Você está na página 1de 28

Buracos Negros As estrelas

As Estrelas

Compreendemos a possibilidade de determinar as suas formas (dos corpos


celestes), a sua distância, os seus tamanhos e movimentos, mas nunca seremos
capazes de estudar a sua composição química, estrutura mineral, nem a natureza de
seres orgânicos que vivam à sua superfície.

Augusto Conte, 1835

Felizmente, Conte estava errado. Sessenta e um anos depois de ter produzido


esta afirmação, já se tinham identificado 36 elementos existentes no Sol e o hélio foi
identificado primeiro no Sol do que na Terra.
Já vimos a forma pela qual se ficaram a conhecer as quantidades que Conte já
conhecia. A partir de agora, vamos tentar perceber como se ficou a saber aquilo que
ele julgava impossível saber. E depois, vamos mais além.
Em 1902, ingressou no Trinity College da Universidade de Cambridge, um
jovem de 20 anos com grandes dotes para a Matemática e para os desportos. Depois de
cinco anos distribuídos entre as ciências naturais, o hóquei e o futebol, Arthur
Eddington assumiu o cargo de assistente superior no observatório de Greenwich.
Começou assim uma fulgurante carreira, dedicada a obter soluções para dois dos mais
espinhosos problemas da Astrofísica do seu tempo: o estudo do interior das estrelas e a
comprovação da teoria da relatividade geral.
Eddington nasceu na localidade inglesa de Westmorland. O pai era director de
uma escola local e faleceu quando Eddington tinha apenas 2 anos, pelo que foi a mãe
quem se encarregou da sua educação. Antes de saber ler, já sabia as tabelas de
multiplicação até 2424, e aos 10 anos passava noites agarrado ao telescópio,
fascinado com o que via no céu. Não seria pois de estranhar que, uma vez colocado
num observatório tão bem apetrechado, rapidamente o seu trabalho desse frutos. E
assim foi. Apesar de alguma inaptidão para a pesquisa laboratorial, os seus dotes como
observador e o seu poder de raciocínio foram fundamentais para resolver, logo à
partida, um problema lançado pelo astrónomo holandês Jacobus Kaptezn e que se
prendia com o estudo do movimento de rotação da nossa galáxia.
Em 1912, tomou conta da vaga na Plumian Chair deixada por G. H. Darwin
(filho de Charles), que faleceu. Nesse ano, foi publicado o diagrama de Hertzsprung-
Russell (figura 6), no qual se relaciona o brilho absoluto das estrelas e a sua
temperatura superficial. Como muitas das estrelas neste tipo de gráfico tendem a
dispor-se ao longo de uma diagonal, pensou-se imediatamente numa relação
aproximada entre as duas variáveis. Para Eddington, o diagrama rapidamente foi
entendido como a chave para o conhecimento do interior estelar.
Nessa altura, início do século, antes da relatividade geral e depois da restrita,
que todavia ainda não tinha sido bem compreendida, quase nada se sabia do interior
das estrelas. Emden tinha sugerido que elas eram totalmente constituídas por gás mas
muitos astrónomos estavam convencidos de que eram constituídas por uma espécie de
fluido incompressível - algo como uma espécie de cola a alta temperatura. Mas

52
Buracos Negros As estrelas

ninguém tinha qualquer ideia sobre quão quente seria o seu interior. Essa questão não
tinha sequer aflorado a mente da maior parte dos astrónomos. Inclusivamente, o
primeiro interesse do próprio Eddington não foi o interior das estrelas; este interesse
surgiu-lhe indirectamente. Ele tentava explicar as estranhas pulsações das Cefeides
variáveis (estrelas enormes que sofrem alterações periódicas de brilho), e que viriam a
ser fundamentais na conclusão de Hubble de que o Universo se encontra em expansão,
quando rapidamente se apercebeu de que quase nada era conhecido da sua estrutura
interna ou da estrutura interna de qualquer outra estrela. Tinha, pois, de abordar
primeiro esse problema.

Partindo da ideia de que as estrelas eram totalmente constituídas por gás,


Eddington decidiu ver que condições seriam necessárias para um equilíbrio estável.
Das duas forças conhecidas na altura, gravitacional e electromagnética, era óbvio que
seria a gravidade que teria uma importância crucial. Numa estrela, cada camada estaria
sujeita ao peso das camadas que lhe estavam imediatamente acima, e o resultado disso
seria uma enorme força de implosão, que levaria a estrela a colapsar, a não ser que
existisse uma outra força que se exercesse para fora. Não havia dúvida nenhuma de
que essa outra força teria de existir, e, para Eddington, era claro que essa força só se
poderia ficar a dever a um gradiente de pressão dentro da estrela. Significava isto que,
dado o gás nas camadas interiores se encontrar a uma pressão mais elevada do que nas
camadas mais exteriores, a sua tendência natural seria a de se deslocar para fora
contrabalançando assim a fora implosiva do peso. O golpe de génio de Eddington
consistiu na percepção de que, além da vulgar força da pressão gasosa, haveria que ter
em conta e a ela ser adicionada uma pressão de radiação. Era bem sabido, por
exemplo, que a luz vulgar exercia uma pressão, donde, no interior de uma estrela, onde
os níveis de radiação seriam extraordinariamente elevados, esta pressão seria
apreciável. Eddington descobriu que era, de facto, essa pressão e não a pressão do gás
a principal responsável pela manutenção da estrela (pelo seu diâmetro). E essa pressão
teria de resultar do calor: quanto maior fosse a temperatura, maior seria a agitação das
partículas, mais frequentes e fortes serão os choques, e maior será a pressão. Claro
que, para manter a pressão e o gradiente de pressão, a estrela teria de gastar energia,
pelo que esta configuração pressupunha uma fonte energética.

Figura 17

Reprodução do diagrama de Hertzsprung-Russell, surgindo em ordenadas a luminosidade absoluta medida em


relação ao Sol, e em abcissas a temperatura da superfície (temperatura efectiva).

53
Buracos Negros As estrelas

Eddington deduziu várias propriedades das estrelas com base na hipótese de


Emden e verificou que os seus resultados teóricos se coadunavam com as observações.
Um dos seus cálculos
mais importantes foi o
da determinação da
temperatura do núcleo
de uma estrela tipo.
Ficou admirado com a
amplitude desse valor:
15 milhões de graus.
A essa temperatura, os
átomos tinham de
estar ionizados (os
electrões separados
dos núcleos). Edding-
ton prosseguiu então
para executar o im-
possível: criou um
modelo matemático
completo do interior
de uma estrela. Em
Figura 18 1926, publicou os seus
Diagrama de Hertzsprung-Russell com a localização de algumas das estrelas resultados num livro
mais brilhantes do céu nocturno. agora clássico The
Internal Constitution
of the Stars.
Consideremos uma secção cilíndrica da estrela (figura 19).

Figura 19
Representação de uma superfície esférica de espessura r onde se considera um cilindro de área
de superfície A.

54
Buracos Negros As estrelas

Como sempre a força devida a pressão é dada por:

F  P.A

onde P é a pressão e A é a área da secção na qual essa pressão é exercida. Como a


pressão em r é superior à pressão em (r + r)27, cria-se um gradiente de pressão que
gera a tal força que contrabalança a gravidade:

P  Pr  r   Pr . A


com:
A   Ad d  4r 2
e como:
dP
Pr  r   Pr   .r
dr
obtemos:
dP
P  FP   r  A
dr

Num cilindro com uma altura suficientemente pequena, onde a aceleração da


gravidade g é constante, a força da gravidade é por sua vez dada por:

Fg   g.m

onde m é a porção de massa da estrela contida no cilindro, e designa-se por elemento


de massa. As forças que actuam no elemento de massa:

d 2r
F  Fg  F p  m 2
dt

têm de se anular forçosamente, como dissemos, dado que, se assim não fosse, notar-se-
ia uma variação nas dimensões da estrela. Daqui resulta que:

Fg  F p
e como:
m  V

onde  é a densidade e V  A.r  4r 2 r é o volume, obtemos:

dP
  g
dr

27
A camada exterior em r é maior, para a mesma secção, e por isso, tem um peso maior. Se assim não fosse, não
haveria gradiente de pressão.

55
Buracos Negros As estrelas

que é a equação do equilíbrio hidrostático devido ao balanço da forças peso e de


pressão. Recorde-se que, para valores da ordem de grandeza das massas estelares, a
importância da pressão do gás é suplantada pela da radiação. Por exemplo, para uma
estrela com uma massa de cerca de 1033 g, a razão entre a pressão de radiação e a do
gás é igual a 0,106 enquanto que, se o expoente subir para 34, a razão sobe para 0,570,
e quando o expoente for 35 a razão fica igual a 0,850 (cálculos de Eddington).
Suponhamos que retiramos a pressão. Nesse caso, a estrela fica à mercê da
força gravitacional. O peso das camadas exteriores vai comprimindo progressivamente
as camadas mais internas, esmagando-as umas contra as outras, até tudo ter
desaparecido num ponto ínfimo no centro da estrela. Estimemos o tempo que levaria
até um ponto à superfície alcançar o centro. Neste caso teríamos:

d 2r Gm
2
 2
dt r
Gm
e como g  , obtínhamos:
r2
t
d 2r  dr 
  g      g t 0 
dr dr
   gt
t

 dt  0
2
dt dt dt t 0

dr
Assinale-se que  0 porque se pressupõe que o ponto à superfície se
dt t  0
encontra inicialmente em repouso. Temos então que a velocidade do ponto à
superfície, durante a implosão é dada por:

dr
  gt
dt
Integrando:
r    g t 2 0  r t   R   gt 2
t 1 t 1
0
2 2

e o tempo total de contracção (com r desde R até 0) é então dado por:


1
2R  2R 3  2
t2   t   
g  GM 

Para o Sol, por exemplo, este tempo de queda livre seria igual a
aproximadamente 37 minutos. De referir que não é isto que acontece num buraco
negro, dado que, nesse caso, a pressão, ainda que não uma pressão térmica, continua a
existir, embora não seja suficiente para suster a gravidade.
Foi também a partir desta equação que Eddington calculou a temperatura no
centro do Sol. A equação do equilíbrio hidrostático diz-nos que a pressão no centro do

56
Buracos Negros As estrelas

Sol deve igualar o peso do material que está por cima, que é dado pelo peso de uma
coluna de 1cm2 de área de secção, altura R e densidade média  =1 gcm-3:

Fg  Pg

ou seja:
_ _
Pg   g R

o que nos dá, se considerarmos o g médio igual a duas vezes o valor do g do Sol à
superfície, um valor de 41015 dyn cm-2 para a pressão central do Sol. Se depois
usarmos a equação de estado dum gás ideal, podemos calcular a temperatura no centro:

RT 
Pg 

onde R é a constante dos gases ideias,  a densidade e  o peso atómico médio, que
para o centro do Sol, onde as partículas estarão totalmente ionizadas, será
aproximadamente igual a 0,6. Com estes valores obtemos então a tal temperatura de
1,5107 K, para o centro do Sol, calculada por Eddington.
Por outro lado, como é evidente, a massa de qualquer anel esférico é igual à
massa da esfera completa menos a massa da esfera delimitada pela circunferência
interior, ou:

mr  r   mr   m
ou, na forma diferencial:

m dm
 4r 2    4r 2  r 
r dr

sendo esta a segunda equação da estrutura de uma estrela: a equação da massa.


