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Entrevista

Comércio do Seixal e Sesimbra | 29 de Outubro de 2010


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OPINIÃO

Quatro promissores jovens fazem da música a sua forma privilegiada de expressão pessoal, mostrando-se convictos
da vontade de vingar e marcar o seu lugar no panorama artístico português. Identificam-se com o «Post-Grunge», um
João subgénero do rock alternativo surgido na década de 1990. Oriundos da zona de Corroios, Pedro Carvalho (Guitarra e
Carlos
Pereira Voz), André Branco (Guitarra), Manuel Reis (Baixo) e Carlos Pacheco (Bateria) constituem os «Caffeinna».

BANQUEIROS
de sermos todos do “metal”. O André, que tem
Se as pessoas deixarem de pagar aos formação musical, também gosta de música
bancos o que lhes devem, os bancos
irão à falência. Mas se ninguém precisar
jazz e clássica, já os restantes elementos são, por
de pedir dinheiro aos bancos, de igual assim dizer, autodidatas.
modo todos os bancos faliriam. Assim,
o interesse dos bancos é tanto serem Têm participado em vários concursos de músi-
reembolsados dos empréstimos que
fazem, acrescido dos respectivos juros, ca. Na vossa opinião, estes constituem a forma
como nunca serem confrontados com mais eficaz  de promover o vosso projecto?
a independência económica da popula- Sim, claro. Os festivais são uma das poucas
ção e das empresas.
No entanto, viver sem dívidas é a am-
formas que temos para divulgar o nosso traba-
bição de qualquer pessoa, de qualquer lho. Contudo, não nos podemos queixar, visto
família, de qualquer empresa. Ter ren- que temos tido muita sorte com as pessoas e en- São ainda muito novos e estudantes. Dispen-
dimentos para viver com dignidade – o tidades que nos apoiam, sendo que o CCRAM dem muito do vosso tempo para a banda?
que significa, no mínimo, suportar as
despesas de alimentação, saúde, edu- é um grande exemplo disso, disponibilizando- Sim, algum tempo. Ensaiamos todas as se-
cação, habitação e as inerentes ao seu nos o auditório para os nossos ensaios. manas no Auditório do CCRAM, que nos
desenvolvimento cultural – é um desígnio disponibiliza excelentes condições de som. Es-
de cada cidadão, o qual, para além de
estar contemplado na Constituição da
Como decorre o vosso processo de criação? tamos igualmente a preparar o nosso primeiro
República Portuguesa, está inscrito na Normalmente, compõem juntos? EP, que sairá em breve, e que inclui cinco músi-
Declaração Universal dos Direitos Hu- Normalmente, o   Pedro tem uma ideia e cas, tudo originais.
manos. Mas tal, naturalmente, contraria trá-la para o ensaio. Se todos gostarmos, o Car-
os interesses dos banqueiros. Eles pre-
cisam que se recorra ao crédito, porque los faz a batida e surge então a música. Como surgiu o apoio do CCRAM?
é daí que advém a constituição dos seus Mas é um processo que nunca acaba, vamos Como não concordamos com o facto de ter-
enormes lucros. Porque assim querem, sempre acrescentando coisas novas às nossas mos de pagar um espaço para tocar, decidimos
a satisfação dos nossos direitos huma-
nos só pode ser conseguida através do
Determinados, os jovens músicos preparam- músicas. O Pedro adora escrever e tem vários ca- pedir apoios nesse sentido. Quando o CCRAM
endividamento, e nunca de salários sufi- se para lançar o primeiro EP e contam com o dernos cheios de poemas e letras que foram, na fechou para obras de manutenção coincidiu com a
cientes. Justos. apoio de entidades como o CCRAM (Centro sua grande parte, usadas nas nossas músicas. véspera do nosso concerto nas Festas de Corroios
Chegados aqui, já percebemos que, Cultural e Recreativo do Alto do Moinho), que e então ensaiámos na Casa do Povo de Corroios,
para eles, os banqueiros, o fundamental
é que as famílias e as empresas nunca cede à banda espaço para realizar os seus en- “Há muito boa música à qual também agradecemos. Achamos que as
