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Vida Loka: o rap, o funk e os sentidos do consumo1

A partir de pesquisa e experiência em sala de aula da rede pública do ensino médio, identificou-se o uso do termo “vida
loka” por diferentes atores, consumidores de diferentes estilos musicais, com diferentes significados. O uso do termo,
cunhado pelo grupo paulista de rap Racionais MC's, demonstra o nível de influência que esse grupo tem na juventude,
tanto nos que consomem rap quanto nos que consomem funk. Esses dois grupos, porém, comumente são enquadrados
enquanto opostos. A proposta do presente trabalho é compreender quais os significados atribuídos ao conceito de “ vida
loka”; a maneira como o conceito é utilizado em diferentes músicas de rap ou funk e suas diferentes relações com o
consumo; expor argumentos que colocam em questionamento o antagonismo entre o rap e o funk, relacionando esses
diferentes elementos com as mudanças vividas no país nos últimos anos, principalmente no plano econômico.

Palavras-chave: rap; funk; consumo; juventude; periferia

Introdução
Em uma aula de Sociologia numa escola pública de ensino médio de Porto Alegre, o
professor pede à turma que aqueles que gostam de funk levantem a mão, entre respostas esperadas
(de alunos que eram evangélicos ou consumidores de outros estilos), um aluno surpreende quando
não levanta a mão. O aluno em questão andava com colegas que ouviam funk, se vestia como eles e
se comportava, em sala de aula, da mesma forma que eles, e mesmo assim dizia não ouvir funk. O
professor se aproxima e pergunta qual estilo de música ele ouve, e se surpreende novamente, mas de
forma positiva, quando ouve “rap, sôr”. Alegre, o professor inicia um diálogo citando alguns grupos
que costuma escutar, perguntando se o aluno também os ouve, mas se frustra. O único grupo que o
aluno e o professor ouvem é Racionais MC's. Passado esse fato, o professor começa a prestar
atenção nesse aluno e descobre que fora da escola ele canta num grupo de rap, e anda com outros
rappers. As letras que o aluno canta, porém, mesmo se autointitulando “gangsta rap”, narram
histórias de sexo, uso de roupas de marcas e de consumo de drogas, muito semelhante às letras de
funk ostentação.
Numa outra aula, numa outra turma, o professor caminha pela sala com o celular no bolso e
o fone de ouvido plugado, mas também guardado no bolso, num momento em que se encosta numa
classe, o botão do fone é pressionado e o player do celular é acionado. Um aluno, daqueles que
sentam no fundo e conversam o tempo todo, alerta o professor (com quem se dá bem) que uma
música toca no seu aparelho. O professor saca o celular do bolso e pausa a música na frente do
aluno, agradecendo-o por tê-lo avisado. O aluno, curioso e atraído pela sonoridade, então pergunta
que música era aquela, no que o professor responde que era Facção Central, e pergunta ao aluno se
ele curte. O aluno responde que sim, e mostra as músicas do grupo que tem no seu aparelho, mas
diz que prefere funk, porque o rap é muito sangrento. O professor vê naquele momento uma
oportunidade de estreitar os laços com o aluno, em especial com aquele aluno, um daqueles que

1 Murilo Gelain Gonçalves Licenciando em Ciências Socais/UFRGS, contato: murilo.gelain@hotmail.com

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costuma liderar a agitação da sala, muito conversador e agitado. Conquistar a confiança e amizade
dele poderia lhe trazer respeito, e isso se converteria em uma aula sossegada. Convencido de que
esse momento deveria ser explorado, o professor mostra alguns funks que armazena no seu celular,
e o aluno, contente e surpreso por ver que um professor de Sociologia ouvia funk, pede para pegar o
celular e ver as listas de músicas. Era um teste de confiança? Talvez o aluno quisesse ver até onde o
professor estava disposto a ir na amizade, testando se o professor lhe permitiria a posse
momentânea de seu aparelho. O celular é entregue, o aluno muda de lugar, sentando-se mais perto
da mesa do professor, ficando dentro do campo de visão e de ação do professor, o celular seria
entregue de volta a qualquer momento, era só o professor pedir. Durante o resto daquela aula, o
aluno ouvia as músicas do celular do professor no alto-falante e comentava coisas como “bah, essa
é velha, hein. Tem umas mais novas, hein sôr”. E ao final do período pergunta “Não tem Racionais
aqui, sôr?”.
Outra aula, na mesma turma. O professor, que costuma explorar didaticamente a música
como recurso pedagógico, toca para a turma uma música de uma banda que mistura rap com
hardcore, com uma letra que narra um assalto à banco, afim de iniciar a aula discutindo o conceito
de fato social da teoria de Durkheim. No fim da música, enquanto as guitarras silenciam-se
gradualmente no fade out, um trecho de uma entrevista com Eduardo Taddeo, ex-membro do grupo
de rap Facção Central, fala sobre as drogas enquanto uma “armadilha do sistema” e sugere que
sejam evitadas. O professor pergunta se a turma reconhece a voz, e um dos alunos responde
erroneamente “Mano Brown”, vocalista do Racionais MC's.
Nos três casos, o professor mencionado era eu, e os casos ocorreram durante meu estágio
docente, obrigatório para a obtenção da graduação de Licenciatura em Ciências Sociais. Durante
minha pesquisa para o trabalho de conclusão da graduação, no qual o tema escolhido era o funk
ostentação, me deparei com outros fatores que me levaram a colocar em destaque esses três casos
mencionados. O primeiro foi assistindo ao documentário “Funk Ostentação – O Filme”, de direção
de Renato Barreiros, com declarações de MC's e DJ's que a principal inspiração para a formação da
estética e discursiva do funk ostentação fora o hip hop, principalmente o dos Estados Unidos, mas
com forte referência também a grupos nacionais, em especial Racionais MC's. Num segundo
momento, quando então lendo uma dissertação de mestrado (OLIVEIRA, 2016), descobri a
participação do rapper Mano Brown, do grupo Racionais MC's, num videoclipe de funk ostentação
do MC Pablo do Capão, na música “Tanto Faz, Tanto Fez”. O terceiro foi quando comecei a analisar
algumas letras de funk ostentação, e percebi que outras delas faziam menção ao conceito “vida
loka” (VL), originada no rap dos Racionais MC's. A partir disso, comecei a buscar pontos em
comum entre o rap e o funk, não só relativos a música, mas ao conteúdo das letras, as ideias

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expressadas, e também as roupas e consumo, e foi aí que constatei que ambos estilos não eram tão
opostos como eu pensava antes, há, na verdade, intersecções discursivas. No que diz respeito à
escola, tanto o rapper do primeiro caso como o funkeiro do segundo, têm um denominador comum:
os Racionais MC's como referência. Essa referência em comum é geral e se dá a partir da criação do
conceito de “vida loka”. O uso que se faz do termo, porém, nem sempre é o mesmo, indicando
haver uma discrepância de significados.
Esse conceito assume múltiplos significados, variando conforme quem fala e sobre o que se
fala. Sua plasticidade deu origem a dois sentidos em especial que se destacam quando se referem ao
consumo: um que faz uso do consumo enquanto contestação, e outro que faz uso do consumo
enquanto ostentação. Esses dois significados, no entanto, não estão explicitamente colocados, na
vida “real” prática e vivida cotidianamente, em clara oposição e nem em disputa. Só se é capaz de
chegar a este esquema depois de depuração reflexiva sobre o uso do conceito.

