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partidário brasileiro1
Introdução
Na maior parte de sua trajetória como nação independente, o Brasil não reuniu
condições minimamente favoráveis para o surgimento e posterior consolidação de um
sistema partidário moderno. Desde meados do século XIX o país experimentou tantas
formações partidárias quantas foram as mudanças de regime político, de forma que
mesmo os partidos que poderiam ter criado vínculos entre a população não lograram
tempo para fazê-lo. No século XX, após três décadas de uma experiência republicana
oligárquica, o processo de construção de identidades coletivas teve inicio nos anos 30,
sob a tutela de um estado autoritário. Finalmente, a democracia surgiu de forma tardia e
quando o fez, trouxe no seu bojo um sistema eleitoral que dificultava, e ainda dificulta a
identificação dos partidos pelo eleitorado. No plano das relações políticas o personalismo
sempre reinou de forma absoluta sendo comum encontrar, entre as principais lideranças,
um comportamento avesso à existência e funcionamento dos partidos. Tudo isso
contribuiu para que a construção de um sistema partidário dotado de vínculos com a
sociedade e capaz de conectá-la ao processo decisório fosse tarefa extremamente difícil,
quando não fadada ao fracasso.
Pelo menos em parte, tinha razão Sartori (1982) quando, na apresentação da
edição brasileira do clássico Partidos e Sistemas Partidários, referia-se ao sistema
partidário nacional como carecendo de um mínimo de estruturação e se encontrando em
permanente estado de fluxo. Transcorridos vinte anos, Mainwaring (2001), analisando as
taxas de volatilidade eleitoral, os vínculos entre os cidadãos e os partidos, bem como a
estrutura organizacional destes últimos, ainda apontava o caso brasileiro como um típico
exemplo de subdesenvolvimento institucional.
1
Texto publicado originalmente em MELO, Carlos Ranulfo e ALCANTARA, Manuel (eds.), A
DEMOCRACIA BRASILEIRA: BALANÇO E PERPSEPCTIVAS PARA O SÉCULO 21. Editora da
UFMG, 2007.
De fato, os partidos brasileiros estão longe de apresentarem a solidez de seus
similares europeus. A questão é saber se, dadas as condições em que sempre operaram, e
que de certa forma ainda operam, seria de se esperar o contrário. Certamente não. O atual
sistema partidário brasileiro, cuja origem remonta a 1979 e que aqui será analisado,
mantém elevados graus de fragmentação e, a depender do nível que se examine, de
volatilidade. Entre os eleitores as taxas de identificação partidária são baixas e a
confiança nos partidos pequena. Não obstante, e contrariando diagnósticos mais
pessimistas (Sartori, 1991; Mainwaring, 1993 e 2001; Ames, 2003), a seqüência de
eleições e, em especial, a dinâmica das disputas presidenciais, vem permitindo que o
sistema adquira estabilidade e consolide uma estrutura de competição moderada.
Ademais, como tem mostrado alguns autores (Figueiredo e Limongi, 1999, 2002 e 2005;
Amorim Neto 2000; Santos 2003; Inácio 2006) os partidos controlam o jogo político em
um nicho crucial: o Congresso Nacional. Ainda que tal controle não seja capaz de evitar
uma parcela dos deputados eleitos troque de legenda durante o mandato, é suficiente para
que os partidos atuem com bom grau de disciplina e as coalizões sustentem governos.
Analisar o sistema partidário brasileiro não é, como se verá, uma tarefa das mais
simples. Para tentar cumpri-la o texto está organizado da seguinte maneira. Na primeira
parte é feita uma incursão pela história com o objetivo de situar o leitor diante da
seqüência de formações partidárias que o país apresentou de sua independência até os
dias de hoje. A segunda parte é dedicada a uma breve apresentação do arranjo
institucional no qual operam os partidos, com destaque para o funcionamento do sistema
eleitoral. A evolução do atual sistema partidário, com base no desempenho eleitoral dos
seus principais partidos é o tema da terceira parte. Posteriormente, aborda-se o sistema
partidário no legislativo, sua relação com o sistema partidário eleitoral, com o exercício
do governo e com os eleitores. Ao final são tecidas algumas considerações sobre o
sistema no seu conjunto.
