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Caderno CRH

Print version ISSN 0103-4979

Cad. CRH vol.26 no.69 Salvador Sept./Dec. 2013

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792013000300001

Ciência e religião: Introdução


João Carlos Salles

Doutor em filosofia. Professor da Universidade Federal da Bahia com pesquisa apoiada pelo CNPq e pela
FAPESB. Membro da Academia de Ciências da Bahia. Estrada de São Lázaro, 197. Cep: 40210-730.
Federação - Salvador - Bahia - Brasil. jcsalles@ufba.br

Ciência e religião parecem termos opostos e inconciliáveis. Não por acaso, procurando muitas vezes
anular-se reciprocamente, os termos se conservam, em muitos sentidos, como complementares. Assim,
suas dimensões se atraem e se repelem mutuamente, talvez por sua natureza, em ambos os casos, visar
à universalidade, cobrando ambas dos praticantes uma adesão íntima. Em muitos momentos, parecem
constituir visões de mundo incomensuráveis, cujos interesses e procedimentos levariam a respostas e
problemas imiscíveis. Por vezes, porém, parecem conviver e, mesmo, se solicitar, como se, juntas,
satisfizessem a necessidades da vida humana. Não raro, um campo almeja a suficiência por caminhos
perigosos, como os que levam a idolatrar a razão, chamada, então, a proferir respostas científicas aos
mistérios da vida, ou os que, ao contrário, pretendem limitar a investigação científica, em função de
acordos que sequer passariam pela manifestação dos interesses da comunidade, pois firmados antes com
o sagrado ou o divino.

Também, conservadas suas dimensões, não deixa de ser de interesse científico o conjunto de
manifestações religiosas, passíveis de análise exterior, nem deixa de ter interesse religioso a eventual
conversão íntima de acadêmicos, que não parecem encontrar, na profissão de sua fé, um obstáculo a suas
pesquisas. De modo mais radical, a tensão entre ciência e religião talvez dê testemunho do impasse
outrora descrito por Wittgenstein, quando afirmou tanto a irrelevância do discurso científico (incapaz de
tocar questões essenciais da vida e de referir-se ao mundo como um todo, do ponto de vista do altíssimo,
pois situado no mundo), quanto a ausência de significado da adesão ao mais elevado, cuja relevância
irrecusável não satisfaria, contudo, as condições de uma linguagem que esteja em ordem e, por isso, seja
capaz de dizer o mundo, de enunciar o que é o caso.

Em meio a essa tensão, este dossiê tem um interesse duplo. Em primeiro lugar, reúne um conjunto de
trabalhos de membros da Academia de Ciências da Bahia, que, reconhecendo a importância do tema, se
mobilizaram em reuniões, ao longo de 2012 e 2013, com debates e exposições, segundo perspectivas
diversas. Aqui, portanto, é apresentada uma seleção dos estudos realizados segundo procedimentos
característicos da comunidade científica, no grau elevado de sua inserção em uma Academia de Ciências.
Vale, então, registrar a singularidade da Academia de Ciências da Bahia, que nada tem da modorra própria
de outros centros, sendo hoje um espaço de interação acadêmica. Para esse seu traço contribui, decerto,
a liderança do Dr. Roberto Santos, especialmente amparado no dinamismo de outros membros da
Academia, a exemplo de Edivaldo Boaventura e Eliane Azevedo, cujos nomes destacamos como uma justa
homenagem, pois esses três membros da Academia foram os primeiros a cobrar a continuidade dos
nossos debates, que já geraram, anteriormente, uma publicação sobre ética e ciência. E, como podemos
ver, há uma clara continuidade entre a investigação sobre ética e a investigação sobre a religião, ao menos
no aspecto mais essencial de ambos os temas tocarem valores e o que, em suma, ressalvada sua iniludível
relevância, não se deixa expressar, salvo pelo estudo de suas manifestações exteriores como práticas
sociais.

Outro aspecto da Academia de Ciências da Bahia merece ser destacado, pois, acreditamos, explica parte
de seu dinamismo. A Academia de Ciências, reconhecendo-se baiana, não se calcou simplesmente em

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modelos exógenos, que costumam restringir-se às "ciências duras", com raro espaço até para as ciências
humanas, que, antes, neles figura por força de concessão magnânima. Nossa Academia de Ciências, ao
contrário, abriga todas as dimensões que, na Bahia, atingiram excelência acadêmico-científica e, com isso,
representatividade. Logo, em nosso caso, por nossa história e pelo rigor das contribuições científicas
nesses campos, a Academia acolhe, inclusive, as artes e a filosofia. Acreditamos que tal acolhimento
favorece e exige um clima de debates, bem como temas como o que ora constitui este dossiê.

Em segundo lugar, além de comportar estudos, este dossiê tem o interesse próprio de uma amostra,
sendo exemplar de como o tema da religião não deixa indiferentes pesquisadores dedicados ao trabalho
científico. Esse vínculo manifestou-se, então, em arco amplo, como bem podem verificar os que
apreciarem este dossiê. Com isso, têm aqui lugar tanto a manifestação mais distante, a análise sociológica
de um tema religioso, como ainda a pauta mais íntima, aquela capaz de dispor o cientista a uma reflexão
que, sem esperança de resposta, o mobiliza com todas suas forças intelectuais e lhe provoca o espanto.
Como amostra, nós a julgamos, enfim, significativa em quantidade e qualidade, sobretudo por seu
recorte, que apenas um olhar externo pode doravante estudar e julgar.

Os autores principais são, portanto, membros da Academia de Ciências, com claro destaque acadêmico
em suas respectivas áreas. Amílcar Baiardi, professor titular aposentado da Universidade Federal do
Recôncavo Baiano (UFRB) e professor da Universidade Católica do Salvador, em seu trabalho sobre a
percepção da ciência por líderes religiosos do Recôncavo Baiano (outrora o maior centro comercial da
província), contou com a colaboração de doutorandos de seu grupo de pesquisa, Fabiana Mendes e
Wellington Rodrigues. O Recôncavo Baiano (para mim, aliás, ainda o centro do universo) comporta uma
diversidade de crenças, marcadas quer pela gênese cristã, quer pela origem africana. Convivendo sem
conflito, são, contudo, bastante diversas as reações dessas matrizes religiosas a símbolos bem
estabelecidos da ciência, reações que o trabalho pretende sistematizar.

Dante Galeffi, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mostra seu
refinamento filosófico na leitura cuidadosa de Henri Bérgson, que toma como ponto de partida. Escolhe,
assim, um dos veios mais ricos na contemporaneidade para interpelar os caminhos diversos do conceito e
da intuição. Com isso, com seu fôlego para percorrer o vasto acervo bergsoniano, pode dirigir-se com
originalidade às dimensões da Mecânica e da Mística.

O texto de Eliane Azevedo, professora emérita da Faculdade de Medicina da Bahia (UFBA) e uma de nossas
mais destacadas cientistas, com reconhecido trabalho em genética, mostra bem como a temática da
religião acompanha sua reflexão, a ponto de ela poder recuperar, na vasta tradição ocidental, a intrincada
confluência entre saberes religiosos e os interesses da ciência, com o que pôde ainda refletir, de modo
instigante, sobre o interesse atual em tal confluência de ciência e religião.

Manuel Veiga, professor emérito da Escola de Música da UFBA, faz aproximar sua investigação de
etnomusicólogo do mistério mesmo que faz coevas a religião, a língua e a música. Faz assim, a seu modo
(e sem blasfêmia!), obra de genealogia no melhor sentido filosófico, qual seja, o de colher o sentido de
um termo, uma ação, uma instituição, no desafio mesmo de sua gênese, quando as forças do tempo
retiram um corpo qualquer do limbo da existência, com boas ou más razões.

