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ETNOMETODOLOGIA NA PESQUISA
EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
Flavio Regio Brambilla (UNILASALLE)
flaviobrambilla@terra.com.br
1. Introdução
Buscando ampliar a profundidade dos estudos em engenharia de produção, ou qualquer área
relacionada ao contexto empresarial, as abordagens interpretativas podem proporcionar
conhecimentos geralmente não acessíveis por métodos tradicionais. Este fenômeno decorre
das dificuldades em analisar contextos sociais que se constroem mediante significados
promovidos por seus próprios membros. Neste sentido, a etnometodologia é primeiramente
uma alternativa para a identificação de fenômenos imersos em contextos sociais.
Para localizar a etnometodologia dentro da concepção de ciência, uma alternativa relevante
são os quatro paradigmas sociológicos de Burrell e Morgan (1979), ainda que sejam criticados
com relação aos detalhes de sua concepção. Basicamente, Burrell e Morgan (1979),
propuseram quatro paradigmas distintos, mas conectados, para analisar as teorias sociais,
sendo estes os paradigmas: Interpretativo, Funcionalista, Humanista Radical e, Estruturalista
Radical. O presente estudo se limita ao paradigma interpretacionista.
Em Burrell e Morgan (1979), no que tange a sociologia interpretativa, uma pequena parcela
do capítulo foi destinada ao estudo da etnometodologia. Tal como outros autores a definem,
“Etnometodologia é baseada no estudo detalhado do mundo da vida cotidiana”, mencionam
Burrell e Morgan (1979, p.247) destacando o interesse nas práticas. etnometodologia foi o
termo cunhado por Harold Garfinkel, que se destina “a aprender sobre as maneiras com as
quais as pessoas ordenam e fazem sentido para suas atividades diárias e como fazem com que
sejam passíveis de relato aos outros”, no sentido de serem observadas e relatadas (BURRELL,
MORGAN, 1979, p.247). Na perspectiva gerencial, por exemplo, pode ser utilizada.
Busca-se ‘dar sentido’ aos aspectos da vida prática, através de descrições e da busca por
evidências que sejam adequadas para que proporcionem descrições. O sociólogo Kenneth
Liberman, mediante entrevista para Sacrini (2009, p.673) destaca que a etnometodologia “foi
desenvolvida por Harold Garfinkel durante os anos 1950 e por seus muitos alunos nos anos
1960 e 1970, [com o foco nas] maneiras pelas quais o pensamento e o conhecimento são
formalizados e transformados em um sistema social”. Conforme o autor, sua preocupação
consiste em entender o detalhamento do mundo cotidiano real, tendo em vista uma ordenação
social local, suportada pelos fenômenos reais. Em termos simples, busca “identificar o que
está realmente acontecendo” (SACRINI, 2009, p.674). Trata-se do entendimento do mundo
real através da análise em aspectos de caráter prático, subjetivo e imerso.
Garfinkel (2006, p.12) destaca que a etnometodologia possibilita “explicar as ações como
uma contínua realização prática de seus membros”. Os envolvidos são capazes de refletir e
proporcionar explicações racionais de seu meio, o que representa a projeção das organizações
socialmente estabelecidas, além de como o comportamento se consolida. Burrell e Morgan
(1979, p.268) salientam que a realidade é “específica aos contextos sociais particulares”.
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apresenta o framework completo para análise dos contextos sociais, neste caso de engenharia
de produção, amplamente tratado aqui como ambiente empresarial. Seu objetivo genérico
consiste em “entender o mundo como ele é, e entender a natureza fundamental do mundo
social ao nível de experiência subjetiva”, quando tratada na face interpretativa, qual orienta a
etnometodologia e aparece em destaque na figura (BURRELL, MORGAN, 1979, p.28).
Destacam os autores acerca de uma concepção de mundo social visto como um processo
criado através das preocupações individuais. Ou seja, interesses dos indivíduos moldam o
interesse da maioria. Em linhas gerais, a “sociologia interpretativa é centrada no entendimento
da essência do mundo de todo o dia”, ou do ‘everyday world’ (BURRELL, MORGAN, 1979,
p.31). Salienta o estudo de Daft e Weick (2005, p.74), que a “construção de interpretações
acerca do ambiente é uma necessidade básica dos indivíduos e das organizações”. E a
interpretação é um dos aspectos distintivos dos seres humanos e de suas construções perante
sistemas mais simples. As organizações, como estruturas sociais, constituem sistemas
complexos. Nestes casos, a intervenção etnometodológica se mostra adequada.
