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Angelo E. S. Hartmann1
1
Graduando em Física Bacharelado
Instituto de Matemática, Estatística e Física - IMEF
Universidade Federal do Rio Grande - FURG
17 de junho de 2016
Resumo
O Interferômetro de Michelson cumpriu o papel contrário ao seu objetivo inicial: constatar evidências
empíricas favoráveis à hipótese do éter. O experimento foi capaz de mostrar, pela via negativa, que não
há direção privilegiada para a propagação da luz e, com isso, tornou insustentável a hipótese de um meio
pelo qual, à semelhança das ondas sonoras, a luz se propaga - o éter. Ao refutar a ideia de um referencial
privilegiado, Michelson tornou explícito, a partir da experiência, o conflito lógico entre as Transformações
de Galileu e as Equações de Maxwell e criou a necessidade incontornável de uma nova mecânica. Além
da sua contribuição histórica, o Interferômetro de Michelson foi aplicado durante o Século XX em
diversas áreas da Física por sua geometria específica e pela alta capacidade de precisão. Este trabalho
apresenta-se como uma tentativa tanto de situar o Experimento de Michelson no desenvolvimento da
Física Moderna, quanto de reproduzi-lo, numa versão simplificada, para medir o comprimento de onda
do laser de N e − He e o índice de refração do CO2.
1
2 MICHELSON E A REFUTAÇÃO DO ÉTER 2
velocidade de deslocamento da Terra v, então a dire- tein, em 1905 [4], ao postular que todas as leis da
ção aparente da estrela fixada descreve uma pequena Física são invariantes em referenciais inerciais.)
elipse, muito próxima a um circulo de diâmetro an- Maxwell propôs que as leis dos fenômenos elé-
gular α = vc , onde α é o "parâmetro de aberração". tricos e magnéticos (obtidas por Gauss, Faraday,
(II) Observação astronômica de Arago (1810). O Ampère e complementadas por Maxwell), até então
segundo resultado que tem grande impacto na Física entendidos como sendo de naturezas distintas, tra-
do Século XIX foi obtido em 1810 pelo astrônomo tam de uma única realidade - campo eletromagnético
François Arago (1786-1853) em contraposição à te- - e podem ser descritas por um conjunto de quatro
oria corpuscular de I. Newton (1643-1727). Arago equações fundamentais, conhecidas como as Equa-
concluiu que o ângulo de refração da luz proveniente ções de Maxwell. Todas as componentes dos campos
das estrelas, ao incidir sobre um prisma, independe eletromagnéticos satisfazem a equação da onda uni-
da velocidade de arrasto da Terra. De acordo com a dimensional
teoria de Newton, as diferentes velocidades dos cor-
púsculos deveriam ser modificadas pelo movimento ∂E 2
2∂ E
de arrasto da Terra, afetando o ângulo de refração = c , (2)
∂t2 ∂x2
com a mesma [11].
cuja velocidade de propagação,
Por outro lado, a teoria ondulatória da luz, pro-
posta por Augustin Fresnel (1788 − 1827), tomava a 1
c= √ , (3)
luz, à semelhança das ondas sonoras, como uma com- εo µ o
binação de oscilações periódicas de um meio mate- depende das propriedades elétricas e magnéticas do
rial, o éter, imóvel no espaço absoluto. A velocidade meio [3]. De acordo com [10], as constantes
da luz em um meio refringente de índice n em re-
10−9 F
pouso, com relação ao éter, é V = c/n. Se o meio εo ∼
= (4)
refringente está em movimento com velocidade v, a 4π x 8.98755 m
velocidade da luz sofre uma modificação dada por
H
µo ∼
= 4π x 10−7 (5)
c m
0
V = ± α0 v, α=1−n . 2
(1)
n são, respectivamente, denominadas constante de per-
Aqui, o termo α0 é o "coeficiente de Fresnel", inserido missividade elétrica do vácuo e constante de perme-
em 1818 como o "arrastamento parcial do éter"pelos abilidade magnética do vácuo. Decorre dos valores
corpos que o atravessam. empíricos das Eq.4 e 5 que a velocidade de propaga-
ção das ondas eletromagnéticas no vácuo é da ordem
(III) Experimento de Fizeau (1851). Em 1851,
de
o físico francês Hypollite Fizeau (1819-1896) desen-
8 m
volve um experimento que "materializa"a fórmula de ∼
c = 2, 99792 x 10 . (6)
Fresnel, dividindo um raio luminoso ao atravessar s
um tubo duplo de ar e de corrente de água (de ín- Maxwell concluiu, de forma inescapável, que a luz é
dice n e velocidade v) que, em seguida, se recombi- uma onda eletromagnética e tem velocidade de pro-
nam e formam um padrão de interferência. Com este pagação c, colocando os fenômenos óticos sob domí-
experimento de "primeira ordem", isto é, proporcio- nio de natureza eletromagnética. A concepção que
nal à razão v/c, Fizeau elimina a possibilidade de Maxwell tinha de onda, no entanto, que era a concep-
um arrastamento total do éter, hipótese assumida ção dominante entre os físicos do Século XIX, estava
em teorias que se apresentaram na época como al- restrita à ideia de perturbação de um meio mate-
ternativas àquelas de Fizeau e de Maxwell-Lorentz rial. Está, dessa forma, explicitamente consolidada
[11]. nas conclusões de Maxwell a hipótese do éter como
(IV) Maxwell e a unificação dos fenômenos elétri- o "suporte material das ondas eletromagnéticas"[6],
cos, magnéticos e óticos. A segunda grande síntese [10].