Pasqualino Magnavita, professor emérito da Faculdade de Arquitetura da UFBA, dialoga com pensadores
contemporâneos (em especial, com Deleuze), desdobrando a reflexão no campo da tensão entre saber e
poder, por cuja denúncia pode resistir à tirania da transcendência, por quaisquer razões com que ela se
pretenda vindicar. Com isso, pode falar da perspectiva de um ateísmo, significando-o como uma prática
existencial emancipatória.

Enfim, Paulo Costa Lima, professor da Escola de Música da UFBA, serve-se do célebre texto "O futuro de
uma ilusão", de Sigmund Freud, como ponto de partida de sua reflexão. A partir daí, como é usitado nos
trabalhos de Paulo, tudo é surpresa, a começar do contraponto inicial com John Lennon e da fórmula da
"libideme", tomada "como equivalente gozosa da episteme epocal proposta por Foucault". E assim, como
é próprio do seu texto (e de cada um dos que compõem o Dossiê), podemos deliciar-nos com uma reflexão

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original, capaz, em seu caso, de incidir sobre a vida e a arte, e também capaz, no caso de todos os textos,
de produzir ou provocar "questões urgentes e aparentemente não resolvíveis".

Recebido para publicação em 14 de agosto de 2013


Aceito em 26 de agosto de 2013

João Carlos Salles - Doutor em filosofia. Professor da Universidade Federal da Bahia. Sua experiência na
área de filosofia volta-se, sobretudo, na perspectiva da epistemologia e da filosofia da linguagem, para a
história da filosofia moderna e contemporânea, com ênfase no empirismo clássico e na obra de Ludwig
Wittgenstein. Com bolsa do CNPq, desenvolve a pesquisa "A gramática da experiência: o anímico na
filosofia da psicologia de Wittgenstein"; e, com recursos do PRONEX (FAPESB/CNPq), coordena o projeto
Filosofia e Ciências. Além disso, coordena o Grupo de Pesquisa do CNPq Filosofia Moderna e
Contemporânea, ao qual se vincula o Grupo de Estudos e Pesquisa Empirismo, Fenomenologia e
Gramática. Publicações recentes: Conhecimento e Ação: entre laços teóricos e redes institucionais.
Caderno CRH (UFBA. Impresso), v. 25, p. 9-11, 2012; Percepção e cor. Dois Pontos (UFPR), v. 9, p. 123-133,
2012; Comportamento e Significação: uma nota sobre Wittgenstein e o Behaviorismo. Analítica (UFRJ), v.
15, p. 49-60, 2011; O cético e o enxadrista: significação e experiência em Wittgenstein. 1. ed. Salvador:
Quarteto, 2012. v. 1. 208p.

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O DEBATE SOBRE RELIGIÃO E CIÊNCIA -- UMA INTRODUÇÃO*

John Polkinghorne

Resumo
Ciência e teologia têm coisas a dizer uma à outra, uma vez que ambas se preocupam com a busca da
verdade, alcançada por meio da crença fundamentada. Entre os tópicos importantes para tal diálogo
estão a teologia natural, a criação, a providência divina e os milagres. Este artigo apresenta um breve
panorama do estado atual do diálogo.

Os participantes do debate entre ciência e religião empregam diversas estratégias, dependendo do que
procuram -- confronto ou harmonia. Para uma introdução ao assunto, a primeira tarefa é resumir a
agenda de discussão.

O parceiro natural para o diálogo com a ciência é a teologia, a disciplina intelectual que descreve a
experiência religiosa, da mesma forma como a ciência descreve a investigação humana do universo físico.
Tanto a ciência como a teologia reivindicam explorar a natureza da realidade, mas claramente o fazem
em níveis diferentes. O objeto de estudo das ciências naturais é o mundo físico e os seres vivos que nele
habitam. As ciências tratam seus assuntos objetivamente, por meio de um modo impessoal de encontro,
que emprega a ferramenta investigativa da interrogação experimental. A natureza é submetida a testes,

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baseados em experimentos passíveis de repetição, tantas vezes quantas o pesquisador quiser. Mesmo as
ciências históricas como a cosmologia física ou a biologia evolucionária apoiam muito de seu poder
explanatório nas descobertas das ciências diretamente experimentais, como a física e a genética. O
propósito da ciência é obter uma compreensão precisa de como as coisas acontecem. Sua preocupação é
com os processos que ocorrem no mundo.

A preocupação da teologia é com a questão da verdade sobre a natureza de Deus, daquele ao qual é
próprio se aproximar com reverência e obediência, o qual não está disponível para ser posto sob teste
experimental. Como ocorre em todas as formas de relacionamento, o encontro com a realidade
transpessoal do divino tem de ser baseado na confiança, e seu caráter é intrinsecamente individual e
único. Experiências religiosas não podem simplesmente ser provocadas pela manipulação humana. Em
vez disso, a teologia se baseia nos atos revelatórios de auto desvelamento divino. Em particular, todas as
tradições religiosas olham para o passado, para os eventos primordiais nos quais elas tiveram a sua
origem, e que desempenham um papel único na constituição de sua compreensão da divindade. Em
relação à história cósmica, o objetivo central da teologia é lidar com a questão de por que os eventos
ocorreram. Sua preocupação é com temas de significado e propósito. A crença em Deus como Criador traz
a implicação de que uma mente e vontade divinas existem por trás do que acontece no universo.

O DEBATE SOBRE RELIGIÃO E CIÊNCIA -- UMA INTRODUÇÃO*

Essas diferenças entre a ciência e a teologia levaram alguns a supor que elas seriam completamente
desconectadas entre si, ocupadas com formas de discurso separadas e até mesmo incomensuráveis. Se
isso fosse verdade, não poderia haver um debate verdadeiro entre ciência e religião. Essa imagem de duas
linguagens sem conexão tem sido popular entre cientistas que não desejam ser desrespeitosos com a
religião, entendida por eles como atividade cultural, mas que tampouco querem considerar seriamente
as reivindicações cognitivas da religião quanto ao conhecimento de Deus. Quando essa posição é adotada,
a comparação que se segue entre ciência e teologia é frequentemente posta em termos que, na verdade,
são desfavoráveis para a religião. Muitas vezes, sustenta-se que a ciência lida com fatos, ao passo que a
religião supostamente se funda apenas em opiniões. Há aqui um duplo erro.

Análises produzidas pela filosofia da ciência no século 20 deixaram claro que a busca científica pela
compreensão é baseada em algo muito mais sutil do que uma confrontação não-problemática entre fatos
experimentais indubitáveis e predições teóricas inescapáveis. Teoria e experimentação se entretecem de
formas intrincadas, e não há fatos científicos interessantes que não sejam simultaneamente fatos já
interpretados. O apelo a teorias é necessário para se explicar o que realmente está sendo medido por um
aparato sofisticado. Por sua vez, a teologia não se baseia na mera asserção de verdades inquestionáveis
derivadas das declarações de alguma autoridade inquestionável. A crença religiosa tem as suas próprias
motivações, e seu apelo à revelação ocupa-se da interpretação daquelas ocasiões singularmente
significativas de desvelamento divino, e não de verdades proposicionais comunicadas de um modo
misterioso.

Uma série de considerações mostra que a hipótese da independência entre ciência e teologia é muito
ingênua para ser convincente. “Como? ” e “Por quê? ” São questões que podem ser levantadas

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simultaneamente e, muitas vezes, ambas devem ser consideradas se quisermos obter uma compreensão
adequada da realidade. Um bule ferve tanto porque o gás em chamas aquece a água quanto porque
alguém quer preparar um chá. As duas questões são, sem dúvida, logicamente distintas, e não há uma
conexão inevitável ligando as duas respostas, embora deva existir um grau de consistência entre elas.
Colocar o bule no refrigerador com a intenção de fazer chá não faz muito sentido.

