Você está na página 1de 5

5ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DA

BAHIA

PROCESSO Nº 0001963-90.2014.8.05.0146
CLASSE: RECURSO INOMINADO
RECORRENTE: BANCO BV FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E
INVESTIMENTOS
RECORRIDO: COSME DA SILVA LIMA
JUIZ PROLATOR: VALÉCIUS PASSOS BESERRA
JUIZ RELATOR: ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA

EMENTA

RECURSO INOMINADO. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO.


COBRANÇA DE TARIFA ADMINISTRATIVA DENOMINADA
CORRESPONDENTES NÃO BANCÁRIOS. ILICITUDE. CUSTOS
NECESSÁRIOS APENAS AO DESENVOLVIMENTO DA
ATIVIDADE ECONÔMICA DO FORNECEDOR, A PAR DA
ABUSIVIDADE DOS VALOR IMPOSTO, EXCESSIVAMENTE
ONEROSO AO CONSUMIDOR ENVOLVIDO. PROVIMENTO
PARCIAL DO RECURSO PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO POR
DANOS MORAIS, NÃO CONFIGURADOS NA HIPÓTESE,
MANTENDO-SE A ORDEM DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES
INDEVIDAMENTE COBRADOS QUE DEVERÁ OCORRER NA
FORMA SIMPLES, DAÍ EXCETUADA A COBRANÇA A TÍTULO
DE TARIFA DE CADASTRO.

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95.

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro,


saliento que o Recorrente, BANCO BV FINANCEIRA S.A. CRÉDITO,
FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, pretende a reforma da sentença lançada nos
autos que declarou abusiva a cobrança prevista em contrato de financiamento, denominada
“serviços de correspondentes não bancários”, na quantia de R$ 1.469,80 (hum mil,
quatrocentos e sessenta e nove reais e oitenta centavos), determinando a devolução, em
dobro, dos valores cobrados indevidamente, além de firmar condenação ao pagamento de
indenização por danos morais, no valor de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), tudo
em favor do Recorrido, COSME DA SILVA LIMA.

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o,


apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros
desta Egrégia Turma.

VOTO

A sentença recorrida, tendo analisado corretamente os aspectos


fundamentais da lide, merece confirmação quase integral por seus próprios e jurídicos
fundamentos, carecendo apenas de pequeno reparo nos termos aqui expostos:

Como norma de ordem pública constitucional (arts. 5º, XXXII, e 170, V, da


CF), o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado com o objetivo precípuo de
1
garantir o equilíbrio de direitos e deveres entre o consumidor e o fornecedor nas relações de
consumo, pautado nos princípios da boa-fé e lealdade, consagrando como direito básico do
consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem
como sobre os riscos que apresentem” (art. 6º, III).

Nessa esteira, o CDC determina que as cláusulas e condições contratuais


devem ser redigidas de forma a facilitar a compreensão pelo consumidor dos sentidos e
alcances, desobrigando o cumprimento daquelas não levadas ao seu conhecimento de forma
clara e induvidosa, por força do art. 46 do CDC.

Assim, ao fornecedor cabe provar não somente a qualidade dos serviços


prestados e dos produtos inseridos no mercado de consumo, mas também que todas as
informações a respeito do negócio foram devidamente prestadas ao consumidor, sobretudo
quando envolve financiamento, (art. 52, III, CDC), sob pena de invalidação do contrato ou
dos aspectos não esclarecidos, ônus que o Recorrente não se desincumbiu, já que não consta
no contrato qualquer esclarecimento do serviços prestados relacionados à tarifa cobrada.

Também o CDC, protege o consumidor “contra a publicidade enganosa e


abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” (art. 6º, IV).

Ainda de acordo com o CDC, “é vedado ao fornecedor de produtos ou


serviços, dentre outras práticas abusivas”: - “exigir do consumidor vantagem manifestamente
excessiva”, bem como “executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e
autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre
as partes” (Art. 39, incisos V e VI), sendo “nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: - “estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou
sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.” (art. Art. 51, IV), presumindo “exagerada,
entre outros casos, a vantagem que” (§ 1º.): “se mostra excessivamente onerosa para o
consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e
outras circunstâncias peculiares ao caso.” (III )

Assim, à luz do CDC há se reputar abusiva a cobrança de tarifas


administrativas que transferem ao consumidor custos necessários apenas ao desenvolvimento
da atividade econômica do fornecedor, não implicando na prestação de qualquer serviço em
benefício do consumidor, sendo, portanto, despesas de sua exclusiva obrigação, título que se
enquadra a rubrica cobrada pelo Recorrente, aqui discutida, sobretudo porque imposta sem
qualquer esclarecimento sobre a natureza.

