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Resumo: Este artigo discorre sobre a representação social da tuberculose e suas transformações a partir da
segunda metade do século XIX. Inserido no campo da História Social, o estudo nos permite compreender, por
meio da análise qualitativa com domínio na História das Representações, a história de diferentes grupos
sociais que coexistiam a partir da segunda metade do século XIX. A tuberculose, antes romantizada em prosa
e verso, ligada aos grupos intelectualizados, passou a representar uma ameaça à ordem social, notadamente
no momento de imposição do capitalismo e do modelo burguês, que estabeleceram uma nova lógica urbana,
baseada na segregação e isolamento do doente.
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presença da tísica no ‘Novo Mundo’ no romântica que os colocava em posição de
período que antecedeu a invasão europeia. destaque na sociedade. De acordo com a autora,
Com base em dados oferecidos pela tal representação sensível e romântica da doença,
paleopatologia, Grmek assinala que a infecção se difundia principalmente entre os literários e
pulmonar se apresentava como evento
corriqueiro nos centros urbanos pré-
artistas do período.
colombianos, fazendo poucas vítimas nos Tal aura romântica do século XIX provocou um
agrupamentos de tamanho reduzido e que fascínio pelo mal. A tuberculose era
mantinham escassos contatos com as tribos apaixonadamente representada em poemas de
maiores (BERTOLLI FILHO, 2001:57). literários e artistas da época, sempre associada à
morte para representar projetos de negação do
No Brasil, a tuberculose conquista espaço no “mundo concreto” e de expressão de desencanto
século XIX, se alastrando entre a população pobre com a vida social (CLEMENTINO et al, 2011). Os
assolada pela fome e aglomerada em cortiços intelectuais utilizavam a tuberculose para afirmar
insalubres, se tornando a maior causa da morte sua condição única na sociedade por meio do culto
entre a população pobre. O combate à tuberculose aos sinais de sua doença, visto que o aspirante a
nesse período não é o foco principal dos agentes carreira de literário deveria ostentar os singulares
de saúde, que direcionavam nesse momento todas sintomas da tuberculose, que representavam o
as atenções à febre amarela (UJVARI, 2003). caráter nobre e genial do jovem artista (PÔRTO,
2007).
Metodologia O ar romântico da tuberculose no século XIX pode
A metodologia adotada compreende o campo da ser destacado pelas importantes figuras ligadas às
História Social, que permite perceber a história dos artes que morreram de tuberculose. Mas a
diferentes grupos sociais, em contraste com a presença de figuras renomadas que sucumbiram à
biografia dos grandes homens e das Instituições, tuberculose, não se dá somente no campo da
próprias da antiga historiografia. O apoio à História poesia e literatura. ROSEMBERG (1999) nos
Social nos permite entrever os outros campos de apresenta que nas principais enciclopédias é
análise, como a história política, a história cultural, possível encontrar a presença de “16 reis e
a economia, as relações sociais, entre outras imperadores, duas rainhas, 53 com titulagem de
possibilidades. nobreza, 101 escritores, 110 poetas, 40 cientistas,
A abordagem adotada se enquadra na análise oito filósofos, 16 músicos, nove pintores e nove
qualitativa com domínio na História das santos católicos” (ROSEMBERG, 1999:7).
Representações Sociais, com base na Psicologia O autor nos apresentam médicos de renome
social de Serge Moscovici e Denise Jodelet, bem internacional que figuraram entre 1850 e 1950 que
como de Susan Sontag. contraíram a tísica, como “Chevalier Jackson,
pioneiro da broncoscopia, e Ramón y Cajal, prêmio
Discussão Nobel pelos estudos de anatomia fina do cérebro e
A tuberculose povoou de diferentes formas o da degeneração das fibras nervosas”
imaginário popular. O estudo da representação (ROSEMBERG, 1999, p.9). Já na literatura do final
social, inserido na dimensão da Psicologia Social, do século XIX e início do século XX, encontramos
nos permite compreender como o coletivo percebe escritores que não contraíram a tísica, mas que a
a realidade. Durkheim foi o percursor na retratam e analisavam personagens tísicos em
identificação e tratamento das produções mentais e suas obras, como por exemplo, Victor Hugo, Zola,
sociais, sendo seguido por Moscovici que renovou Flaubert, Charles Dickens e Eça de Queiroz (idem).