A teologia precisa ouvir a explicação científica da história do universo e determinar sua relação com a
crença religiosa de que o mundo é a criação de Deus. Se há um desajuste total, alguma forma de revisão
pode ser necessária. Fundamentalistas religiosos creem que tal revisão sempre teria de ser do lado da
ciência, enquanto fundamentalistas cientificistas creem que a religião é simplesmente irrelevante para a
compreensão do cosmo. Essas posições extremas correspondem à imagem de um conflito entre a ciência
e a religião, tendo cada lado a missão de obter a vitória total no debate: uma visão seriamente distorcida
que falha em reconhecer a complementaridade entre as duas formas de busca da verdade. Uma visão
mais equilibrada seria a de que ambas as explicações merecem ser escrupulosamente abordadas em seu
relacionamento mútuo, o que nos dá uma agenda criativa para o debate entre ciência e religião.

Tanto a ciência quanto a teologia têm sido rotuladas pelo pós-modernismo como metanarrativas
lendárias, construídas e endossadas socialmente. Em resposta, ambas apelam às motivações experienciais
de suas crenças e reivindicam o que foi denominado realismo crítico como a melhor descrição de suas
realizações: embora não alcancem conhecimento exaustivo -- pois a exploração da natureza revela
continuamente fatos novos e inesperados, e a realidade infinita de Deus sempre excederá a compreensão
de seres humanos finitos -- ambas creem ser capazes de obter verossimilhança, ou seja, descrições de
aspectos da realidade que são adequadas para alguns, embora nem todos os fins. Com suas reivindicações
crítico-realistas, a ciência e a teologia exibem um grau de parentesco, e este fato por si só seria suficiente
para encorajar o diálogo entre elas.

O DEBATE SOBRE RELIGIÃO E CIÊNCIA -- UMA INTRODUÇÃO*

A ciência tem obtido seu grande sucesso devido à modéstia de sua ambição, restringindo-se ao encontro
impessoal e limitando-se a descrever os processos naturais. O fato é que as redes lançadas por ela são
muito grosseiras para capturar o todo da realidade. Sua compreensão da música, por exemplo, é
estruturada em termos de respostas do sistema nervoso ao impacto de ondas de ar no tímpano. O
profundo mistério da música -- como uma sequência temporal de sons é capaz de descrever uma esfera
eterna de beleza? -- escapa totalmente à sua compreensão. Um elemento importante no debate
contemporâneo entre ciência e religião é o reconhecimento da importância de “questões de limite”,
referentes a assuntos que emergem da prática científica, mas que vão além dos limites postos pela própria
ciência a seu potencial explanatório. Essas questões de limite têm sido a base para um novo tipo de
teologia natural, largamente desenvolvida pelos próprios cientistas, alguns dos quais não aderem a
nenhuma tradição religiosa.

Teologia Natural

A Teologia Natural é a tentativa de aprender algo sobre Deus a partir de considerações gerais tais como
o exercício da razão e a investigação do mundo. Sua forma clássica é associada a pensadores como Tomás

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de Aquino (século 13) e William Paley (1743-1805). Eles falavam em termos de “provas” da existência de
Deus e frequentemente buscavam explicações teológicas para a aptidão funcional dos seres vivos,
compreendidos como havendo sido projetados pelo divino Artífice. A Teologia Natural contemporânea é
mais modesta em seu caráter. Seu objetivo não é a inescapabilidade lógica, mas a compreensão
iluminada, reivindicando que o teísmo explica mais do que o ateísmo. O relacionamento da Teologia
Natural com a ciência é de complementaridade, em vez de rivalidade. Reconhecendo que as questões
científicas devem receber respostas científicas, a nova Teologia Natural se concentra nas questões de
limite que emergem da ciência, mas que escapam ao seu escopo explanatório. Duas dessas metaquestões
têm se revelado particularmente importantes.

A primeira diz respeito à razão porque a ciência é possível, na forma profunda e extensiva que
conhecemos. Obviamente a necessidade evolucionária de sobrevivência pode explicar porque os
humanos são capazes de compreender grosso modo os fenômenos do dia-a-dia. Ainda assim é difícil crer
que nossa habilidade para compreender o mundo subatômico da física quântica e o mundo cósmico da
curvatura espaço temporal -- ambos os domínios remotamente distantes do impacto direto sobre eventos
do dia-a-dia, e ambos requerendo, para a sua compreensão, modos altamente contra intuitivos de
pensamento -- seja meramente um bônus fortuito da necessidade de sobrevivência. Além disso, o mundo
não é apenas racionalmente transparente em um grau profundo à inquirição científica, mas também é,
em semelhante grau, racionalmente belo, concedendo repetidamente aos cientistas o senso de maravilha
como uma recompensa pelo trabalho de pesquisa. Na física fundamental, uma técnica comprovada de
descoberta é a busca por teorias cujas equações sejam matematicamente belas, desde que apenas estas
teorias atingem a fertilidade de longo prazo capaz de nos persuadir de sua verossimilhança. Por que a
ciência profunda é possível, e por que seus sucessos envolvem tão intimamente a disciplina
aparentemente abstrata da matemática, são certamente questões significativas sobre a natureza do
nosso mundo. A ciência, por si só, é incapaz de explicar este caráter profundo das leis da natureza. Ela é
obrigada a tratá-lo simplesmente como a base inexplicável que tem de ser assumida para sua exposição
dos detalhes do processo. Entretanto, parece intelectualmente insatisfatório abandonar a questão assim,
como se a ciência fosse apenas um feliz acidente. Uma compreensão religiosa torna a própria
inteligibilidade do universo inteligível, explicando que o mundo está cravejado de sinais de inteligência
precisamente porque a Mente do seu Criador está por trás dessa ordem maravilhosa.

O DEBATE SOBRE RELIGIÃO E CIÊNCIA -- UMA INTRODUÇÃO*

Essa ordem não é apenas bela, mas também profundamente frutífera. O universo como nós o
conhecemos começou a 13.7 bilhões de anos atrás, essencialmente como uma bola de energia quase
uniforme, em expansão. Hoje o universo é rico e complexo, com santos e cientistas entre seus habitantes.
Esse fato em si mesmo sugere que algo vem acontecendo na história cósmica que vai além do que a
ciência pode dizer; mas além disso, a compreensão científica dos processos evolucionários dessa história
tem mostrado que o cosmo era desde o início prenhe de potencial para a vida baseada em carbono. As
leis básicas da natureza, em seu caráter atual, tiveram que assumir uma forma quantitativa específica
para possibilitar a emergência da vida em algum local do universo. Esse ajuste-fino (fine-tuning) dos
parâmetros fundamentais é usualmente denominado Princípio Antrópico. 1 Um mundo capaz de produzir

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seres autoconscientes é um universo muito específico, de fato. Esta especificidade cósmica levanta a
segunda metaquestão, sobre por que isto deveria ser assim. O ajuste-fino antrópico veio como um choque
para muitos cientistas. Eles tendem a preferir o geral ao particular, sendo então inclinados a supor que
não haveria nada de muito especial sobre o nosso mundo.

A Teologia Natural enxerga o potencial antrópico como um dom que o Criador deu à criação. Aqueles que
recusam esta ideia são levados, ou a considerar o ajuste-fino como outro acidente incrivelmente feliz, ou
a abraçar a extraordinária suposição de que há, de fato, um vasto multiverso composto de muitíssimos
universos bem diferentes, mas que apenas um é observável por nós, sendo o nosso universo, por puro
acaso, aquele no qual as circunstâncias permitiram o desenvolvimento da vida baseada em carbono.

