi uscimmo a riveder le stelle.

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O Inferno: uma proposta de ilustração

137
138
1. Memória descritiva

As ilustrações da Divina Comédia apresentadas neste capítulo são o resultado de


um processo realizado ao longo do segundo ano do Mestrado em Desenho, fruto de
experimentações aí realizadas no primeiro ano e que tiveram origem num exercício de
composição. O material utilizado para a realização desse exercício foi a grafite sobre
papel sobre placas de linóleo, através da técnica de frottage desenvolvida por Max
Ernst.
As seguintes palavras foram ditas pelo próprio artista no documentário Max
Ernst: Mein Vagabundieren - Meine Unruhe de Peter Schamoni e descrevem de uma
forma resumida o mito do crescimento da técnica de frottage, tal como Max Ernst
formulou na sua autobiografia Au-delà de la peinture escrita em 1936:

“Durante toda a minha vida sofri o que poderíamos denominar um complexo de


virgindade ao enfrentar-me com uma tela em branco.
Quando estou frente a uma tela em branco, o acto de começar algo, de pintar, é
para mim realmente impossível. Não consigo realizar o primeiro traço. Tinha de
descobrir uma forma de superar aquela sensação, e encontrei-a.
A 10 de Agosto de 1925, um dia chuvoso, dei por mim numa hospedaria de
praia a observar o soalho do meu quarto. O meu olhar, de interessar-se, passou a
obcecar-se com o tamanho das tábuas. Havia milhares de desenhos incrustados na
madeira. Decidi então investigar o significado desta obsessão.
Graças à ajuda das minhas faculdades meditativas e alucinogénias, realizei uma
série de desenhos colocando folhas de papel, friccionadas com minas de lápis,
sobre as tábuas. Observava os desenhos e, surpreendentemente, uma sucessão de
imagens contraditórias e alucinantes surgiam perante os meus olhos sobrepondo-se
umas sobre outras.
Comecei a experimentar ao acaso toda a classe de materiais que me chamaram a
atenção. Os desenhos mostravam a classe de material investigado, cada vez com
mais claridade. Séries de sugestões e transmutações surgiam de repente. Por
exemplo, já não se via a madeira, apenas imagens de uma inesperada precisão.
Havia nascido uma nova classe de história natural.

139
Caspar David Friedrich Max Ernst
Floresta no Outono, c. 1835 A Floresta Petrificada, 1929
Óleo sobre tela, 35 x 44 cm Frottage a lápis, 74 x 98 cm
Paris, Musée du Louvre Paris, Centre Pompidou

Quase tudo o que crio se transforma numa floresta. Mas neste ponto não reside
unicamente o segredo do frottage. Isto poderia levar-nos muito, muito mais além...
Na minha opinião, esta “história natural” constitui realmente o único modo que
hoje nos resta (quero dizer, no século XX) de comungar com a natureza. Claro está
que se trata de uma aproximação à natureza, que já tinha sido imaginada com
antecedência por todo o movimento romântico alemão.
Todos eles mostravam uns sentimentos em relação à natureza que transcendiam
qualquer coisa que tivesse sucedido antes daquele período no qual a imaginação - a
força da imaginação - desempenhou um papel fundamental.

O que é uma floresta?

A primeira vez que me adentrei numa floresta fui percorrido por sentimentos
contraditórios. Prazer e consternação, assim como o que os artistas românticos
denominavam "a sensação da natureza". A magnífica sensação de respirar
livremente nos espaços abertos e, não obstante, ao mesmo tempo, a consciência
opressiva de ver-se rodeado por árvores hostis. De ver-se simultaneamente, livre e
prisioneiro.

140
Como resolver o paradoxo?

As árvores devoram o horizonte. Ocultam o sol e, por vezes, não permitem


vislumbrar mais que a sua auréola de raios. Aquilo marcou o começo de uma série
de imagens e temas que se introduziram na minha arte”.26