Vida Loka no rap


A primeira vez que o termo foi utilizado, foi no clássico álbum do grupo Racionais MC's. O
álbum lançado em 2002 chamado “Nada Como um Dia Após o Outro Dia” é um álbum duplo que,
de uma maneira geral, traz canções que abordam a temática do crime, fazendo menção a mulheres e
a bens de luxo, bem como racismo, desigualdade social e violência policial, enfim, sintetizando
vários elementos presentes no cotidiano dos jovens das periferias brasileiras. Daí se explica o
grande sucesso de vendas, chegando a ser eleito um dos 100 melhores discos brasileiros de todos os
tempos pela revista Rolling Stone. As letras cantadas no álbum incubaram a narrativa ostentação,
que viria a se desenvolver anos depois.
O álbum trouxe o termo “vida loka” em três faixas que acabaram por estabelecer o vida loka
enquanto um tipo de sujeito legítimo da periferia. Em “Vida Loka: Intro”, “Vida Loka Parte I” e
“Vida Loka Parte II2” os Racionais MC’s narram a vida na periferia em diferentes contextos, com
dilemas e oscilações. Na primeira faixa “Vida Loka I”, o diálogo entre um presidiário e seu amigo
de fora da cadeia introduz a ideia dos acontecimentos na comunidade: uma intriga por conta de uma
história inventada por uma mulher comprometida com bandidos e que causa um desentendimento
entre os homens. O desentendimento se manifesta em cobranças, perseguição e ameaças de morte, e
se instala um clima de perigo. A tensão de ser cobrado por algo que não se fez é o que dá o tom da
música. A vida, na canção “Vida Loka I” é retratada sendo caracterizada pela instabilidade, de se
estar à mercê da violência por motivos fúteis. Ser morto a qualquer momento, e o pior, de ser morto

2 Vou me referir às duas músicas como VL I e VL II.

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junto a entes queridos, é isso o que faz a vida ser louca – ou melhor, “loka” – a dificuldade de se
viver na periferia.
Eu me sinto às vezes meio pá, inseguro / Que nem um vira-lata, sem fé no futuro / Vem
alguém lá, quem é quem. Quem será, meu bom? Dá meu brinquedo de furar moletom! […]
Já pensou, doido, e se eu tô com meu filho no sofá / de vacilo, desarmado? Era aquilo / Sem
culpa e sem chance, nem pra abrir a boca / Ia nessa sem saber, pro cê vê, Vida Loka!

Já em “Vida Loka II”, as coisas tomam outro tom. Mudaram para melhor, e a mudança é
celebrada com espumante. Após o tilintar das taças, Mano Brown afirma o caráter passageiro da
dificuldade de se viver que havia sido mencionada anteriormente: “tudo vai, tudo é fase, irmão”. As
mudanças foram boas, trouxeram não só o espumante, mas também colares, relógios, óculos e
bonés de marcas de luxo:
De cordão de elite, 18 quilates / Põe no pulso logo um Breitling / Que tal? Tá bom? / De
lupa Bausch & Lomb, bombeta branco e vinho / Champanhe pro ar, que é pra abrir nossos
caminho

O caráter mutável das condições de vida é reforçado “É só questão de tempo, o fim do


sofrimento”. As mudanças positivas demandam comemoração, que é feita com os amigos (os
“guerreiros”) lamentando-se, de forma irônica, pelos inimigos (o “zé povinho”): “Um brinde pros
guerreiro, zé povinho eu lamento”.
Mano Brown canta como os desejos dos sujeitos são alterados por conta do contexto vivido,
ambiente periférico é retratado como uma estrutura estruturante:
Eu que, eu que sempre quis com um lugar / Gramado e limpo, assim, verde como o mar /
Cercas brancas, uma seringueira com balança / Desbicando pipa, cercado de criança / How,
how Brown / Acorda, sangue bom / Aqui é Capão Redondo, tru / Não pokémon / Zona sul é
o invés, é stress concentrado / Um coração ferido por metro quadrado

Brown, porém, não se furta em atribuir aos sujeitos também sua parcela de culpa. Uma
busca desmedida por dinheiro e prestígio por parte dos moradores de periferia é destacada como
algo prejudicial para o bom convívio, pois essa busca por recursos materiais (o dinheiro, o malote) e
simbólicos (glória, fama) criam competição e inveja entre os moradores:
Eu queria ter, pra testar e ver / Um malote, com glória, fama / Embrulhado em pacote / Se é
isso que 'cês quer / Vem pegar / Jogar num rio de merda e ver vários pular / Dinheiro é
foda / Na mão de favelado, é mó goela / Na crise, vários pedra-noventa esfarela / Eu vou
jogar pra ganhar / O meu money, vai e vem / Porém, quem tem, tem / Não cresço o zóio em
ninguém / O que tiver que ser / Será meu / Tá escrito nas estrelas / Vai reclamar com Deus

A crítica à ganância vem junto com uma proposta de modelo de atuação: “não crescer os
olhos no de ninguém”. Propõe-se uma espécie de código de conduta baseado no respeito ao que
cada um, de dentro da comunidade, tenha conquistado para si. É a partir desses recursos que Brown

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começa a esboçar um devaneio (CAMPBELL, 2001), sugerindo ao ouvinte que imagine o locutor
em carros de luxo, passeando pela periferia e despertando incômodo e suspeita na polícia.
Imagina nós de Audi, ou de Citröen / Indo aqui, indo ali / Só pam, de vai e vem / No Capão,
no Apurá, vou colar / Na pedreira do São Bento / Na Fundão, no pião sexta-feira / De teto
solar / O luar representa / Ouvindo Cassiano, há / Os gambé não guenta

Aí é que se encontra a chave para compreender a noção do “vida loka”, consumo de luxo
enquanto contestação da sua condição. A letra que Brown canta narra um de carro de luxo (Audi,
Citröen) que intriga os “gambé”. Ora, presume-se que, se os sujeitos vivem na periferia (Zona Sul,
Capão Redondo, Apurá, São Bento, Fundão) não deveriam ter condições de bancar um carro destes.
Essa questão será aprofundada mais adiante, por enquanto continuo na exposição da letra.
Apesar da valorização positiva do devaneio, o cantor tem em mente que não é um fato
garantido e então apresenta outra possibilidade, a de que aquilo não ocorra. Isso porém não é visto
como uma derrota ou algo necessariamente negativo de forma alguma, pois, para ele, mais valioso
que o carro ou o que ele traria, é o estar junto dos seus: “Mas se não der, nêgo / O que é que tem? /
O importante é nós aqui / Junto ano que vem”.
A felicidade, no fim das contas, não está necessariamente atrelada a posse dos bens, mas sim
no apreciar dos momentos com os amigos. Nesse momento Brown parece se dirigir ao amigo preso,
provavelmente o mesmo com o qual inicia a música num diálogo na música VL I. A importância
atribuída ao estar “junto ano que vem” parece ser também um devaneio, uma projeção de futuro
possível.
Quanto cê paga / Pra ver sua mãe agora / E nunca mais ver seu pivete ir embora? / Dá a
casa, dá o carro / Uma Glock, e uma FAL / Sobe cego de joelho / Mil e cem degraus /
Crente é mil graus / O que o guerreiro diz / O promotor é só um homem / Deus é o juiz