2
Para o leitor interessado na análise dos períodos aqui mencionados, de Vargas à ditadura militar, ver os
capítulos de Maria Hermínia Tavares de Almeida, Fabiano Santos e André Marenco.
Contribuindo para tanto, devem ser considerados alguns dos traços do arranjo
institucional em vigor. É o que veremos a seguir
3
Costuma-se argumentar que tal distribuição de cadeiras é compatível com a organização federativa e
contribui para equilibrar o jogo político ao reforçar a representação dos estados menores e mais pobres,
distorções significativas no grau de proporcionalidade dos resultados eleitorais em cada
estado. Onze estados elegem 08 representantes; outros oito elegem entre 09 e 18; os oito
restantes elegem acima de 20: Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo elegem 46, 53 e
70 deputados respectivamente.
Não existe cláusula de barreira explícita. A atual lei dos partidos, aprovada em
1995, previa a instituição de uma cláusula de desempenho: partidos que, a partir das
eleições de 2006, não obtivessem 5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados,
distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados com um mínimo de 2% do total de
cada um deles, poderiam manter seus representantes, mas perderiam o direito ao
funcionamento parlamentar e teriam drasticamente reduzidos o seu tempo de propaganda
partidária e eleitoral gratuita no rádio e na TV, bem como sua quota no Fundo Partidário
– recursos públicos disponibilizados de forma proporcional à força dos partidos. A
medida retiraria do jogo político as chamadas “legendas de aluguel”: micros partidos que
sobrevivem no mercado político negociando espaço nas listas e na propaganda gratuita.
Provocaria, ademais, uma redução no número de legendas relevantes no Congresso,
ameaçando organizações como o Partido Comunista do Brasil (PC do B), o Partido
Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido da República
(PL/PR) além do PDT e do PTB, todos com votação abaixo ou em torno do patamar
estabelecido. Mas na véspera de sua entrada em vigor o Supremo Tribunal Federal (STF)
considerou-a inconstitucional.
Funcionando como barreira embutida na fórmula eleitoral, em cada estado é
estabelecido um quociente, definido pela divisão do número de votos válidos em
determinada eleição pelas cadeiras em disputa. Partidos que não o alcançam perdem
direito à representação. Tal quociente é relativamente elevado nos estados menores, onde
corresponde a 12,5% dos votos válidos, e quase insignificante em São Paulo, onde
equivale a 1,4%, mas pode ser facilmente ultrapassado mesmo pelos pequenos partidos
com o auxílio das coligações. Permitidas inclusive para as eleições proporcionais, as
como se isso não fosse função do Senado Federal. Na verdade, a distorção tem origem no processo
constituinte de 1946, ocasião em que o poder Executivo federal logrou diminuir o peso dos estados de
Minas Gerais e de São Paulo na Câmara dos Deputados (Souza, 1976). O preceito constitucional valoriza
de modo diferenciado o voto do cidadão a depender do estado em que se encontre e beneficia os partidos
com maior implantação nos estados do Norte e Nordeste em detrimento daqueles que possuem sua
principal força eleitoral no Sul e no Sudeste.
coligações possibilitam que os partidos aliados compitam como se fossem um só, de
forma a somar as respectivas votações e a ultrapassar o quociente eleitoral.
A lista apresentada pelos partidos é aberta, não ordenada, e pode conter uma vez e
meia o número de vagas em disputa. O eleitor pode votar na legenda partidária ou marcar
um nome. A escolha feita não precisa guardar relação com aquelas realizadas para os
cargos majoritários. Uma vez calculado o número de cadeiras destinado a cada partido
nos estados, são declarados eleitos aqueles candidatos que tenham alcançado as maiores
votações nominais no interior da lista de seu partido ou coligação. No último caso, a
distribuição das cadeiras é feita de acordo com o desempenho individual dos candidatos,
e não proporcionalmente à votação obtida por cada um dos partidos da coligação, o que
introduz outro elemento de desproporcionalidade no sistema: aproveitando-se da força
das legendas maiores, pequenos partidos conseguem alcançar ou ampliar a representação
no Congresso. Às grandes legendas o mecanismo interessa na medida em que a coligação
se estenda à eleição majoritária, o que possibilita ao candidato a governador um
acréscimo no tempo de exibição gratuita no radio e na TV.