Para além disto, ainda é possível determinar uma equação para a luminosidade
L da estrela,28 à custa da emissividade , que é a energia produzida por unidade de
massa e de tempo. Temos então que, para a mesma figura:

 .m  Lr  r   Lr 

e como m  4r 2 r , ficamos com:

L  4r 2  .r
ou, na forma diferencial:
dL
 4r 2 
dr
28
A luminosidade de uma estrela é a energia total irradiada por unidade de tempo.

57
Buracos Negros As estrelas

que é a expressão para a produção de energia.


Finalmente, temos uma quarta equação que se relaciona com a temperatura,
desde que o transporte de energia se faça por radiação, e que tem a seguinte forma:

dT 3 kL
 . 2 3
dr 16ac r T

onde c é a velocidade da luz, k a opacidade do meio e a é a constante de Stefan.


Eddington permaneceu solteiro toda a vida. Mantinha-se em forma praticando
golfe e dando longos passeios a pé e de bicicleta. A sua paixão era o ciclismo: por
vezes pedalava mais de 150 quilómetros por dia e mesmo aos 60 anos ainda pedalava
diariamente, cerca de 100 quilómetros. Descontraía-se lendo histórias policiais e
resolvendo problemas de palavras cruzadas. Era tímido e sentia-se geralmente
desconfortável na presença de mulheres, pelas quais parecia ter fisicamente pouco
interesse. Se excluirmos a mãe e a irmã, com as quais vivia, as suas relações com o
sexo oposto eram estritamente casuais.
Como professor universitário, Eddington era monótono a dar aulas. No entanto,
as suas conferências de divulgação tinham sempre grande êxito. Perdia muito tempo a
prepará-las e as pessoas faziam bicha para o ouvirem. De facto, eram até demasiado
organizadas, já que nas ocasiões em que o forçavam a desviar-se do tema ficava pouco
à vontade. As perguntas aborreciam-no, enervava-se e gaguejava ao tentar responder-
lhes. Mas, no fim de contas, quer as suas conferências, quer os seus livros de
divulgação tinham um sucesso enorme e parecia agradar-lhe genuinamente a
popularização da ciência. Eddington é até mais conhecido devido a essa faceta da sua
vida.
Depois de ter determinado a estrutura interna das estrelas, Eddington despendeu
um tempo considerável a especular sobre qual seria a sua fonte de energia. Era óbvio
que elas perdiam tremendas quantidades de energia e que esse processo se iniciara há
milhões de anos atrás. As hipóteses que se tinham colocado para explicar a tremenda
energia libertada pelas estrelas tinham todas caído por terra quando postas à prova: ou
porque a energia fornecida nunca seria suficiente, ou porque se esgotavam demasiado
cedo. Vou-me debruçar numa dessas hipóteses de forma particular porque, de facto,
constitui a fonte de energia de uma estrela numa fase muito estreita da sua vida.
Já vimos que qualquer corpo num campo gravitacional possui energia potencial
gravítica ou gravitacional. Sempre que o corpo se aproxima do centro do campo tem
de perder energia potencial, transformando-a, por exemplo em energia cinética e,
posteriormente, em calor ao chocar com o solo. Por outro lado, se se afasta do centro
do campo, tem de obter energia potencial. Dá-se o caso de que qualquer partícula da
estrela está num campo gravitacional criado pelas camadas imediatamente abaixo, e se
se aproximar do centro (se a estrela comprimir), a partícula perde energia potencial.
Hipótese: será que a soma dessa energia potencial perdida por todas as partículas da
estrela em média em queda para o centro, quando a nuvem de poeira inicial (que teria,
literalmente, energia potencial igual a 0 porque não existiria campo gravitacional
mensurável) até ao seu tamanho e forma actual, uma vez transformada em calor,
chegaria para alimentar a estrela com a sua grande luminosidade?

58
Buracos Negros As estrelas

Por definição, a energia potencial gravitacional (U) dum sistema pode ser
expressa da forma que já vimos atrás, ou alterando variáveis:

M
GM
U   dm
0 r

m r
escrevendo q  , 0  q  1 e x  , 0  x  1 , temos que:
M R
1
GqM GM 2 1 q
U  
R 0 x
Mdq   dq
0 xR

1
q
e designando    dq , obtemos:
0 x

GM 2
U  
R

onde  é da ordem da unidade.


No caso particular em que a densidade seja constante temos:

4 3 M
m r   3 xR  Mx 3  q  x 3
3

3 R
logo:
1
x3
1 1
 x5  3
   3 x 2 dx   3 x 4 dx  3  
0 x 0  5 0 5

ou seja, no caso em que a densidade é constante, a energia potencial gravitacional


mínima29 da estrela vem:

3 GM 2
U  .
5 R

Como a luminosidade L é a energia gasta por unidade de tempo, sendo a


luminosidade do Sol, por exemplo, igual a 3,961033 erg s-1, então, o tempo necessário
para eliminar a energia potencial resultante da sua contracção até ao tamanho actual
vem igual a:

U GM 2
tG   .
L RL

29
Recorde-se que a energia potencial é máxima quando as partículas estão infinitamente afastadas, sendo igual a
0 (zero), e diminui para valores negativos, à medida que as partículas vão caindo umas de encontro às outras.

59
Buracos Negros As estrelas

o que, partindo do princípio de que o Sol sempre emitiu a quantidade de energia que
hoje emite, daria um tempo de vida para a nossa estrela da ordem dos 20 milhões de
anos. Todavia, devido a considerações de que aqui não nos ocuparemos, um corpo em
contracção gravitacional terá de libertar “apenas” metade da sua energia potencial
gravitacional o que reduz o tempo da contracção para 10 milhões de anos. Ora é
sabido, e já o era (de forma aproximada) no início do século, que o Sol existe há cerca
de 5000 milhões de anos (500 vezes mais), pelo que se torna evidente que tomar para
fonte da luminosidade solar a energia potencial gravitacional das suas partículas, está
fora de questão. Podemos, ainda, se alterarmos a variável dependente, e sabendo que
ao longo da sua vida, até hoje, o Sol libertou um total de 61050 erg (obtido
multiplicando a luminosidade pelo tempo total em segundos) determinar que, para que
o Sol conseguisse obter toda a sua energia, ao longo de todo este tempo, a partir da
energia gravitacional perdida, teria de se comprimir até um raio igual a 100 Km, e,
para além disso, teria de arranjar uma forma eficaz de gestão dessa energia perdida.
No entanto, embora a energia potencial gravitacional não seja a resposta para a
fonte de energia do Sol (e por inerência das outras estrelas na mesma fase de vida), ela
foi útil nos primeiros tempos da vida da estrela.
O espaço interestelar está juncado de nuvens frias e irregulares, de gases e
poeiras que rodam lentamente, umas primordiais (resultantes do Big-Bang), e outras
provenientes da explosão de estrelas antigas. Por vezes, ocorre uma perturbação numa
dessas nuvens, devida à onda de choque de uma supernova, ou à passagem de uma
estrela pelas imediações. Essa perturbação pode conduzir à formação de pequenos
núcleos mais densos que, por terem mais massa, exercem uma força gravitacional
maior do que a média, atraindo para si cada vez mais poeiras, e crescendo num efeito
tipo bola de neve, designado por acreção gravitacional. À medida que a gravidade o
faz fechar-se sobre si mesmo, a velocidade de rotação desse núcleo aumenta e a sua
forma torna-se grosseiramente esférica. Possivelmente, a força (dirigida para o
exterior) criada pela rotação impede a continuação do processo de colapso num dos
planos do espaço. Porém, o gás que se encontra nos outros planos continua em queda
livre até que a nuvem se transforma num disco gigante com uma grande alto, na zona
central. À medida que o gás dessa zona se condensa, o centro da nuvem aquece,
devido à contracção que leva à perda de energia potencial gravitacional, e a radiação
daí resultante começa a atravessar a zona gasosa que o rodeia. A princípio, a nuvem é
transparente, pelo que toda a radiação libertada, se perde para o espaço, e a nuvem em
colapso embora aqueça mantém temperaturas relativamente baixas. Mas
progressivamente, com o aumento da matéria acretada, a nuvem vai-se tornando
opaca, acumulando radiação no seu interior, e aquecendo. O aquecimento produz
pressão, que impede a região central de continuar a implodir. No entanto, as regiões
periféricas continuam a cair para o centro, aumentando a densidade e a opacidade da
nuvem. Quando a velocidade de contracção do material mais interior da nuvem excede
a velocidade do som, produz-se uma onda de choque, e forma-se um corpo muito
brilhante, designado por proto-estrela. Nessa altura, já a quantidade de radiação
acumulada no interior da nuvem é suficiente para aquecer a altíssimas temperaturas as
regiões circundantes, que emitem luz devido ao calor. A proto-estrela continua o seu
colapso, produzindo grandes quantidades de energia à custa da contracção
gravitacional. Ainda assim, a radiação que começa a ser emitida pelas camadas