tenham tanto que possam viver sem o saios e ainda da Direcção da Casa do Povo e a nascer nas garagens” pessoas têm, muitas vezes, medo de pedir apoios,
recurso ao crédito, nem tão pouco que da Junta de Freguesia de Corroios. Apesar de no sentido de acharem que custa muito alcançar
não possam pagar os seus emprésti- alguma coisa, por mais simples que seja. Estamos
mos. No fundo, são eles que determi-
recente, a banda já actuou em várias escolas Tocam somente originais, em português e in-
nam, através do poder político – que ou dos concelhos de Almada e Seixal, nas Festas glês. Com que idioma se sentem mais à vontade? aqui para provar precisamente o contrário.
é da sua confiança, ou não pode ser po- de Corroios 2009, no Festival «Rock & Pesados  Parece que actualmente é moda as bandas
der – o que podemos, nós, os cidadãos Sub 21», no Pestinha Bar – Fonte da Telha, no cantarem todas em português. O que nos podem adiantar sobre os vossos
comuns e as pequenas e médias empre-
sas, ganhar. É disto que se fala quando Concurso de Bandas «CanoBravo», em Sousel, Nós achamos que é indiferente, é uma ques- projectos para o futuro?
se fala em Capital Financeiro, Poder Eco- e no «Festival Coffin», em Abrantes. Os seus tão de divulgação e, nesse aspecto, o inglês é mais Os nossos objectivos passam por tocar muito,
nómico ou, mais simplesmente, Capita- objectivos passam por “fazer da música a sua eficaz. Cada um trabalha com as armas que tem. dar muitos concertos. Nesta fase amadora, é
lismo. São os banqueiros que, de facto, mais importante o espectáculo ao vivo e a co-
comandam as nossas vidas.
vida”, se possível em Portugal, caso contrário, Como o Pedro tem mais facilidade em escrever
O que se passa com as pessoas e as afirmam com firmeza que o futuro da banda em inglês e, visto não termos muita fé em con- municação com o público do que propriamente
empresas, passa-se com os países. passará pelos palcos estrangeiros. seguir fazer carreira em Portugal, a possibilidade as vendas, a parte comercial. O factor principal
Mas enquanto, a nível da banca nacio- do estrangeiro fica assim mais acessível. para que possamos crescer é uma divulgação
nal, nós ainda sabemos o nome dos
bancos e dos seus principais accionistas Quem são os «Caffeinna » e como nasceu a eficaz e não o dinheiro.
e administradores, a nível planetário a ideia de formar a banda? Qual foi, até hoje, o momento mais alto da
coisa fia mais fino. Quem são os homens O projecto começou numa festa de anos na vossa carreira? Que apelo fariam para que as pessoas co-
que emprestam dinheiro aos Estados? nhecessem o vosso trabalho e assistissem aos
Como conseguiram a sua enorme rique-
qual estavam presentes o Pedro e o Carlos, que Foram vários momentos.
za e, consequentemente, o seu enorme tinham muita vontade de formar uma banda. Destacamos o «Festival Coffin», na Bem- vossos espectáculos ao vivo?
poder? Como podem dispor de capi- Precisávamos de mais músicos e tentámos an- posta, em Abrantes, que tinha como objectivo Apelamos para que venham assistir aos nossos
tais tão astronómicos sem que se lhes gariar mais pessoas na Escola Secundária João apoiar novas bandas, o que achamos que tem espectáculos ao vivo. Através das nossas músicas,
conheça qualquer actividade produtiva
que minimamente o justifique? Fala-se de Barros. Inicialmente eramos uns sete. Foi en- muito valor. Depois, tivemos as Festas de Cor- conseguimos transmitir uma mensagem concre-
que esta agiotagem tem por detrás dia- tão que soubemos que o André tocava guitarra roios e o «Rock na Aldeia», em Paio Pires. Este ta, e tanto a melodia como a letra ficam no ouvi-
mantes, petróleo, armas, droga, mas bastante bem e chamámo-lo para fazer parte da último talvez um dos melhores palcos onde do. As letras das nossas músicas são todas bastan-