Com isso, por ser abusiva a cobrança da tarifa informada e se mostrar


excessivamente onerosa ao consumidor envolvido, a cobrança destacada, nula de pleno
direito (artigo 51, IV, e § 1°, III, CDC), foi, acertadamente, afastada pelo julgamento
realizado no primeiro grau.

Todavia, no tocante à devolução do valor cobrado a título de Tarifa de


Cadastro-TC razão não assiste ao Recorrido.

A regulamentação vigente, Resolução nº 3.919, de 25 de novembro de


2010, altera e consolida as normas sobre cobrança de tarifas pela prestação de serviços por
parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN,
2
ficando revogadas, a partir de 1º de março de 2011, as Resoluções nº 3.518, de 06 de
dezembro de 2007 e nº 3.693, de 26 de março de 2009.

Estabelece a Resolução nº 3.919/2010 que somente poderão ser cobrados


os serviços constantes da lista de serviços da tabela I anexa à referida Resolução, dentre os
quais se destaca a tarifa de cadastro, que, ressalte-se, não se confunde com a TAC.

Quanto às demais cobranças indevidas, emerge a necessidade de


condenação à devolução da importância paga pelo Recorrido para não gerar enriquecimento
sem causa do fornecedor, a qual, no entanto, a meu ver, deve ocorrer de forma simples e não
em dobro, porque, na esteira de julgados absorvidos por esta Turma Recursal 1, não incide a
regra inserta no parágrafo único, do art. 42, do CDC, a qual pressupõe exigibilidade de
pagamento sem causa, ausente na hipótese ante a previsão contratual.

Por fim, divirjo do julgamento realizado no primeiro grau também quanto à


condenação do Recorrente ao pagamento de indenização por danos morais.

Embora seu conceito esteja em permanente construção, entende-se por


dano moral ou extrapatrimonial aquele que atinge, fundamentalmente, bens incorpóreos, a
exemplo da imagem, honra, dignidade, privacidade, autoestima, prestígio social, reputação
etc.

Indenizável é o dano moral sério, intolerável para o homem médio, aquele


capaz de, em uma pessoa normal, provocar uma perturbação nas relações psíquicas, na
tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos, extrapolando a naturalidade dos fatos da vida
social.

Não é todo e qualquer ilícito que gera danos de natureza moral. A situação
que merece compensação pecuniária deve adequar-se à moral do homo medius da
comunidade onde vive a vítima, não podendo escapar ao sentimento comum da pessoa que
convive em sociedade e deve se acostumar com seus acasos.

Ao Juiz cabe a tarefa de distinguir o dano moral do mero incômodo ou


aborrecimento do dia a dia, do simples inconveniente ou desconforto, a serem creditados às
dificuldades do relacionamento humano ou da vida em sociedade, que também podem causar
tristeza de ordem pessoal, sobretudo nos indivíduos de sensibilidade frágil ou comprometida
por algum abalo psicológico. A análise das características do suposto fato gerador poderá
fazer concluir não ser ele apto a ocasionar dano moral.

Na situação em análise, a discussão sobre a validade de cláusulas e


condições contratuais, conhecidas pelo Recorrido desde a subscrição do pacto, somente
1
(...) A penalidade prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC - Pagamento em dobro - Tem como pressuposto a falha no
serviço de cobrança de prestações nos contratos de consumo, e não a cobrança de valores que encontram suporte em cláusula
contratual, ainda que esta tenha sido considerada abusiva, porque até então estava em plena vigência. (TJDFT - Proc.
20060510096614 - (383658) - Rel. Des. J. J. Costa Carvalho - DJe 22.10.2009 - p. 69)
- CONTRATO BANCÁRIO - REVISÃO - INDÉBITO - RESTITUIÇÃO SIMPLES - Se as cobranças efetuadas pelo
credor resultaram de cláusulas contratuais até então vigentes, não tem lugar a aplicação do preceito do parágrafo único do art.
42 do CDC, ou seja, devolução em dobro dos valores cobrados a maior. (TJMG - AC 1.0024.04.370467-5/001 - 18ª C.Cív. - Rel.
Guilherme Luciano Baeta Nunes - DJe 04.08.2009)
“(...) Afronta os artigos 39, V e 51, IV, do código de defesa do consumidor a cobrança da tarifa de abertura de
crédito e tarifa de avaliação de bens, uma vez que tais tarifas têm por escopo repassar o custo da atividade financeira para o
consumidor. Precedentes. 6- A devolução em dobro dos valores pagos indevidamente, com fulcro no artigo 42 do código de
defesa do consumidor , pressupõe, necessariamente, a má-fé da instituição financeira. Não se vislumbra má-fé do fornecedor de
serviços quando cobra valores com base nos termos do contrato. Apelações cíveis parcialmente providas. Maioria. (TJDFT - Proc.
20110111067152 - (581806) - Rel. p/o Ac. Des. Angelo Passareli - DJe 30.04.2012 - p. 153)

