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CAPOEIRA

Revista de Humanidades e Letras

ISSN: 2359-2354
Vol. 1 | Nº. 2 | Ano 2015

RESENHA

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www.capoeirahumanidadeseletras.com.br
capoeira.revista@gmail.com
Editores
Marcos Carvalho Lopes
marcosclopes@unilab.edu.br

Pedro Acosta-Leyva
leyva@unilab.edu.br
João Wanderley Geraldi

RESENHA
Larrosa, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência.
Belo Horizonte : Autêntica, 2014.

PARAR PARA PENSAR


por João Wanderley Geraldi

Jorge Larrosa reúne neste seu novo livro, editado no Brasil, um conjunto de textos
escritos para ocasiões distintas. O primeiro texto, “Notas sobre a experiência e o saber da
experiência”, foi escrito para uma conferência no I Seminário Internacional de Educação de
Campinas (e publicado na Revista Brasileira de Educação, n.19, jan-abr 2002, Anped). Aqui
experiência se define como aquilo que nos acontece, que nos toca; e o sujeito da experiência
como “como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que
acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns
vestígios, alguns efeitos” (p.25).
É o filósofo “ex-posto”, sujeito da experiência que escreve os textos seguintes impondo-
se contra os experts que informam e definem caminhos, contra aqueles que sabem e nada
ignoram. Já que “a experiência é sempre impura, confusa, demasiado ligada ao tempo, à
fugacidade e à mutabilidade do tempo, demasiado ligada a situações concretas, particulares,
contextuais, demasiado vinculada ao nosso corpo, a nossas paixões, a nossos amores e a nossos
ódios” (p.39). Em “A experiência e suas linguagens”, o autor sai em busca das formas de dizer a
experiência num mundo em que desapareceu o relato, um dos espaços possíveis para re-
experimentar a experiência, dada a impossibilidade de sua elaboração. Ora, o relato implicava o
sujeito e sua experiência de vida. Num mundo em que voltamos exaustos ao fim do dia e nada
temos a contar, neste mundo em que imperam os mecanismos usurpadores que restrigem os
acontecimentos, somente nos mostra que “a experiência de quem somos é não sermos ninguém”
(p.54).
Em “Uma língua para a conversação”, um texto construído num diálogo em que as notas
questionam o que se acabou de escrever, que era um comentário a uma citação que abre cada
uma de suas partes, o filósofo defende o valor da conversação, do encontro com os outros em que
se fala livremente sobre o que se leu, sobre o que se escreveu, sobre o que se conversou. Este é
talvez o espaço de “uma língua que nos permita compartilhar com os outros a incômoda
perplexidade que nos causa a pergunta “o que fazer?” ou as infinitas dúvidas e cautelas com que
fazemos o que fazemos” (p.66).

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RESENHA: Tremores de Jorge Larrosa

Em “Ferido de realidade e em busca de realidade”, o filósofo e poeta abre espaços


fechando portas. Muitos dos fragmentos deste texto foram escritos para um programa de rádio
chamado “Palavras desde o limbo”. O limbo é um não-lugar. E deste não lugar, afirma-se uma
secção do programa radiofônico: “Esta nossa civilização é de assustar, cara”. E é assustado com
o que chegamos a ser que o leitor precisa desdobrar as palavras poéticas, não para compreendê-
las, mas para formular novas perguntas, como uma que chamará atenção: “O que seria dos
professores, dos experts e dos pesquisadores se lhes pedissem que dissessem o que aprenderam, o
que viveram, o que pensaram, e não o que lhes foi ensinado?”(p.82).
O último capítulo, “Fim de partida. Ler, escrever, conversar (e talvez pensar) em uma
Faculdade de Educação”, ao mesmo tempo em que comenta a obra de Rancière, dialoga com seu
tempo, e o leitor pode até conseguir acompanhar um pouco o que vive o autor, em que data
escreveu a respeito da Filosofia, numa Faculdade de Educação, de uma universidade que está aí,
seguindo o “curso normal das coisas”, implementando as propostas da Carta de Bolonha, quando
os estudantes desta mesma universidade ocuparam os espaços acadêmicos e administrativos,
como forma de protesto contra a “universidade que vem”. Este é um texto escrito com
sentimentos de tristeza, raiva e impotência diante do que vem, e paradoxalmente um texto que
encontra no amor aos livros, à vida e aos jovens que chegam às aulas universitárias, uma saída
para ir além do “pensamento estúpido” para “fazer saltar essa faísca do pensamento friccionando-
se as palavras de cada um com as palavras dos outros e, ao mesmo tempo, as palavras com as
coisas, com o mundo, com o que vemos e com o que sentimos” (p.168).
...
Fecho o livro que acabo de ler. E começo a conversa comigo mesmo sobre o que li, e faço
esta conversa escrevendo para outros o que senti ao ler o que li, que se expande ao que escrevo
em busca de outros com que conversar sobre o que se lê, quando se lê.
Minha primeira imagem é de que vinha eu caminhando pela estrada, bem além ao “meio
da jornada da vida” e numa esquina deparei-me com Tremores para ter a experiência de tremer
me interrogando. Afinal, gastei tanto tempo propondo
novas formas de ser aluno, novas formas de ser professor, novas disciplinas, ou novos
conteúdos, novas funções e novos procedimentos para essa nobre e antiga disciplina que se
chama filosofia [no meu caso, língua materna] e que até agora tem sido nossa, seriam ações que
não iriam, em absoluto, contra o curso ordinário das coisas. Muito pelo contrário: isso é,
precisamente, o que a universidade que vem espera de nós (p.127-128).

Posso ainda formular perguntas, forma única “de onde tirar forças para continuar
jogando”?
Parar para pensar. São poucos os livros que fazem parar. Este é um livro que faz parar,
não por provocar um imobilismo e um cansaço com o que se vê, ou por provocar a sensação de

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João Wanderley Geraldi

uma derrota, que derrotados estávamos desde o princípio. Faz parar para tomar fôlego, pensar
para encontrar a inutilidade de tudo, razão primeira e fundamental para virar tudo pelo avesso,
porque “esta nossa civilização é de assustar, cara”.

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