A floresta, neste caso a Selva Escura (fig.1), marca o começo da série de dez
ilustrações da Divina Comédia aqui apresentadas. Estas ilustrações foram realizadas a
partir de chapas de platex escavadas e a representação da própria placa (fig.1a)
correspondente à ilustração da Selva Escura é uma espécie de analogia ao soalho da
hospedaria de praia. Para a concepção destes desenhos, recorreu-se à técnica de frottage
como estratégia para ultrapassar a dificuldade igualmente sentida por Max Ernst em
realizar a primeira marca na folha. Para ultrapassar esta situação, e ao invés da grafite
utilizada no tríptico mencionado no início deste capítulo, utilizou-se o carvão vegetal
sobre papel sobre as chapas de platex tamanho A1 escavadas previamente com goivas.
A grafite apresentou problemas devido ao reflexo da luz, que aumenta de
densidade conforme a sobreposição de camadas de grafite na superfície da folha,
constituindo dificuldades de observação devido ao encandeamento (mais adequado
talvez ao Purgatório ou ao Paraíso), e afectando desta forma a interpretação da obra
final. Por outro lado, sendo um mineral e por sua vez, um material mais sólido que o
carvão, a grafite acaba por tornar as formas escavadas mais evidentes e neste caso fez
menos sentido a sua utilização neste projecto visto que o resultado a nível das formas
acaba por aproximar-se do resultado de uma xilogravura, apesar das suas evidentes
diferenças.
O carvão vegetal revelou ser um material mais adequado para este projecto do
que a grafite, pois é um elemento natural que faz parte da floresta. “A floresta? Solar,
queimada, petrificada, é o lugar perturbador, misterioso de todas as metamorfoses…”27
O carvão vegetal é uma matéria queimada, morta como as personagens do Inferno.

Devido à sua forma irregular, o carvão vegetal foi alisado previamente com uma
folha de lixa de modo a criar um lado uniforme, para posteriormente ser utilizado na

26
Tradução feita a partir de legendas em espanhol do documentário Max Ernst: Mein Vagabundieren -
Meine Unruhe.
27
“La forêt? Solaire, calcinée, pétrifiée, elle est le lieu inquiétant, mystérieux de toutes les
métamorphoses…” (BEAUMELLE, 2008, p.167)

141
superfície da folha, neste caso, a superfície brilhante e macia de um papel de cenário,
permitindo desta forma um melhor deslizamento do carvão para que este não danifique
o papel. A dimensão do carvão utilizado não deve ser inferior à da forma escavada, caso
contrário torna-se difícil revelar a sua forma na superfície do papel, pois debaixo deste
não existe a chapa de platex mas sim uma bolsa de ar que desaparece com a passagem
do carvão que desta forma revela no papel as entranhas do platex, como se pode
observar por exemplo na parte superior da pequena montanha do lado esquerdo da
ilustração correspondente à Escolta dos Diabos (fig.8). Esta situação pode ser evitada
como aconteceu por exemplo no canto superior direito da ilustração correspondente à
Cidade de Dite (fig.6), onde não houve passagem de carvão. Para além de revelar as
entranhas da chapa de platex, a passagem do carvão revela os vincos presentes no papel,
visíveis principalmente no traje de Virgílio (fig.2).
Utilizando o carvão é possível alterar voluntariamente através do desenho as
formas presentes na chapa de platex, como é o caso por exemplo dos seios de Taís
(fig.7) que no platex são bastante mais discretos, e acrescentar dramatismo à cena
através do uso de dégradés, visível principalmente nos cenários ou por exemplo nos
contornos de algumas partes do corpo de Ugolino (fig.10). Por outro lado, o carvão
permite também uma alteração quase automática das formas, que devido ao seu
movimento de arrastamento na superfície da folha, sugere igualmente uma ligeira
deformação dos elementos constituintes.
Porém, a tentativa de criar uma deformação na representação figurativa levanta
uma questão: “Até que grau de deformação permaneceremos homens? Esta antiga
questão é sinal da grande dúvida que assaltou o homem contemporâneo quanto à sua
própria humanidade.” (GIL, 2006, p.12) Quanto maior a gramagem do papel e quanto
menor a rigidez do material, mais distintas se tornam as formas do platex passadas para
o papel, e quantas mais passagens, mais imperceptível se torna o resultado até ficar
completamente negro e talvez esse seja o limite da deformação e da humanidade.
Através desta técnica, o desenho acaba por se tornar um processo quase
automático que adquire formas diferentes das originais escavadas no platex, sendo
possível criar formas diferentes umas das outras, mesmo usando a mesma chapa de
platex e o mesmo instrumento de desenho. Isto é visível principalmente nas expressões
do rosto, que se alteram consoante a forma e a força que é aplicada na passagem do
material de desenho na folha e o próprio material que é utilizado.