Como se pode perceber, em que pese a existência de algumas distorções no que se
refere à proporcionalidade, o sistema eleitoral adotado para a Câmara dos Deputados é
extremamente poroso e coloca poucas barreiras à representação parlamentar. Ademais, a
legislação eleitoral e partidária, não coloca obstáculos de monta à constituição dos
partidos e garante que uma expressiva quantidade de recursos públicos lhes seja
disponibilizada, através do acesso gratuito ao rádio e à TV e das quotas anuais do Fundo
Partidário. Nos 45 dias que antecedem a qualquer eleição, os partidos brasileiros têm
acesso a dois blocos diários no rádio e na TV, de 50 minutos cada, em horários pré-
determinados, e a 30 minutos, também diários, que podem ser utilizados para a
veiculação de inserções comerciais de até 60 segundos. No período entre as eleições os
partidos têm direito, ainda, a um programa semestral. Os recursos disponibilizados pelo
Fundo variam a cada ano – em 2006 o total repartido foi de pouco mais de 53 milhões de
euros, cabendo ao maior partido – o PT – quase 11 milhões. Ainda que a distribuição de
tais recursos seja proporcional à força dos partidos, a legislação permite que mesmo as
organizações que não logrem eleger representantes tenham acesso a uma parcela do
tempo na propaganda gratuita e dos recursos do Fundo.
O cenário resultante é altamente competitivo, mas trata-se de uma competição
personalizada: não apenas muitos partidos – 28 possuem registro no Tribunal Superior
Eleitoral – mas um vasto exército de candidatos compete entre si pelo voto do eleitor. A
estrutura de incentivos sob as quais operam os atores leva-os a priorizar estratégias que
favoreçam a criação de laços entre os candidatos e os eleitores. De um lado, a lista aberta
incentiva a afirmação dos atributos pessoais relativamente aos do partido (Shugart e
Carey, 1995), o que se torna mais evidente sempre que candidatos da mesma legenda
disputam a mesma parcela do eleitorado. De outro a generalização das coligações e sua
permissão nas eleições proporcionais, contribui para borrar ainda mais a imagem dos
partidos perante os eleitores. Se a isso for acrescentada a acidentada trajetória dos
partidos no país, fica fácil compreender porque se mantêm reduzidos os índices de
identificação partidária no país. No período recente, apenas o PT optou por fazer da
afirmação de sua sigla um instrumento de ação coletiva logrando, com isso, obter níveis
de identificação muito superiores – em torno dos 20% – aos obtidos pelos demais
partidos (Kinzo, 2005).
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Para o período de 1945, os valores de N são os seguintes: 2,7 (1945); 4,1 (1950); 4,3 (1954); 4,4 (1958) e
4,5 (1962) (Nicolau, 2006). Os dados referem-se à Câmara dos Deputados.
vota, mas também o grau de estruturação do sistema partidário. Dessa maneira, um
sistema eleitoral “fraco”, como o de representação proporcional, pode ser
contrabalanceado por um sistema partidário “forte” – como seria o caso do Uruguai, ou
da Venezuela até os anos 90 – de forma que a existência de duas, ou três, grandes
máquinas eleitorais nacionalmente enraizadas canalize o voto da maioria do eleitorado e
torne-se condição suficiente para inibir um processo de fragmentação. No caso brasileiro,
a competição partidária no período de 1945 manteve-se estruturada em torno de três
partidos razoavelmente implantados em todo o território nacional. Isso não impediu o
surgimento de pequenos partidos, a maioria deles dotados de inserção em apenas alguns
estados, mas fez com que o sistema partidário mantivesse o mesmo formato do princípio
ao fim5. Diferentemente, no período atual, a matriz inicial do sistema não resistiu às
primeiras eleições e já em 1990 em lugar das duas grandes máquinas presentes em 1982,
surgia um elevado número de partidos de porte médio. A partir de então, na ausência de
partidos fortes em todo o território nacional, o efeito combinado da representação
proporcional com o federalismo se faria sentir com mais força do que no período de
1945, resultando em um sistema altamente fragmentado e competitivo.