60
Buracos Negros As estrelas

superficiais vai, progressivamente impedindo a acreção de novo material, e a massa


estabiliza num valor que decidirá todo o futuro da estrela. A dada altura, a temperatura
do centro atinge 15 milhões de graus30. Pára a contracção gravitacional. Entra em cena
outra fonte de energia. Mais potente e eficiente. Passaram 10 milhões de anos desde o
início do colapso. Nasce a estrela.
Depois de o seu colega F. W. Aston ter demonstrado que quatro núcleos de
hidrogénio eram mais pesados do que um núcleo de hélio 31 (as estrelas são
constituídas quase inteiramente por hidrogénio e hélio, e os núcleos dos átomos de
hélio podem ser formados à custa de quatro núcleos de átomos de hidrogénio),
Eddington, começou a considerar a hipótese de uma conversão de massa em energia.
Seria possível que uma parte da massa da estrela estivesse a ser convertida em
energia? Se fosse esse o caso e, de acordo com a equação que Einstein tinha publicado
em 1905 na sua teoria da relatividade restrita (ver atrás), estaria a ser libertada uma
gigantesca quantidade de energia. Eddington convenceu-se de que era essa conversão
que alimentava a fornalha estelar. Vamos fazer contas. Se definirmos a unidade de
massa atómica à custa do isótopo 16 do oxigénio (O16), verificamos que o núcleo de
hidrogénio (H1) tem de massa 1,008172 u.m.a., enquanto que o de hélio (He4) pesa
4,003875 u.m.a. Quando juntamos quatro núcleos de H1 para formar um núcleo de
He4, através daquilo que se designa por reacção nuclear, obtemos um objecto que tem
de massa 4,032688 u.m.a., quando, como vimos, o núcleo de He4 só precisa de
4,003875. Existe um excesso de 0,0288 u.m.a. Ou, se quisermos, sempre que se forma
um núcleo de He4 a partir de quatro núcleos de H1, existe uma certa massa (0,0288
u.m.a.) que é perdida. Perdida? Não. Esta massa transforma-se em energia, de acordo
com a equação de Einstein, E = mc2. A fracção da massa total que é, neste processo,
transformada em energia constitui 0,0288/4=0,007 ou 0,7 % da massa total disponível.
Sabemos que três quartos da massa estelar é hidrogénio. Se as estrelas conseguissem
transformar todo este hidrogénio em hélio, então uma fracção de 0,5 % da massa das
estrelas poderia ser transformada em energia, que seria transportada para a superfície,
e finalmente perdida por radiação. Calcule-se a energia libertada pelo Sol neste
processo:

E  mc 2  0,005  Mc 2  1  1052 erg

o que daria para o Sol viver, pelo menos, cerca de 15 vezes mais do que o que já viveu.
Se a isto juntarmos o facto de que o Sol irá também fundir hélio para obter carbono,
ganhando com isso mais energia, podemos compreender que este processo de obtenção
de energia é altamente eficiente, e responde completamente às necessidades.
Contudo, uma estrela apenas consegue realizar a fusão nuclear desde que a
temperatura seja superior a 15 milhões de graus. Ora essa temperatura apenas se atinge

30
Dado que a energia libertada por contracção gravitacional depende da massa da nuvem em contracção,
algumas nuvens não terão massa suficiente para esta temperatura. Entram então num estado de equilíbrio e são
designadas por anãs castanhas.
31
Na realidade, não são as partículas em si que são mais pesadas ou mais leves. O que se passa é que, nos
núcleos, os protões e os neutrões, encontram-se ligados graças a uma energia de ligação (que tem uma massa). A
energia de ligação, neste caso do hélio, é inferior à do hidrogénio (eu aqui não uso a notação habitual de energia
de ligação como a energia que é necessário fornecer para quebrar a ligação, mas sim no sentido de energia
potencial), e por isso, quando se funde hidrogénio em hélio, há energia libertada.

61
Buracos Negros As estrelas

no núcleo, que constitui cerca de 10 % da massa total de uma estrela como o Sol. Daí
que, o Sol, só vá viver no máximo, um tempo igual ao que já viveu, ou seja no total, 10
mil milhões de anos.
Atrás referimos que a proto-estrela se transforma em estrela quando pára a
contracção gravitacional. Agora percebemos que a contracção gravitacional é
bloqueada pela ignição das reacções de fusão no núcleo, que atingiu os 15 milhões de
graus requeridos. E essas reacções de fusão irão, a partir daí, fornecer a energia
suficiente para gerar a pressão capaz de suportar o peso da estrela. A partir do
momento em que começa a fundir hidrogénio no núcleo, a estrela entra na fase mais
longa da sua vida. Essa fase designa-se por Sequência Principal (SP), e nela
encontram-se as estrelas da diagonal característica do diagrama de Hertzsprung-
Russell. Mas como se processa afinal, a fusão do hidrogénio em hélio?
Em 1938, Hans Bethe estudou em pormenor essas reacções em relação ao caso
do Sol. Demonstrou que o hidrogénio é convertido em hélio numa série de reacções
que geram uma quantidade extraordinária de energia. Essa energia leva muito tempo a
caminhar do núcleo para a superfície da estrela e, quando a atinge, é depois irradiada
para o espaço. Claro que o nosso Sol é apenas uma estrela de entre outras centenas de
estrelas que podemos ver no céu numa noite de boa visibilidade. É um milhão de vezes
maior que a Terra mas mesmo assim não passa de uma estrela de tamanho médio.
Existem estrelas gigantes vermelhas, milhares de vezes maiores que o Sol e pequenas
anãs brancas pouco maiores do que a Terra.
Os núcleos atómicos são partículas muito menores que o átomo em si, e
possuem, invariavelmente, carga eléctrica positiva devido à presença de protões. Um
dado núcleo atómico pode-se caracterizar pelo seu número atómico (Z), que é igual ao
número de protões, e pelo seu número de massa (A), que é igual à soma do número de
protões com o número de neutrões, e constitui uma medida aproximada, do número de
vezes que o núcleo é mais pesado que o núcleo de H1. Desde Coulomb que sabemos
que, cargas eléctricas com o mesmo sinal se repelem. Ora, sempre que dois núcleos se
aproximam, a sua tendência natural, devido à interacção eléctrica é para se repelirem.
Daí que seja extremamente difícil fazer com que dois núcleos choquem, e ainda mais
difícil fazer com que eles se fundam um no outro, reorganizando-se, e dando origem a
um núcleo diferente. Como a temperatura do meio está directamente relacionada com
a energia cinética das partículas presentes nesse meio, quanto maior for a temperatura,
maior será a velocidade a que os núcleos se deslocarão e, em caso de choque, maiores
serão as probabilidades de grande interacção entre eles. Acontece, e isto só foi
descoberto por Yukawa na década de 40, que as partículas dentro do núcleo se
encontram ligadas não por interacção eléctrica, nem tampouco gravitacional, mas
devido a uma força completamente nova chamada força forte ou interacção nuclear
forte. A força forte tem uma intensidade muito maior do que a eléctrica (sendo que a
eléctrica já tinha uma intensidade muito maior do que a gravitacional), e é sempre
atractiva. Contudo, e dado que, a intensidade de uma força é inversamente
proporcional ao seu raio de acção, a interacção forte actua a uma distância muito curta
(cerca de 10-15 m). Daí que, se um núcleo tiver velocidade suficiente para, ao chocar
com outro núcleo, interagir suficientemente perto com ele, para que a força nuclear
forte entre em acção, a repulsão eléctrica deixa de ter importância e os núcleos
fundem-se. É por isso que as reacções nucleares só ocorrem a temperaturas tão

62
Buracos Negros As estrelas

elevadas. Abaixo desses valores a interacção forte não actua, porque os núcleos que se
poderiam fundir não têm velocidade suficiente para, vencendo a repulsão eléctrica, se
aproximarem até à distância requerida. Uma vez atingida essa temperatura, começam a
ocorrer reacções em cadeia. A que ocorre logo imediatamente designa-se por cadeia
PP I (protão-protão I):

H1 + H 1  D2 + e + +  (1,41010 anos)
D2 + H1  He3 +  (6 s)
e depois:
He3 + He3  He4 + H1 + H1 (106 anos)

onde D2 é o deutério, e+ é um positrão,  é um neutrino e  constitui radiação gama.


Entre parênteses aparece o tempo típico médio para a ocorrência de cada reacção,
donde se infere a grande importância da primeira reacção para o tempo médio de vida
duma estrela. A cadeia reactiva pode, ainda, terminar das seguintes formas:
- cadeia PP II:
He3 + He4  Be7 + 
Be7 + e-  Li7 + 
Li7 + H1  He4 + He4
ou
- cadeia PP III:
Be7 + H1  B8 + 
B8  Be8 + e+ + 
Be8  2 He4

O final da SP é assinalado pelo esgotamento do hidrogénio no núcleo da estrela.


Vejamos o que acontece para o caso concreto do Sol.
A estrela deixa de conseguir contrariar a gravidade e comprime-se sob o peso
das camadas exteriores. Porém, a capa de hidrogénio à volta do núcleo de hélio
continuará a queimar-se o que irá aumentando a esfera de hélio. À medida que o
núcleo de hélio aumenta, aumenta também a pressão no centro da estrela, o que
originará um aumento de temperatura. Esse aumento de temperatura far-se-á sentir
primeiro perto da superfície do Sol. Afastará as camadas exteriores deste, que
esfriarão. O Sol expandir-se-á e a temperatura à superfície da Terra aumentará
lentamente durante milhões de anos. As calotes polares derreterão originando uma
subida do nível dos oceanos que transbordarão alagando a maior parte das cidades
costeiras. A temperatura nas regiões equatoriais, tornar-se-á insuportável e, se ainda
existir vida, haverá um êxodo para as latitudes mais a Norte e mais a Sul. À medida
que essas regiões forem ficando demasiado quentes o êxodo continuará em direcção
aos pólos.
Com o aumento da temperatura, os oceanos começarão a evaporar-se e a
nebulosidade aumentará também. Finalmente, a Terra estará rodeada de um nevoeiro
pesado e debaixo de chuvas constantes. O aumento da nebulosidade, por sua vez,
tornará a temperatura ainda mais elevada devido ao efeito de estufa. A este efeito se
deve a temperatura elevada de Vénus: a radiação solar passa através da sua cintura de
nuvens mas, quando é reflectida pela superfície do planeta, muda de comprimento de