142
Nos seguintes exemplos (fig.a e fig.b), correspondentes à cena de Ugolino
(fig.10), foi utilizado uma espécie de carvão prensado, material mole e suave que
permite uma maior alteração e desfiguração das formas:

a. b.

c. Francisco de Goya d. Michelangelo Buonarroti


Saturno devorando um filho (pormenor), 1819-1823 Juízo final (pormenor), 1536-1541
Óleo sobre reboco transladado a tela, 146 x 83 cm Fresco, 13,7 x 12,2 m
Madrid, Museo del Prado Vaticano, Cappella Sistina

O rosto da fig.a revela-nos uma expressão de terror que eventualmente se poderá


comparar talvez à de Saturno devorando um filho (fig.c) de Goya, na medida em que
este foi uma influência para a realização da ilustração de Ugolino. A abordagem da fig.b
foi feita com mais passagens e consequentemente com maior densidade de carvão na
folha e esta sobreposição de camadas acabou por alterar ligeiramente a expressão do
rosto, visível principalmente nos olhos que assim se assemelham de alguma forma aos
“olhos em brasa”28 de Caronte representados por Michelangelo na obra Juízo Final
(fig.d).

28
“E Caronte, demónio de olho em brasa,

143
Em todas as ilustrações realizadas para este projecto, os olhos das figuras
representadas estão virados para o observador, que assume assim o papel de observado.
Todas as ilustrações realizadas para este projecto são uma tentativa de representar o que
Dante, ou qualquer outro ser vivo, poderia ver num local estranho e inóspito do planeta.
São, acima de tudo, representações do Inferno real. Todas as cenas representadas são
possíveis no mundo real de Dante ou no mundo actual. Dante nunca surge representado
pois os seus olhos são os olhos do observador que experiencia através da cortina de
carvão, um sentimento de novidade próprio de um local deste tipo, assim como Dante
sentiu quando entrou no Inferno.
Porém, este sentimento de novidade é recíproco, na medida em que as almas
presentes no Inferno se encontram perante um ser vivo que produz sombra e que não
deveria estar naquele lugar. Por exemplo, a fig.8 representa a Escolta dos Diabos mas
poderia ser interpretada, digamos, como uma tribo selvagem que viu um ser diferente
pela primeira vez. Apesar dos adornos que possam talvez remeter para uma espécie de
demónios, as figuras possuem formas claramente humanas.
Devido ao medo ou ao receio que se forma a partir dessa novidade, as figuras
surgem sempre representadas ao longe, à excepção de Ugolino (fig.10), que é
representado num plano mais aproximado para revelar melhor a expressão do rosto e
porque Dante se dirigiu ao próprio, e de Virgílio (fig.2) que é aqui representado no
momento em que surge pela primeira vez diante dos olhos de Dante. Assim como
Beatriz nos desenhos de António Carneiro, Virgílio é colocado na parte superior da
folha e apesar do rosto escuro e indefinido devido à incerteza da sua identidade29, o
resto do corpo é iluminado pois Virgílio é a luz30 de Dante durante a viagem no Inferno.
Após a cena de Virgílio, é representada a Porta do Inferno (fig.3) sem o letreiro
por cima da porta. É a tentativa de representar uma porta banal mas com um sentimento
hostil reforçado pelo ambiente sombrio do exterior e de tensão do interior desconhecido
que está prestes a ser revelado.

fazendo-lhes sinal de que os recolha,


dá co remo nalgum que mais se atrasa.”
Inferno, Canto III, 109-111.
29
“«quem quer que sejas, sombra ou homem certo!»” Inferno, Canto I, 66.
30
“«Pois tu és o meu mestre, o meu autor;
és tu aquele só de quem tirei
o belo estilo que me deu valor.
Olha esta fera por que me voltei;
e me proteje, ó sabia personagem,
que em veias e em pulsos vacilei.»”
Inferno, Canto I, 85-90.