da História da Física ocorreu com o artigo "A Dy- Outros experimentos continuaram sendo feitos
namical Theory of the Eletromagnetic Field"[6] pu- com o objetivo de detectar variações nas leis da ótica
blicado em 1865 por James C. Maxwell (1831-1879). para sistemas ditos "em repouso"e "em movimento".
(A primeira grande síntese foi feita por Newton, com Em outras palavras, buscava-se determinar as va-
o Principia [9], ao unificar as leis do movimento pla- riações que um sistema ótico (fonte, rede ou instru-
netário, de Kepler, com a lei da inércia, de Galileu. mento ótico, receptor, observador) sofre quando está
A terceira grande síntese foi consolidada por Eins- em movimento em relação a um referencial inercial
2 MICHELSON E A REFUTAÇÃO DO ÉTER 3
e quando está em repouso em relação ao mesmo re- Os termos entre parênteses são constantes no tempo;
ferencial inercial. logo, podem ser escritos na forma
Nesse sentido, Eleuthère Mascart (1837-1908) es-
tudou em 1874 fenômenos óticos arrastados no mo- E0 cos(α) = E01 cos(α1 ) + E02 cos(α2 ); (15)
vimento da Terra (difração, refração, dupla refração E0 sin(α) = E01 sin(α1 ) + E02 sin(α2 ). (16)
e polarização rotatória). A série de experimentos
realizada por Albert A. Michelson (1852-1931) foi A perturbação resultante pode, então, ser represen-
direcionada ao estudo de interferências óticas. Por tada por
meio delas, Michelson se propôs a detectar o meio
hipotético pelo qual a luz se propaga a partir de um E = E0 cos(α) sin(wt) + E0 sin(α) cos(wt)
sistema ótico em repouso em relação à Terra. Mas
antes de apresentarmos o arranjo elaborado por Mi- ou
chelson, vamos esboçar a física dos fenômenos que
E = E0 sin(wt + α). (17)
resultam de interferências óticas.
Para obter a amplitude E0 , elevamos as Eqs. (11),
2.2 A Física da Interferência (12) ao quadrado e aplicando a relação de Pitágoras,
Uma solução possível da Equação Diferencial da cos (α) + sin (α) = 1, temos que
2 2
é o fator que causa interferência construtiva, se um fator muito pequeno para os instrumentos de me-
dição que se tinham na época.
δ = 2nπ, (n = 0, ±1, ±2, ...) (23) O fator agravante, apenas mencionado na Intro-
dução 1, consiste no conflito lógico entre as Equações
e interferência destrutiva, se de Maxwell e as Transformações de Galileu, pedra de
toque da Física Newtoniana (ou seja, pedra de to-
δ = (2n + 1)π, (n = 0, ±1, ±2, ...) (24)
que de toda a Física na época!). Essa é outra grande
contribuição feita por Maxwell: ao unificar o Eletro-
As ondas constituintes são ditas em fase no caso de
magnetismo e a Ótica, fez germinar na Física uma
a interferência ser construtiva e fora de fase, se a
situação lógica aberta a uma nova e ainda mais pro-
interferência é destrutiva.
funda revolução. Se com os feitos de Maxwell, havia
Sendo d a diferença de caminho ótico percorrido
se instalado uma situação de revisão da mecânica,
pelos feixes, obtemos os máximos de interferência
com os resultados de Michelson, consolidou-se a ne-
pela relação
cessidade de uma nova mecânica [16].
2N É preciso, portanto, tecer brevemente alguns co-
λ= cos θ, (25)
d mentários sobre a física galileana. Como pensada
por Galileu, a inércia de um sistema físico é a ten-
que será a equação a ser utilizada na sessão 3 para dência natural que o sistema tem de permanecer em
calcular o comprimento de onda do He-Ne (Hélio- seu estado original de repouso ou movimento retilí-
Neon). neo uniforme.