63
Buracos Negros As estrelas

onda e torna-se incapaz de voltar a atravessar a camada de nuvens para atingir o


espaço. À medida que é reflectida para cá e para lá, entre a superfície e as nuvens, gera
uma tremenda quantidade de calor.
Voltando à Terra e ao cenário anterior: com o evoluir da situação, o nosso
planeta ficará desprovido de vida. Os oceanos dissipar-se-ão para o espaço. Mas, as
temperaturas continuarão a aumentar e a superfície da Terra poderá mesmo começar a
derreter porque a camada exterior do Sol deslocar-se-á para fora numa tempestade
solar gigantesca. Primeiro, consumirá Mercúrio, depois Vénus, e então aproximar-se-á
da Terra e aí envolver-nos-á num crepúsculo vermelho. A Terra não será, no entanto,
devorada; a tempestade
cessará de se expandir
pouco antes de alcançar a
órbita do nosso planeta
(figura 20).
Entretanto, nas
profundezas do interior do
Sol, no núcleo, o hélio
continuará a amontoar-se e
o aumento de pressão criará
temperaturas nunca vistas.
Quando a temperatura
atingir 100 milhões de
graus, o núcleo, será
suficientemente quente
para fundir o hélio. No
Figura 20
entanto, nessa altura, o
O Sol, no céu da Terra, transformado numa gigante vermelha, daqui a
5000 milhões de anos.
hélio estará tão rigidamente
acondicionado que, quando
o seu centro sofrer a ignição funcionará como um fusível gigantesco. Não poderá
expandir-se para compensar as reacções súbitas que ocorrerão e, em poucos segundos,
estas dar-se-ão à vontade em todo o núcleo. Seguir-se-á uma explosão que fará o
núcleo em pedaços; o anel de hidrogénio a arder que o rodeava será atingido com tal
força que ficará desmantelado. A fornalha nuclear extinguir-se-á.
Podia parecer-nos que uma explosão desse tipo, denominada flash de hélio,
destruiria completamente o Sol, mas será tão difusa que nessa fase não aparecerá à sua
superfície qualquer evidência imediata da explosão. No entanto, à medida que o tempo
for passando, os efeitos da explosão dar-se-ão a conhecer. Com a fornalha nuclear
desligada, não haverá passagem de radiação para fora e a camada exterior do Sol
arrefecerá. Continuará a arrefecer durante milhões de anos à medida que o hélio cair
de volta à sua posição original. Finalmente, quando todo ele tiver voltado ao seu lugar,
começará a arder pacificamente; o hidrogénio que o rodeia arderá também de novo.
Por uns poucos milhões de anos manter-se-á essa reacção, em que o hélio se fundirá
para originar carbono:

He4 + He4  Be8 – 95 KeV


He4 + Be8  C12 + 2 + 7,4 MeV

64
Buracos Negros As estrelas

Como a reacção envolve três núcleos de hélio, partículas alfas, designa-se por
reacção de triplo-alfa.
À medida que o núcleo continuar a arder, a sua temperatura continuará a
aumentar. Em resultado, as camadas exteriores expandir-se-ão e arrefecerão ainda
mais. Chegará a altura em que estarão suficientemente frias para que os electrões e os
núcleos se voltem a juntar em átomos. Os fotões (partículas de radiação) serão
emitidos durante esse processo, gerando calor apreciável. Em breve, o processo
deixará de estar controlado e toda a camada externa do Sol será empurrada para o
espaço.
Actualmente, utilizando telescópios, podemos ver muitas estrelas que se
encontram nessa fase. São chamadas nebulosas planetárias. A camada emitida pelo
Sol passará pela Terra, ultrapassará os gigantes de gás e dissipar-se-á no espaço. Com
a perda das suas camadas exteriores mais frias, a temperatura superficial do Sol subirá
em flecha, de uns poucos milhares a cerca de 50 000 graus. No núcleo, o hélio
continuará a arder e tal como o hidrogénio também deixará cinzas: carbono, como
vimos, e algum e oxigénio.
O carbono e o oxigénio, como são mais pesados do que o hélio, irão repetir o
processo de queda para o centro. O hélio em breve estará a queimar, numa camada à
volta deles. O carbono e o oxigénio arderão também, se a temperatura atingir 3000
milhões de graus. No entanto, o núcleo do Sol nunca ficará tão quente. O Sol queima
hidrogénio e hélio mas não é suficientemente massivo para ir mais longe. O que é que
lhe acontecerá então? Tal como todas as estrelas morrerá. Mas a sua morte será lenta e
pacífica. A sua fornalha nuclear apagar-se-á e principiará a contrair-se lentamente
sobre si mesmo. Ao longo de milhões de anos tornar-se-á progressivamente mais
denso, atingindo finalmente densidades da ordem das toneladas por polegada cúbica.
Tornar-se-á naquilo que é conhecido por Anã Branca.
Durante a sua vida, Eddington recebeu multas honrarias: doze graus académicos
honorários, a medalha de prata da Royal Astronomical Society, foi nomeado cavaleiro
em 1930, e recebeu a prestigiosa ordem de mérito em 1938.
A sua morte foi súbita e inesperada. Já ia adiantado o ano de 1944 quando o seu
estado de saúde começou a deteriorar-se; tentou continuar a andar de bicicleta mas em
breve teve de deixar de o fazer. Por uns tempos, calou as dores, mas chegou a uma
altura em que estava tão fraco que teve de consultar um médico. Este operou-o
imediatamente e encontrou um cancro incurável. Pouco depois, Eddington morria.
Em 1928, Subrahmanyan Chandrasekhar tinha 17 anos, e era aluno da
Universidade de Madras no sudeste da Índia. Era um jovem alto e bem parecido,
orgulhoso dos seus feitos académicos, e com uma paixão verdadeiramente
avassaladora pela Física, Química e pela Matemática. Tinha recentemente lido o livro,
hoje clássico, Atomic Structure and Atomic Lines de Arnold Sommerfeld, quando
soube que o físico se deslocaria da sua casa em Munique, para visitar Madras. Ansioso
por um contacto pessoal, Chandrasekhar não pensou duas vezes: entrou no quarto de
hotel de Sommerfeld e solicitou uma entrevista. Foi-lhe concedida, e dias depois,
voltaram-se a encontrar. Chandrasekhar, confiante nos seus conhecimentos de Física,
entrou no quarto de Sommerfeld, disposto a debater alguns assuntos de igual para
igual. Mas teve uma surpresa. Sommerfeld cumprimentou-o com afabilidade, e
começou por o interrogar sobre os seus estudos. Depois disparou: A Física que tens

65
Buracos Negros As estrelas

estado a estudar é coisa do passado. A Física mudou toda nos últimos cinco anos,
desde que o meu livro foi escrito.
Explicou-lhe então, que tinha havido uma revolução na forma como os físicos
entendiam as leis que governavam o reino do muito pequeno: dos átomos, moléculas,
electrões e protões. Neste reino, as leis de Newton tinham falhado por completo, e sido
substituídas por novas leis que no conjunto levavam o nome de Mecânica Quântica,
mecânica porque tratava comportamentos e quântica porque se aplicavam às partículas
fundamentais da matéria – os quanta.
O livro de Sommerfeld, que Chandrasekhar tinha lido, tratava da primeira
versão dessas leis, que tinha sido insatisfatória, porque concordava com a experiência
para átomos ou moléculas simples, como o hidrogénio, mas falhava redondamente no
tratamento de partículas mais complexas. A nova versão das leis, ainda que
radicalmente diferente, parecia bastante mais promissora.
Quando se separaram, naquela tarde, Sommerfeld deixou um artigo técnico
acabado de escrever, que continha a derivação das leis da mecânica quântica que
governavam o comportamento de um grande número de electrões comprimidos num
volume muito pequeno, num metal, por exemplo. Chandrasekhar leu fascinado o
artigo, e passou vários dias na biblioteca da Universidade a estudar todos os artigos
relacionados com ele. Especialmente interessante era um texto publicado no número
de 10 de Dezembro de 1926 do Monthly Notices of the Royal Astronomical Society
pelo físico inglês R. H. Fowler, intitulado On dense matter. O artigo de Fowler
remeteu Chandrasekhar para um livro ainda mais interessante: The Internal
Constitution of the Stars, o tal livro de Eddington de que já falamos, onde se
encontrava uma descrição do mistério das Anãs-Brancas.
A primeira anã branca foi descoberta por Friedrich Bessel, nos princípios da
década de 40 do século XVIII. Ao estudar, durante muitos anos, o movimento de
Sirius notou que a sua trajectória não era como se poderia esperar uma linha recta:
apresentava um ligeiro desvio que Bessel acreditava ser causado por uma estrela
próxima, invisível. Em 1862, o construtor de telescópios americano, Alvin Clark,
descobriu um ténue ponto luminoso perto de Sirius. Chamamos-lhe, agora, Sirius B e à
companheira mais brilhante, já referida, Sirius A. Sirius é a sexta ou sétima estrela
mais próxima do Sol, a cerca de 8,6 anos-luz32 de distância, e é a estrela mais brilhante
visível no céu terrestre. Na altura, os astrónomos ficaram intrigados com a estrela
ténue especulando se ela seria ou não uma estrela moribunda. O espanto aumentou
ainda mais quando, em 1915, Walter Adams, do Observatório do Monte Wilson,
analisou a sua luz com um telescópio e mostrou que a temperatura da sua superfície
era de 8000 graus centígrados.
Como poderia um objecto tão ténue ter uma temperatura tão elevada? Com uma
superfície tão quente não podia ser de maneira nenhuma uma estrela moribunda. Além
disso tinha de ser muito mais pequeno do que aquilo que se pensava. No seu livro,
Eddington descreve como é que os astrónomos determinaram que a sua massa era de
0,85 vezes a do Sol, e o seu raio era de cerca de 19000 Km, o que dava uma densidade
cerca de 61000 vezes maior que a da água. Eddington alertava ainda para o facto de
que, de acordo com a relatividade de Einstein, uma estrela com tal densidade, deveria
forçosamente, apresentar um desvio para o vermelho de 6 partes em 100000, trinta
32
Um ano-luz é a distância que a luz percorre num ano e é igual a 9,46 biliões de quilómetros.