144
Passada a Porta do Inferno, a primeira figura com que o observador se depara no
Inferno é a de Plutão31. Esta ilustração (fig.4) é a menos fiel ao texto e deve ser
interpretada como tal. A presença de uma criança32 sozinha no Inferno e a guardar o
círculo quarto onde estão os Avaros e os Pródigos acaba por ser uma visão mais
perturbadora do que a presença de um adulto. Assim como Virgílio, Flégias (fig.5) é
representado no topo da folha, para dar a ideia de que ainda não está perto, mas que vem
ao encontro do observador e a sua chegada está para breve devido à velocidade que
leva33 por entre uma espécie de névoa34 que só é possível criar através do dégradé
resultante da passagem do carvão na folha e não através da técnica de frottage.
Esta névoa está igualmente presente no desenho do mesmo canto quando o barco
de Flégias se aproxima da Cidade de Dite (fig.6) e ao longe por entre a névoa surgem os
“grandes bandos e a gravosa gente”35 que aguardam na entrada da cidade a chegada de
Dante. Por se encontrarem ainda longe e por entre a névoa, as formas destas figuras são
indefinidas como os Hipócritas (fig.9) que “dos capuzes descidos eram baços”.36
Assim como a ilustração de Ugolino, Taís (fig.7), “a suja rameira
desgrenhada”37 assume uma postura física que pode remeter de alguma forma para o
aspecto de Saturno devorando um filho.
Para além da obra de Goya, as ilustrações realizadas para este projecto foram
igualmente influenciadas por várias obras, como por exemplo, a primeira longa-
metragem italiana L’ Inferno (1911) de Giuseppe de Liguoro, que por sua vez foi
influenciada pelas gravuras de Gustave Doré. As ilustrações realizadas para este estudo
acabam por ser o resultado de várias camadas que se foram sobrepondo e
transformando, isto é, as gravuras de Gustave Doré foram adaptadas para filme e por
sua vez interpretadas e desenhadas de uma forma mais pessoal no platex. O desenho
31
O nome no texto original em italiano é Pluto e não Plutone, em português Plutão como se encontra na
tradução de Vasco Graça Moura. Pluto e Plutão são duas figuras mitológicas que se confundem muitas
vezes. Diz-se que Dante talvez possa ter confundido Pluto, o deus das riquezas, com Plutão, o deus dos
mortos. Por respeito à grande tradução de Vasco Graça Moura, utilizamos aqui o nome de Plutão em vez
de Pluto.
32
Pluto é referido como a Criança Divina e surge várias vezes representado como uma criança.
33
Ver os versos correspondentes ao desenho.
34
“«fumaça desta lama não to esconde.»” Inferno, Canto VIII, 12.
35
Ver os versos correspondentes ao desenho.
36
Inferno, Canto XXIII, 61.
37
“E depois o meu guia: «Dá atenção»,
me disse: «e lança avante a tua olhada,
para que a face vejas bem então
dessa suja rameira desgrenhada,
que se está arranhar de unha merdosa
e ora se agacha, ora ei-la levantada.”
Inferno, Canto XVIII 127-132.

145
feito inicialmente no platex foi ligeiramente alterado depois da escavação e as próprias
formas do platex foram alteradas com a passagem do carvão vegetal no papel. Este
projecto acaba por ser uma selecção de várias obras, ou uma espécie de imitação com
uma interpretação pessoal. “Toda a actividade criativa da raça humana depende da
selecção e a selecção implica tanto um poder para perceber as relações e a existência de
um padrão pré-estabelecido na mente.”38 As imagens dramáticas que a Divina Comédia
evoca na mente não têm um carácter individual pois são o resultado das visões de Dante
interpretadas de uma forma pessoal pela mente que influenciada igualmente por outras
interpretações visuais.

No Essai sur l'origine des langues, Jean-Jacques Rousseau diz o seguinte: "O
amor, dizem, foi o inventor do desenho; poderá também ter inventado palavras, mas
com menos sucesso.”39 O amor poderá mesmo ter inventado as palavras de Dante, mas
neste caso com sucesso. Assim como a filha de Butades,40 Dante quis deixar um
testemunho do seu amor platónico após a partida de Beatriz, recorrendo neste caso à
poesia e não ao desenho. Embora a Divina Comédia tenha sido escrita após a morte de
Beatriz, a Vida Nova reúne alguns textos escritos antes dessa data.
Muitos artistas incluindo António Carneiro, como que “encarnaram o papel de
Butades”, ilustrando as palavras de Dante. António Carneiro representa o “retratista das
almas” (LAPA, 2010, p.31) e “Dante representa o poeta da alma da humanidade, e a
interpretação visual da alma da humanidade tem sido o objectivo e a função do artista
desde que descobriu o contorno pela primeira vez há milhares de anos atrás, tendo como
finalidade “capturar” permanentemente numa superfície os símbolos da alma.”41
O resultado do processo do projecto aqui apresentado é uma tentativa de
capturar na superfície da folha os símbolos da alma que Dante viu no Inferno. A alma

