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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DISCIPLINA: TEORIAS DO BRASIL I

A Questão do Federalismo no debate entre Americanistas e Iberistas

Wellington Ferreira Gomes1

Este trabalho tem por objetivo verificar a questão do federalismo no Brasil, no


período do século XIX até os anos de 1930, por meio da análise do pensamento
político brasileiro de americanistas e iberistas. Para isso, este autor se valeu da
bibliografia referida do curso de Teorias do Brasil I, do professor Eduardo Raposo,
bem como de outras obras sobre o tema.

Durante todo o Império brasileiro e na Primeira República, o Brasil foi arena


de uma discussão política sobre o federalismo. Por intermédio dessas discussões,
observa-se uma tradição conservadora do pensamento político brasileiro com
reflexos até nos dias atuais. Observa-se, também, que o federalismo fez parte de
um programa de governo dos chamados americanistas ou liberais e na
contrapartida destes encontra-se os iberistas, ambos com posições antagônicas,
mas alguns pontos em comum, conforme afirma Werneck Vianna(1991, p. 149) no
trecho a seguir:

Ibéricos e americanistas, com tudo que os opunha, tinham em comum o


reconhecimento de que o processo de Independência implicava construir
uma ordem que viesse a prevalecer sobre o localismo e as forças
centrífugas que animavam as novas nações depois de expulso o aparelho
estatal do colonizador.

A formação do federalismo no Brasil tem suas origens nas Constituintes de


Lisboa a qual os portugueses pretendiam, com isto, retornar o Brasil ao estilo de

1 Mestrando em Ciências Sociais.


administração que possuía quando o Brasil não passava de um conjunto de
capitanias no litoral, isto é, queriam não somente anular a elevação do Brasil a
reino como, também, desmoroná-lo fisicamente, dividindo em governos
autônomos(TORRES, 1961).

Mas o que vem a ser federalismo? Quais as possíveis consequências


geradas pelo federalismo para o Estado, no que diz respeito à defesa e a unidade
nacional? Antes de responder estes questionamentos, vamos voltar na gênese do
problema e que foi abordado por Oliveira Viana(2006) em sua obra “O Ocaso do
Império”.

Segundo este autor(2006), por mais de meio século - após o período


reacionário da Revolução Francesa seguida do Período Napoleônico -, os
parlamentos e as dinastias batalharam pelo domínio dos aparelhos do governo
político das sociedades. Os primeiros negavam aos segundos o direito exclusivo
ao poder soberano do governo, e contra eles alegavam o direito do “povo” como
centro da soberania nacional, para isso, elegiam parlamentares que, em nome
deste “povo”, elaboravam constituições as quais os príncipes deviam
obedecer(VIANA, 2006).

“Os partidários deste sistema chamavam-se ‘Constitucionalistas’, e a sua


filosofia política tomava o nome de ‘Constitucionalismo’”. O Constitucionalismo foi
uma reação contra o autocracismo do regime dos monarcas e tinha por paradigma
fundamental a soberania do povo, isto é, a democracia representativa(VIANA,
2006, p. 4).

Isto posto, foi por meio de constituintes como a Constituinte de Lisboa, a


Constituinte de 1823, Ato Adicional de 1834 e a Constituinte de 1890, todas
influenciadas por ideias do liberalismo norte-americano e do pensamento
rousseauniano, que contribuíram para a inserção do federalismo no Brasil.

