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Paulo Carrano*
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Artigo elaborado para o livro sobre o Seminário Políticas Públicas de Juventude em Pauta, realizado em
dezembro de 2010. Circulação restrita.
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Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Coordenador do Grupo de Pesquisa Observatório Jovem do Rio de Janeiro (UFF). Pesquisador do CNPq
– nível 2.
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apresenta por outros ministérios sem que sejam, necessariamente, formuladas políticas
integradas para a juventude e efetivamente realizadas.
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Uma das tarefas democráticas no campo das PPJs é a de instaurar esferas públicas
participativas para que as divergências possam emergir e as contradições possam ser
mediadas politicamente. Os consensos democráticos, sempre provisórios, se produzem
em lutas políticas e negociações que resultam em políticas públicas coletivamente
assumidas e socialmente controladas. É desta forma que a criação de arenas públicas
para a discussão de concepções e mediação de conflitos pode se constituir como âncora
democrática para uma dimensão participativa das políticas públicas de juventude. A
arena pública das políticas de juventude não pode ser concebida como um campo de
simples consensos e convergências de opiniões. É preciso estimular a dimensão
transgressora dos direitos (TELLES, 2006) também no campo da juventude.
A arena pública das políticas de juventude precisa ser possibilidade de explicitação
das desigualdades que perduram e se multiplicam no Brasil e que incidem diretamente
sobre os jovens social e economicamente mais desprotegidos (jovens pobres e,
principalmente, negros vitimados em grande e vergonhosa escala; jovens mulheres,
portadores de deficiência, jovens de comunidades tradicionais, jovens pobres moradores
de áreas rurais). São esses jovens que mais sofrem o peso das injustas relações entre o
capital e o trabalho, que são esmagados pelas estruturas políticas e econômicas que
produzem os “jovens com futuro garantido” das classes superiores e os “jovens de vida
incerta”, ocupantes dos estratos sociais e econômicos mais baixos da vida social
brasileira. Como pensar em políticas de juventude desconhecendo que são os jovens
pobres e negros as vítimas preferenciais das forças policiais e grupos de extermínio?
Que são esses também que carregam a pesada herança do passado escravocrata que
impediu a mobilidade social de seus antepassados, fantasma da iniquidade colonial que
ainda os assombra e interdita caminhos na vida escolar e no mudo do trabalho? Como
omitir do debate público que são as jovens mulheres que ocupam os piores postos de
trabalho, ainda que mais escolarizadas, e que essas são presença majoritária no trabalho
doméstico, herdeiro das relações escravocratas no Brasil e com pior remuneração
mesmo quando nos mesmos postos de trabalho que homens?
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Sem dúvida, não acredito em pactos inspirados na noção de que todos querem o
melhor para os jovens no Brasil, independentemente de seus vínculos partidários,
interesses econômicos e posicionamentos na estrutura socioeconômica. Não será sem
conflito e luta social democrática que superaremos as muitas contradições sociais e
condições de desigualdade que minam as possibilidades da vivência feliz e segura do
tempo de juventude para a maioria dos jovens no Brasil. O caminho mais promissor me
parece ser o da necessária promoção de esferas públicas conflitivas onde os próprios
jovens possam, como “sujeitos falantes” (RANCIÉRE, 1996), enunciar suas demandas
por direitos, denunciar as injustiças que os oprimem e articular alternativas coletivas de
luta social. Desta forma, e somente assim, é que vejo possibilidade de produzir
consensos ativos entre os diferentes sujeitos de direitos em disputa democrática. De
forma distinta dos acordos negociados em gabinetes e nos fóruns de impactos
meramente simbólicos e midiáticos, esses consensos ativos, gestados em arenas
públicas conflitivas, são produtores também de legitimidades políticas mediadoras que
podem se materializar em nova geração de políticas públicas de juventude.