A menção ao federalismo no parágrafo acima merece um comentário. Como os
principais partidos nacionais não são os maiores em todas as unidades da federação, a
competição eleitoral assume formatos distintos de um estado para outro e é o somatório
do resultado das várias competições estaduais que define a composição do sistema
partidário no Congresso. Trata-se, portanto, de um sistema dotado de espaço não apenas
para a proliferação de pequenas siglas, mas para o desenvolvimento de organizações de
porte médio as quais, aproveitando-se de elevada magnitude de vários dos distritos,
chegam à Câmara com um número de deputados que lhes permite adquirir relevância no
processo decisório. O impacto do federalismo pode ser avaliado de forma mais direta no
Senado onde, apesar da adoção do sistema majoritário, a fragmentação é elevada: entre
1990 e 2006 o número efetivo de partidos assumiu um valor médio de 5,8. A explicação
para tal valor encontra-se na ausência de partidos capazes de fazer valer sua força em
5
Nas eleições inaugurais, de 1945, o PTB conquistou apenas 7,7% das cadeiras na Câmara dos Deputados.
Mas o partido cresceu de forma ininterrupta até chegar aos 25,7% em 1962, ultrapassando a UDN e
equiparando-se ao PSD (Lavareda, 1991; Hipólito, 1985). Como mencionado, a baixa fragmentação não
impediu que o sistema assumisse uma dinâmica polarizada no início dos anos 60.
todo o território nacional e na conseqüente existência de sistemas competitivos
diferenciados.
A tabela 1 permite um melhor acompanhamento da discussão. Nela estão
alocados os partidos com seu percentual de cadeiras na Câmara dos Deputados entre
1982 e 20066. Com base nos dados é possível afirmar que o atual sistema partidário
brasileiro passou por três fases distintas. A reforma partidária de 1979 deu origem a um
sistema de cinco partidos. Beneficiando-se, contudo, da estrutura organizacional herdada
da ARENA e do MDB, da legitimidade conquistada ao longo do regime militar e da
legislação eleitoral vigente7, PDS e PMDB emergiram da eleição de 1982 com 90% das
cadeiras na Câmara, além de 97% no Senado. O formato bipartidário começou a ser
desconstituído ainda em 1985 quando a maioria dos deputados, senadores e governadores
do PDS resolveu fundar o Partido da Frente Liberal (PFL). O movimento foi necessário
para liberar os que assim o quisessem da incômoda vinculação ao regime militar,
possibilitar uma aliança com o PMDB, garantir a vitória de Tancredo Neves no Colégio
Eleitoral e, posteriormente, fornecer a base parlamentar ao governo de José Sarney8. O
resultado eleitoral de 1986 marcou o sucesso da transição para a democracia e o bom
desempenho inicial do governo civil. O PMDB colheu os melhores frutos: conquistou
53% das vagas na Câmara, 77,5% no Senado e elegeu 96% dos governadores nos
estados. Mas o fracasso do governo Sarney no comando da economia, claramente
delineado já em 1987, atingiu em cheio o partido, subtraindo-lhe o capital político
acumulado e retirando-lhe a unidade necessária para atuar como agente fiador do sistema.
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Como já deve estar claro, graças às características do federalismo brasileiro, o desempenho dos partidos
pode apresentar variações significativas quando a análise passa do plano nacional para o estadual e, mais
ainda, para o municipal. De maneira geral, pode-se dizer que o sistema partidário apresenta uma
diminuição do seu grau de estruturação na medida em que nos aproximamos do plano local. A abordagem
feita neste capítulo privilegiará o plano nacional fazendo referência, quando necessário, aos demais níveis.
No que se refere ao Congresso, também se observam variações, ainda que bem menores, quando se
compara a força dos partidos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. A referência aqui será a
Câmara uma vez que se trata do órgão mais representativo.
7
Utilizando seu controle sobre o Congresso o governo militar impôs regras que proibiam a realização de
coligações, obrigavam os partidos a lançar listas completas (de vereador a governador) e ao eleitor a
escolher entre estas últimas. Sob o argumento de que era necessário fortalecer as legendas partidárias, o
regime militar pretendia impedir que os partidos de oposição se coligassem contra o PDS. A medida
terminou favorecendo as duas grandes máquinas partidárias à época e criando um cenário adverso para os
pequenos partidos: PDT, PT e PTB
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A sucessão do general Figueiredo se decidiu em um Colégio instituído pelo regime militar. A chapa
Tancredo Neves/ José Sarney venceu a disputa, mas o primeiro morreu antes de tomar posse e o segundo
assumiu em seu lugar.