tudo está envolto numa enorme e qua- te distintas, por exemplo, «Monochromatic» tem
se fantasmagórica penumbra. Como se
banda, que teve vários outros nomes e composi- já tocámos, com uma óptima qualidade de
chamam? Quais os seus rostos? Onde ções até se denominar «Caffeinna». Começámos som. Um momento excelente foi a nossa pri- uma letra muito forte.
moram? Onde passam férias? Têm por tocar nas festas da nossa escola, mas, como meira actuação nas Festas de Corroios. Há que apoiar as bandas mais pequenas, por-
filhos? Netos? Posso não saber res- éramos muitos, tinha que haver necessariamente Na altura estávamos de férias e, no primei- que é o público que as faz crescer. O velho esteri-
ponder a estas perguntas, mas sei que
a última coisa que eles desejam é que uma selecção para que as coisas funcionassem. ro dia de aulas, os nossos colegas vinham ter ótipo de que “tudo o que é nacional não é bom”
Portugal deixe de contrair dívidas. É das O Manuel foi o último elemento a entrar. O connosco para nos darem os parabéns. Foi aí tem que acabar. Oiçam boa música portuguesa
nossas dívidas que eles se alimentam. É nosso antigo baixista e vocalista saiu da banda que tivemos de facto a percepção de que o nos- amadora para que esta se torne profissional. As
através delas que o seu dinheiro se lava so projecto tinha pernas para andar e esse reco- editoras investem sobretudo em música “pop”,
e se reproduz.
devido a quezílias pessoais e, como o Manuel
Por cá, os nossos políticos, que são costumava assistir aos nossos ensaios e tocava nhecimento foi muito bom. mas há muito boa música a nascer nas garagens.
lacaios fiéis dos banqueiros, limitam-se Baixo, achámos que seria uma boa “aquisição”. Como sugestão, deixamos o endereço do nosso
a obedecer-lhes sem contestação. Em Consideram viável a hipótese de fazerem da “myspace” (http://www.myspace.com/caffein-
paga, têm o futuro garantido. A maio-
ria está confortavelmente instalada na Como é que surgiu o nome da banda?   música a vossa profissão? na), para que possam conhecer melhor o nosso
vida, enriquecida à custa da actividade O nome da banda surgiu devido ao facto de, Consideramos que sim, é difícil mas conse- trabalho e onde será disponibilizado, em breve,
política, facto que nem os tachos em durante os ensaios, fazermos muitas pausas para gue-se. Temos o caso dos «Fonzie» que foram o nosso primeiro EP.
administrações de empresas públicas para fora do país e depois voltaram com imenso  
ou privadas chega para justificar. Sem
café. Funciona igualmente como uma metáfora de
exercerem profissão digna desse nome, energia e movimento. Passaram-nos vários nomes sucesso. Estamos empenhados em fazer uma Sónia Salvador
auferem vários vencimentos, várias refor- pela cabeça, tais como «Café4», mas soou-nos mui- carreira musical sólida, aqui ou lá fora.
mas, e são senhores de muito patrimó- to “boys band”, então optámos por «Caffeinna»,
nio e enormes contas bancárias, muitas
delas em offshores. Quanto destes pe- mais fácil de memorizar. Na vossa opinião, o que é que distingue os
cúlios resultaram de luvas, percentagens «Caffeinna » das outras bandas?
e comissões? As tais caixinhas de roba- Quais são as vossas influências? O facto sermos bastante versáteis. Existem
los, como dizia o outro? muitas bandas de garagem no Seixal e em Alma-
Seria bom sabermos o nome desta cáfila
Inicialmente, o nosso som era “punk/rock”,
toda. Para já, sabemos que são os Mi- agora aproxima-se mais de um “post-grunge”, da, mas algumas criam-se num dia e acabam no
guéis de Vasconcelos do nosso tempo. na onda de «Foo Fighters». Temos um conjun- outro. A regularidade com que fazemos a nossa
Reles traidores. to de referências bastante diversificado, apesar música e a nossa persistência fazem a diferença.

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