S '
2.3 O Interferômetro de Michelson
Conforme mencionado seção 2.1, até o Século XIX,
só fazia sentido falar em ondas enquanto perturba- S
vorb ∼ −4 d d
= 10 , (27) (r) = (R + r’), (29)
c dt dt
2 MICHELSON E A REFUTAÇÃO DO ÉTER 5
que, denotando por v a velocidade de P em rela- o espelho P1 e o anteparo S1 (definida como sendo
ção a S, V a velocidade de S’ em relação a S e v’ a paralela ao movimento orbital da Terra) é
velocidade de P no referencial S’, obtemos
t1 = tida + tvolta
v = V + v’, (30) l l
= +
c+V c−V
conhecida como a Soma de Velocidades Galileana. (c − V ) + (c + V )
= l
Um detalhe crucial na passagem da Eq. 42 para a c2 − V 2
Eq.43 é o fato de a variação temporal ser a mesma 2lc
= 2
em ambos referenciais S e S’. Nas palavras de New- c −V2
ton, "todos os movimentos podem ser acelerados e 2l 1
retardados, mas o fluxo do tempo absoluto não é t1 = . (32)
c 1 − V 2 /c2
propenso a qualquer mudança"[9]. Com Einstein, a
compreensão do tempo passa por uma revisão estru- De modo semelhante, o tempo t2 que o feixe leva
tural, cuja medida passa a depender da velocidade para percorrer a distância l entre o espelho P1 e o
da luz como padrão objetivo da medida do tempo. anteparo S2 (agora, perpendicular ao movimento or-
Pela soma galileana de velocidades, podemos bital da Terra) é, pelo Teorema de Pitágoras,
constatar, de acordo com a hipótese dominante, que
ct2 2 V t2 2
o suporte material no qual a propagação da luz es- = + (l)2
taria em repouso deveria corresponder a 2 2
t22 2
(c − V 2 ) = (l)2
v’ = vorb − c (31) 4
2l
t2 = √
onde V corresponde à velocidade da luz c. c −V2
2
A forma elaborada por Michelson para testar a 2l 1
t2 = . (33)
hipótese do éter é ilustrada na Figura 2 e consiste, c 1 − V 2 /c2
p
a partir de uma geometria bem definida, em fazer
incidir sobre um espelho semi-transparente P1 , loca- Defini-se a quantidade adimensional (equivalente à
lizado a 45°da fonte Q, um feixe de luz monocromá- "aberração"de Bradley 2.1)
tica, dividindo-o em dois, que incidem nos espelhos
v
S1 e S2 e são refletidos novamente para um receptor β≡ . (34)
F. O espelho semi-transparente P2 compensa o fato c
de o feixe atravessar duas vezes o espelho P1 . Então, por aproximação binomial, reescrevemos as
Eqs. 46 e 33 como
(1 − β 2 )−1 ∼
= 1 + β2
2l
t1 = (1 + β 2 ) (35)
c
e
1
(1 − β 2 )−1/2 ∼
= 1 + β2
2
2l 1 2
t2 = 1+ β . (36)
c 2
l
∆t = t2 − t1 = β 2 . (37)
c
Figura 2: O Interferômetro de Michelson. Extraído
de [1]. Possibilidades: Se ∆t = 0, ou seja, se o referencial
do éter é a própria Terra), não há diferença de ca-
Pela Soma de Velocidades de Galileu, o tempo minho ótico e a interferência é construtiva; Se ∆t =
t1 que o feixe leva para percorrer a distância l entre 12 T , isto é, corresponder à metade do período T da
3 APLICAÇÕES 6
3 Aplicações
Devido à sua geometria específica de recombinação
de feixes de luz e ao alto nível de precisão, o Inter-
ferômetro de Michelson permite uma gama de aplica- Figura 3: Fonte Laser de He-Ne, 0, 5mW .
ções. Se utilizarmos feixes de luz colimada, obtemos
uma variante do Interferômetro original conhecida
por Interferômetro de Twyman-Green, introduzido O laser deve ser alinhado de modo a incidir com
em 1916 para testar sistemas óticos. Outra vari- um ângulo de 45°com o espelho semitransparente.
ante é o Interferômetro de Mach-Zehnder, desenvol- Para se obter um número maior de franjas de inter-
vido independente por Ludwig Zehnder em 1891 [17] ferência no anteparo, os espelhos do interferômetro
e Ernst Mach em 1892 [5] com um espelho semi- precisam ser ajustados antes de colocarmos a lente
refletor a mais que o arranjo original. convergente entre a fonte do laser e o interferômetro.