Criação

A doutrina da criação não diz respeito primariamente a como as coisas começaram, mas por que elas
existem. Deus é visto como ordenador e sustentador do cosmo, sendo o seu Criador hoje, tanto quanto o
era na época do Big Bang (o qual é cientificamente interessante, mas não é teologicamente crítico). Essa
compreensão da realidade leva à visão de que a criação é um processo em contínuo desdobramento, no
qual Deus age tanto por meio dos resultados do processo natural quanto por qualquer outro meio. Um
diálogo frutífero entre a ciência e a religião deve ser baseado nessa compreensão da criação.

A ciência tem muito a contribuir para o diálogo interdisciplinar, por meio do quadro que ela pode fornecer
do processo e da história do universo. Sua contribuição mais importante é o conceito evolucionário da
emergência de novidade em regimes onde regularidade regrada (antrópica) e especificidade acidental
interagem. A interação de acaso e necessidade “na margem do caos” (um domínio de processos
caracterizados pelo entrelaçamento de graus de ordem com sensibilidade a pequenas influências) tem
operado em muitos níveis, da evolução cósmica das estrelas e galáxias, à familiar história biológica do
aumento da complexidade da vida terrestre.

O DEBATE SOBRE RELIGIÃO E CIÊNCIA -- UMA INTRODUÇÃO*


Há uma forma distorcida de história intelectual que retrata a publicação de “A Origem das Espécies”, de
Charles Darwin, em 1859, como a separação final entre os caminhos da ciência e da religião e o fim de
qualquer debate verdadeiro entre elas. É fato histórico que nem todos os cientistas aceitaram as ideias
de Darwin imediatamente e nem todos os teólogos as rejeitaram. Todos tiveram de se esforçar para
aceitar o quanto o passado foi diferente do presente, e a necessidade, assim, de compreender esse
presente à luz de suas origens passadas. Dois pensadores cristãos, Charles Kingsley e Frederick Temple,
cedo cunharam uma frase que habilmente sintetiza como pessoas religiosas deveriam pensar sobre um
mundo em evolução. Eles diziam que, sem dúvida, Deus poderia ter trazido à existência um mundo já
pronto. Porém, descobrimos que o Criador fez algo mais inteligente do que isto, criando um mundo tão
fértil que as criaturas que nele habitam tiveram a capacidade de “fazerem a si mesmas”, na medida em
que o processo exploratório da evolução trazia este potencial à realidade.
Uma ideia teológica muito importante está associada a este “insight”. Ela diz respeito ao modo como Deus
pode ser compreendido em sua relação com a criação. A teologia cristã crê que o caráter fundamental de

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Deus é o amor. Não se pode supor, portanto, que tal deidade aja como um tirano cósmico, manipulando
as cordas numa criação que nada mais é do que um divino teatro de marionetes. O dom do amor concede
sempre algum grau de independência a quem se ama. Uma das ideias mais iluminadoras da teologia do
século 20 foi o reconhecimento de que o ato da criação foi um ato de autolimitação divina -- um ato de
“kenosis”, como os teólogos dizem -- por parte do Criador, permitindo às criaturas ser e constituir a si
mesmas. Isso implica que, embora sob a permissão divina, nem tudo o que acontece está de acordo com
a vontade positiva de Deus.
Uma compreensão “kenótica” do relacionamento de Deus com o mundo auxilia a teologia em sua luta
com as perplexidades do mal e do sofrimento, que certamente são seu problema mais desafiador. Um
mundo no qual as criaturas fazem a si mesmas é algo muito bom, mas tem o seu preço. A exploração
exaustiva de todas as possibilidades (que é o que o “acaso” significa no contexto evolucionário)
inevitavelmente terá bordas irregulares e levará a becos sem saída. O mecanismo que dirigiu a história da
vida na Terra foi a mutação genética. Ora, se células de germes poderão sofrer mutações e produzir novas
formas de vida, células somáticas poderão também sofrer mutações, mas se tornar malignas. A
angustiante existência do câncer não é algo sem motivo, ou alguma coisa que um criador mais
competente ou menos insensível poderia ter eliminado facilmente. É o lado sombrio e inevitável da
produtividade da evolução. Longe de ser destrutivo para um debate útil entre a ciência e a religião, o
ponto de vista evolucionista tem exercido uma influência muito positiva sobre o pensamento teológico.
Finalmente, há ainda outra questão levantada pela ciência que deve ser considerada por teólogos que
falam sobre o mundo como Criação. O prognóstico final da cosmologia para o futuro do universo é
desanimador. As escalas de tempo são imensamente longas, mas eventualmente tudo acabará em uma
futilidade cósmica, seja por meio de um colapso ou, mais provavelmente, por meio da interminável
decadência de um universo em expansão e resfriamento eternos. A vida baseada em carbono deverá, por
fim, desaparecer do cosmo. A teologia sempre se esforçou para manter uma visão realista da morte, tanto
de indivíduos como do universo. Ela não se apoia em um otimismo evolucionário ilusório, mas baseia sua
esperança de um destino além da morte unicamente na fidelidade do Criador do mundo. Um
desdobramento recente no debate entre ciência e religião é o crescente interesse na exploração da
coerência dessa esperança. O resultado tem sido significativos desenvolvimentos no pensamento
escatológico, mas não temos espaço para dar os detalhes aqui.
Ação Divina
Pessoas religiosas oram a Deus, pedindo auxílio particular. Teólogos falam sobre a ação providencial de
Deus na história. Mas a ciência fala sobre a regularidade dos processos causais no mundo. Poderia isto
significar que os crentes estão enganados e Deus está restringido ao papel de manter o mundo existindo,
mas contemplando-o como mero expectador? Todas as fés Abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islã)
falam de Deus agindo no mundo, causando consequências específicas em circunstâncias específicas.

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O DEBATE SOBRE RELIGIÃO E CIÊNCIA -- UMA INTRODUÇÃO*

Se a ciência implicasse um mundo mecânico de maquinários cósmicos, como muitos interpretaram a física
newtoniana, a teologia se limitaria à imagem deísta de um Deus que meramente põe o mundo em
movimento e então deixa tudo acontecer. Entretanto, a imagem mecanicista sempre esteve sob suspeita
porque os seres humanos não se veem como autômatos, mas antes como tendo liberdade para atuar
como agentes intencionais. Se o futuro do mundo está aberto para a humanidade, certamente deve estar
aberto também para o seu Criador. De fato, a ciência do século 20 testemunhou a morte da visão
meramente mecanicista da física. Imprevisibilidades intrínsecas (uma incerteza inescapável que não pode
ser superada por cálculos melhores ou observações mais exatas) vieram à luz, primeiro na teoria quântica
ao nível subatômico, e então na teoria do caos ao nível dos fenômenos macroscópicos. O que essas
descobertas implicam é matéria de debate filosófico.

A natureza da causalidade é um tema de metafísica, influenciada pela física, mas não totalmente
determinada por ela. Por exemplo, enquanto muitos físicos creem que as imprevisibilidades da teoria
quântica são sinais de uma indeterminação intrínseca, há uma interpretação alternativa de igual
adequação empírica que atribui tais imprevisibilidades à ignorância de um número de fatores inacessíveis
(“variáveis ocultas”). A escolha entre estas interpretações tem de ser feita em bases metacientíficas, tais
como julgamentos de economia e ausência de artificialidade.