Respondendo ao problema do que seja federalismo, recorre-se ao dicionário


Houaiss(2010, p. 355) como sendo um “sistema de governo em que estados
autônomos se reúnem para formar uma nação.” Outra definição mais próxima da
época em estudo pode ser verificada no dicionário de Candido de Figueiredo(1913,
p 873), como uma “Fórma de govêrno, que consiste na reunião de vários Estados
numa só nação, conservando elles autonomia, fóra dos negócios de interesse
commum.” E por fim, uma definição que pode ser verificado no trecho a seguir de
Simeon e Turgeon (2006 apud ROCHA, 2011, p. 325):

Etimologicamente, a palavra federalismo vem do latim faedus, que significa


contrato. Em sua dimensão histórica, o termo diz respeito a contratos
estabelecidos por unidades políticas para diversos fins. Especificamente, as
primeiras experiências federativas do mundo moderno tinham como objetivo
aumentar a capacidade de defesa militar e potencializar as condições de
concorrência econômica de determinadas sociedades políticas.(grifo nosso)

Observa-se nos dois primeiros conceitos que a concepção de federalismo


está relacionada com entidades políticas que abrem mão de suas autonomias para
se unirem por um determinado fim. Uma destas finalidades, descrita por Simeon e
Turgeon(2006), é a defesa militar contra agressões armadas de outras entidades
políticas.

O problema desses conceitos teóricos é que não se aplicam ao processo


histórico do Estado brasileiro, pois o Brasil com os seus estados da federação na
República e antes, durante o Império, como províncias, nunca tiveram separados,
na verdade o Brasil já estava unido graças ao esforço do Império brasileiro, assim
sendo, a federação se deu no país sem qualquer participação das províncias.

Sobre isso, Oliveira Torres(1961, p. 22) comenta:

... as nossas instituições devem ser interpretadas como se províncias antes


separadas houvessem adotado a forma de União dentro dos estilos
norte-americanos. É “como se fôra" assim. [...] Os Estados Unidos do Brasil
surgiram da união indissolúvel das antigas províncias. Que estivessem
previamente unidas ou separadas, era de resto secundário, se a concepção
grandiosa da Federação pressupunha, como base de raciocínio, que as
províncias estavam, anteriormente, separadas... Não importava o fato
histórico, mas a fórmula.

Segundo o americanista Tavares Bastos(1870) a descentralização implicava


limitar o poder do monarca ao seu legítimo papel, desarmando-o das hostilidades
à liberdade, para isso seria necessário emancipar as nações da tutela dos
governos. Ainda segundo Tavares Bastos, a descentralização não é somente uma
questão administrativa, mas o fundamento e a condição ideal de êxito de qualquer
reforma política.

Coser(2008) afirma que o argumento federalista era que a província


desempenha o papel à semelhança do que o indivíduo exerce sobre sua casa, isto
é, o indivíduo busca a felicidade e o bem-estar de sua casa e é, nesse sentido, que
a província deveria exercer o controle das atividades de seu interesse.

Nesse contexto, Tavares Bastos tem um entendimento que “é o poder quem


corrompe, quem impede o indivíduo de elevar à cidadania, como é ele quem,
através de suas ações, inibe a iniciativa e enfraquece o espírito público”(VIANNA,
1991, 157).

Segundo Tavares Bastos(1870) o homem tem que ter liberdade, haver um


sentimento de poder individual e de responsabilidade pessoal para, por meio de
seus próprios méritos e deméritos, realizar o progresso que tem destacado ao
longo de toda a História da Humanidade. Para isso, Tavares Bastos pensa que se
faz necessário que as províncias defendam seus direitos à autonomia a fim de que
o Brasil supere sua herança ibérica do atraso e se conduza à modernidade.

Isto posto, Tavares Bastos realiza duras críticas à política de centralização


dos iberistas e ao Império brasileiro em particular, conforme se observa no trecho
abaixo de sua obra “A Província”:

Considerai agora o lado propriamente politico dessa vasta questão, que mal
podemos esboçar. Dispensando, contendo ou repellindo a iniciativa
particular, annullando os varios fócos de actividade nacional, as associações,
os municipios, as provincias, economisando o progresso, regulando o ar e a
luz, em uma palavra, convertendo as sociedades modernas em
phalansterios como certas cidades do mundo pagão, a centralisação não
corrompe o caracter dos povos, transformando em rebanho as sociedades
humanas, sem sujeita-las desde logo a uma certa fórma de despotismo mais
ou menos diissimulado. Por isso é que, transplantada do império romano, a
centralisação cresceu com o absolutimo nas monarchias modernas e com
elle perpetuou-se em todas, tirante a Inglaterra. Por isso é que não póde
coexistir com a republica uma similhante organisação do poder. Assim,
absolutismo, centralisação, imperio, são, neste sentido, expressões
synonimas.(BASTOS, 1870, p. 8)