38
“Every creative activity of the human race depends on selection, and selection implies both a power to
perceive relationships and the existence of a pre-established pattern in the mind.” Kenneth Clark, Looking
at Pictures, 1961, p.37.
39
“L’amour, dit-on, fut l’inventeur du dessin; il put aussi inventer la parole, mais moins heureusement.”
DERRIDA, 1990, p.56.
40
A filha de Butades oleiro de Sícion, apaixonou-se por um jovem que estava prestes a partir numa longa
viagem. Na véspera da sua partida, ela traçou o perfil do seu amado na parede enquanto ele dormia,
seguindo o contorno da sua sombra projecta pela luz de uma lanterna. Quando Butades viu o desenho na
parede, fez um modelo em Argila que cozeu no fogo juntamente com os seus outros potes de argila.
Ver Naturalis Historia, de Caio Plínio Segundo, livro XXXV, cap. XLIII.
41
“Dante represents the poet of the soul of mankind, and the visual interpretation of mankind's soul has
been the purpose and function of the artist ever since he first discovered the outline thousands of years
ago, then invented manual was to make it "capture" permanently on a surface the symbols of the soul.”
MANGRAVITE, 1965, p.17.

146
foi escavada do platex e nele ficaram buracos que revelam “corpos vazios” cuja alma
lhes foi retirada e passada posteriormente para o papel. É claro que a palavra alma
abrange aqui não só a representação das figuras mas todos os elementos escavados. O
que mais se aproxima do desenho é a parte que não foi escavada no platex, o próprio
desenho inscrito na superfície da folha, sendo a representação da alma a superfície da
folha que não foi desenhada. “«O algo (a imagem realista) deveria estar tão
imaculadamente presente quanto o nada (a tela branca)». Isto, indicativamente, é
seguido por uma referência à imaculabilidade do céu azul-ultramarino de Yves Klein.”
(RUHRBERG, 2010, p.341) “Sentir a alma, sem explicação, sem palavras e pintar esta
situação.” (Idem, p.300) As “pinturas invisíveis” e os quadros monocromáticos de Yves
Klein, podem ser uma hipótese de representação da alma, mas talvez pouco apropriada
para uma obra de elevado teor figurativo como o Inferno.

O desenho permite e sugere a identificação com a matriz em platex. Mas a


passagem do carvão na superfície da folha deve ter implícita a ideia de que o platex é
uma memória do desenho. “As origens do desenho e da pintura dão lugar a múltiplas
representações que substituem a memória pela percepção. Por um lado, porque são
representações; por outro, porque se baseiam de uma forma mais frequente numa
narração exemplar (como a de Dibutades42, a jovem amante coríntia que recebeu o
nome do seu pai, um oleiro de Sícion); ou porque, enfim, junta a origem da
representação gráfica com a ausência ou a invisibilidade do modelo. (…) A percepção
pertence desde a sua origem à recordação. Ela escreve e, portanto, ama desde a
nostalgia. Separada do momento presente da percepção e retirada do momento
partilhado, uma sombra é uma memória simultânea, a varinha de Dibutades é como uma
bengala de cego.”43
A sombra do jovem amado pela filha de Butades está conotada com a ausência e
com a memória e neste caso, com o platex. O carvão vegetal é, então, “a bengala do

42
Ou Butades.
43
“L’origine du dessin et l’origine de la peinture y donnent lieu à de multiples représentations qui
substituent la mémoire à la perception. D’abord parce que ce sont des représentations, ensuite parce
qu’elles puisent le plus souvent à un récit exemplaire (celui de Dibutade, la jeune amante corinthienne qui
portait le nom de son père, un potier de Sycione), enfin parce que ce récit rapporte l’origine de la
représentation graphique à l’absence ou à l’invisibilité du modèle. (…) La perception appartient dès
l’origine au souvenir. Elle écrit, donc elle aime déjà dans la nostalgie. Détachée du présent de la
perception, tombée de la chose même qui se partage ainsi, une ombre est une mémoire simultanée, la
baguette de Dibutade est un bâton d’aveugle.” DERRIDA, 1990, p.54.

147
cego”, pois o seu modelo gerador é invisível e só é revelado através do próprio desenho
que está desde a sua origem ligado à recordação e à memória.