A imprevisibilidade é uma propriedade concernente ao que se pode ou não se pode conhecer sobre
acontecimentos futuros. A relação entre o que sabemos sobre o mundo e o que mundo é realmente é
matéria de animado debate filosófico. Mas para aqueles cuja filosofia se baseia no realismo, como é o
caso de muitos cientistas, as duas coisas são inseparáveis. Para eles, é natural interpretar
imprevisibilidades intrínsecas como sinais de que o futuro ainda não está definido. Isto não implica que o
futuro seja algum tipo de loteria aleatória, mas simplesmente que as suas causas não se limitam à
descrição científica convencional de trocas de energia entre os componentes do sistema. Um candidato
plausível para fatores causais adicionais é o exercício da agência pessoal, tanto por indivíduos humanos
como pela ação providencial divina.

Uma discussão bastante ativa no debate de ciência e religião tem-se centrado na questão da ação divina.
Sem entrar em detalhes sobre a variedade de posições que vem sendo advogadas, pode-se dizer que pelo
menos está claro que a ciência não estabeleceu o fechamento causal do mundo físico em seus próprios
termos. É inteiramente possível tomar de forma absolutamente séria o que a física tem a dizer e ainda
crer na capacidade de agência, tanto humana como divina.

Uma interpretação realista das imprevisibilidades leva à visão de um mundo de genuíno “vir-a-ser”, no
qual o futuro não é uma consequência inevitável do passado. Em vez disso, muitos fatores causais o
determinam: a lei natural, atos humanos intencionais e a providência divina. Se a fonte dessa liberdade
no destino é compreendida como sendo baseada na nebulosidade de processos imprevisíveis, os eventos
não podem ser analisados e classificados de uma forma transparente, como se fosse possível dizer que a
natureza fez isto, a ação humana intencional fez aquilo, e a providência divina fez aquilo outro.

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O DEBATE SOBRE RELIGIÃO E CIÊNCIA -- UMA INTRODUÇÃO*

A reflexão sobre um mundo em genuíno “vir-a-ser” tem levado alguns teólogos a repensar a relação de
Deus com o tempo. Deus não está aprisionado no tempo como as suas criaturas, e certamente deve haver
uma dimensão atemporal na natureza divina. A teologia clássica considerou isto a história toda, e pintou
Deus como totalmente fora do tempo, olhando “para baixo”, por assim dizer, com a história cósmica
inteira exibida sob o seu vislumbre, “tudo de uma vez”. Mas o Deus da Bíblia é apresentado como aquele
que continuamente se engaja na história, e isto é justamente o que poderia se esperar do Criador de um
mundo com tal fertilidade em constante desdobramento.

Milagre

O tema do milagre frequentemente emerge no debate entre ciência e religião. É uma questão que o
cristianismo tem de considerar com muita seriedade, pois no coração de sua própria narrativa teológica
está a ressurreição de Cristo, a crença de que Jesus foi levantado dentre os mortos para uma vida de glória
infindável.

Reivindicações do miraculoso vão além de um conceito do Criador atuando no veio aberto da natureza,
pois requerem a crença de que Deus algumas vezes age de formas únicas. A ciência supõe que o que
usualmente acontece é o que sempre acontece; porém, esta hipótese não pode ser a base para excluir a
possibilidade de eventos únicos e sem precedentes. Contudo, milagres criam um problema teológico, pois
não se pode presumir que Deus atue como uma espécie de mago celestial, caprichosamente fazendo um
uso exibicionista do seu poder divino. Se milagres acontecem, tem de ser porque circunstâncias únicas os
tornam uma possibilidade racional e consistente, eventos nos quais aspectos mais profundos do caráter
divino se manifestam além do que normalmente é revelado. No Evangelho de João, milagres são
denominados “sinais” exatamente neste sentido revelatório.

A presença do miraculoso deve ser associada a um novo regime na história da criação, muito similar à
forma como a exploração de um novo regime no mundo físico pode manifestar propriedades totalmente
inesperadas (como, por exemplo, a dualidade onda/partícula da luz). Os cientistas não levantam a
pergunta “É razoável? ” Instintivamente, como se soubessem por antecedência a forma que a
racionalidade deve tomar. O mundo físico tem demasiadas vezes se provado surpreendente para que tal
pergunta seja apropriada. Em vez disso eles perguntam: “O que o faz pensar que este seja o caso? ”, uma
inquirição ao mesmo tempo mais aberta e, por sua insistência em evidências, mais exigente. A abordagem
à questão do milagre no debate de ciência e religião deve seguir linhas similares, não presumindo a sua
impossibilidade a priori, mas exigindo a fundamentação adequada antes de aceitar a crença.

Notas
1. Para mais informações sobre o Princípio Antrópico, ver o Faraday Paper 3: “O Princípio antrópico e o
debate de ciência e religião”, por J. C. Polkinghorne.
2. Ver Polkinghorne, J. C., “The God of hope and the end of the world”, London: SPCK/New Haven: Yale
University Press, 2002.
Referências Bibliográficas
Alexander, D.R., “Rebuilding Matrix ; science and faith in the 21st century”, Oxford: Lion, 2001.
Barbour, I.G., “Quando a ciência encontra a religião”, São Paulo: Cultrix, 2004.
Polkinghorne, J.C., “Science and theology”, London: SPCK, 1998.
Polkinghorne, J.C., “Beyond science; the wider human context”, Cambridge: CUP, 1996.

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Dr. John Polkinghorne trabalhou com física teórica de partículas elementares por 25 anos; foi professor
de física matemática na Universidade de Cambridge e presidente do “Queens’ College”, em Cambridge. É
membro da “Royal Society”, foi o presidente fundador da “International Society for Science and Religion”
(2002-2004) e é autor de vários livros sobre ciência e religião.

* Esse artigo é parte da série “Faraday Papers”, publicada pelo Instituto Faraday para Ciência e Religião,
uma organização sem fins lucrativos para educação e pesquisa localizada em Cambridge, Reino Unido.
Uma lista desses artigos está disponível em www.faraday-institute.org. Traduzido por Guilherme de
Carvalho: http://www.ultimato.com.br/

SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2009


INTRODUÇÃO AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
INTRODUÇÃO AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Trabalho: Diferenciar Ciências da Religião e Teologia sob o prisma da Teologia Reformada.

INTRODUÇÃO:

1.0. DEFININDO CIÊNCIAS DA RELIGIÃO


O homem desde os seus primórdios efetiva rituais para manter uma comunicação com o que ele chama
de "sagrado". É no sentido de compreender esta "comunicação", os fenômenos que a religião introduz no
seio da sociedade e a relação homem x sagrado que ciências e filosofias como a sociologia, antropologia,
psicologia, teologia e outras utilizam de seus cabedais teóricos para cientificamente os analisarem.

Ciência da Religião é a área de investigação sistemática que tem como base uma estrutura multidisciplinar
formada a partir do enfoque ao fenômeno religioso, em aspectos gerais, por várias Ciências, como: a
Antropologia, a Filosofia, a História, a Psicologia, a Fenomenologia da Religião, a Sociologia e a Teologia,
entre outras.

Ciência da Religião é a disciplina empírica que investiga sistematicamente religião em todas as suas
manifestações. Um elemento chave é o compromisso de seus representantes com o ideal da neutralidade
frente aos objetos de estudo. Não se questiona a “verdade” ou a “qualidade” de uma religião. Do ponto
de vista metodológico, religiões são “sistemas de sentido formalmente idênticos”. É especificamente este
princípio metateórico que distingue a Ciência da Religião da Teologia. Desta forma, as ciências da religião
são na verdade um conjunto formado por várias outras com o intuito de estudarem a religião e suas
consequências na mentalidade humana.

Quanto à ciência da religião é ela um tipo de estudo em que se absorvem vários métodos das ciências que
estudam a religião aglutinando-as num único trabalho.