A proposta de federalismo do americanista Tavares Bastos tem como


referência o liberalismo dos EUA e sua consequente prosperidade e liberdade do
indivíduo, contudo a sua proposta de doutrina liberal, face ao estado de anarquia
pós-abdicação de dom Pedro I, em 1831, não busca simplesmente a
descentralização, mas sim estabelecer uma “ponte que liga as duas margens
oppostas, centralisação monarchica e autonomia federativa!”(BASTOS, 1870, p.
198).
Nesse sentido, Vianna(1991, p. 158) comenta que “Se o americanismo
dependia de uma reforma política, esta não deveria proceder de baixo, pela via da
sociedade civil e dos seus movimentos sociais e políticos”, mas sim das elites,
cedendo o espaço do social para o político-institucional. Vianna(1991, p. 158)
aponta, ainda, que para Tavares Bastos há clara recusa à uma solução sociológica
em favor de uma solução política quando afirma que “para ele, [Tavares Bastos] o
problema da ordem encontrou uma solução sob a forma monárquica, cabendo
apenas reformá-la.”

Richard Morse afirma que as disparidades entre o liberalismo político e o


liberalismo econômico levaram os “liberais doutrinários” a se ampararem nas
reformas legalistas, na convicção de que boas leis produzem, por consequência,
boas instituições elevando, assim, a qualidade moral do sistema. Morse afirma
ainda, que quando ocorreu a ineficácia do “liberalismo doutrinário” evidenciou-se
diversas formas de autoritarismo para substituí-lo, das quais uma pelo menos foi
adotada no Brasil, a qual o autor denominou de “autoritarismo instrumental”, ou no
dizer de Werneck Vianna, iberismo instrumental, sendo que, para Morse, um dos
seus primeiros porta-vozes foi Oliveira Viana (MORSE, 1988, p. 91-92).

O iberista e conservador Oliveira Viana está na contrapartida de Tavares


Bastos, onde faz pesada oposição aos americanistas, sobretudo suas reformas
políticas que usam técnicas liberais - métodos de facultar ao povo de forma
espontânea e de livre iniciativa dos indivíduos -, reformas estas consideradas por
ele como “tentativas constitucionais de anglicanização ou de americanização da
nossa vida política”. Segundo Oliveira Viana, as inovações ditas liberais não
obtiveram ao longo de toda a nossa história nenhum êxito real, seja “o
self-government 2 regional, a autonomia das províncias ou dos Estados, na
generalidade dos casos falhou”(VIANA, 1999, p. 442).

Vianna(1991) comenta que Oliveira Viana escolheu um caminho em


oposição aos dos liberais ibero-americanos, cuja abordagem do estudo da
singularidade brasileira perpassa pelas raízes das relações sociais aqui
estabelecidas desde o nosso processo de colonização, tradicionalmente as do
mundo agrário.

2 Auto governo em tradução direta.


Nesse contexto, Oliveira Viana cita, como exemplo, um caso específico de
uma lei sobre a sindicalização das populações rurais que, para ele, era uma
tentativa de levar as classes rurais a uma experiência de solidariedade profissional
nunca antes experimentada na sua história. Sobre isso, Oliveira Viana afirma que:

[...] para ser cumprida e realizada - esta lei exigia dos trabalhadores rurais e
dos patrões (fazendeiros) uma modalidade nova de comportamento,
estranha inteiramente às suas tradições seculares e mesmo à sua formação
cultural, que é, como vimos, nitidamente individualista.
Embora estabelecendo ou exigindo uma atitude solidarista para estas
classes, não estabelecia esta lei, porém, nenhuma obrigação de
solidariedade para eles: - era, como se diz, uma lei liberal. Quer dizer: - às
nossas classes rurais é que incumbia mudarem, espontaneamente, de
conduta, abandonando a sua velha tradição de isolamento, de particularismo
e de insolidariedade social - e encaminhando-se para a aquisição de novos
hábitos, que a política da dita lei tinha em mente criar na massa rural.
Hábitos estes que não eram, entretanto, de modo algum nossos; hábitos de
solidariedade, que são de povos estranhos, de povos de outra formação
social que não a nossa; povos em cujas tradições o associacionismo o
cooperativismo, a solidariedade local, como vimos, é dominante e está nos
costumes; - e isto por mil e uma causas que não tiveram atuação entre nós.

Segundo Oliveira Viana(1999), ao exemplificar a questão da sindicalização


das classes rurais, ele resumiu o fato na seguinte premissa: qualquer tentativa de
impor, de cima para baixo, uma reforma, seja ela social ou política, não terá
nenhuma possibilidade de vingar e realizar-se na prática se não houver uma base
nas tradições do povo brasileiro, ou que for nitidamente contrária aos costumes
coletivos e dos hábitos individuais do nosso povo.

Para Oliveira Viana(1999), no Brasil há pouco discernimento das diferenças


entre a descentralização política e a descentralização administrativa, e comenta
que sempre se tem cometido o erro de colocar o problema político acima do
problema administrativo, procurando a solução deste na Federação. Oliveira Viana
até cita o caso de Rui Barbosa quando este “apelidou os nossos excessos
superfederalistas de ‘travessuras de símios’; mas, não soube reagir contra a
tendência descentralizadora: - e consagrou, na Constituição de 1891, a
descentralização política, levando-a até a estadualização da justiça e da
política”(VIANA, 1999, p. 477).

A Federação, para o Brasil, é a forma política menos aconselhável de


descentralização, isto em face de nossa extensão territorial, da disseminação e
dispersão demográfica de nosso povo, pela peculiaridade da colonização ibérica,
pela estruturação dos partidos políticos. “A descentralização política terá que
resultar fatalmente em mandonismo em coronelismo, em regulismo, em
satrapismo, em dissocianismo, em separatismo”. (VIANA, 1999, p. 477) E é
justamente sobre a questão do separatismo, que iremos nos ater ao segundo
questionamento, ou seja, quais as possíveis consequências geradas pelo
federalismo quanto à defesa nacional e a unidade nacional para um Estado como
o Brasil?

A fim de responder esse questionamento vamos, inicialmente, tratar da


conjuntura política no Brasil do Segundo Reinado, logo após a abdicação do
Imperador dom Pedro I, em 1831. A partir da década de 1830 até a década de
1840, o Brasil fora palco de várias revoltas e de graves conflitos armados, inclusive
na capital federal(COSER, 2008).

Segundo Coser(2008), foi desta conjuntura que então surge uma série de
propostas de parlamentares liberais, de cunho federalista, tais como: criação da
Guarda Nacional, aos moldes das milícias norte-americanas; mudanças na
constituição, aprovadas pelo Ato Adicional de 1834, onde prioriza os interesses
das províncias; assim como a promulgação do Código do Processo Criminal(1832),
que reorganiza o sistema judiciário do país. Estas legislações dão ao todo mais
autonomia político-administrativa às províncias e municípios para fazerem frente,
segundo o pensamento federalista, aos problemas locais.

A visão dos federalistas, assim como de Tavares Bastos, se posicionam a


favor da unidade nacional, e ele vê no federalismo como um sistema político que
proporciona menos oportunidade da ocorrência de anarquia entre as províncias do
que a centralização propriamente, segundo a qual esta “extingue o sentimento da
responsabilidade nos indivíduos, e esmaga o poder sob a carga de uma
responsabilidade universal”(BASTOS, 1870, p. 37).