Novamente os sentimentos são resgatados e colocados acima dos bens materiais. A presença
da família é mais importante que os bens (a casa, o carro) ou os meios de obtenção destes (a Glock,
a FAL).
Adiante, Brown relaciona o desejo pelos bens com a condição vivida pelo sujeito de
periferia, legitimando seu desejo a partir da escassez vivida: “Não é questão de luxo / Não é
questão de cor / É questão que fartura / Alegra o sofredor / Não é questão de preza, nego / A ideia
é essa / Miséria traz tristeza e vice-versa”
A lógica por trás do discurso é a de que se o sujeito sente-se triste por conta da escassez
advinda da miséria, logo se sentirá feliz em experimentar a abundância da riqueza. Tal lógica é
reiterada com a descrição de uma cena narrada na música:

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Inconscientemente vem na minha mente inteira / Na loja de tênis o olhar do parceiro feliz /
De poder comprar o azul, o vermelho / O balcão, o espelho / O estoque, a modelo, não
importa / Dinheiro é puta e abre as portas / Dos castelos de areia que quiser

A capacidade de compra do parceiro que Brown narra é vista de maneira ambígua: ao


mesmo tempo que traz felicidade, é entendida enquanto um “castelo de areia”, podendo ser
interpretado como algo bonito, belo, mas que facilmente se desfaz, enfim, uma felicidade fugaz. A
oscilação se mostra aí de novo. A ambiguidade do dinheiro é, porém, de valoração assimétrica o
primeiro significado, o positivo, que representa a capacidade de se atingir a felicidade pelo consumo
é mais presente que a negativa, a sua fragilidade, representada pela inconsistência da felicidade
obtida através do consumo.
Continuando a música, Brown canta sobre o parceiro, agora mais caracterizado, pode-se
inferir que ele seja negro a partir da letra. Aponta uma suposta contradição entre a condição de
negro nessa sociedade e a posse de dinheiro, e instiga seu enfrentamento. Essa contradição parece
ser apontada como fruto do mesmo preconceito que faria os gambé estranharem um negro dirigindo
um carro de luxo. Porém, essa relação antagônica entre os negros periféricos e o dinheiro é,
segundo a visão, passível de ser superada:
Preto e dinheiro, são palavras rivais? / E então mostra pra esses cu / Como é que faz / O seu
enterro foi dramático / Como um blues antigo / Mas de estilo, me perdoe, de bandido /
Tempo pra pensar, quer parar / Que cê quer? / Viver pouco como um rei ou muito, como um
Zé?
No último trecho, o vocalista lança mão novamente de um devaneio, descreve um cenário
paradisíaco e simples como o único desejo dos negros de periferia. O cenário paradisíaco e simples,
porém, é corrompido pelas dinâmicas do território (São Paulo) que colocam, como Simmel dizia, o
dinheiro enquanto um deus:
Às vezes eu acho que todo preto como eu / Só quer um terreno no mato, só seu / Sem luxo,
descalço, nadar num riacho / Sem fome, pegando as frutas no cacho / Aí truta, é o que eu
acho / Quero também, mas em São Paulo, Deus é uma nota de 100 / Vida Loka!

O videoclipe dessa música traz elementos extras que auxiliam a compreensão do conceito
VL também, principalmente pela forma como o consumo de bens materiais é retratado. A começar
pela cena da introdução, que se passa em 1983, na qual três meninos em volta de uma fogueira num
descampado em uma favela são abordadas por dois sujeitos mais velhos, com roupas e cabelos
estilo funk dos anos 80 e que portam um aparelho de som, com o qual ouvem funk. A dupla provoca
os meninos fazendo críticas a suas roupas,
Olha como vocês anda. Tudo sujo, com a canela tudo cinzenta. Vocês não rouba, não tem
porra nenhuma. […] Mais tarde nós vamos no baile, desse jeito aí vocês nem entra. Desse
jeito aí nem cachorro vai olhar pra vocês

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A provocação continua quando um dos homens aponta para o tênis que calça e diz “Vocês
nunca vai ter um desses daqui”. Feita a provocação, a dupla de mais velhos chama um fotógrafo
que passa pelo local e pede para que ele tire uma foto dos cinco, após isso, a mãe de um deles
aparece e dois dos mais novos passa e eles vão embora com ela, ajudando a levar as compras.
Durante o caminho, entre becos e vielas, a mãe questiona seu indaga seu filho reforçando a
orientação para evitar andar com aquele tipo de sujeito. O menino, apesar de incomodado, responde,
e conclama a seu amigo sustentar sua argumentação, de que eles (os três mais novos) estavam lá
antes e os dois (mais velhos, bandidos) chegaram depois. A mãe pergunta se ele arrumou a casa e
rezou, como ela havia mandado, e, ao ouvir as respostas positivas do filho, questiona a veracidade
lançando um “cê acha que engana quem?”. Após essa cena, os dois meninos são filmados andando
fora da favela, entre lojas numa rua comercial, entram em uma loja de tênis, onde um dos meninos
quer mostrar um tênis que havia visto num dia anterior. Ao perguntar à atendente o valor do
produto, a moça os olha dos pés à cabeça, com um tom de desdém, e os ignora, considerando que,
por conta de sua aparência, não são capazes de bancar o produto, não sendo relevante responder
então à pergunta. Os dois são expulsos da frente do estabelecimento por um segurança que aparece.
A cena acaba aí, e direto pula para o ano de 2004 (ano de lançamento do videoclipe), onde a música
se inicia numa festa, com vários homens e fortes ouvindo 2Pac3, trajando casacos esportivos, bonés
e colares, sentados em carros, até que surge uma moto com dois homens, um deles desce da garupa,
com um aparelho celular no ouvido e sai cumprimentando todos presentes.
A cena de introdução foi feita para representar o contraste entre uma condição e outra. Na
cena de 1983, com as crianças, é interessante como as roupas, o dinheiro e o lazer estão associados
com o crime e mediados pelos bailes blacks. Essa representação da cena sintetiza e endossa o que
foi dito anteriormente com base no trabalho de Vianna (1988). Depois, com a cena final, em 2004, a
representação da melhora da condição de vida. A melhora exige comemoração e a voz narra:
Firmeza total, mais um ano se passando / Graças a Deus a gente tá com saúde aí, morô? /
Muita coletividade na quebrada, dinheiro no bolso / Sem miséria, e é nóis / Vamos brindar
o dia de hoje / Que o amanhã só pertence a Deus, a vida é loka…