66
Buracos Negros As estrelas

vezes mais do que para o Sol, que seria facilmente detectável na época. E isso tinha, de
facto, sido feito. Pouco antes do livro ir para o editor, em 1925, W. S. Adams do
Observatório do Monte Wilson em Pasadena, Califórnia, detectou o desvio previsto
pela teoria. Eddington escreveu: O professor Adams matou dois coelhos com uma
cajadada: apresentou uma nova verificação da teoria da relatividade, e confirmou as
nossas suspeitas de que uma densidade 2000 vezes superior à da platina não só é
possível, como realmente existe no nosso Universo.
Chandrasekhar encontrou, ainda nesse livro, a descrição de Eddington, de como
a estrela sustenta a gravidade por acção da pressão. A dada altura Eddington chamava
a atenção para um paradoxo relacionado com esse equilíbrio e com as anãs brancas, e
que estava a causar sérios problemas. Eddington acreditava, assim como todos os
astrónomos, em 1925, que a pressão interna era gerada pelo calor (o que, para todas as
estrelas normais, corresponde à verdade, como vimos). Se a estrela não tiver uma fonte
de energia interna, como é o caso de uma anã branca, à medida que arrefece, emitindo
radiação para o espaço, os átomos que a constituem, mover-se-ão cada vez mais
lentamente, a pressão interna irá diminuir, e o peso das camadas exteriores irá fazer
com que o volume da estrela diminua. Este encolhimento, contudo, aquece-a de novo,
levando a um novo aumento da pressão e a um novo estado de equilíbrio, desta vez
com a estrela ligeiramente mais pequena. Desta forma, Sirius B, à medida que
continua a arrefecer radiando para o espaço, vai encolhendo.
Eddington pergunta: Como é que este encolhimento progressivo acaba? Qual
será o destino de Sirius B? A resposta mais óbvia, ainda que errada, era que a estrela
vai encolher de tal forma, que eventualmente acabará por se transformar num buraco
negro. Mas Eddington era de tal forma avesso a este cenário que se recusou
terminantemente a colocá-lo. A outra resposta razoável era a de que a estrela deve
arrefecer completamente, ficando fria, e depois suportar o seu peso, não por pressão
termal (devida ao calor ou, mais profundamente, à agitação das partículas) mas sim
pelo único tipo alternativo de pressão conhecido em 1925: a pressão que encontramos
entre objectos sólidos, e que se deve à repulsão electrostática entre átomos adjacentes.
Mas esta pressão do tipo da das rochas só era possível, de acordo com o que Eddington
acreditava (mais uma vez incorrectamente), se a densidade da matéria fosse
aproximadamente igual à densidade das rochas, cerca de 10000 vezes menor do que a
densidade de Sirius B.
Foi esta linha de raciocínio que conduziu Eddington ao paradoxo. Para
conseguir atingir uma densidade da ordem da das rochas, e assim conseguir suportar o
seu peso quando arrefecer, a anã branca tem forçosamente de expandir. Mas isso
implica realizar uma enorme quantidade de trabalho contra a gravidade, e não era
conhecida qualquer fonte de energia dentro da anã, capaz de realizar tal trabalho.
Chandrasekhar viria a encontrar a resposta para o paradoxo, no artigo de 1926
de R. H. Fowler. E essa resolução residia, precisamente no facto, de que as leis da
Física que Eddington utilizara, tinham deixado de ser aplicáveis quando a estrela se
transformou em anã branca. Essas leis tinham de ser substituídas pelas novas leis da
mecânica quântica, que descreve a pressão dentro de Sirius B e de todas as outras anãs

67
Buracos Negros As estrelas

brancas como sendo devida, não ao calor, mas sim a um novo fenómeno quântico: o
movimento degenerado dos electrões ou degenerescência dos electrões.33
Como vimos, já na época de Newton, os físicos lutavam para tentar
compreender se a luz era constituída por partículas ou por ondas. Newton acreditava
que a luz era constituída por partículas, a que chamava corpúsculos, e por isso a sua
teoria foi apelidada de corpuscular. Por seu turno, Huygens, foi o principal
impulsionador da teoria ondulatória. Até ao início do século XIX, quiçá graças à
grande influência de Newton, a teoria corpuscular foi a que teve mais adeptos. Surgiu
então Thomas Young e a sua experiência em que provava a interferência da luz,
convertendo toda a gente à teoria ondulatória de Huygens. Nos anos 90 de século
passado, contudo, Max Planck deu conta de alguns pormenores na forma do espectro
de emissão de um corpo negro,34 que pareciam indicar que algo faltava na
compreensão que os físicos tinham da luz. Em 1905, quando publicou o seu artigo
sobre o efeito fotoeléctrico, Einstein mostrou o que faltava: a luz comporta-se umas
vezes como uma onda, e outras como uma partícula, a que foi dado o nome de fotão.
Comporta-se como onda quando interfere consigo mesma e como partícula no efeito
fotoeléctrico, por exemplo. Mas nessa altura, ainda ninguém podia imaginar que, um
comportamento tão estranho como esse da luz, se podia estender à próprias partículas
subatómicas, como o electrão, o protão e o neutrão. Quem o reconheceu foi Louis de
Broglie em 1923, que conjecturou que cada partícula tem a si associada uma onda cujo
comprimento é dado por:

h

mv

onde h é a constante de Planck, m a massa da partícula e v a sua velocidade.


Este resultado encorajou outros físicos, e alguns anos mais tarde Erwin
Schrodinger criou um conjunto de leis da mecânica quântica nas quais o electrão é
apresentado como uma onda de probabilidade. Probabilidade de quê? Probabilidade
para a localização da partícula.
A degenerescência dos electrões é um fenómeno comparável à claustrofobia das
pessoas. Quando a matéria é comprimida até uma densidade 10000 vezes maior que a
das rochas, a nuvem de electrões em volta de cada átomos sofre um esmagamento até
um tamanho 10000 vezes menor do que o normal, e cada electrão fica comprimido
numa célula com um volume 10000 menor do que aquele em que circulava
anteriormente. Com tão pouco espaço disponível para se mover, o electrão, tal como
uma pessoa claustrofóbica, começa a agitar-se descontroladamente. Ele voa na sua
célula com grande velocidade, batendo com toda a força contra as células dos electrões
vizinhos, dando origem a uma grande pressão. O que acontece, é que num espaço tão
pequeno, o comprimento de onda associado ao electrão, tem de ser também muito
pequeno, porque a distância entre duas cristas nunca poderá ser superior à largura da
célula que contém o electrão, sob pena de a onda deixar de existir, e com ela o próprio

33
Aqui degenerado não tem a conotação moral que se lhe costuma atribuir, mas antes significa que os electrões
atingiram o estado mais baixo de energia possível.
34
Um corpo negro absorve toda a luz nele incidente, e emite só devido ao calor.

68
Buracos Negros As estrelas

electrão!35 Como podemos inferir da equação acima, para ter um comprimento de onda
pequeno, o electrão terá de ter uma grande velocidade. E é este tipo de comportamento
que se denomina degenerescência, sendo intrínseco à própria natureza da matéria, e
não depende da energia fornecida ao meio, pelo que não pode ser anulado por
arrefecimento. A degenerescência é inevitável quando se comprime a matéria, e a
única forma de a anular seria diminuir a densidade. Trata-se de algo com que Newton
nunca teria sonhado, e nem Eddington, quando escreveu o seu livro, possuía esses
conhecimentos de mecânica quântica, pelo que não conseguiu entender que para Sirius
B, e para todas as outras anãs brancas, não constituía qualquer problema o facto de não
terem uma fonte interna de energia capaz de sustentar o seu próprio peso, porque,
mesmo quando arrefecessem, a degenerescência dos electrões continuaria a fazê-lo.
Chandrasekhar leu o artigo de Fowler atentamente, retirando dele todas as
ilações possíveis, e perseguiu com afinco o intento de dominar toda a matemática
subjacente. Interessou-se tanto pelo trabalho de Fowler, que escreveria um artigo em
que explorava novas consequências da mecânica quântica, e enviou-o para Cambridge
onde foi publicado. Em 1930, com 19 anos, terminou o curso de bacharel, e, na última
semana de Julho embarcou rumo a Inglaterra, para prosseguir estudos precisamente, na
Universidade de Cambridge.
Esses dezoito dias de viagem, no mar, entre Madras e Southampton, constituíam
a sua primeira oportunidade de pensar sobre Física, sem a pressão das aulas e dos
exames. Chandrasekhar sentia-se inspirado. Tão inspirado, na realidade, que esses
dezoito dias foram decisivos para que viesse a ganhar o prémio Nobel, 54 anos mais
tarde.
A bordo do barco vapor, Chandrasekhar debruçou-se intensamente sobre as
anãs brancas, o paradoxo de Eddington e a resolução de Fowler. A resolução estava,
de certeza correcta, dado que não havia nada a obscurecê-la, mas como Fowler não
tinha calculado a relação existente entre a pressão e a gravidade, nem a forma como a
pressão, a densidade e a gravidade, variam desde a superfície até ao centro da estrela,
Chandrasekhar achou que tal seria uma interessante tarefa para passar o tempo da
viagem. O ponto de partida foi tentar perceber de que forma a anã reagiria se se
aumentasse a densidade de, digamos, 1 %. Certamente que a pressão de
degenerescência iria aumentar. Mas quanto? O resultado foi claro: se a densidade
aumentar 1 %, a pressão aumenta 1,667 %, o que era um valor surpreendente, dado
que, o esperado, seria que os aumentos fossem iguais. Com os seus cálculos, e as
equações de Eddington, ainda pode calcular que, a densidade no centro de Sirius B era
de 3 toneladas por centímetro cúbico, e que a velocidade dos electrões era igual a 57 %
da velocidade da luz. Este valor para a velocidade era preocupantemente elevado.
Até então, tinha tratado o problema com o auxílio da mecânica quântica, mas
ignorando a relatividade, por julgar que não seria necessário levar em linha de conta
efeitos relativísticos. Contudo, para uma partícula a mover-se a uma tal velocidade, o
mais provável era que a relatividade desempenhasse já um papel assinalável. Ainda
por cima, Sirius B não parecia ser, nem de longe nem de perto, a única anã branca do
céu, e, com toda a certeza, existiria anãs mais massivas, que requereriam uma maior
pressão que por sua vez resultava numa velocidade proporcionalmente maior para os
35
Este enunciado, constitui outra forma de apresentar o Princípio da exclusão de Pauli formulado em 1925 por
Wolfgang Pauli.