Sobre essa perspectiva de se colocar a questão dos direitos na ótica dos sujeitos da
política, Telles (2006), afirma:
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de geração de jovens para o crime – “jovens como presa fácil do tráfico de drogas” – e,
neste sentido, a desocupação de jovens mulheres – culturalmente vivida no espaço
doméstico – nunca fez acender as luzes de alerta na agenda pública. Essas são
representações dominantes de épocas, mas que, em grande medida, transcendem as
próprias épocas e, não raramente, são encontradas hibridizadas em concepções do
presente.
A rápida periodização acima nos permite lembrar a noção de que, ao se referir à
juventude, não tratamos apenas de idade, mas, fundamentalmente, de representações
sobre o ciclo de vida. Representações estigmatizadas e que enxergam o jovem como
problema social, estimulam respostas públicas de caráter profilático, tutelam corpos,
tempos e espaços e são pouco sensíveis às razões, sentimentos e vivências reais dos
sujeitos aos quais se destinam as políticas.
Pode-se reconhecer também a existência de representações positivadas sobre os
jovens e que os consideram não como problemas, mas como soluções – raramente sob a
ótica das ações coletivas e estimuladoras do conflito público – para seus próprios
problemas e de suas realidades locais: “jovens protagonistas”, “jovens agentes de
desenvolvimento local”, “jovens empreendedores”, “jovens voluntários”, dentre outras
denominações.
Considero que, em grande medida, as boas intenções relacionadas com a noção de
protagonismo juvenil, por exemplo, foram também formas de pedagogização da
participação de jovens na direção do controle social e do ajustamento. E isso ocorreu em
comunidades que necessitavam elaborar agendas conflitivas para superar suas
contradições relacionadas com a sonegação de direitos na desigual sociedade brasileira.
No caso das políticas públicas destinadas aos jovens na última década, nota-se
que elas se destinaram muito mais a oferecer aquilo que se intuiu ser as necessidades
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dos jovens e muito menos a se ocupar em indagar ou provocar processos que abrissem
espaços e tempos de diálogo para que os próprios jovens apontassem caminhos e
demandas. Os jovens precisam de espaços e tempos não apenas para receber projetos
pré-concebidos por lógicas adultas; eles e elas querem dizer o que precisam e sinalizar
para o que podem fazer individual e coletivamente.
A história recente das políticas de juventude e ações sociais destinadas aos jovens
confunde-se com a referida invenção de personagens – protagonistas, empreendedores
etc – de pouco diálogo com os sujeitos realmente existentes nos territórios. Muitas
dessas intervenções são pautadas por concepções idealizadas e instrumentalmente
manipuladas na forma de planos de ação hierarquicamente concebidos e não raramente
sob a direção, ainda que moral, de agências internacionais de desenvolvimento que
conseguem induzir modelos transnacionais de políticas de juventude através da
exportação de suas pautas e agendas de prioridades para os governos nacionais.
É hora de procurar organizar a agenda pública das políticas com base no
entendimento sobre a contemporânea condição juvenil e na vida real dos jovens
destinatários das políticas. Um esforço de desconstrução das representações idealizadas
sobre os jovens se faz necessário, como forma de superar a noção de “etapa de
transição”. Isso para concebê-la como momento do ciclo de vida, com uma finalidade
intrínseca, lugar e tempo social, onde os jovens são “autoridades” diretoras de seus
próprios destinos e escolhas biográficas.
Para Melucci (2004), ser jovem não é tanto um destino, mas escolha de transformar
e dirigir a existência. É nesta perspectiva que os jovens são considerados pelo autor
como a ponta de um iceberg que, se compreendida, pode explicar as linhas de força
que alicerçarão as sociedades no futuro (Melucci, 2001 e 2004). E, se para o autor
italiano a “juventude nunca acaba” é porque nela se está jogando e se afirmando os
traços profundos da personalidade que nos acompanharão por toda a vida. Hoje, os
jovens possuem um campo maior de autonomia frente às instituições do denominado
“mundo adulto” para construir seus próprios acervos e identidades culturais. Há uma
rua de mão dupla entre aquilo que os jovens herdam e a capacidade de cada um
construir seus próprios repertórios culturais.