Nesse contexto, Tavares Bastos estava se referindo da responsabilidade de


cada cidadão livre na defesa dos interesses da União, tais como a guerra ou a
rebelião. Nesse sentido, Tavares Bastos novamente cita o exemplo dos EUA com
o emprego das milícias dos estados, que atuam como reservas nacionais do
exército - à semelhança das guardas nacionais3 no Brasil, criadas a partir de 1831
-, cuja organização, direção, disciplina e escolha dos postos hierárquicos são de
inteira jurisdição dos estados da federação, cabendo apenas ao congresso fixar os
efetivos e arregimentá-las em corpos militares sob o mando do exército(BASTOS,
1870).

Ivo Coser (2008) complementa esse pensamento federalista ao comentar que


na medida em que não existe mais um poder central comum capaz de impor, de
forma homogênea, uma política para todo o Império, os federalistas formulam a
ideia de que a partir dos interesses provinciais se brotará a unidade nacional.

Na contrapartida dos americanistas, os iberistas têm o entendimento de que


todo o poder unifica e emprega os meios de centralização como processo para
consegui-lo. Para eles, a simples presença de uma autoridade sobre uma
determinada localidade conduz à formação de estruturas legais e reais de governo,
de modo a impor o exercício da autoridade soberana(TORRES, 1961).

Segue nesse alinhamento outros dois conservadores: Oliveira Viana(2005, p.


290), quando diz que os grandes construtores políticos da nação brasileira, que
são os verdadeiros fundadores do poder civil, procuram como objetivo da sua
política “consolidar e organizar a nação por meio do fortalecimento sistemático da
autoridade nacional”; e Alberto Torres(1938, p. 96) quando comenta que a
“Condição das mais importantes da unidade do país e da continuidade de sua
política é o funcionamento prático do mecanismo das instituições.”

Nesse contexto, Oliveira Viana(2005, 279) comenta que no período de nossa


colonização houve um “combate tenaz e vigoroso, de luta árdua e brilhante, entre
a caudilhagem territorial e o poder público”, este último representado pela
metrópole, finalizando somente em fins do século XVIII, que o autor denomina de
III século, onde vem a se concretizar a supremacia do poder central. “Mas, para
isso, que energia, que tática, que continuidade de ação não lhe é preciso e que
cópia enormíssima de embaraços não teve ele que afrontar!”

Oliveira Viana(2005) afirma que o governo central estabeleceu planos de


redução de caudilhagem visando aproximar os caudilhos à autoridade pública e

Lei de 18 de agosto de 1831, que cria as guardas nacionais e extingue os corpos de milícias, guardas municipais e
ordenanças.
centralizar num poder supremo todos os órgãos do governo da colônia, conforme
se verifica no seu relato a seguir:

Essa obra de submissão prossegue até o fim do III século. No governo do


Conde de Valadares, por exemplo, a caudilhagem é rudemente batida, e
desde então toda a Capitania entra numa fase de legalidade, disciplina e
ordem. No século IV, esses caudilhos, que vimos tão violentos e rebeldes,
estão já pacificados, já reverenciam a autoridade, é já profunda a sua
veneração pela Casa de Bragança; grande é o reconhecimento deles pelo
Rei e seus delegados. Quando ali esteve em 1822, Saint-Hilaire constata
que “todos falam da Casa de Bragança sempre com o maior respeito e
mostram o maior desejo de continuar unidos ao Rio de Janeiro”(VIANA,
2005, p. 282)

Entretanto, o iberista relata que foi a partir da promulgação do Código do


Processo, em 1832, que o regime de centralização policial, tão eficiente na
repressão dos caudilhos rurais no século anterior, se altera. Este novo Código do
Processo estabeleceu um sistema de descentralização ampliada, ao modelo
americano, enfraquecendo profundamente o poder central, cuja solidez tinha sido
construído no século XVIII. Oliveira Viana comenta, ainda, que esta legislação
gerou um recuo na política nacional de volta à fase anárquica, fazendo que o velho
caudilhismo local reviva com grande energia, conforme se observa no trecho a
seguir de Oliveira Viana( 2005, p 286-287).