Vida Loka no funk


Em 2013 mano Brown participou de um videoclipe de funk ostentação, o já citado “Tanto
Faz, Tanto Fez” do MC Pablo do Capão. Mano Brown aparece no videoclipe sempre ao fundo, em
segundo plano, dando destaque para o MC Pablo do Capão, cumprimentando-o ou posando ao lado
em algumas cenas, quando Pablo canta “[…] porque eu sou Capão Redondo, vida loka original”
afirmando não só os laços territoriais (Brown é do Capão Redondo também) mas a legitimidade do

3 Um dos principais rappers dos Estados Unidos.

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outro MC quando este afirma adesão ao estilo vida loka. A participação de Brown gerou
questionamentos por parte do público do rap, que afirmava irônica a participação em um videoclipe
de funk ostentação de um sujeito que, em 2002 cantava “não querer ser coadjuvante de ninguém”
ou que “odiava a ostentação”. Sua modesta participação somada ao fato de Pablo levar Capão no
nome sugere a existência de uma amizade entre os dois, o que faz pensar que talvez a participação
de Brown tenha sido na intenção de apadrinhamento musical de Pablo. Não necessariamente com
vistas à sucessão, mas parece haver uma transmissão de capital simbólico e inserção ao campo da
música materializando-se no aperto de mão e na pose ao lado. O que Brown faz no videoclipe não é
nada mais do que assegurar a afirmação de pertencimento ao estilo vida loka, mais que isso, atestar
sua originalidade. A presença de Brown no videoclipe serve como um certificado de originalidade.
Se Brown legitimou, quem seriam os outros para criticar MC Pablo do Capão sobre como ele usa o
termo vida loka para se referir a um estilo de vida de ostentação? MC Pablo do Capão leva seu
território, suas origens, no nome, e não abandona seus amigos antigos, tal como já era mencionado
nas músicas dos Racionais. Pablo, porém, ostenta sem preocupação, diferente dos Racionais MC’s
(ou ao menos do que falavam em 2002). O resto do videoclipe segue o padrão do funk ostentação,
carros e motos esportivos, mulheres sensuais dançando, bebidas caras e notas de R$100 sendo
jogadas. O clima de esbanjamento está presente o tempo todo e não há espaço para humildade onde
o lema da vida é “gozar e gastar dinheiro”.
Merece destaque também perceber o que diz a letra e como o termo vida loka se conecta
com o resto do que é cantado:
Na madrugada eu tô na pista / Pra curtir uma balada / Hoje eu vou pro baile funk / Pra curtir
a mulherada / Peço um drink lá no bar / Faço um brinde com os parceiro / Porque o lema
nessa vida / É gozar e gastar dinheiro / Vários amigo, vários rolé / Elas quer ser minha filé /
Eu dou uma condição / Só pra ver qual é que é / Ela diz que tá carente / Quer muito me
conhecer / Queria se apaixonar / Num romance pra valer / Escuta essa, meu amigo / Viver
isso foi real / Eu sou MC Pablo / Eu fui levando na moral / Qualquer briga ela dizia /
“esquece que eu existo” / “deleta meu telefone” / Cheia de chiliquitico / Essa mina me
cansou / Fui cortando logo o mal / Porque eu sou Capão Redondo / Vida loka original /
Falei pra ela várias vezes / E repito pra vocês / Escuta essa mensagem / Que é pra vocês
aprender / Nas madrugada eu sou auge / Nas balada eu sou rei / Gosta de mim / Tanto faz,
tanto fez
A história cantada por MC Pablo é de um romance que surgiu na noite, porém, em um
determinado momento, por conta de brigas e de uma reação narrada como exagerada por parte da
mulher, Pablo termina o relacionamento, argumentando que é “Capão Redondo, Vida Loka
original”, dando a entender que é assim que um vida loka se porta diante de atritos envolvendo
mulheres, com rompimento do relacionamento. O rompimento do relacionamento o coloca ao lado
dos amigos, dos parceiros, com quem, novamente nas festas, se diverte. Ser vida loka, para Pablo,
tem a ver com colocar os parceiros em primeiro lugar e os romances em segundo, é camaradagem.
Os parceiros são construídos por laços territoriais, como sugere seu nome artístico e a presença de

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Brown no videoclipe, e são mais importantes que as possíveis companhias que se conhece nas
noites de festas. Na companhia deles é que Pablo se diverte, goza da vida em plena ostentação. Essa
camaradagem do vida loka já aparecia nos Racionais, quando, por exemplo, Brown canta que “o
importante é nós aqui / junto ano que vem” ou quando brinda com os parceiros, no início de VL II.

MC Pablo do Capão não foi o único a citar vida loka em um funk ostentação. Em 2011 MC
Guimê lançou “Tá Patrão”, com o videoclipe produzido pela consagrada Kondzilla, que logo
estourou, tanto no YouTube quanto nas festas, tornando-se um dos grandes sucessos do jovem MC.
A letra da música diz:
Quando dá uma hora da manhã é que o bonde se prepara pra vibe / Abotoa sua polo
listrada, dá um nó no cadarço do tênis da Nike / Joga o cabelo pra cima ou põe um boné
que combina com a roupa / A picadilha pode ser de boy mas não vale esquecer que somos
vida loka

Guimê, adepto da ostentação e um dos grandes nomes do funk paulista, evoca o vida loka
como antagônico ao “[play]boy”. Mesmo assim, busca a reprodução da sua aparência (a
“picadilha”), semelhante ao registrado já por Vianna (op. cit.), quando afirma que os funkeiros
cariocas se vestiam como os surfistas, que eram de classe superior aos funkeiros. O trickle-down
narrado se adéqua à história pessoal (ou coletiva, já que “somos vida loka”), e não se coloca sobre o
que eles eram antes. A posse dos bens mencionados (a polo listrada, o tênis da Nike ou o boné), por
mais que sejam atribuídos à picadilha dos boy, não faz deles (o “bonde”) necessariamente também
boys. O alerta que Guimê faz (“não vale esquecer que somos vida loka”) sugere que isso pode
ocorrer, que por conta da emulação eles podem vir a esquecer quem eram, abandonando suas
origens, suas raízes, a vida loka. A ênfase do vida loka aqui é na sua capacidade de agregar os bens
dos boys, como se houvesse uma assimilação material e simbólica. Vida loka sugere também as
origens, de onde eles viera e consequentemente quem verdadeiramente são. Ser vida loka é quase
sinônimo de ser essencialmente um sujeito que veio da periferia.