69
Buracos Negros As estrelas

electrões, e, nesse caso a relatividade era, de certeza, fundamental. Por isso,


Chandrasekhar, regressou ao ponto de partida, e refez os cálculos introduzindo a
relatividade. Porém, misturar relatividade com mecânica quântica era uma tarefa
extremamente complicada, em que começavam a estar empenhadas algumas das
maiores mentes da Humanidade, pelo que seria muito difícil para um bacharel acabado
de sair da Universidade, a bordo de um vapor, conseguir resultados muito precisos.
Mas mesmo assim, Chandrasekhar, lá conseguiu manipular as equações, de forma a
que satisfizessem as suas necessidades.
A mecânica quântica insiste que, quando um electrão é comprimido num espaço
cada vez mais pequeno, o seu comprimento de onda deve diminuir de forma a que o
electrão caiba nesse espaço. Como vimos, tal implica uma adição de energia ao
electrão, para que a sua velocidade aumente.36 Contudo, essa adição de energia, tem
consequências diferentes, consoante o electrão se move a velocidades baixas ou a
velocidades próximas da da luz. Se o movimento for lento, um aumento da energia
leva a um aumento da velocidade, sendo este o caso habitual do dia-à-dia. Contudo, se
a velocidade já se aproxima da da luz, um aumento da energia, não pode levar a um
grande aumento da velocidade, dada que nos aproximamos do limite: a velocidade da
luz. Neste caso, uma parte da energia fornecida é convertida em inércia, e faz com que
o electrão fique com mais resistência a um posterior aumento da velocidade. Faz com
que o electrão fique mais pesado (para mais detalhes, ver atrás no capítulo da
relatividade). Estes dois destinos, para a energia fornecida, aumento da velocidade
versus aumento da inércia, produzem diferentes aumentos na pressão degenerativa dos
electrões. Como vimos Chandrasekhar tinha calculado que um aumento de 1 % na
densidade da anã branca, conduzia a um aumento de 1,667 % na pressão. Mas fê-lo
sem considerar efeitos relativistas, e portanto, considerando a velocidade baixa.
Quando introduziu a relatividade – electrões movendo-se a velocidade não
desprezáveis em relação à velocidade da luz, como parece ser o habitual numa anã
branca, - verificou que um aumento de 1 % na densidade acarretava um aumento de
apenas 1,333 % na pressão. Depois disso, combinou os novos resultados, com os
antigos, as equações publicadas no livro de Eddington, e deduziu as propriedades de
anãs-brancas super-densas e super-massivas. O resultado era espantoso: a matéria
super-densa iria ter dificuldade em suportar o próprio peso; tão grande dificuldade, na
realidade, que apenas anãs com uma massa inferior a 1,4 massas solares poderiam
contrabalançar a força implosiva da gravidade. Em anãs mais massivas, o peso iria
obrigar a uma pressão tão grande que os electrões teriam, literalmente, de se mover a
velocidades superiores à da luz, para suster a gravidade. Isto significa que não existia
no Universo nenhuma anã-branca com massa superior a 1,4 massas solares. Tínhamos
uma massa limite – uma massa crítica.
Chandrasekhar passou os restantes dias da viagem a escrever dois artigos em
que descrevia as suas conclusões sobre a estrutura de anãs brancas pouco densas como
Sirius B, e explicava, muito brevemente, a sua dedução do limite para a massa de uma
anã-branca.

36
Outra forma de vermos o problema: para que o comprimento de onda diminua, a energia deve aumentar -
c
Eh - ou seja, a velocidade deve aumentar.

70
Buracos Negros As estrelas

Quando chegou a Inglaterra, teve de esperar por Fowler que estava de férias no
campo. Em Setembro, pode finalmente apresentar-lhe os seus artigos e explicar-lhe as
suas conclusões. O primeiro artigo, sobre Sirius B, foi aprovado, por Fowler, para
publicação no Philosophical Magazine, mas o segundo, sobre a massa limite, suscitou
sérias dúvidas, e como nem o astrónomo E. A. Milne o conseguisse compreender, foi
rejeitado.
Chandrasekhar ficou muito desapontado, mas não desistiu. Dois meses mais
tarde, enviou o seu artigo para a América, para publicação no Astrophysical Journal.
Na volta do correio, recebeu uma carta do físico Carl Eckart, em que lhe era solicitada
uma derivação Matemática da sua conclusão de que a pressão aumentava apenas
1,333 % quando a densidade era elevada, em vês dos 1,667 % habituais. Segundo
Eckart, tal dedução, que não tinha sido incluída no artigo original, era fundamental,
dado que se o valor não estivesse correcto, o teorema da massa limite caía por terra, e
as anãs brancas podiam ser tão massivas quanto quisessem. Chandrasekhar disparou
uma dedução matematicamente pormenorizada, e o seu artigo foi, finalmente
publicado. Passara-se entretanto um ano desde que chegara a Inglaterra.
Continuou a trabalhar no problema e completou a sua tese de doutoramento em
1933. Foi eleito membro do Trinity College e permaneceu em Cambridge durante
vários anos. Durante a sua estada relacionou-se com Eddington que se interessou
bastante pelo seu trabalho, visitando-o quase diariamente. Chandrasekhar respeitava
bastante Eddington que na época era um dos gigantes da astronomia. O seu trabalho
pioneiro sobre o interior das estrelas tinha-o tornado mundialmente famoso.
Por essa altura, Chandrasekhar, decidiu que a melhor maneira de convencer os
outros cientistas da justeza da ideia de massa crítica era desenvolver
pormenorizadamente a sua teoria. Completou essa tarefa monumental em 1934 e
enviou duas breves comunicações para a Royal Astronomical Society. Em Janeiro de
1935, foi convidado para proferir uma conferência. Nessa altura, já estava
suficientemente confiante e tinha a certeza de que o seu trabalho seria imediatamente
aceite. Mas, terminada a conferência e para sua surpresa, Eddington, que se encontrava
totalmente familiarizado com o seu trabalho, subiu ao estrado para fazer uma
comunicação. Principiou-a definindo e explicando os dois tipos de degenerações: a
ordinária e a relativista (degeneração de electrões que se movem a velocidades
desprezáveis, e não desprezáveis em relação à velocidade da luz). E prosseguiu
afirmando: Não sei se sairei vivo desta reunião mas a essência da minha comunicação
é que a degeneração relativista não existe.
Chandrasekhar ficou chocado e furioso. Era óbvio que o seu trabalho não
convencera Eddington mas que este, em vez de lho dizer em privado, estava a fazer
pouco dele publicamente. Chandrasekhar queria contra-atacar, mas apercebeu-se de
que o prestígio de Eddington era tão grande, que quase tudo o que dizia tinha para a
assistência um cunho de certeza absoluta. Abandonou a conferência deprimido. Quase
parecia que a sua carreira ia acabar mesmo antes de ter começado. Vários anos de
trabalho duro tinham sido demolidos numa única noite.
Estranhamente, o ataque de Eddington não se resumiu à conferência: continuou
a referir-se ao trabalho de Chandrasekhar como sendo uma heresia, embora os
argumentos que empregava contra ele fossem vagos e circulares. Nem Chandrasekhar
nem mais ninguém conseguia percebê-los.

71
Buracos Negros As estrelas

Mais tarde, Chandrasekhar enviou o seu trabalho, juntamente com a refutação


de Eddington para Rosenfeld em Copenhaga que, por sua vez, o entregou a Bohr. Este
ficou aturdido pela falta de lógica de Eddington que classificou de refugo. Rosenfeld
escreveu na volta do correio: Talvez você consiga induzir Eddington a tornar as suas
ideias inteligíveis para os comuns mortais.
Vários outros cientistas de nomeada começaram a simpatizar com
Chandrasekhar, mas passaram-se muitos anos ainda, antes que o seu trabalho fosse
reconhecido. Dele escreveu uma explanação pormenorizada e publicou-a num livro
intitulado An Introduction to the Study of Stellar Structures. A partir daí, abandonou o
estudo das anãs brancas.
Felizmente, as ideias de Chandrasekhar acabaram por prevalecer e os
astrónomos convenceram-se de que existia uma massa crítica. Mas subsistia ainda um
problema: que sucedia às estrelas que tinham uma massa maior do que a massa crítica?
Vimos que nas estrelas de massa próxima da do Sol, começa por ocorrer fusão
de hidrogénio em hélio no núcleo, e que essa fusão ocorre ao longo de um período
muito extenso, que se denomina sequência principal. Uma vez esgotado o hidrogénio
no núcleo, a estrela passa por uma série de transformações, que a levam a queimar o
hélio entretanto formado, e a produzir carbono e oxigénio. Quando o hélio acaba,
porém, a estrela não tem massa suficiente para aquecer, de modo a poder prosseguir as
reacções de fusão, e acaba de forma mais ou menos suave a sua vida, produzindo uma
nebulosa planetária, e transformando o seu núcleo numa anã branca.
Nas estrelas mais maciças, contudo, as coisas passam-se de outra maneira.
Vamos considerar uma estrela com uma massa de cerca de vinte vezes a do nosso Sol.
Nessa estrela não haverá flash de hélio. Quando o hélio sofrer a ignição arderá
paulatinamente e ao carbono que restar no núcleo sucederá o mesmo, assim que a
temperatura atingir 3000 milhões de graus. O ciclo de fusão continuará, dando origem
sucessivamente ao néon, ao magnésio, ao silício, ao fósforo e ao níquel até que
finalmente o interior da estrela consistirá de numerosas camadas em queima nuclear
umas dentro das outras (figura 21).
Mas há um limite. Quando a estrela desenvolve finalmente um núcleo de ferro,
o processo detêm-se. Acontece que o objectivo das fusões é o ganho de energia
proveniente do facto de que, a cada nova partícula formada corresponde uma massa
inferior à soma das massas das partículas que lhe deram origem, algo de que já
falamos. Quando a estrela tenta fundir o ferro para obter elementos posteriores, e
assim ganhar energia, dá-se conta de que o processo faliu, porque o ferro é o último
elemento em que, aquando da sua formação, há uma transformação de massa em
energia. O ferro, é por assim dizer, o elemento com energia potencial de ligação mais
baixa. Ainda por cima, a radiação presente no centro da estrela, é suficiente para
desintegrar os núcleos presentes, num processo que absorve enormes quantidades de
energia, algo de que a estrela perdeu a fonte. Produz-se então o inevitável: quebra-se o
equilíbrio entre as forças no centro da estrela, e inicia-se o colapso gravitacional do
astro.
Passaram apenas alguns minutos37, quando este é bruscamente interrompido no
centro da estrela, porque a compressão atingiu o máximo grau, e não é possível ir mais

37
O colapso é de tal forma violento que o a queda de um tamanho igual ao da Terra, até um raio de 100 Km
demora 10 segundos.