Os órgãos principais do poder local voltam de novo às mãos dos oligarcas


territoriais. Sufocados até então pela rija disciplina do III século, esses
potentados, assim libertos pela descentralização, entram novamente a agitar
as aldeias e a perturbar profundamente a ordem legal em todo o País.

Face ao espírito descentralizador das legislações de caráter federalista, que


deram às províncias e aos municípios encargos de organizar e pagar forças
policiais locais, diminuindo ainda mais a força do poder central, Visconde de
Uruguai observa que estas forças eram verdadeiros exércitos, conforme se vê no
seu comentário abaixo:

“Pôsto que o Ato Adicional não se referisse a um tipo determinado, nem


declarasse o que se devia entender por fôrça policial, contudo pela
significação da palavra e idéia do tempo parece que seus autores tinham em
mente uma fôrça mais cidadã e paisana do que militar propriamente e por
isso mais própria para a policia, como é a fôrça policial inglesa e francesa
que não é militar, e formada e estabelecida em cada município, para auxiliar
suas autoridades policiais.
"Em lugar dessa fôrça civil, quase paisana, têm muitas assembléias
provinciais criado exércitozinhos e corpos policiais nas capitais das
províncias...” (SOUZA [Visconde do Uruguai], 1865, apud TORRES, 1961, p.
233-34)

Na República, desde 1889 até os anos 1930, esta situação das forças
policiais iria mais longe, por exemplo, no Rio Grande do Sul havia serviço militar
obrigatório de âmbito estadual e, nos demais estados da federação, como São
Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, os governos estaduais transformaram
suas polícias à forma das forças da União, como se buscassem se aparelhar e
defender o território dos seus Estados à semelhança de como se defende uma
nação contra um inimigo externo. Organizando as forças policiais nas mesmas
armas - isto é, de infantaria, cavalaria e artilharia -, para isso, são dotadas com o
mesmo tipo de armamento e outros equipamentos de emprego militar, o mesmo
padrão de instrução militar, passando pelas mesmas técnicas e métodos e sob as
mesmas regras militares 4 , conservando apenas a denominação de
polícia(TORRES, 1961).

Verifica-se que essa autonomia dos governadores, fruto da constituição de


1891 e de outras legislações anteriores, coloca os estados da federação numa
situação de superioridade militar em relação a da União que, segundo Oliveira
Torres(1961), deu ao Brasil um caráter singular na geração de uma política
pacifista e antimilitarista nas esferas federais e, do sentido oposto, um espírito
guerreiro e armamentista no campo estadual.

De acordo com Oliveira Torres(1961), esta situação tomou novos rumos


depois de 1910 em que despertaria novos conflitos, como de fato aconteceu em
1924, com a Revolta Paulista a qual deu origem à Coluna Prestes; com a
Revolução de 1930; e a Revolução Constitucionalista de 1932, esta última
praticamente uma guerra civil entre a União e o Estado de São Paulo. De tudo isso,
o resultado sobressaiu na ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, de 1937 a
1945.

Sobre esta fase final do militarismo estadual, assim se expressa o sociólogo


Gilberto Freyre a respeito do militarismo de certos estados da federação nos anos

4
Até nos dias atuais, verifica-se que a legislação, a formação, a instrução, a linguagem e, em parte, o ethos e o armamento
empregados pelas polícias estaduais são características muito semelhantes aos dos militares das Forças Armadas.
20 e 30 do século XX, que ele considerava "verdadeiras Prússia"(FREYRE, 1947,
p. 154 apud TORRES, 1961, p. 237):