Outro funk que fez sucesso e faz menção à vida loka em sua letra é do então à época menor
de idade MC Rodolfinho, chamada “Ai Meu Deus Como É Bom Ser Vida Loka”. De 2012, e
produzido também pela Kondzilla, o videoclipe inicia com uma homenagem já “pra todos vida
loka”. Quando a batida começa a tocar, a referência aos Racionais se torna evidente por conta de um
sample retirado da música Vida Loka Parte I, onde Bronw diz “vida loka”, num tom seco e reto.
Rodolfinho aparece assim que a bateria eletrônica se inicia, em uma limusine acompanhado de
cinco mulheres, três o abraçando e o acariciando e duas à sua frente, de frente para ele e de costas
para a câmera, rebolando em justos e curtos vestidos. O MC, mesmo sendo menor de idade, está

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rodeado de bebidas. Num balde há espumante, e na mão de uma das mulheres que o abraça há um
red label. Quando começa a cantar, Rodolfinho diz “O direito só tem peixe / E o esquerdo tá cheio
de onça / Ai, meu Deus, como é bom ser Vida Loka”, enquanto, ainda dentro do carro, está rodeado
por outras jovens mulheres que abanam notas de cem Reais e mostram garrafas.
Na sequência, uma frota de carros anda devagar por uma rua vazia, e então, novamente
dentro do carro, Rodolfinho canta “De carrão, de motona / O bagulho te impressiona / Ela brisa,
ela olha, ela pisca, ela chora / Só pra andar de navona / Ai, meu Deus, como é bom ser vida loka ”,
enquanto a cena muda para uma tomada diferente, onde uma moto estacionada tem sua garupa
preenchida por diferentes mulheres até que o piloto arranca.
Em outro momento, enquanto são mostradas diversas garrafas de diferentes bebidas, o MC
canta “Traz bebida pras gatona / Deixa elas malucona / Camarote, área vip, baladinha monstra /
Ai, meu Deus, como é bom ser vida loka”
Depois dessas duas aparições, o termo só vem a aparecer de novo no final, depois que
anuncia que “vai tocar o puteiro” numa limusine fazendo chuva de dinheiro e diz “Jogo a de 5, jogo
a de 10 / Jogo a de 20, jogo as onça / Ai, meu Deus, como é bom ser vida loka”
Para Rodolfinho, ser vida loka é ser hedonista. O termo é associado ao prazer, a gozar a
vida. Esse prazer é obtido através das bebidas, dos passeios de carro e de moto, bem como da
presença das mulheres. A forma como as cenas do videoclipe são construídas fazem menção à
noção do hedonismo tradicional (CAMPBELL, 2001, p.98), na qual o ambiente e os sujeitos em
volta são manipulados em nome da satisfação sensorial do sujeito principal, o potentado, no caso,
MC Rodolfinho com as mulheres e as bebidas. Tanto quanto à concepção moderna (ibidem, p.103),
na qual o prazer é acionado a partir de emoções, de devaneios, através de exercícios mentais e
associações feitas pelo sujeito a partir da posse de determinados bens, no caso, quando se refere à
posse de carros, motos, relógios, ou da presença na área VIP da festa, ou até mesmo da presença das
mulheres e das bebidas.
De novo, não há novidade no que diz respeito a essa associação do vida loka com carros,
bebidas, relógios ou mulheres, os Racionais já falavam sobre isso em VL II.

Vida loka ontem e hoje


Com o intuito de entender melhor o que significa ser vida loka, entrevistei um ouvinte de
rap que acompanhou as mudanças na periferia de São Paulo. Guilherme “Paulista” Bertolucci (26)
nasceu em Vila Medeiros, periferia da zona norte de São Paulo, onde se criou e, aos 19 anos se
mudou para Porto Alegre, voltando vez ou outra para sua cidade natal para visitar amigos e
familiares. Conheci Paulista num desses bares de mesas de plástico de marcas de cerveja numa

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noite há alguns anos, por intermédio de amigos. Na época, Paulista cursava a graduação em
Geografia na PUC-RS e trabalhava como garçom num bar. Naquela noite, depois que descobriu que
eu estudava na UFRGS, me fez algumas perguntas sobre o curso de Pedagogia, dizendo que estava
pensando em mudar de curso e não queria continuar bancando um curso particular. Em 2014
conseguiu entrar na UFRGS, no curso que queria, mas não deu continuidade. Em outro momento
anterior à entrevista, me relatou que “não servia pra estudar”.

Escolhi entrevistar Paulista porque, como seu próprio apelido indica, ele conhece bem o
ambiente da periferia paulistana, e já havíamos trocado algumas palavras sobre o tipo vida loka em
momentos anteriores. A entrevista se deu no fim de tarde de uma quinta-feira de setembro de 2016,
na Faculdade de Educação (FACED) da UFRGS. Quando entrei em contato para marcar a entrevista
sugeri de início que fosse num bar. Minha sugestão tinha como objetivo situá-lo num ambiente que
lhe fosse familiar e acompanhado da informalidade. Paulista hesitou, disse que queria “fazer o
bagulho bem feito, certinho”, e exigiu outro local e aí que sugeri a FACED. Trago aqui algumas
partes da entrevista que penso serem úteis para ajudar a entender três pontos: 1. O vida loka; 2. a
relação com a malandragem do samba; 3. as mudanças no rap e sua relação com o funk.

Iniciei a entrevista perguntando sobre seu grau de envolvimento, procurando atestar sua
organicidade com o movimento.

M: Poderia falar um pouco sobre teu envolvimento com o rap?


G: Meu envolvimento com o rap, em São Paulo, ele é total… Ele se deu a partir dos
meus… quando eu comecei a ter noção das coisas… A partir dos 6, 7 anos de idade o cara
começa a ter um time de futebol, ouvir música. Então desde seis, sete anos, eu ouvia
pagode, samba e rap… Os mais velhos lá da vila sempre ouvindo rap e aí eu comecei a ter
ligação com o rap.
Mas de me inserir no rap foi de 13 pra 14 anos. De ir em show… aí foi correndo pela
cidade atrás, sempre de ir em show, participar de batalha do movimento em si… De ver o
rap na rua, das festinhas.
Importante destacar que envolvimento cedo no rap se deu junto a outros estilos musicais,
mencionado por ele também são o pagode e o samba. Isso é de vital importância para compreender
o vida loka como sujeito da periferia e sua relação com o malandro que aparece mais tarde.

M: Pra ti, o que significa ser vida loka? O que tu entende pelo conceito de vida loka?
G: Ele [o conceito de vida loka] é um conceito revolucionário. De empoderamento da
periferia. Ele é um conceito transgressor de regras. Ele dá visibilidade pra periferia, a
periferia é invisível perante a sociedade. Eu considero ele um conceito revolucionário, não
no termo de revolução libertária, socialista… mas um termo de… de dar visibilidade, de
tornar essas pessoas ‘gentes’. E muitas vezes esse conceito ele é usado pro crime,
principalmente usado pro crime. Porque o “vida loka” é aquele que transgride as regras.
O rap nunca quis fazer uma revolução comunista. Cê não vê rap falando de movimentação
de massas, de classe operária, ele é pela periferia, ele fala de periferia. Muitas vezes, ser
pela periferia é dar visibilidade pra periferia, e daí é ter um carro, é portar as marcas, isso
dá visibilidade. Então ela não é uma revolução comunista, ela é uma revolução… diria até

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capitalista. Uma revolução dentro dos termos do capitalismo. É fazer com que os pobres
também ostente, também possa estar portando as coisas.
Aqui surge o ponto principal. A definição de Paulista sintetiza o vida loka enquanto algo
(um tipo ideal de sujeito, um estilo de vida ou um habitus talvez?) transgressor e empoderador, que
dá visibilidade aos pobres através das suas posses. Essa transgressão e esse empoderamento são, de
alguma forma, revolucionários, mas sem necessariamente alterar os princípios estruturantes da
economia capitalista, “uma revolução dentro dos termos do capitalismo”. Uma revolução num
sentido particular, diferente do seu significado político clássico.