2.0. OBJETIVO DAS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

O objetivo da Ciência da Religião é fazer um inventário, o mais abrangente possível, de fatos reais do
mundo religioso, um entendimento histórico do surgimento e desenvolvimento de religiões particulares,
uma identificação e seus contatos mútuos, e a investigação de suas inter-relações com outras áreas da

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vida. A partir de um estudo de fenômenos religiosos concretos, o material é exposto a uma análise
comparada. Isso leva a um entendimento das semelhanças e diferenças de religiões singulares a respeito
de suas formas, conteúdos e práticas. O reconhecimento de traços comuns do cientista da religião,
permite uma dedução de elementos que caracterizam religião em geral, ou seja, como um fenômeno
antropológico universal.

A Ciência da Religião tem uma estrutura multidisciplinar. Trata-se de um campo de intersecção de várias
subciências e ciências auxiliares. A História da Religião, a Sociologia da Religião e a Psicologia da Religião
são as mais referidas.

3.0. CIÊNCIA DA RELIGIÃO, CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES?

Ao escrever o artigo “Ciências da Religião: de que mesmo estamos falando? ” Para a revista de Ciências
da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o professor Antônio Gouvêa Mendonça explica esta
diferença afirmando que Independentemente do nome que se dê a essa área de conhecimento, seja
Ciência da Religião, Ciência das Religiões ou Ciências da Religião, o primeiro problema que se coloca é
este: qual é seu objeto? O que se estuda mesmo sob esse ou aquele título?

No Brasil, o problema se torna mais agudo por causa da pressão cultural da Teologia, essa entendida,
antes, como formadora profissionalizante de agentes religiosos e, depois, como ciência normativa. Sendo
assim, e por não se discutir o objeto, uma área de estudos que não forme profissionais e nem ao menos
produza e reproduza normas de conduta, é desnecessária e mesmo perigosa, porque, eliminadas tanto
uma coisa como outra, abre as portas para a reflexão e, consequentemente, para a crítica.

Em uma entrevista à Revista de Estudos da Religião diz Edênio Valle da PUC de São Paulo, se digo “ciência”,
afirmo que realmente as ciências têm um aparato teórico, metodológico e uma epistemologia comum
[...]. Então, é voluntarista falar em “ciência”. Agora, minha dúvida vem mais da palavra “religião”, porque
na realidade há um mosaico de religiões e, com a modernidade, com a crise da modernidade, aumenta o
número de religiões, tanto que cada indivíduo, cada grupo está criando sua religião – fica difícil falar em
“religião”. Mas, ao mesmo tempo, num olhar mais filosófico e teológico, também é possível falar na coisa
fundante mais ou menos comum. Por isso, penso que ainda é melhor manter “Ciências da Religião”.
Agora, o estudo científico não se faz sobre religião, esse é um universal abstrato, se faz sobre religiões.
Então, há razão para falar em Ciências das Religiões.

4.0. O OBJETO DE ESTUDO DAS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO E DA TEOLOGIA.

Não tratam as Ciências da Religião e a Teologia do mesmo objeto, que é Deus? A resposta é não. Essa é a
grande questão, causadora de mal-entendidos, receios e resistências. Tenta esclarecer esse ponto
essencial O professor Antônio Gouvêa, ainda que não vá aqui a pretensão de dar um ponto final à questão.
Apesar da longa tradição de estudos de religião que a Europa possui, ainda hoje lá se discute a relação
entre Teologia e Ciências da Religião, às vezes ainda com paixão.

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O objeto da Teologia e das Ciências da Religião não é o mesmo. O objeto da Teologia é, portanto, Deus. A
Teologia é uma ciência de Deus. A tradição que nos veio trouxe consigo uma Teologia metafísica e, por
consequência, dedutiva a partir dos grandes princípios da revelação escrita e mesma da natureza, embora
às vezes esta seja considerada uma revelação secundária. Em resumo, a Teologia, seja ela dedutiva
(metafísica) ou indutiva (empírica), é uma ciência de Deus. Seu objeto é Deus. O conceito de ciência
aplicado à Teologia não é consensual, ao menos no sentido comum de ciência.

Qual é o objeto das Ciências da Religião? As Ciências da Religião estudam não Deus, mas suas formas de
expressão, em resumo, nas pessoas e na cultura. Nesse ponto, Ciências da Religião se distinguem da
Teologia, porque não cogitam de questões a respeito de Deus, como sua existência e natureza. Estudam
efeitos e não causa.

Até a época moderna, a teologia apresentava-se como a única autoridade e fonte de normatividade em
assuntos de religião. Essa pretensão foi colocada em xeque, primeiro pela filosofia iluminista, depois pelas
ciências sociais, que recorreram ao famoso “princípio de exclusão da transcendência”, ou princípio de
ateísmo metodológico. Contudo, para que a teologia seja assumida como um dos campos de
conhecimento das ciências da religião, ela deve repensar o seu lado normativo. Fica claro que ela não
pode mais instrumentalizar estudos de religião para “provar” a superioridade da fé cristã, e que ela deve
renunciar a justificar e tornar plausível, racionalmente, uma revelação religiosa, a fortiori uma igreja como
mediadora necessária da salvação. Uma das suas tarefas é a crítica dos sistemas interpretativos da religião
– os sistemas teológicos -, enquanto hermenêutica da sua dimensão radical de sentido. Isso significa que
o horizonte do trabalho teológico não é a Igreja como espaço próprio, mas o mundo de todos. O seu
objeto é a realidade antropológica e social de todos. Os seus métodos de aproximação do objeto
participam de uma racionalidade e desenvolvem uma argumentação de pertinência pública (voltadas para
a opinião pública em geral e a comunidade acadêmica em particular), em interação com outras
abordagens do mesmo objeto, como as ciências empírico-hermenêuticas e a filosofia da religião. O seu
trabalho, centrado na significação social e cultural da religião, inscreve-se, em toda a sua extensão, na
ordem ampla do humano e de suas produções socioculturais, as quais deverão sempre ser apreendidas
em função de genealogias históricas.

O objeto da teologia como ciência hermenêutica só pode ser a religião no sentido amplo da palavra, que
inclui sempre como pressuposto (ou pré-compreensão) uma posição de fé indispensável para a
compreensão do que é “dado”. A teologia encontra o seu ponto de partida, não nos dogmas oficiais e
tampouco num modelo teológico normativo confessional, mas na experiência humana concreta,
postulando a presença de uma dimensão religiosa em toda experiência autêntica. Apresenta-se como
uma hermenêutica da dimensão radical de sentido ou da dimensão religiosa das culturas (incluindo a
esfera especificamente religiosa das mesmas). Ela não investiga o fenômeno religioso a partir de fora, mas
desenvolve um esforço de auto compreensão no interior da vida de fé. Enquanto visa uma compreensão
sistematizante capaz de aprofundar-se a partir de recursos metodológicos próprios, merece ser
considerada como “ciência”. Com Paul Tillich e Juan Luis Segundo, entendemos a “fé” como estrutura e

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dimensão antropológica parcialmente acessível a uma intuição e uma sistematização “racionais”. Ela
inclui uma dimensão pré-racional, do ponto de vista da racionalidade empírico-formal, mas não pode ser
de modo algum qualificada de “irracional”. Mesmo subsistindo um elemento irredutível à análise, este
não deixa de ser accessível a uma certa forma de intuição. A experiência religiosa pode ser racionalmente
elaborada com o auxílio da fenomenologia, da filosofia e das ciências humanas; atravessando
sucessivamente uma série de níveis de análise, até identificar o “componente essencial e irredutível da fé
religiosa”, que ainda pode ser reconhecido pela razão como transcendendo – sem negá-lo – seu próprio
domínio (é o método adotado por Kant na “Religião dentro dos limites da simples razão”). A razão mostra-
se capaz, com seus próprios recursos, da intuição de um “além da razão” que parte dela e a ultrapassa
sem contradizê-la. Podemos discernir esse momento de autotranscendência da razão, como momento
que pode ser chamado de ultra racional ou transacional, não de irracional.