Na China, “depois da invenção do papel no século II, foram produzidos os


decalques com tinta, a técnica de reprodução mais antiga do mundo, contribuindo
decisivamente para a arte da caligrafia.”44
No Ocidente, as técnicas de decalque foram utilizadas principalmente na
reprodução de relevos e inscrições em igrejas e sepulturas. “As cópias do trabalho inciso
tais como entalhes em pedra de memoriais de igrejas medievais podem ser criadas
segurando uma folha de papel em contacto com a superfície e esfregando-a com uma
substância pigmentada, transferindo assim a matriz para o papel através da técnica de
frottage.”45
O que hoje é conhecido por frottage, foi utilizado anos antes por artistas como
Gauguin ou Munch:

“Durante a sua primeira estadia na Grã-Bretanha, Gauguin começa a esculpir


baixos-relevos em madeira, de onde por vezes realiza impressões colorindo-as e
pressionando-as em papel liso. Todas as madeiras de Gauguin (cerca de 40 entre
1849 e 1903, quase todas com temas Taitianos) são pensadas como esculturas e
executadas com instrumentos e técnicas que estão longe das técnicas tradicionais.
O artista deixa a madeira no estado natural, de modo a que as veias e as
imperfeições da matéria apareçam na folha impressa, escava com uma goiva em
torno das personagens ou dos temas principais e faz o desenho com uma ponta fina
nos espaços em relevo, obtendo uma composição em negativo aperfeiçoada às
vezes com aguarela ou têmpera (...) Depois de terem experimentado outras técnicas
de gravura Gauguin e Munch começaram a trabalhar em xilogravura tarde (1894),
o que se deve talvez à sua exigência de simplificação e síntese. (...) Gauguin e
Munch trabalharam em negativo, recorrendo ao desenho que na folha fica
branco.”46

44
“After the invention of paper in the 2nd century AD, ink rubbings, representing the world’s oldest
reproduction technique, were produced, contributing decisively to the art of calligraphy.” (TURNER,
1996, vol.29, p.617)
45
“Copies of incised work such as stone carvings of the memorial brasses in medieval churches may be
taken by holding a sheet of paper in contact with the surface and rubbing it with a pigmented substance,
thus transferring the design to the paper in the manner of frottage.” (MAYER, 1981, p.419)
46
“Gauguin, durante su primera estancia en Bretaña, empieza esculpiendo bajorrelieves en madera, de los
que realiza a veces grabados coloreándolas y presionando sobre un papel suave. Todas las maderas de
Gauguin (unas 40 entre 1849 y 1903, casi todas de tema tahitiano) están pensadas como esculturas y

148
e. f. g.

e. Paul Gauguin Friso de Máscaras, c.1895, Frottage sobre papel Japonês, 32,5 x 11 cm
f. Paul Gauguin Cristo na cruz, c.1895, Frottage a tinta sobre papel Japonês, 40,5 x 14 cm
g. Edvard Munch Homem e Mulher Beijando-se, Frottage a partir de uma placa de madeira (39,7 x 45 cm) gravada
por volta de 1905

Os decalques de Gauguin e de Munch podem ter sido os precursores do


desenvolvimento da técnica de frottage no século XX. Max Ernst deu o nome à técnica
frottage, mas apesar de muitas vezes ser creditado como tal, não foi ele o seu inventor.
No entanto, desenvolveu esta técnica de uma forma exemplar, criando imagens
fantásticas como as da série História Natural.
Existem várias técnicas de reprodução de desenhos das quais se destaca a
contraprova utilizada por Vieira Lusitano. “Pode dizer-se que Vieira introduziu, ou pelo
menos vulgarizou esta técnica de reprodução de desenhos em Portugal, que se acha
amplamente associada à sua oficina e à sua obra de desenho.” (ARRUDA, 2000, p.116)

O carácter deste projecto é puramente experimental e pretende expandir a


consciência do espectador em relação ao texto e ao pensamento de Dante, e
simultaneamente à técnica de frottage desenvolvida por Max Ernst.