A etnometodologia deve procurar a ordenação das atividades cotidianas, não em busca de
uma estruturação formal, mas para obter a compreensão do fenômeno junto ao ambiente em
que ocorre. A mudança é uma variável que está inerente ao contexto, e faz com que as
observações e relatos não sejam estáticos ou definitivos. Conforme Burrell e Morgan (1979,
p.248) se buscam indexação (mediante o “uso de expressões e atividades que são
compartilhadas”), e reflexividade (na “capacidade de olhar para trás no que fora feito antes”).
Resume-se em “como as pessoas fazem sentido de algo e como ordenam seu ambiente [...],
proporcionando explicações da ordenação natural do mundo social” (BURRELL, MORGAN,
1979, p.249). Os indivíduos são investigados para que, mediante perspectivas individuais, seja
possível a identificação das macroperspectivas ambientais.
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Jenkings (2009, p.776) menciona: “Liberman acredita que nos tornamos prisioneiros de nossa
razão, o que ele vê como endêmico nas ciências sociais, parcialmente porque não entendemos
nosso processo de razão; para isso devemos olhar etnometodologicamente”.
A etnometodologia, conforme Wilson (2003), se divide em duas fases distintas: os estudos
clássicos e estudos dos fenômenos radicais. Neste artigo é apresentada a concepção clássica.
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maneira de trabalhar), impede uma boa adequação para uso de todas as métricas numéricas,
proporcionando o emprego e a necessidade de uma abordagem interpretativa. Enquadra-se no
cenário mencionado em Kirschbaum e Hoelz (2010) porque requer o constante gerenciamento
da tensão, pelo menos bivalente, representada no caso do presente estudo pela busca do
aprendizado mútuo e defesa de interesses na relação entre chefias e colaboradores.
Como base para obtenção dos relatos necessários para análise, a técnica adotada está
vinculada ao fornecimento de situações escritas, incompletas e complexas, e que requerem
uma decisão do ator de interesse no estudo. Com base nas definições individuais, através de
comparações sistemáticas, os resultados são obtidos. Estas situações escritas, ou Vignettes,
estão “incompletas, exigindo a interpretação do indivíduo para dar sentido à situação”
(KIRSCHBAUM, HOELZ, 2010, p.8). Trata-se de situações hipotéticas do contexto
empresarial, especialmente focando nas relações de fábrica (situações cotidianas). Estas
relações podem ser entendidas como “sistemas de significados” (DAFT, WEICK, 2005, p.83).
Atendendo a uma das sugestões de Carolillo, Cortese e Donato (2008), a definição de relação
dual serve como referência para a análise etnometodológica. O entendimento da percepção do
colaborador diante das chefias, por exemplo, poderá favorecer nas melhorias de trabalho.
Pesquisas que trabalhem com o pedido de descrições mais abertas das ocorrências ou
fenômenos, se adequadamente mapeados, servem para orientar práticas futuras.
Como destaca Heritage (1999) o preceito de investigação etnometodológica entende que tanto
a análise das ações, quanto do conhecimento gerado nos fenômenos sociais estão intimamente
relacionados. Os conhecimentos dos envolvidos nas situações sociais e seus relatos são
importantes para que seja viável desenvolver possibilidades de explicação. Refere-se a “como
os participantes criam, reúnem, produzem e reproduzem as estruturas sociais para as quais se
orientam” (HERITAGE, 1999, p.332). Integra também a “investigação sobre o modo como a
inteligibilidade mútua da atividade ordinária é concretizada e mantida” (HERITAGE, 1999,
p.333), ou seja, proporciona a identificação de como as atividades ocorrem e seus fluxos.
Através das situações desenvolvidas para pesquisa, o objetivo é identificar as soluções dos
atores assim como “empregados no fluxo da vida cotidiana [...], atribuindo sentido aos
eventos, nas interações com os outros, como seres humanos participantes” do processo
empresarial (CAROLILLO, CORTESE, DONATO, 2008, p.5). Conforme os autores, o foco
está na interação, a qual é constituída de uma relação dual entre realidades que são cogeradas.
Identifica-se que o completo entendimento da cocriação no ambiente de produção é uma meta
inatingível, conforme destacam Vergara e Caldas (2005, p.71) ao lembrar que “a realidade
social, grupal, individual transborda de nossa capacidade de dela dar conta”. Apesar desta
observação, uma aproximação contextual e temporal da realidade é viável, e pode auxiliar na
constante busca de um entendimento mais geral e amplo das práticas produtivas.