M: Como tu entende que a noção de vida loka influencia na vida das pessoas?
G: A gente viveu num bairro onde, pô, ônibus lotado, condução precária… atrasa, estraga.
Uma lata de sardinha, aí as pessoas saíam 7h da manhã e voltavam 9h da noite. Muitas
vezes as crianças ficavam à bangu na rua, sofriam repressão policial. O vida loka era
empoderamento, tipo, até uma autoestima pra essas pessoas que têm a autoestima baixa. Se
sentem um lixo, no trabalho são maltratados, na escola são maltratados, então é um
empoderamento. Na minha vida foi empoderar. E também tem o lado, lógico, que tem
muitas vezes onde o adolescente, ele confunde, aí que é o problema… o rap nunca
incentivou ninguém a ir pro crime, nunca! O rap não incentiva ninguém pro crime. Mas
infelizmente tem moleque que ouve o termo “vida loka” e ele vai pro crime. Aí ele começa
a fazer coisa errada, começa a roubar aqui e ali. Infelizmente foi aí que eu comecei nos 15,
16 anos. A vida loka pra mim foi a criminalidade, tráfico de droga, essas coisas. Mas aí
depois a gente vai tendo o entendimento de que não é esse o caminho. Que a vida loka, ela
é… Porque a gente vai vendo que, por exemplo: o patrão da boca? Morreu. O assaltante de
banco? Tá preso, tá guardado, trinta ano de cadeia. Aí a gente vai vendo que não é bem
assim, que não é esse o caminho que deve ser tomado. Aí o conceito de vida loka, dos meus
15 até os 25 anos, ele foi e transformando, ele foi mudando. Primeiramente era
criminalidade, e depois ser vida loka, meu, é transgredir as regras… É dar visibilidade pros
cara de periferia.
O empoderamento e o crime aparecem como fronteiras borradas do vida loka. A
compreensão que os sujeitos tinham sobre o tema variava já desde o início, onde uns entendiam
“visibilidade” outros entendiam “criminalidade”. Paulista afirma que a segunda compreensão, a do
crime, é uma má compreensão do que o rap fala. Sua enfática afirmação de que o rap nunca
incentivou o crime parece ser, ao mesmo tempo uma confissão de seus erros do passado, e uma
defesa ao discurso do senso comum que se refere ao rap como “música de bandido”, que incita a
violência.

M: Tu falou em pagode, samba e rap antes. Como tu acha que o samba e o rap se
conectam?
G: Muitas vezes o… o malandro é diferente do maloqueiro. Muitas vezes a malandragem é
tida como uma coisa pejorativa, pra tirar proveito. Eu não acho que é pra tirar proveito. O
samba e o rap dizem que o bom malandro é aquele que não dá falha. Que não deixa, tipo
assim, não fica devendo no barzinho, devendo no mercadinho do bairro, é o cara que não
pega mulher dos outros, é o cara que não briga… Que bebe e fica postura, não dá vexame.
Essa é a boa malandragem. E vida loka e malandragem é uma continuação. O vida loka é
uma continuação da malandragem do samba.
Perguntei sobre a conexão entre o rap e o samba com o intuito de verificar se o “vida loka” e
o “malandro” teriam alguma relação. Sua resposta inciou-se confusa, porque aparentemente, usou o

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termo “maloqueiro” como sinônimo de “vida loka”, mas desenvolvendo a questão, colocou um
ponto em comum entre os dois, o “bom malandro”. O “bom malandro” é um sujeito disciplinado,
que “não dá falha” no bairro. Esse destaque à territorialidade é interessante, “o bairro”, “a favela”,
categorias que aparecem tanto na fala quanto nas músicas.

Pensando ser necessário compreender as mudanças, e nesse momento pensei justamente na


figura do malandro do samba de meados do século passado, e como ele se conectava com o rap nos
anos 80 e 90, questionei sobre as mudanças mais recentes pelas quais passou o rap, especificamente
sobre o rap nova geração.

G: Evolução ele não é, mas é uma transmutação. Até um processo natural. O rap americano
passou por isso também. Ele começou combativo – como o nosso –, combativo, denúncia,
demonstração de realidade e visibilidade, e a transmutação natural é o empoderamento, e a
partir disso, a ostentação. E hoje a militância do rap tá muito focada em legalização de
drogas, e eu não sei se é um caminho legal isso. Ele só fala em fumar maconha, fumar
maconha, fumar maconha, comer as mina, comer as mina, comer as mina… E eu diria
mais, o rap sempre foi machista, mas antigamente – eu não sei se tu concorda comigo –
mas ele não dizia que todas as mina eram vagabunda, ele chamava uma ou outra mina de
vagabunda. Por quê? Porque às vezes a mina dava falha. Às vezes a mina era de um cara e
dava pra outro. Mas ele não dizia assim ‘ah, eu vou comer tudo essas puta’, não dizia. E
hoje em dia diz… Hoje em dia cê ouve um rap e ele tá dizendo ‘ah, hoje eu vou pra
balada’… E outra, ainda digo mais, tá rolando uma rivalidade muito ridícula… Filipe Ret,
Costa Gold… Uma coisa babaca que não une o movimento. É um dizendo que pode mais
que o outro, que tem a rima melhor que o outro. Querendo competir. E o rap nunca foi isso,
o rap sempre foi em prol da periferia, unificação em prol da periferia. Aqui em Porto
Alegre, por exemplo, nós temos o COHAB Rap, onde vem grupo de todo Rio Grande do
Sul pra fazer um dia só de rap, lá em São Paulo nós tinha o Espaço Rap, tinha as festinhas
do Parque do Carmo. Eram espaços que uniam a galera…

M: Mas tem as batalhas de MC’s, em que os caras competem pra ver quem rima mais,
quem canta mais rápido, quem não perde a linha… e os caras se ofendem e tal…
G: Ah sim, sim, sim… A competição é natural, na música vai ter vaidade, no samba tem
vaidade, no sertanejo tem vaidade, no rap não ia ser diferente, vai ter vaidade. Só que eu
não acho benéfico pro rap isso, essa competição. Eu diria que ela pode muito bem ser
evitada. […] só que os moleques hoje em dia, eles não estão muito preocupados em mostrar
a realidade. Porque a realidade deles talvez já não seja a mesma de vinte anos atrás. De
fazer um rap pra ter o que comer no prato, pra ter saneamento básico em casa.
As mudanças do rap, para ele, são negativas, as letras retratam consumo de drogas e sexo,
além de que o clima instaurado pelos grupos novos é de competição. Essa competição não é igual à
competição que existia antes, nas batalhas, por exemplo. O interlocutor atribui essas mudanças à
própria mudança na forma como os rappers vivem.