realizadas con unos instrumentos y una técnica que se alejan de los tradicionales. El artista deja la madera
en bruto, de forma que las vetas y las imperfecciones de la materia aparezcan en la estampa, socava en
torno a los personajes o temas principales con una gubia y luego talla el dibujo con una punta fina sobre
los espacios en relieve, obteniendo en la estampa una composición en negativo perfeccionada a veces con
acuarela o temple (…) Gauguin y Munch empiezan a trabajar en xilografía tarde (1894), tras haber
experimentado otras técnicas de grabado a lo que quizá se debe su exigencia de simplificación y síntesis.
(…) Gaughin y Munch habían trabajado en negativo, rehundiendo el dibujo que en el grabado queda
blanco.” (MALTESE, 1997, p.244)

149
Nenhum dos artistas pesquisados para este estudo ilustrou a Divina Comédia
através da técnica de frottage. Tendo em conta as obras da História Natural assim como
as ilustrações que realizou ao longo dos anos, se Max Ernst tivesse ilustrado a Divina
Comédia através da técnica de frottage, essas ilustrações seriam possivelmente um dos
exemplos mais interessantes de ilustração da obra de Dante.
Um dos principais objectivos deste projecto foi o de investigar uma técnica que
nos pareceu adequada para representar o Inferno através da criação de uma série de
imagens “ao negro”, e onde um dos materiais utilizados, neste caso a chapa de platex,
foi previamente escavada para corresponder aos objectivos pré-definidos, ao contrário
do soalho da hospedaria de praia que não foi “trabalhado” com o propósito de ser
utilizado através da técnica de frottage. Para a realização deste projecto, recorreu-se à
fase inicial da técnica de xilogravura, isto é à escavação do negativo na chapa de platex
e, posteriormente, à técnica de frottage para revelar as formas do platex na superfície do
papel. O resultado final é uma combinação de gravura e desenho.

150
2. Matrizes e ilustrações

151
1a.

152
1. Selva Escura

“No meio do caminho em nossa vida,


eu me encontrei por uma selva escura
porque a direita via era perdida.”

Inferno, Canto I, 1-3

153
2a.

154
2. Virgílio

“E enquanto eu para baixo me desloco,


aos meus olhos se ofereceu de perto
quem por longo silêncio julguei rouco.”

Inferno, Canto I, 61-63

155
3a.

156
3. Porta do Inferno

“Suspiros, choros, gritos escutei


ressoando no ar baço de estrelas,
de quanto ao começar também chorei.”

Inferno, Canto III, 22-24

157
4a.

158
4. Plutão

“Lá fomos contornando aquela estrada,


falando muito mais do que aqui digo;
vindos ao ponto onde ela se degrada:
ali era Plutão, o grande imigo.”

Inferno, Canto VI, 112-115

159
5a.

160
5. Flégias

“Nunca corda mais tensa lançou seta


que assim corresse pelo ar tão lesta,
como avistei então uma naveta
que a vir por água para nós se apresta.”

Inferno, Canto VIII, 13-16


161
6a.

162
6. Cidade de Dite

“Disse o bom mestre: «Filho, à tua frente,


a cidade de Dite é a que fitas,
com grandes bandos e gravosa gente.»”

Inferno, Canto VIII, 67-69

163
7a.

164
7. Taís

“«É Taís, puta: disse pressurosa,


ao drudo seu que lhe pergunta “Graça
alguma vês em mim?”: “Maravilhosa!”
Tudo isto a nossa vista satisfaça.»”

Inferno, Canto XVIII, 133-136


165
8a.

166
8. Escolta dos Diabos

“«Antes de me espetardes tais presilhas,


a escutar-me um de vós saia da roda,
e resolvei depois dar-me de hastilhas.»”

Inferno, Canto XXI, 73-75

167
9a.

168
9. Hipócritas

“Lá encontrámos gente de cor tinta


indo em redor assaz a lentos passos,
em choro e de fadiga a face extinta.”

Inferno, Canto XXIII, 58-60

169
10a.

170
10. Ugolino

“De um a cabeça ao outro era capelo;


e como o pão por fome manduca,
já seu dente ao de baixo o outro meteu
onde o cérebro vai ligar-se à nuca.”