“Os direitos do Estado” foram uma das teorias políticas anglo-americanas


importadas pelos republicanos brasileiros sem um prévio e cuidadoso estudo
das condições históricas e geográficas do Brasil. O resultado foi que partidos
nacionais quase deixaram de existir no Brasil republicano: Estados rivais e
poderosos como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul
desenvolveram-se em alguma coisa semelhante a partidos políticos com
prejuízo para a unidade [nacional] e para o desenvolvimento harmônico
do Brasil. (grifo nosso)

Alberto Torres(1938) comenta que os homens que fundaram a República,


propagandistas liberais, e antigos conservadores, todos colaboradores do novo
regime, cogitaram por meio de doutrinas, reformar a estrutura governamental, os
aparelhos políticos e a administração. Segundo ele, o país veio a lucrar em certos
aspectos e em certos momentos com a política de descentralização, contudo veio
a perder em outros, justamente pela aquisição de teorias exógenas que a vida
jurídica, civil, social e econômica, perdeu com os abalos da ordem pública, com a
insuficiência das leis e a incerteza do direito e da jurisprudência, com o aumento
das despesas, dos impostos e da circulação fiduciária, com reflexos até nos dias
contemporâneos e, ainda, com o desprezo dos fundadores do regime federalista
da incumbência de alçar o povo soberano da democracia.

Por fim, ao realizar uma análise parcial das condições gerais da


administração pública brasileira, quanto aos aspectos da centralização e do
federalismo, geradas pelo embate entre americanistas e iberistas, liberais e
conservadores, bem como do aspecto da unidade nacional, seja no regime
imperial ou no regime republicano, aqui expostas, verifica-se a hegemonia do
poder central.

Para o alcance desse êxito no regime imperial, Oliveira Viana(2005, p. 311)


ressalta a contribuição de uma força de grande valor, que se fez prevalecer
durante o conflito secular entre o caudilho e o Estado-nação ou entre a localidade
e o centro, esta força, para ele, é o Monarca. “Ele é, no IV século, o agente mais
prestigioso, mais enérgico, mais eficaz do sincretismo nacional. O poder central
deve a ele, com a sua unidade e a sua ascendência, a sua consolidação e
estabilidade”.
Enquanto que para Oliveira Torres(1961) as causas da conservação da
unidade nacional durante o regime republicano e que colaboraram para manter a
autoridade do governo central em todo o território brasileiro, mesmo em face das
condições econômicas e da organização política, ambas voltadas para o
separatismo, e cujo poder político estava concentrado nas mãos dos presidentes
dos Estados, foram resultado do trabalho de duas instituições - o Telégrafo e o
Exército Nacional. No primeiro, era o único meio de comunicação imediata e
graças a ele, as ordens podiam ser transmitidas com rapidez e simultaneamente
de uma ponta a outra, com isso, o governo central podia estabelecer a sua
vontade em todo o território nacional. No segundo, apesar dos pesares, era o
Exército uma força nacional sob o comando de uma autoridade única, e esta
consciência da missão nacional do Exército Brasileiro se tornaria nítida com o
retorno à tradição do Exército de Caxias e mesmo ao "culto" ao Duque de Caxias.

Referências
BASTOS, A. C. Tavares. A Província. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1870.
COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil. Belo
Horizonte: Editora da UFMG; Rio de Janeiro: Iuperj, 2008.
MORSE, Richard. O Espelho de Próspero. São Paulo: Companhia das Letras,
1988.
ROCHA, Carlos Vasconcelos. Federalismo. Dilemas de uma definição conceitual.
Civitas, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 323-338, maio-ago., 2011.
TORRES, Alberto. A Organização Nacional. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938.
TORRES, J. C. de Oliveira. A Formação do Federalismo no Brasil. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1961.
VIANNA, Luis Werneck. “Americanistas e Iberistas: A Polêmica de Oliveira
Vianna com Tavares Bastos”. DADOS, vol. 34, no 2, pp. 145-189, 1991.
VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2005.
_______, Oliveira. O ocaso do Império. Rio de Janeiro: ABL, 2006.

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