M: Tu acha então que a mudança da realidade que eles vivem fez eles mudarem sobre o que
cantam?
G: Sim, porque não têm mais necessidade de denunciar a realidade deles. Vai denunciar o
quê? Tem esse negócio de empatia. Esses guris não têm empatia, não vão denunciar o que
eles não vivem. Eles vão falar o que eles vivenciam, o que eles vivenciam é festa, é o rap de

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andar de bolinho. Que eles andam muito de bolinho 4. Quem anda de bolinho é fermento,
né? E eles não vão denunciar o que eles não vivem.
Paulista acredita que, por conta de não viver mais a precariedade de outrora, os atuais
rappers não têm mais o que denunciar. O rap, porém, não se faz só de denúncia, assim, eles passam
a cantar sobre outras coisas, sobre o que vivem. O que vivem, diferente de antes, não merece
denúncia, merece contemplação. Isso explicaria, por exemplo, o rap daquele meu aluno que cantava
sobre maconha e sexo. É exatamente o tipo de letra que o interlocutor rechaça. As mudanças
ocorridas não foram totais, Paulista parece reconhecer isso quando diz que os novos rappers não
têm empatia, a falta apontada por ele sugere que por mais que eles não vivam uma realidade
negativa, há quem o faça. Na ausência de dificuldades, sem ter o que denunciar, abre-se espaço nas
letras para outras temáticas:

M: Aí entra competição, vaidade, busca por prazer…?


G: Sim, sim. O rap sempre foi poesia, sempre, sempre foi. Cê pega Ndee Naldinho, ele
fazia umas músicas muito sexy pras mulheres, próprio Racionais fazia. Mas… não vou
dizer que vulgarizou, mas a busca pelo prazer ela superou outros valores que tinha
antigamente.
O entrevistado reconhece que esses temas não surgiram agora, eles já estavam presentes
antes, e traz Ndee Naldinho como referência, mas que agora esses temas superam os outros.

A partir da menção a um rapper da chamada “velha guarda”, questionei sobre sua opinião
acerca das interações de parcerias5 entre a velha e a nova geração.

M: E o que tu acha dos caras da velha guarda que colam com a nova geração?
G: A gente vai ter dois pontos. Por exemplo TSG 6, o Kaskão, ele mete pau em todo mundo.
E não acho que tá errado, eu acho que ele tá certo, porque perdeu a essência. Mas por outro
lado, cê pega o RZO… Pô, os caras não precisam provar mais nada pra ninguém. O que os
caras fizeram… quantas milhares de cabeças eles mudaram na periferia? Eles não precisam
provar mais nada pra ninguém. Mas não sei se acho ruim eles colar com essa rapaziada do
funk ostentação…
Entre o rap ostentação e o funk ostentação, acho que o funk tem mais contato com a
periferia. Ele fala do empoderamento também, “nós tamo aqui, nós tamo cantando funk e
nós podemo. Nós tá com os carro, nós tá com as marca, nós tá com os kit e os playboy vão
ficar em choque quando ver a gente”, é isso que eles falam basicamente. E eu acho honesto
da parte deles, mesmo que eu não vá concordar. O Eduardo Taddeo foi muito objetivo
quando ele disse que é necessário ter um trabalho de base antes. Porque cê pega um
moleque de 15 anos de idade, que não tem base nenhuma, dentro de casa, na escola. Só vê
crime na rua. Vê os vida loka, os ladrão, tudo de carro importado, celular novo. Ele vê os

4 O “bolinho” a qual se refere Paulista parece ser uma versão negativa dos “parceiros”, o termo aparece cantado na
música “1 Por Amor, 2 Por Dinheiro” do grupo Racionais Mcs numa cena narrada em que o grupo chega numa festa
e um sujeito acusa alguém de “estar de bolinho”, no que ouve a resposta “Respeita, doidão / Aí, não fala assim /
Bolinho pra você é família pra mim”. Parece ser uma gíria paulistana usada para se referir a um agrupamento em
tom pejorativo.
5 Uma dessas parcerias polêmicas atualmente é a turnê nacional que os Racionais MC’s estão fazendo em 2016 com o
grupo de rap nova geração Costa Gold.
6 Trilha Sonora do Gueto, grupo de rap da velha geração de São Paulo, Kaskão é seu MC principal. Apadrinhado por
Brown, Kaskão é também dono de uma grife de roupas chamada “Vida Loka” que confecciona roupas em estilo hip-
hop.

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funkeiro de celular importado e carro novo, e ele não canta funk. Que que ele vai fazer? Ele
vai roubar. Porque ele quer ter essa vida, ele quer ter os troço, ele quer ter visibilidade
também. Mas se ele não canta funk, como é que ele vai fazer? Ele vai roubar. Então muitas
vezes não é explícito mas… muitas vezes o funk tá levando a molecada pra roubar, pra
querer ter essa visibilidade da ostentação…
Tem o contraponto também, o funk pode mostrar isso que falei, e pode mostrar também que
dá pra correr atrás no funk, de trabalhar duro, de show e tal, estúdio, correr atrás do
dinheiro via trabalho artístico, pode sim.
Não sei se por confusão ou faz parte de seu entendimento, mas Paulista em sua fala mistura
“rap nova geração” com “rap ostentação” e “funk ostentação”, se referindo a eles como se fosse
uma coisa só. Talvez minha colocação tenha sido vaga ao dizer “nova geração” sem especificar que
me referia ao rap nova geração. A “nova geração”, nesse sentido, pode ser no seu sentido etário, e aí
sim, é parte tanto do rap quanto do funk. Em sua resposta, ele coloca dois casos, no qual um deles é
o tipo de rappers que “não devem nada a ninguém”. Por suas conquistas, suas histórias e bagagens,
estes podem fazer o que quiser da sua vida artística, gozando de um consistente prestígio. Outros,
porém, para Paulista, se misturam com a nova geração porque estes têm mais aceitação na periferia.
Em sua resposta é curioso observar que Paulista critica o funk ostentação por sua possível instigação
ao crime, sem perceber que reproduz uma argumentação semelhante à utilizada para atacar o rap
(de que a louvação aos bens materiais mobiliza os jovens para o crime). Finalizando, expõe um
contraponto, uma outra interpretação. E aí surge uma outra lógica que é a argumentação que os
defensores do funk ostentação lançam, a de que o funk na verdade instiga para o trabalho. Exponho
essa observação a ele sobre o ponto de vista dos funkeiros ostentação e o sentido que o trabalho tem
dentro do seu discurso e ele parece aceitar.

Focando no argumento sobre a maior aceitação do funk, peço para que desenvolva melhor.

G: O mercado fono… não sei falar esse negócio.