3
reclamada alguns anos após, dissociada de qualquer fato objetivo que revele ter ocasionado,
em razão do cumprimento da avença, dor íntima intensa, sofrimento psicológico,
padecimento, aflição, angústia, humilhação, vergonha, intranquilidade psíquica ou qualquer
outra consequência relacionada à personalidade humana, não consubstancia prejuízo de
natureza moral passível de compensação pecuniária, não se sustentando, assim, data venia, o
decreto condenatório no pormenor.

Assim sendo, ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER e DAR


PROVIMENTO PARCIAL ao recurso interposto pelo Recorrente, BANCO BV
FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, para,
confirmando a ordem de restituição dos valores pagos a título de “serviços de
correspondentes não bancários”, reformá-la no tocante à sua forma de devolução, que
deverá ocorrer na forma simples, daí excetuada a cobrança a título de Tarifa de Cadastro-TC
face à sua legalidade, bem como para afastar a condenação ao pagamento de indenização por
danos morais.

Como o Recorrente logrou êxito em parte do recurso, não há condenação


de sucumbência, nos termos do Enunciando nº 11 das Turmas Recursais dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais da Bahia, publicado no DPJ em 20 de agosto de 2008.

Salvador-Ba, Sala das Sessões, 16 de junho de 2015.

Rosalvo Augusto Vieira da Silva


Juiz Relator

COJE – COORDENAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS


TURMAS RECURSAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

QUINTA TURMA - CÍVEL E CRIMINAL

PROCESSO Nº 0001963-90.2014.8.05.0146
CLASSE: RECURSO INOMINADO
RECORRENTE: BANCO BV FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E
INVESTIMENTOS
RECORRIDO: COSME DA SILVA LIMA
JUIZ PROLATOR: VALÉCIUS PASSOS BESERRA
JUIZ RELATOR: ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA

EMENTA

RECURSO INOMINADO. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO.


COBRANÇA DE TARIFA ADMINISTRATIVA DENOMINADA
CORRESPONDENTES NÃO BANCÁRIOS. ILICITUDE. CUSTOS
NECESSÁRIOS APENAS AO DESENVOLVIMENTO DA
ATIVIDADE ECONÔMICA DO FORNECEDOR, A PAR DA
ABUSIVIDADE DOS VALOR IMPOSTO, EXCESSIVAMENTE
ONEROSO AO CONSUMIDOR ENVOLVIDO. PROVIMENTO
PARCIAL DO RECURSO PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO POR
DANOS MORAIS, NÃO CONFIGURADOS NA HIPÓTESE,
MANTENDO-SE A ORDEM DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES
4
INDEVIDAMENTE COBRADOS QUE DEVERÁ OCORRER NA
FORMA SIMPLES, DAÍ EXCETUADA A COBRANÇA A TÍTULO
DE TARIFA DE CADASTRO.

ACÓRDÃO

Realizado julgamento do Recurso do processo acima epigrafado, a


QUINTA TURMA, composta dos Juízes de Direito, WALTER AMÉRICO CALDAS,
EDSON PEREIRA FILHO e ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA decidiu, à
unanimidade de votos, CONHECER e DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso
interposto pelo Recorrente, BANCO BV FINANCEIRA S.A. CRÉDITO,
FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, para, confirmando a ordem de restituição
dos valores pagos a título de “serviços de correspondentes não bancários”, reformá-la
no tocante à sua forma de devolução, que deverá ocorrer na forma simples, daí excetuada a
cobrança a título de Tarifa de Cadastro-TC face à sua legalidade, bem como para afastar a
condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Como o Recorrente logrou
êxito em parte do recurso, não há condenação de sucumbência, nos termos do Enunciando nº
11 das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Bahia, publicado no
DPJ em 20 de agosto de 2008.

Salvador-Ba, Sala das Sessões, 16 de junho de 2015.

JUIZ(A) WALTER AMÉRICO CALDAS


Presidente

JUIZ(A) ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA


Relator

Você também pode gostar