3 APLICAÇÕES 7
∆n
n(p) = no + .p, (40)
∆p
Figura 6: Alinhamento dos feixes refletidos antes de O caminho ótico percorrido pelo feixe de luz pode ser
se acoplar a lente com foco f=+20mm. expresso em termos do índice de refração n do gás
que ele atravessa e do comprimento s do recipiente
Em seguida, a lente convergente com foco do gás,
f=+20mm pode ser acoplada ao suporte de lentes, fi-
xado aproximadamente no ponto médio entre a fonte x = n(p)s. (42)
3 APLICAÇÕES 8
Figura 8: Recipiente do ar
∆x = [n(p) − n(p + ∆p)]λ. (44)
Após alinhados os feixes, acopla-se a lente de foco
f=+20mm à base de lentes de forma semelhante ao
Considerando que o feixe atravessa duas vezes o re-
arranjo da seção anterior; deve-se constatar, nesse
cipiente, igualando as Eqs. 43 e 44 e usando a Eq.
momento, a formação de um padrão de franjas de
41, obtém-se
interferência menos nítido que na Fig. 6 devido ao
fato de um dos feixes de lase atravessar quatro vezes
[n(p + ∆p) − n(p)]2s = [n(p) − n(p + ∆p)]λ o recipiente do ar.
∆n ∆N λ
= − (45)
∆p ∆p 2s
∆N λ
n(p) = n(0) − p, (46)
∆p 2s
x1 = n1 (2s)
x2 = n2 (2s),
temos que
∆x
∆n = . (47)
2s
λ
∆n = N , (49)
4s
ou de forma equivalente,
λ
n2 = n1 + N . (50)
4s
tão relacionados nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. vermelha. O coeficiente de inclinação da reta é dado
Apresentamos, a seguir, a análise dos experimentos por
realizados.
∆N 7−1
= = −8, 823[bar−1 ] (54)
∆p 0, 235 − 0, 915
4.1 Comprimento de onda do He-Ne
e a equação de regressão linear do ajuste é y =
Para medir o comprimento de onda do laser de Ne- 9, 073 − 8, 823x.
He, ajustamos o micromêtro acoplado ao espelho
móvel de modo a obtermos o mínimo de intensidade
no máximo central do padrão de interferência.
Seguimos, então, os seguintes passos: (i) anota-
mos o valor inicial do micrômetro; (ii) Em seguida,
fazemos variar o espelho móvel girando o micrôme-
tro por N = 50 vezes de mínimos que chegam ao
máximo central; (iii) registramos a posição do mi-
crômetro e iniciamos nova contagem.
O comprimento de onda do laser N e−He, forne-
cido pelo Technical Report da Phywe é de 632, 8nm.
A melhor média obtida na determinação experimen-
tal foi de Figura 13: Gráfico da variação ∆ p x N.
λexp = 646, 0[nm], (51) A partir da Eq. 46, temos que, para o comprimento
de onda experimental 51, a uma pressão p = 1, 015
gerando um erro experimental da ordem de mbar, o índice de refração do ar medido é
que representa um acúmulo maior de erros devido 4.3 Índice de refração do CO2
à dificuldade de se localizar o máximo central e le-
O valor médio de N deslocamentos das franjas ob-
var a cabo uma contagem mais rigorosa dos mínimos.
tido após 10 repetições do experimento foi N̄ = 9, 6.
Nesse caso, a contagem dos mínimos foi gravada com
Assim, pela Eq. (XXX), o índice de refração experi-
uma câmera filmadora comum, com o objetivo de se
mental do CO2 é
obter uma contagem mais precisa dos mínimos e re-
duzir o erro; mas a tentativa não tornou o uso da λ
n2 = n1 + N̄
lente de foco f=+50mm mais precisa que a de foco 4s
f=+20mm. (646, 0nm)
= 0, 99971 + (9, 6)
4(10mm)
= 0, 99971 + 0, 00015504
4.2 Índice de refração do ar
n2 = 0, 99986504. (57)
Os dados coletados constam na Tabela 3, que, a cada
deslocamento N de mínimos de interferência, faz cor- De acordo com [12], o índice de refração do CO2 a
responder a pressão p interna do recipiente, a pressão pressão normal e temperatura 22 °C é n = 1, 000416.
ambiente po e a variação de pressão ∆p. Os dados obtidos contêm um erro experimental da
A partir dos dados medidos, obtém-se um gráfico ordem de
∆p x N , cf. Figura 13, no qual os dados estão re- |0, 99986504 − 1, 000416|
presentados pelos pontos azuais e o ajuste pela reta Erro = .100 = 0, 05507%.(58)
1, 000416
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 11
Além da reconstrução histórica, foram explora- [3] Hecht, E. Optics. 4th. Ed. San Francisco: Pear-
das nesse trabalho duas aplicações bastante simples son, 2002.
REFERÊNCIAS 12
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