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Sem desconsiderar os pesos específicos das estruturas e condicionamentos sociais,
um dos princípios organizadores dos processos produtores das identidades
contemporâneas diz respeito ao fato dos sujeitos selecionarem as diferenças com as
quais querem ser reconhecidos socialmente. Isso faz com que a identidade seja
muito mais uma escolha do que uma imposição. Uma das mais importantes tarefas das
instituições, hoje, seria a de contribuir para que os jovens pudessem realizar escolhas
conscientes sobre suas trajetórias pessoais e constituir os seus próprios acervos de
valores e conhecimentos que já não s ã o mais impostos como heranças familiares
ou institucionais. O peso da tradição encontra-se diluído e os caminhos a seguir são
mais incertos. Os jovens fazem seus trânsitos para aquilo que chamamos de vida
adulta no contexto de sociedades produtoras de riscos – muitos deles
experimentados de forma inédita, tal como o da ameaça ambiental, do medo da morte
precoce e das violências que se multiplicam em áreas urbanas e rurais–, mas também
experimentam processos societários com maiores campos de possibilidades para a
realização de apostas frente ao futuro.
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anos2. A definição da juventude por idade encontra elementos objetivos no aspecto da
maturidade biológica e sua delimitação se reveste de importância para as políticas públicas,
notadamente, quando se pensa em contagem de população, definição de políticas e
recursos orçamentários. Compreender os jovens apenas pelo fator idade, contudo,
seria simplificar uma realidade complexa, que envolve elementos relacionados ao
simbólico, ao cultural e aos condicionantes econômicos e sociais que estruturam as
sociedades.
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O Congresso Nacional Brasileiro, em 13 de julho de 2010, aprovou a PEC (Projeto de Emenda
Constitucional) 42/2008, a chamada PEC da Juventude, que insere na Constituição o termo “juventude”
e estabelece a faixa etária de 15 a 29 anos para essa população. Sobre a PEC da Juventude
consultar: www.juventude.gov.br Código de campo alterado
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http://www.institutoiard.it/intro.asp Código de campo alterado
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Um dos traços mais significativos das sociedades ocidentais é que crianças e
jovens passam a ser vistos como sujeitos de direitos e, especialmente os jovens,
como sujeitos de consumo. A expansão da escola, a criação de mercado cultural juvenil
exclusivo e a postergação da inserção no mundo do trabalho são marcas objetivas da
constituição das representações sociais sobre o ser jovem na sociedade. A realização
plena deste ideal de jovem liberado das pressões do mundo do trabalho e dedicado
ao estudo e aos lazeres é objetivamente inatingível para a maioria dos jovens.
Entretanto, este ideal-tipo de vivência do tempo juventude é visivelmente existente no
plano simbólico. Pais (2010) alerta para a necessidade de estarmos atentos para
perceber as distâncias existentes entres as “topografias ideais” – as representações que
se faz sobre as idades – e as “tropografias reais” – que seriam expressões das
biografias realmente vividas. Bourdieu (1983) afirmou que a juventude é apenas uma
palavra, trazendo a reflexão sobre a necessária relatividade histórica e social deste
ciclo de vida que não pode ser enxergado como uma coisa em si, mas que precisa ser
compreendido em seus relacionamentos entre diferentes grupos sociais, sociedades e
classes de idade. Porém, é preciso considerar que “juventude” é noção produtora de
sentidos e contribui para o estabelecimento de representações sociais. Somos sempre o
jovem ou o velho de alguém, disse também o sociólogo francês.
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socialização das gerações não adultas –, para muitos jovens das classes populares,
pode ser vivida como momento de moratória social (MARGULIS E URRESTI,
1996)4, tempo de espera formativa que as sociedades costumam conceder como
privilégio de classe para alguns de seus jovens.
Referências Bibliográficas
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