Aliás, o reconhecimento da autotranscendência da razão não prejudica de modo algum a possibilidade e


obrigação para a teologia de submeter os momentos ou níveis preliminares, que constituem o entorno
da dimensão irredutível da experiência religiosa, à crítica racional que lhes corresponde. Pertenceria a
essa crítica – num certo sentido, “normativa” – a denúncia das perversões desumanas do religioso, de sua
ambivalência congênita, das manipulações ideológicas e das legitimações sacralizantes de poderes
opressores e de comportamentos antiéticos que ele autoriza ou até incentiva. A teologia cumprirá essa
tarefa, muitas vezes já assumida pela filosofia e pelas ciências sociais críticas, a seu modo e na sua
linguagem própria. Os juízos de valor emitidos sobre o religioso concreto deverão partir da experiência
humana concreta e das valorações que derivam dessa experiência, como os princípios éticos.

5.0. REVOLUÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Max Weber atribuiu consequências históricas
mundiais a esta reviravolta nos conhecimentos. Inaugurando um dos maiores debates intelectuais das
Ciências Sociais, afirmou que o capitalismo industrial moderno não poderia ter surgido sem o ascetismo
espiritual, que contribuiu para formação da personalidade da classe média empresarial. Nessas camadas
o trabalho vocacional sistemático foi religiosamente consagrado — o sucesso no trabalho era interpretado
como indicação de que o indivíduo passara a fazer parte daqueles predestinados pela determinação
inescrutável de um Deus misterioso. Desta forma, os temores religiosos, pela própria salvação foram
mobilizados para autodisciplina consciente do homem profissional. Este se propõe a dirigir o mundo que
ele ao mesmo tempo rejeita, com o objetivo de cooperar na criação do Reino que há de vir.

O esquema de Weber para o surgimento do capitalismo entre a burguesia racional pode ser assim
resumindo em detalhes:

As doutrinas religiosas de Lutero, e principalmente as de Calvino, definiram, sob outra forma, a relação
do cristão com seu trabalho diário. Tanto na língua inglesa, como na alemã — e nestas somente nas
traduções protestantes da Bíblia — o termo chamado Calling, ou Beruf refere-se tanto na à ocupação
profissional, como ao destino religioso. Segundo a doutrina calvinista da predestinação, cada homem será

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salvo ou condenado pelo julgamento inescrutável de um senhor inflexível. Esta doutrina lança grandes
ansiedades sobre o crente piedoso, que teme estar entre os condenados. E o que é mais grave, essas
ansiedades não serão mitigadas pelo isolamento de uma vida monástica, nem por uma conduta religiosa
exemplar, como a dos santos medievais. Estas vias foram bloqueadas pela teoria de que Deus colocou o
homem no mundo de sua criação, junto a doutrina de que o Senhor já escolheu ou condenou todos os
homens. Portanto, as obras piedosas, como donativos a igrejas, orações frequentes e peregrinações,
tornaram-se tentativas sem sentido e inúteis para modificar a vontade impenetrável de Deus. Existe, de
fato, somente um caminho para se obter os sinais do estado de graça, como um presságio da eleição
divina: a adesão metódica ao código de conduta agradável a Deus seja qual for a condição em que se
encontra o fiel.

Weber denominou este código de conduta, na forma em que surgiu historicamente através de seitas
puritanas, de espiritual ou ascetismo temporal, isto é, a renúncia ao gozo dos prazeres mundanos dentro
do próprio mundo. O puritano procura realizar uma vida quase monástica sem, no entanto, tornar-se um
monge, proclamando as normas desse ascetismo para, assim, conquistar o mundo, em lugar de abandoná-
lo. A realização deste intento requer uma auto-observação metódica e sistemática, e uma disciplina
constante. A repressão dos impulsos da desobediência ao código religioso servia aos puritanos piedosos
como uma indicação de sua condição de eleito aos olhos de Deus. No entanto, o código religioso, negando
indulgência com relação às alegrias proporcionadas por festas e bailes, pela satisfação sexual e até pelo
sono (o ideal de um longo dia de trabalho) deixava aos puritanos a concentração no trabalho como sua
melhor técnica ascética. O homem piedoso deve renovar sempre seus esforços, pois não existe para ele
qualquer garantia ou segurança de seu destino. Em face de uma possível condenação, quaisquer esforços
e tribulações neste vale de lágrimas serão menos pesados. Deste modo, a culpa estimula-o a intensificar
o seu trabalho: o homem profissional é, então, aquele que agrada a Deus.

A ética religiosa do puritano o impede de investir os frutos de seu trabalho no consumo de ostentações,
como cavalos e carruagens, mansões e propriedades feudais; mas por outro lado, ele acredita que aquele
que não trabalha, também não deve comer. Por esta razão, despreza a prática de esmolas aos pobres,
vagabundos e similares defendida pelo Catolicismo. As entidades filantrópicas dos puritanos em favor dos
órfãos, mendigos vagabundos e dos velhos, consistem em instituições que abrigam essas pessoas, de
forma organizada. Existe apenas um meio pelo qual o puritano pode usar a sua riqueza acumulada: investi-
la e reinvesti-la em empresas produtivas, pois isto permite a extensão das oportunidades de salvação a
muitos outros pobres. O negociante puritano salva, desta forma as almas dos pobres, usando-os como
sua mão de obras e eles, por sua vez, adquirem uma nova disciplina de trabalho, tornando-se confrades
de seu empregador. Com vistas a salvação, eles renunciam a inúmeras festividades alegres,
representações de peças teatrais, em dia que eram feriados para os trabalhadores católicos da Idade
Média. Deste modo, o puritano torna-se um trabalhador incansável, assegurando seu estado de
predestinado e, como um homem santificado, conquistando o respeito de seus companheiros de crença,
quanto mais se expandem os seus negócios.

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A análise de Weber revela o impacto que um credo exerce sobre a formação de um tipo de caráter. A
insegurança motivada pela religião, suas fugas, também determinadas por ela, estabelecem recompensas
para atitudes e traços psíquicos específicos, como a poupança, o trabalho árduo, o controle de conversas
ociosas, a humildade, o contínuo autocontrole a objetividade. Esta estrutura de caráter, por sua vez,
torna-se economicamente importante pelo fato de garantir as vantagens da competição sobre os agentes
econômicos tradicionais e menos frugais.

6.0. DIFERENÇA ENTRE OS TEÓLOGOS DOS CIENTISTAS DA RELIGIÃO

Os teólogos são especialistas religiosos. Os cientistas da religião são especialistas em religião. Essa
diferença diz respeito a pontos essenciais:

6.1. Enquanto os teólogos investigam a religião à qual pertencem, os cientistas da religião geralmente se
ocupam de outra que não a sua própria. A tarefa do teólogo é proteger e enriquecer sua tradição religiosa.
É sua religião que está no centro do seu interesse. A sede de saber teológico diminui à medida que se
afasta desse centro. Os teólogos alemães, por exemplo, concentram-se na religião majoritária dos seus
conterrâneos. Apenas poucos pesquisadores ocupam-se das religiões dos letões, escoceses ou sicilianos.
Cristãos em Maláui, Luzon’ ou nas Ilhas Cook talvez sejam do interesse de uma ou outra academia alemã
onde são formados missionários.