72
Buracos Negros As estrelas

além. Enquanto, até agora o drama se desenrola no interior da estrela e nada


transparece para fora, a
partir deste ponto, as
coisa começam a mudar.
Os estratos exteriores ao
núcleo, que se contraíram
quando este implodiu,
caem-lhe em cima,
quando a implosão pára
bruscamente, comprimin-
do-se e aquecendo de tal
forma que iniciam vio-
lentas reacções nuclea-
res, com uma produção
tão grande de energia que
a estrela explode, com
uma força tal, que se
torna 100 mil milhões de
vezes mais brilhante que
antes. No céu da Terra,
se a estrela estiver pró-
xima, observa-se o surgi-
mento de uma nova es-
trela – uma supernova –
como a que Tycho,
Galileu e Kepler obser-
varam no início da nossa
história, e por isso, à
explosão de uma estrela,
chama-se Supernova (fi-
gura 22).
Fritz Zwicky era
um sujeito por quem a
maior parte dos colegas
Figura 21 não tinha grande consi-
Estrutura de uma supernova originada por uma estrela de 10 massas solares, deração. Se fosse hoje,
pouco antes da explosão. A estrutura é estratificada, e em cada estrato dir-se-ia que era um tipo
aparecem indicados os símbolos dos elementos químicos que ali se
sintetizam. com a mania que era
bom, mas como foi há
sessenta anos, dizia-se dele, que achava que tinha sempre razão, e que os outros é que
se tinham enganado. Era um físico excêntrico, com respostas espantosamente erradas
para uma grande parte das coisas com que lidava, mas Robert Millikan, seu superior
hierárquico no Instituto de Tecnologia da Califórnia, onde leccionava e investigava
desde 1925, acreditava que, um dia, uma das suas ideias malucas, pudesse estar
correcta. E de facto, nisso, Zwicky não o desapontou: descobriu em que se
transformava o núcleo de uma estrela depois de uma supernova.

73
Buracos Negros As estrelas

Em 1931, juntamente com Walter Baade, um soberbo astrónomo observacional


alemão, acabado de chegar de Hamburgo, Zwicky juntou-se à equipa do observatório
do Monte Wilson. Zwicky e Baade tinham tudo para se dar bem, e para obter bons
resultados: tinham um passado
cultural comum (Zwicky era
suíço), falavam a mesma língua, e
partilhavam dos mesmos interes-
ses académicos. Mas Baade era
um homem reservado, calmo, que
não gostava de se dar a conhecer,
e acima de tudo, tolerante para
com os colegas e as suas opiniões.
Um dia, em 1942, durante a
segunda guerra mundial, Zwicky
chamou nazi a Baade, coisa que
Baade não era, e este assumiu que
tinha medo que Zwicky o matasse,
pelo que os dois se tornaram num
par que era preferível não ter na
mesma sala, e separaram-se
violentamente.
Figura 22 Mas antes disso, tinham
produzido um trabalho de grande
Primeira imagem do novo telescópio orbital Chandra X-ray nível no estudo das supernovas e
Observatory. Nela podemos apreciar a tremenda violência de do que delas restava. Baade era o
uma explosão estelar, neste caso de uma ocorrida há 320 observador nato, descobridor de
anos, no tempo de Newton: Cassiopeia A. A estrela
colapsada, provavelmente uma estrela de neutrões, ou até um objectos de interesse nos limites
buraco negro, é visível no centro da imagem. do seu telescópio, com um conhe-
cimento enciclopédico de astrono-
mia, e Zwicky era um teórico competente, com um grande interesse por extremos e,
por isso, fascinado por supernovas.
Depois de formularem as novas leis da mecânica quântica, em 1926, os físicos
passariam os cinco anos seguintes a tentar usar essas leis para desvendar os mistérios
do muito pequeno: átomos, moléculas, etc. Depois, em 1931, sentiram-se
suficientemente confiantes para ir ainda mais além: embarcaram na exploração do
núcleo atómico.
A natureza do núcleo constituía um grande mistério. A maioria dos físicos
pensava que ele era constituído por um punhado de electrões, e por protões em número
duas vezes superior, ligados entre si por um tipo estranho de força ainda mal
compreendida. Uma pessoa, contudo, tinha uma hipótese diferente. Ernest Rutherford,
já tinha dado um grande contributo à Física, ao descobrir que o átomo possuía um
núcleo e electrões em volta e, agora, afirmava que o núcleo era constituído por
protões, partículas que já toda a gente conhecia, 2000 vezes mais pesados que os
electrões mas com carga eléctrica positiva, e neutrões, um tipo novo de partícula, sem
carga eléctrica, e com uma massa aproximadamente igual à do protão. O problema
estava em que nunca ninguém tinha visto um neutrão, embora, de acordo com os

74
Buracos Negros As estrelas

cálculos de Rutherford, eles encaixassem perfeitamente na teoria. Além disso, dizia


Rutherford, os protões e os neutrões deveriam ser mantidos no núcleo atómico, graças
à presença de um novo tipo de força, nem eléctrica, nem gravitacional: uma força
nuclear.38 Os neutrões e os protões iriam protestar contra o seu enclausuramento
através de um movimento claustrofóbico e errático a grande velocidade, que daria
origem a uma pressão de degenerescência. Essa pressão seria contrabalançada pela
força nuclear forte, mantendo o núcleo estável no seu tamanho de cerca de 10-15 m.
E era neste ponto que estávamos em 1931/32, quando os físicos começaram a
competir entre si, para testar as duas teorias.
A princípio, a ideia dos electrões juntos com os protões, parecia levar
vantagem, dado que há já muito tempo que se sabia que, mediante determinadas
condições, os núcleos dos átomos libertam electrões, pelo que se partia do princípio
que os possuíam. Porém, ninguém sabia muito bem como é que protões e electrões se
iriam comportar acomodados num espaço tão pequeno. Finalmente, em Fevereiro de
1932, James Chadwick, experimentalista da equipa de Rutherford, bombardeando
núcleos atómicos com radiação altamente energética, conseguiu fazer saltar partículas
com as propriedades exactas que Rutherford havia previsto. Descobrira-se o neutrão.
Anos mais tarde, veio-se a saber que os electrões que eram observados a sair de
núcleos atómicos, resultavam de decaimentos de neutrões.39
Quando Zwicky soube da descoberta do neutrão, estava já a trabalhar no
problema das supernovas, e no tipo de objecto que restaria do colapso do núcleo da
estrela, e pensou que, talvez, o neutrão fosse a resposta de que estava à espera. Quem
sabe se, durante a implosão, o núcleo da estrela não atingiria uma densidade da ordem
de grandeza da de um núcleo atómico (1014 gramas por centímetro cúbico); nessa
altura, o mais provável, era material do núcleo transformar-se num gás de neutrões –
uma Estrela de Neutrões, conjecturou Zwicky. Nessa altura, a gravidade teria
comprimido a estrela de tal forma, que não só o seu tamanho diminuiria, mas também
a sua massa, que seria 10 % menor do que antes da explosão. Para onde foi essa
massa? Transformou em energia, libertada na explosão sob a forma de radiação e
neutrinos.
Em 1933, já Zwicky e Baade tinham observado 12 supernovas, a maior parte
fora da nossa galáxia, tinham passado horas a discutir questões relacionadas com a
explosão em si e com o que dela restava, e possuíam um quadro mais ou menos
completo da sucessão de acontecimentos que envolvia a explosão e, por isso,
organizaram uma exposição no encontro da American Physical Society na
Universidade de Stanford, tendo o artigo escrito sido publicado no número de 15 de
Janeiro de 1934 da Physical Review.
Nesse artigo apresentam a conclusão de que as supernovas são uma classe
astronómica independente, diferentes de outro tipo de novas que ocorrem em sistemas
duplos ou múltiplos, estimam a energia total libertada na explosão, sugerem que nessa
explosão se produzem os raios cósmicos (hoje sabemos que se trata de uma fonte
importante, mas que não é a única) e introduzem o conceito e o nome estrela de

38
Hoje esta força, da qual já aqui falamos, é conhecida por força nuclear forte. Existe ainda a força nuclear fraca,
que intervêm nos decaimentos radioactivos, e é responsável, por exemplo, pela emissão de neutrinos.
39
Trata-se de decaimentos -, nos quais um neutrão decai num protão, que fica no núcleo, aumentando o número
atómico, num electrão e num anti-neutrino que saem.

75
Buracos Negros As estrelas

neutrões (um conceito que só viria a ser aceite em 1939, e verificado


observacionalmente em 1968, com a descoberta dos pulsares, que são estrelas de
neutrões em movimento rotativo, fortemente magnetizadas, no centro de nuvens
remanescentes de supernovas).

Figura 23
A hipótese de Fritz Zwicky para o gatilho que faz despoletar a explosão de supernova: a energia explosiva
provem da implosão de uma estrela com um núcleo de densidade normal para formar uma estrela de neutrões.

O quadro da explosão, pelos conhecimentos actuais, é o seguinte: na altura em


que a estrela desenvolve o núcleo de ferro, as pressões e as temperaturas são tão
elevadas que os electrões e os protões são esmagados uns contra os outros criando
neutrões. Estes ocupam muito menos espaço que os electrões e os protões, e o núcleo
começa a afundar-se sobre si mesmo criando ainda mais calor, o que acelera o
processo. A fusão dos electrões com os protões, gera grande número de neutrinos que,
ao contrário das outras partículas, podem penetrar facilmente nas camadas exteriores,
atravessando-as imediatamente e abandonando a estrela. Isto causa um vácuo de
energia no núcleo, o qual acelera ainda mais a implosão. Em segundos, o fluxo de
neutrinos aumenta milhões de vezes mas, como as camadas exteriores, à medida que
vão caindo para o núcleo, se tornam muito mais densas, eles não podem atravessá-las.
Seria então de esperar que eles as empurrassem para o espaço. Contudo, existem
provas recentes de que são as camadas interiores em fuga do núcleo que realmente
causam o efeito descrito. De qualquer maneira, numa questão de segundos a estrela é
desmantelada numa explosão de dimensões incríveis - torna-se uma Supemova (figura
23).