A utilização de situações que demandem decisões hipotéticas dos colaboradores da fábrica
pode representar as suas opiniões pessoais, e prover pontos convergentes para o entendimento
do comportamento de trabalho. Como relevam Bendapudi e Leone (2003, p.26), a “expertise
percebida pode afetar nas respostas psicológicas” dos atores. Como esperado, durante a
operacionalização deste tipo de pesquisa, em muitos momentos respondentes são empáticos
com as situações hipotéticas, e manifestaram suas crenças ou posicionamentos. O emprego da
técnica das Vignettes está associado com a ideia de avaliação profunda, que advém da
consulta aos atores (por meio de pareceres – compreensões individuais e sentimentos diante
das situações). Mais que alternativas de objetividade articuladas em termos de respostas, a
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técnica proporciona o estudo da percepção diante de seu entendimento acerca das situações, e
mediante uma interpretação autêntica dos fatos, baseada em contextos de caráter formativo e
não superficial e/ou passivo (GARCIA, 2009). Conforme defensores do interpretacionismo, o
positivismo pode tornar estática uma realidade que é essencialmente dinâmica.
4. Considerações finais
DeShields Jr., Kara e Kaynak (2005, p.129) mencionam que para mensurar comportamento é
adequado utilizar “o acesso por meio de experiências de autopreenchimento”. Corroborando
com a ideia das vignettes como instrumento para coleta de dados, Oliveira et al. (2010, p.10)
destacam a importância deste tipo de pesquisa “em que se empreende uma desarrumação
(breaching) das rotinas”, para que os respondentes expressem opiniões e impulsos. Em
situações complexas e difíceis de se intervir, a Etnometodologia proporciona a coleta e a
interpretação do material com ação e entendimento dos sujeitos. Consiste em estudos do tipo
‘abrir a caixa preta’ para futuras métricas (KIRSCHBAUM, HOELZ, 2010). A utilidade da
etnometodologia neste contexto também ganha relevância pelas palavras de Alves, Pereira e
Bazzo (2010, p.15), quando existe a “complexidade dos conceitos abstratos e as dificuldades
em relacioná-los à prática”. É uma abordagem para pesquisa em contexto complexo, onde as
evidências são levantadas através dos sentidos comuns expressos pelos indivíduos, membros
do grupo (exemplo: operários de uma fábrica). Tendo como base para isso, a compreensão das
ações sociais dos atores e, ao mesmo tempo, provendo atribuições de sentido às ações dos
sujeitos (CAROLILLO, CORTESE, DONATO, 2008).
O principal método para elaboração de pareceres é a reflexão acerca das evidências coletadas.
Conforme Daft e Weick (2005), interpretações podem ser construídas através dos fragmentos
de informação. Assim como adotado no estudo da cocriação por Pini (2009), a abordagem de
coleta de dados proposta também está orientada pelo entendimento essencial do ator central,
que neste caso é o colaborador. A prerrogativa que orienta esta decisão recai em “mapear os
comportamentos e atitudes através da cocriação”, relevando os papéis (PINI, 2009, p.63).
Propõe-se a intervenção de pesquisa em contexto institucional (que neste caso, poderia ser
uma empresa), o que preconiza “propor uma ordem nas atividades concretas” (CAROLILLO,
CORTESE, DONATO, 2008, p.16). A ideia está na observação, ou busca de entendimento
das ações, tendo em vista uma compreensão da racionalidade contextual.
A contribuição deste conjunto de orientações metodológicas reside em reflexividade e
entendimento das situações particulares e cotidianas. Isto permite a ousadia de afirmar que “a
etnometodologia dá um passo evolucionário adiante” na compreensão e no estudo científico
dos fenômenos de ordem/construção social (SACRINI, 2009, p.671). Assim, “o entendimento
e a experiência excedem a conceitualidade e suas descrições de como dirigir a atenção ao
feitio do mundo como um tópico primordial para a pesquisa formal” (SACRINI, 2009, p.678).
Quanto ao aspecto aplicado de pesquisa (através da utilização de vignettes), é importante
destacar sobre sua formulação. Algumas sentenças devem ser dúbias, incompletas e, até
mesmo preconceituosas, o que serve para provocar os sujeitos (respondentes) a manifestarem
seus pensamentos e crenças mais íntimas. Salienta-se que este formato de situações polêmicas
é proposital, e faz parte da técnica. Como enfatizam Edvardsson, Tronvoll e Gruber (2011), o
estudo dos grupos sociais deve contemplar para além das respostas individuais, e aprofundar
ao estudo que seja próximo ao ambiente. Corroborando com a premissa orientadora deste
estudo, os autores também destacam a importância de pesquisas que utilizem das técnicas de
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autopreenchimento, e que fazem uso de narrativas, onde os dados devem ser capturados no
local em que os fenômenos ou fatos de interesse ocorrem. Trata-se de investigar diretamente
com os atores centrais, através de suas próprias palavras, e diante das suas situações de
interação e contexto (lembrando que etnometodologia é o estudo da vida em sua rotina).
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