M: Fonográfico.
G: Isso, fonográfico, nunca foi bom pro rap. O rap nunca ganhou dinheiro. Foram
pouquíssimos que ganharam dinheiro e não ganharam muito. O Helião do RZO 7 continua
morando na mesma casa lá em Pirituba. Acho que os únicos que ganharam no Brasil foi o
pessoal dos Racionais…
M: Mas o Brown ainda tem uma casa na Zona Sul, né…
G: Sim, sim, tem uma casa na Fundão... Então o funk ostentação atingiu um patamar que o
rap nunca atingiu. Tipo, o cara faz um funk ostentação e faz cinco shows numa semana,
ganha R$50.000. Quando que um rap ganhou tudo isso? Isso aí não existe
M: Só o 50Cent [risos]…
G: Sim [risos]. No Brasil isso daí nunca existiu. […] O funk ele vende muito mais, porque
quer queira, quer não, quando cê ouve um rap cê se sente mal. Ele tem dois contrapontos,
uma coisa que cê não vai colocar, sei lá, pra uma mina escutar… cê tá com uma mina e pá,
bota um rap pra escutar. Rap cê bota quando tá se sentindo mal, pra tu ir à luta, quando tá
com uns problemas e aí vê que tem problema que é muito pior. Mas ele não é um negócio
“pra cima”, então por isso ele não vende. […] Mas daí, disso aí que cê falou, do trabalho no

7 Grupo paulista de rap da velha geração, Helião é seu principal MC.

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funk ostentação, daí o vida loka passa por uma transformação também, né? Porque aí o vida
loka vira o bom malandro, que é o cara que trabalha e corre atrás. […] Mas aí ele tá fugindo
da engrenagem do sistema. Por exemplo, chega num restaurante onde tá todo mundo lá com
aqueles trajes, digamos assim… de festa e tal […] aquela musiquinha de piano de fundo e
tal, e tá todo mundo lá, os casais dos senhores, os playboys. Aí do nada chega cinco vida
loka com sete mulher, gastando dinheiro pra caralho. Isso choca a sociedade. Mas o que que
eles estão fazendo de errado? Eles estão pagando. Eles estão comendo do mesmo jeito que
todo mundo está comendo. Mas isso é uma transgressão, isso choca a sociedade. É uma
transgressão simbólica, eu diria. Isso atiça o imaginário. Como ele chegou ali? Por que que
ele tá ali? O que que ele tá fazendo ali? Cê ouve muito nas letras do funk ostentação: “os
playboy quer saber como a gente chegou aqui e de mim cê não vai achar nada”.
A categorização de rap como “algo que não é pra cima” que aparece na fala parece ser o
principal fator que separa o rap do funk, afinal de contas, suas letras dividem temáticas, suas
origens são as mesmas e seus públicos também. A diferença entre um e outro (e também o que
causa o sucesso de um e o fracasso de vendas do outro) parece ser que o funk é um ritmo “pra
cima”, dançante e festivo. Como já fora apontado por Vianna (op. cit.) os DJ’s cariocas
selecionavam as batidas das músicas conforme reação do público, assim captando quais eram mais
dançantes e passaram a utilizar essas batidas em suas composições. Com o passar do tempo essa
característica dançante das batidas de funk foi sendo potencializada, explorada cada vez mais, e
unida a outros elementos da melodia, tudo direcionado para ser o mais dançante possível, visando,
num primeiro momento, aceitação nas pistas, e depois em outros espaços, como a internet. O rap,
por sua vez, é desde sempre mais pesado, seco e agressivo. Não é feito para ser dançado, isso se
explicita em músicas de rap nacional, por exemplo quando Facção Central canta na música “Versos
Sangrentos” que “Não canto pra maluco rebolar / meu som é pra pensar, pra ladrão raciocinar /
[…] Não faço rap pra cuzão balançar o rabo”. O rap, como disse Paulista, é feito pra se sentir mal.
Ele não passa um sentimento positivo, ele retrata uma realidade sofrida e negativa. Ele fala das
mágoas, das frustrações, das dores. Fatores esses pouco vendáveis. Quando Paulista fala sobre a
relação entre o vida loka e o trabalho, ele traz de volta o sentido transgressor do vida loka,
exemplificando com uma cena em que alguns vida loka ocupam um espaço que não lhes era
destinado. A ocupação transgressora desse espaço é dada pelo consumo, eles consomem algo que
não lhes é destinado. Na sua explicação, vida loka, consumo e transgressão aparecem juntos. Assim
como na letra dos Racionais, onde o consumo de alguns objetos é tido, e encorajado, como algo
positivo por isso, porque ousa desafiar os princípios que guiam as estruturas. “Preto e dinheiro são
palavras rivais?” já questionava Mano Brown em 2002. Essa utilização do consumo enquanto
transgressão simbólica (como mesmo disse Paulista) se iniciou no rap, mas foi, segundo ele,
potencializada no funk ostentação. O entrevistado enxerga ainda presente esse sentido do consumo
no funk ostentação, por mais que as letras cantadas pelos funkeiros não falem nessa forma.

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Conclusões

Minha leitura é de que o funk ostentação, ao se inspirar no vida loka que os Racionais MC’s
criaram, destituiu o consumo de seu sentido originalmente transgressor que era particular a esse
universo. Essa separação se dá por conta justamente das alterações na forma como esses novos
MC’s estão localizados no mundo, inseridos nos circuitos econômicos formais, com necessidades
básicas garantidas, etc, como o próprio entrevistado sugeriu.

Se considerarmos, como sugerem alguns autores, o consumo como uma linguagem não-
verbal, será que o que dizem os MC’s agora com suas práticas de consumo não mudou também
assim como mudou o que dizem quando cantam? O que sugiro é basicamente que as mudanças
vividas entre a década de 2000 e a de 2010 passaram a incluir esses sujeitos em campos que lhes
eram negados antes, possibilitando acesso mais ou menos legítimo a bens que lhes eram negados
antes, assim, o significado atribuído a essa experiência passa a mudar.

A distribuição de renda e o crescimento econômico vividos nesse período mudou a forma


como esses sujeitos se localizam no mundo, como vivenciam as cidades, como consomem e,
consequentemente, como e o que expressam. Ora, se lhes é negada (não por uma lei formal, mas por
impossibilidade prática) a compra de um carro de luxo, obtê-lo é um ato de subversão. Por outro
lado, se lhes é sugerido a compra de um carro de luxo, obtê-lo não tem mais o mesmo sentido.
Dessa forma, o consumo transgressor do rap era uma significação que se dava de fora pra dentro, de
alguém cujo acesso a certas esferas de circulação de bens era negado por pressões estruturais. O
consumo do funk ostentação, porém, é uma significação de dentro pra fora, de alguém que foi
incluído nessas esferas.

No primeiro momento, quando este acesso era negado, exigia-se o acesso através de
denúncias. No segundo momento, com seu acesso garantido e naturalizado, se contemplava sua
inclusão. A vida destes jovens mudou, como disse Paulista “a realidade deles talvez não seja a
mesma de 20 anos atrás”, e existe toda uma série de dados que comprovam isso. Resumidamente
(mas não totalmente), o país mudou, a economia mudou, a periferia mudou, a juventude mudou, o
rap e o funk mudaram, e o consumo mudou.

Bibliografia

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Editora Rocco, 2001.

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Audiovisual

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