a analise para uma melhor compreensão da Traços da tuberculose são encontrados na
sociedade contemporânea (Jodelet, 1993). No literatura brasileira até a metade do século XX. Um
geral, as representações podem ser entendidas exemplo da presença da tísica na literatura
como “teorias” espontâneas ou versões que se brasileira pode ser encontrado na escrita do poeta
constituem para entender uma determinada Alvares de Azevedo, que retratou nos seguintes
realidade (idem). Seu suporte teórico nos permitira versos sua inexorável morte por conta da
entender como a tuberculose foi intelectualmente tuberculose:
processada e como se deram as interações sociais
determinadas pela lógica da discriminação e da Descansem o meu leito solitário
segregação. Na floresta dos homens esquecida
PÔRTO (2007) evidencia que no século XIX os À sombra de uma cruz e escrevam nela:
tuberculosos eram envolvidos por uma aura
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Foi poeta, sonhou e amou a vida (Apud. A nova concepção social da doença dispõe de um
ROSEMBERG, 1999:11). caráter negador da vida boêmia e da tuberculose
na camada culta da sociedade. Esse novo
O romantismo evidenciado no século XIX redefiniu posicionamento associa a tuberculose à pobreza e
os padrões estéticos, sensualizando e a marginalidade. SONTAG (2007) evidencia que as
embelezando a figura feminina que possuía traços metáforas em torno das enfermidades sempre
da tuberculose, como evidencia BERTOLLI FILHO: foram utilizadas para justificar as acusações de que
uma sociedade era corrupta ou injusta. As doenças
A tez pálida, os olhos lacrimejantes, as faces e suas imagens são utilizadas para representar as
rosadas e a rouquidão da voz davam destaque
aos corpos lânguidos, à alvura dos dentes e à
preocupações com a ordem social. Doenças como
tonalidade dos cabelos, tornando os ‘anjos o câncer e a tuberculose, são utilizadas para a
tísicos’ modelos da estética feminina cultuada proposição de novos padrões críticos de saúde
pelos românticos, sendo que as mulheres que individual. O mito da tuberculose sugere que a
correspondessem a este perfil eram situadas pessoa é responsável pela sua própria doença.
como objetos máximos dos desejos Segundo Menninger (apud SONTAG,44:2007) “A
masculinos (BERTOLLI FILHO, 2001:46). doença é em parte aquilo que o mundo fez a uma
vítima, na maior parte, é aquilo que a vítima fez ao
A maior mudança na representação social da seu mundo e a si mesma”.
tuberculose acontece na segunda metade do
século XIX. Se antes a doença representava Para BERTOLLI FILHO (2001), “a partir de então, a
genialidade e status, a partir da segunda metade tuberculose foi associada à miséria que dizimava o
do século XIX, a tuberculose passa a representar a lumpemproletariado e os trabalhadores industriais,
quebra dos valores e das convenções sociais, enfim, toda uma legião de injustiçados” (BERTOLLI
passando a ser considerada uma doença de FILHO, 2001:48).
boêmios e de cortesãs. BERTOLLI FILHO (2001)
evidencia que:
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autora apresenta que a falta de conhecimento e água encanada, sistema de esgoto e sistema
tratamento da tuberculose, gerou um estado de telefonico. ZANETTI (2012) evidencia que tais
pânico, reforçando que o comportamento desviado melhoramentos significam a higienização,
das convenções sociais ou uma vida desregrada embelezamento limpeza das grandes cidades. Por
eram as causas da tuberculose. exemplo em São Paulo, onde:
Referências
- BERTOLLI FILHO, Claudio. História social da
tuberculose e do tuberculoso: 1900-1950. Rio de
Janeiro: FIOCRUZ, 2001.
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drs-um-dominio-em-expansao.pdf acesso em 14
jul. 2015
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