76
Buracos Negros As estrelas

Além de distribuir pelo espaço os elementos pesados que a estrela fabricou, a


supernova desempenha outra função importante. Vimos anteriormente que diversos
elementos (até de atingir o ferro) são gerados em ciclos sucessivos de queima. Mas o
que é que se passa quanto aos elementos ainda mais pesados como a prata, o ouro e o
urânio? De acordo com as teorias actuais eles são criados no momento da explosão,
por fusão de outros elementos, graças à enorme quantidade de energia libertada.
Qual é o destino de uma estrela quando deixa de produzir energia?
Já vimos duas possibilidades. Se a estrela, depois de se libertar da camadas
exteriores, tiver uma massa inferior a 1,4 massas solares, então transformar-se-à numa
anã branca, e arrefecerá calmamente, sustentada pela pressão de degenerescência dos
electrões no seu interior. Se a estrela, depois de se libertar das camadas exteriores
(provavelmente numa supernova) tiver uma massa maior que o limite de
Chandrasekhar então, a pressão de degenerescência dos electrões será completamente
inútil, porque a força da gravidade conseguirá vencê-la. O clamor dos electrões nas
suas cada vez mais pequenas células, não será ouvido, e eles será esmagados até ao
núcleo, onde se fundirão com os protões. A estrela, com um raio da ordem da centena
de quilómetros, passará então, a suster a força da gravidade graças à pressão de
degenerescência dos neutrões que, como são muito mais pesados, não necessitam de se
mover com tanta velocidade para reduzir o comprimento de onda (ver atrás a relação
entre velocidade e comprimento de onda de uma partícula).
Suponhamos agora, que existe uma massa limite que é possível aguentar por
degenerescência dos neutrões. Uma massa crítica, tipo a de Chandrasekhar, mas em
vez de se aplicar a anãs brancas, aplicável a estrelas de neutrões. O que é que
aconteceria se essa massa fosse ultrapassada?
Nos anos 30, já o regime de Estaline espalhava o terror pela Rússia, fechando
fronteiras e bloqueando o acesso dos físicos russos à comunidade internacional. Em
1937, Lev Davidovich Landau um judeu de nascimento, e que era uma excepção à
regra dado que, depois de se licenciar em Leninegrado, pôde prosseguir estudos na
Europa ocidental onde teve contacto com todas as novidades no campo da Física,
regressando à terra natal em 1931, com 24 anos, sentiu que o perigo se aproximava, e
o degredo na Sibéria pareceu-lhe mais certo que nunca pelo que, não hesitou e tentou a
única saída que lhe restava. O plano consistia em fazer com que as atenções da opinião
pública se virassem para si, de forma a que se tornasse uma pessoa importante para o
partido, e pudesse escapar. Assim, lançou mão de um dos seus estudos, e desenvolveu-
o. Tratava-se de uma ideia para fonte de energia das estrelas. Nessa altura, embora
apoiada por Eddington, a ideia da fusão nuclear ainda não tinha sido definitivamente
institucionalizada, e Landau apresentava uma teoria alternativa em que sugeria que
talvez o Sol, e as outras estrelas, fossem buscar a sua energia a um núcleo superdenso
e massivo, feito de neutrões que libertava energia de cada vez que capturava um
átomo. Esta ideia, que hoje nos parece tão excêntrica, não conseguiu salvar Landau
que, a 28 de Abril de 1938 foi preso, mas pelo menos, conseguiu despertar os físicos
para a utilidade dos núcleos estelares feitos de neutrões. Landau saiu da prisão,
extremamente doente, menos de um ano mais tarde. Recuperaria, e viria a resolver o
mistério da superfluidez usando as leis da mecânica quântica, feito pelo qual viria a
receber o prémio Nobel.

77
Buracos Negros As estrelas

Um dos físicos alertados por Landau para o problema das estrelas de neutrões
foi, J. R. Oppenheimer, da Universidade da Califórnia. Leu o artigo do russo no
número de 19 de Fevereiro de 1938 da revista Nature. Se tivesse vindo de Zwicky, tê-
lo-ia achado especulativo, mas como foi publicado por Landau, mereceu-lhe uma
atenção redobrada.
Oppenheimer era um trabalhador de equipa. Tinha um grupo que consistia em 8
ou 10 estudantes licenciados e cerca de meia dúzia de recém doutorados. Quando
chegava, escutava cada um deles, e sugeria-lhes caminhos a seguir na investigação que
desenvolviam. Todas as primaveras Oppenheimer enchia o seu descapotável de livros
e, com alguns estudantes, ia até Pasadena, alugava apartamentos em Berkeley a 25
dólares por mês e mergulhava na Física.
Para trabalhar no problema do núcleo das estrelas feito de neutrões,
Oppenheimer escolheu Robert Serber um dos seus investigadores doutorados.
Rapidamente perceberam que, se o Sol tivesse um núcleo de neutrões no seu centro, e
se a massa do núcleo fosse uma fracção apreciável da massa total, então o Sol seria
muito mais pequeno do que na realidade é, porque o núcleo puxaria as camadas mais
externas com grande intensidade. Por isso, a ideia de Landau de um núcleo de neutrões
só seria possível se a massa desse núcleo fosse muito pequena. E isto conduziu-os à
próxima pergunta: quão pequena pode ser a massa de um núcleo de neutrões?
Essa massa já tinha sido estimada por Landau, que levou em linha de conta a
atracção gravitacional dentro e na vizinhança do núcleo e as forças de pressão
resultantes do movimento degenerativo dos neutrões. Mas não contou com a força
nuclear forte exercida pelos neutrões uns nos outros, e quando Oppenheimer e Serber
introduziram essa componente, descobriram que, se um núcleo de neutrões fosse mais
leve do que 1/10 da massa do Sol, então o núcleo explodiria. E esta era a massa
mínima: um décimo da massa solar. E uma massa desta ordem de grandeza
inviabilizava a possibilidade de o Sol ter um núcleo deste tipo. Se o tivesse, parecer-
nos-ia a nós, que o vemos da Terra, muito diferente do que é, mais pequeno, de
certeza. Por isso, a energia que mantém o Sol a brilhar não vinha de um núcleo de
neutrões do tipo que Landau sugeriu. Foi nessa altura, 1938, que Hans Bethe
apresentou as equações da fusão nuclear que já conhecemos. Eddington tinha razão,
Landau estava errado.
As estrelas de neutrões de Zwicky e os núcleos de neutrões de Landau eram, no
fundo a mesma coisa. A única diferença era que os núcleos tinham acima deles as
camadas subsequentes da estrela, mas a nível de tratamento matemático, eram muito
semelhantes e, por isso, não foi difícil a Oppenheimer entrar definitivamente no trilho
das estrelas de neutrões. Rapidamente percebeu qual era a pergunta que faltava, e
embarcou numa análise completa para perceber se existia uma massa máxima para as
estrelas de neutrões. Se existisse, qualquer estrela que tivesse uma massa maior teria o
destino selado, transformando-se inevitavelmente num buraco negro, porque nada
mais poderia suster a força da sua gravidade; se não tivesse, então qualquer estrela
com uma massa superior ao limite de Chandrasekhar transformar-se-ia numa estrela de
neutrões.
Oppenheimer podia regular o seu estudo pelo estudo feito por Chandrasekhar
para as anãs brancas, mas antes tinha de fazer duas alterações cruciais: como nas anãs
brancas temos electrões e nas estrelas de neutrões temos neutrões, a equação de estado

78
Buracos Negros As estrelas

é completamente diferente para um caso e outro; no caso da anã branca a gravidade é


fraca o suficiente para ser descrita pela equações de Newton, mas no caso de uma
estrela de neutrões, com o seu raio muito menor, a gravidade já é muito forte, e a
descrição correcta passa pelo uso da relatividade geral de Einstein. Neste ponto
Oppenheimer entregou a parte Matemática do problema ao seu assistente George
Volkoff, um jovem de Toronto imigrado da Rússia, que usou um livro de Richard
Tolman chamado Relativity, Thermodynamics, and Cosmology, para se tentar
desenvencilhar da parte mais complicada da empreitada: a equação de estado para o
gás de neutrões. Tolman, por sua vez, também estava empenhado em resolver o
problema, mas de uma maneira diferente: enquanto Volkoff chegou a uma equação
que tentou resolver numericamente, recorrendo a uma rudimentar máquina de calcular,
Tolman tentava encontrar um equação que descrevesse a estrutura das estrelas
mediante a introdução de poucas (quanto menos melhor) e determinadas variáveis.
Finalmente Volkoff, Tolman e Oppenheimer juntaram esforços, e escreveram um
artigo conjunto que foi publicado no número de 15 de Fevereiro de 1939 40 da Physical
Review com o título On Massive Neutron Cores, em que concluíam que deveria existir
um máximo para a massa de uma estrela de neutrões, e que esse máximo se situaria
entre 0,5 e várias massas solares.41 O intervalo de valores não era grande coisa, mas a
conclusão era impressionante: se existe um máximo, então, qualquer estrela acima
desse máximo continua a implodir e nada a fará parar. Os buracos negros afinal
existem!

40
Este artigo foi escrito dois meses depois do artigo de Einstein a que já fizemos referência em que o autor da
teoria da relatividade nega a possibilidade de existência dos buracos negros.
41
De realçar que, em nenhum lugar do artigo é mencionado o nome de Zwicky, tal a animosidade que ele
merecia, e é Landau que é referido como o inspirador do trabalho. Zwicky escreveria um artigo duas vezes e
meia mais longo, sobre a mesma matéria, na mesma revista, a 15 de Abril. Quase tudo o que acrescentava em
relação ao que havia sido dito por Oppenheimer e colegas estava errado. Ainda assim, Zwicky é hoje venerado
por ter inventado o conceito de estrela de neutrões, e por ter reconhecido, em primeiro lugar, que elas se formam
aquando de uma supernova.

79

Você também pode gostar