Os cientistas da religião não prestam um serviço institucional como os teólogos. Não são comandados por
nenhum bispo, nem obrigados a dar satisfação a nenhuma instância superior. São autônomos quanto ao
seu trabalho. Geralmente, seu campo de pesquisa está no exterior, longe da sua pátria, e não atinge
interesses dos amigos ou da própria família. Todavia, os cientistas da religião também têm seus focos
temáticos — portanto, quanto mais um assunto deles se afasta, menos acentuado é seu interesse
acadêmico. Especialistas alemães em hinduísmo se voltam para a Índia. Poucos vão além e estudam a
diáspora dos hindus na África do Sul, nas Ilhas Fiji ou em outras partes do mundo. Temas ainda mais
periféricos nesse universo, como, por exemplo, os hindus não indianos na Ilha de Bali, são abordados por
cientistas especificamente interessados por essa região, e não pela Índia.

6.2. Os cientistas da religião optam pela pesquisa de uma determinada religião. Pode ser qualquer uma
— potencialmente, a escolha é ilimitada em termos históricos, geográficos ou tipológicos. Há apenas um
critério que reduz o espectro dos seus possíveis objetos de estudo: a própria incompetência. Quem não
compreende a língua dos adeptos de uma religião, não suporta o clima da região onde ela se encontra ou
pensa que a fé em questão não tem valor deveria optar pela pesquisa de um outro objeto. Os teólogos
não têm essa liberdade, uma vez que apenas se ocupam de uma religião alheia quando existe a
necessidade de urna comparação com a sua própria. Todavia, quando isso acontece, são obrigados a
estudá-la. Especialistas no Antigo ou Novo Testamento precisam explicar textos bíblicos em que outras
religiões são mencionadas. Historiadores da Igreja devem explicar eventos em que também religiões não
cristãs tomaram parte. Teólogos sistemáticos e práticos têm de explicar conteúdos não cristãos quando

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há seguidores de outras religiões vivendo entre eles, quando um elemento religioso alienígena está na
moda ou, então, quando representantes de outra fé catequizam cristãos com sucesso.

6.3. Quando os teólogos estudam uma religião alheia, partem da própria fé. Ao investigarem como os
outros concebem seu deus, crença ou pecado, tomam a própria religião como referência. De acordo com
seus critérios, avaliam os demais sistemas como “mais próximos” ou “mais distantes” de sua própria
religião, ou, até mesmo, enquadram-nos em julgamentos que determinam categorias do tipo “o objeto
traz algumas características religiosas” ou “apenas magia”. Todavia, se algo é natural e indubitavelmente
visto como semelhante, criam facilmente pontes entre a própria religião e a outra. Procedimentos desse
tipo geralmente não possibilitam um encontro com o outro, ou seja, não chegam a um verdadeiro
conhecimento de outra fé. Em outras palavras: são estritos demais para aprofundar a relação com o
objeto de estudo.

Não é oportuno para os cientistas da religião avaliar outra fé com base na própria. Eles têm a liberdade
de pesquisar uma crença alheia sem preconceitos. A questão é apenas saber o quanto dessa liberdade
eles suportam. É mais fácil descobrir algo quando se sabe com antecedência o que procurar; por conta
disso, há cientistas da religião que têm por costume apropriar-se de critérios já estabelecidos para
classificar elementos ou universos como “animismo”, “magia” ou “politeísmo”. Isso significa que não
apenas preconceitos religiosos, mas também atitudes intelectuais podem distorcer a compreensão de
fenômenos pesquisados no âmbito da Ciência da Religião.

6.4. Os fiéis de uma determinada crença é que vão informar se entendemos adequadamente uma fé
alheia. Consultar adeptos de uma religião pesquisada é um teste de segurança que permite diferenciar
descrições válidas e não válidas do ponto de vista da história da religião. Os teólogos têm meios próprios
para distinguir o que é “verdadeiro” e o que é “falso” na área da religião. Para eles, a própria fé — e não
a de outras pessoas — é a norma decisiva, uma vez que apenas ela é considerada verdadeira em oposição
às outras, que são avaliadas como falsas.

7.0. CALVINISMO INTEGRAL: UMA VISÃO COMPLETA DA VIDA E DO MUNDO

Para o pensador calvinista, tudo na vida é religião. O calvinismo é uma biocosmovisão completa que
envolve todos os aspectos da vida e todas as áreas do conhecimento humano. O calvinista não pode se
satisfazer apenas com uma teologia reformada; ele busca uma filosofia igualmente reformada, uma
ciência, uma arte, uma cultura, uma política reformada. Todas as áreas da ciência podem e devem ser
exploradas a partir de pressupostos cristãos reformados, através da examinação pressuposicional (dos
fundamentos teóricos) e estrutural segundo o motivo bíblico elementar da criação-queda redenção (18)
(da sua ordem criada, das disfunções resultantes do pecado, e da restauração pós-lapsariana em Cristo).
(19) Como dizia Van Til: “Não há um centímetro quadrado da vida da qual Cristo não diga ‘é meu’” (20)
(Mt 28.18). Deus é absolutamente soberano sobre toda a criação bem como sobre todos os aspectos da
realidade e todas as esferas da vida humana. A soberania absoluta de Deus (SI 139; Is 46.9-10; Ef 1.3-14)
é o conceito central e fundamental do pensamento reformado.

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O conceito de religião representa, na filosofia calvinista, não a noção popular de religiosidade, mas sim o
verdadeiro sentido da palavra, isto é, a religação do indivíduo com o seu Criador. Ora, só há um caminho
para a redenção e a reconciliação com Deus: a fé em Jesus Cristo. Para o pensador reformado, portanto,
a religiosidade é uma função do ser humano, e todos os seres humanos são essencialmente religiosos,
uma vez que todos os homens se posicionam em submissão ou em rebeldia contra Deus, respondendo
positiva ou negativamente à salvação em Cristo oferecida pela graça divina, segundo a soberania do
próprio Deus. O pensamento humano é controlado e guiado por princípios fundamentais que refletem
uma atitude religiosa básica. Esta é, na verdade, uma noção básica da teologia do pacto: nós somos
criaturas religiosas. Nós fomos criados para conhecer a Deus e ter comunhão com ele. Nós temos que
depender de Deus. Quando não o fazemos, não é que deixamos de ser religiosos, mas sim que desviamos
nossa fé em direção de algum Outro objeto, e tornamo-nos idólatras, infiéis para com Deus, adorando a
criatura em lugar do Criador (Rm 1.25). O “coração” humano se dirige a Deus ou se afasta dele em rebeldia
(Rm 3.10; 8.7-8; Ef 2.3). Ele é o centro da existência humana e do relacionamento com Deus. Do coração
do homem procedem as fontes da vida (Pv 4.23), isto é, tudo na vida depende e é também resultado deste
posicionamento religioso do coração em submissão ou em rebeldia contra Deus.

BIBLIOGRAFIA:

GOUVÊA, Ricardo Quadros. “Calvinistas Também Pensam: Uma Introdução à Filosofia Reformada”. Fides
reformata (Revista do Seminário José Manoel da Conceição). Volume 1. 1996. pp. 48 a 59.

MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Ciências da Religião: de que mesmo estamos falando? Revista Ciências da
Religião: História e Sociedade (Universidade Presbiteriana Mackenzie) – Ano 2. Nº 02. 2004, pp. 17 a 34.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006.

GRESHAT, Hans-Junger. O Que é Ciência da Religião? São Paulo: Paulinas, 1998.

- Acessado no dia 26/11/08


-Acessado no dia 23/11.08
- Acessado no dia 23/11/08

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