Inferno, Canto XXXII, 126-129

171
172
Conclusão

“Quem é Dante. O que é a Comédia. Que estranha sensação de novidade se


experimenta, ao tentar explicar brevemente o que é a Divina Comédia. Como está
dividido o Inferno”. (LEVI, 2002, p.124)
Não se pretendeu aqui fazer o trabalho de historiador explicando quem é Dante,
o que é a Divina Comédia ou como está dividido o Inferno, mas quando se fala de
ilustração do Inferno pode associar-se a uma forma de representação que trata não o
Inferno de Dante, mas o conceito geral do inferno ou o inferno pessoal. E no fundo o
inferno não é mais do que isso. Primo Levi cita na sua obra Se Isto É Um Homem cenas
da Divina Comédia e André Graça Gomes faz acompanhar as suas representações do
holocausto e os seus retratos de Anne Frank por versos do Inferno de Dante. As
ilustrações do Inferno de Dante não são mais infernais do que por exemplo As Grandes
Misérias da Guerra de Jacques Callot, Os Desastres da Guerra de Francisco de Goya,
A Guerra de Otto Dix ou até mesmo os desenhos de guerra de Adriano de Sousa
Lopes47 contemporâneo de António Carneiro.
O tema da guerra é apenas um exemplo, que devido à sua extrema violência
física e psicológica, nos apresenta resultados artísticos bastante expressivos. Qualquer
forma de ilustração é para nós importante e existem várias formas e motivos para
representar o Inferno. Porém, o que se tratou neste estudo foi das ilustrações do Inferno
de Dante.
É possível que a origem deste estudo remonte às gravuras que Gustave Doré
realizou para o Inferno de Dante e que foram marcantes na infância, mesmo antes de se
saber o que tratavam. Outro motivo que pode ter contribuído para a escolha deste tema
foi uma viagem à Toscana em 2008, sem o propósito de recolher qualquer tipo de
informação para uma futura investigação, onde foi possível visitar alguns lugares
falados na Divina Comédia ainda antes de se ter iniciado a sua leitura.
Este tema ficou decidido com a descoberta ao acaso dos quarenta e dois
desenhos que António Carneiro realizou para o Inferno de Dante, projecto que ele
iniciou aos 55 anos durante uma fase menos produtiva e talvez menos feliz da sua vida,
com o objectivo de ilustrar toda a Divina Comédia através de pinturas. “Sonhava uma

2
ver: Vitor Manuel Fernandes dos Santos, O Desenho de Guerra de Adriano de Sousa Lopes, Faculdade
de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2006 [Dissertação de Mestrado em Desenho].

173
obra grandiosa, à qual teria dedicado dez anos de vida. A um amigo que o ouvia
maravilhado de tanta intenção, ele observou:
- Porquê? Parece-te que não me resta bastante tempo para viver?
E não lhe restou.” (CANDIAGO, 1965, p.7)
Através destes desenhos, António Carneiro libertou-se do estilo e das cenas
presentes nas suas obras anteriores. São trabalhos feitos com uma grande liberdade de
gestos e de movimentos, apesar do pequeno formato do suporte em que foram
realizados. António Carneiro deixou-nos uma das obras mais interessantes e menos
conhecidas de ilustração da Divina Comédia e que pode constituir um contributo de
grande importância não só para a ilustração em Portugal, como para a ilustração da
Divina Comédia em todo o mundo.
Esta obra específica de António Carneiro deu origem ao tema deste estudo, que
pode dizer-se, permitiu-nos contribuir de certa forma para a longa lista de ilustrações já
existentes, através da criação de peças independentes e com recurso à técnica de
frottage.
Nenhum dos artistas que fazem parte da lista apresentada neste estudo recorreu à
técnica aqui utilizada para ilustrar Dante ou a Divina Comédia. Existe pouco trabalho
desenvolvido acerca desta técnica de decalque utilizada por Paul Gauguin e por Edvard
Munch, e pareceu-nos importante abordá-la, tirando assim melhor partido da sua
utilização para estudá-la e aperfeiçoá-la através das várias tentativas realizadas.
Segundo John Ruskin, “a maioria das formas de literatura e de arte levam a
Dante.”48 A técnica utilizada neste estudo para ilustrar o Inferno poderá assemelhar-se
de alguma forma à tradução do Inferno de Vasco Graça Moura que, como refere
Luciana Stegagno Picchio ao falar de versões de Dante em português, “respeitosas da
forma e, nesta, de um tecido fónico que a semelhança das línguas consente por vezes
(embora com algum risco de penosa banalização) reproduzir com fidelidade quase por
decalque.”49

48
“Most ways in literature and art lead to Dante.” (HUNTINGTON et al., 1903, p.24)
49
Citação feita por Vasco Graça Moura na sua introdução de A Divina Comédia, Lisboa, Círculo de
Leitores, 1998, p.8, nota 1.

174
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