O partido se dividiu ao meio nas votações mais importantes da Assembléia Constituinte
de 1988 (Kinzo, 1990 e 1993; Mainwaring e Linãn 1998) e sua crise se estendeu ao
conjunto sistema partidário provocando sua desestabilização. Em 1988 parlamentares do
PMDB criaram o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), no que seria o sinal
de partida para um amplo processo de reacomodação das elites políticas no Congresso,
por meio da criação de novos partidos e da migração entre as legendas existentes (Melo,
2004). Em 1990, o sistema partidário na Câmara dos Deputados já era completamente
distinto, como bem mostra o valor de N (8,7). Os dois partidos que haviam sustentado o
governo e conduzido a transição perderam 40% das cadeiras na Câmara, abrindo espaço
para uma série de partidos de porte médio alguns dos quais, como o Partido da
Reconstrução Nacional (PRN), o Partido Trabalhista Renovador (PTR)/Partido Popular
(PP) e o Partido Democrático Cristão (PDC), logo desapareceriam do cenário.
Tabela 1
Percentual de cadeiras obtido pelos partidos, número absoluto (Nab) e número
efetivo de partidos (N) na Câmara dos Deputados (1982-2006)
9
Existe razoável consenso na ciência política brasileira quanto à disposição dos atuais partidos no espectro
esquerda/direita. À esquerda estariam PT, PDT, PSB, PC do B e PPS. Ao centro, PMDB e PSDB. À direita,
PFL, PDS/PP, PTB e PL, além dos já extintos PRN, PDC e PTR/PP (ver, por exemplo, Figueiredo e
Limongi, 1999). Em recente survey aplicado por pesquisadores do Centro de Estudos Legislativos do
curva de desempenho eleitoral e já em 1994, enquanto Lula subia de 17,2% para 27,0%
dos votos, Brizola despencava de 16,5% para 3,2%. A presença do PT nas disputas
presidenciais em condição de destaque transformou-se no principal trunfo do partido,
possibilitando um contínuo aumento nos votos e cadeiras obtidas para o Congresso, ainda
que tal crescimento não tenha se refletido nos estados e municípios10.
Na eleição de 1994 o PSDB estabeleceria o seu espaço. Ao apresentar um
programa consistente de estabilização econômica e concretizar uma aliança de centro-
direita com o PFL e o PTB, o partido e seu candidato, Fernando Henrique Cardoso,
assumiram o papel que o PMDB havia cumprido na transição para a democracia e
parecia, pelo menos até 1986, destinado a preservar: a condição de agente capaz de
operar a partir do centro do sistema partidário e amortecer as tendências à polarização.
Ainda que o exercício do governo tenha obscurecido a grife social democrata do PSDB,
as vitórias presidenciais em 1994 e 1998 propiciaram-lhe acentuado crescimento. Nas
duas disputas posteriores o partido seria derrotado por Lula e veria sua bancada
retroceder na Câmara11.
PMDB e PFL, por sua vez, não lograram desempenhar um papel de destaque nas
eleições presidenciais. A situação mais paradoxal é, sem dúvida, a do primeiro, que
possui a máquina partidária mais bem estruturada entre as quatro maiores legendas. Seus
candidatos à presidência da República, em 1989 e 1994, foram abandonados à própria
sorte e tiveram fraco desempenho. Em 1998, em razão de divisões internas, o PMDB não
conseguiu se posicionar na eleição presidencial. Quatro anos depois, aproveitando-se dos
problemas ocorridos nas relações entre o PSDB e o PFL, forneceria o candidato à vice-
Departamento de Ciência Política da UFMG – no contexto do projeto Elites Parlamentares, dirigido pelo
Instituto Iberoamericano da Universidade de Salamanca – tal distribuição se viu confirmada na visão dos
próprios legisladores, exceção parcial feita ao PTB.
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Nas eleições municipais o partido ocupa um modesto sexto lugar em número de prefeitos eleitos. Seu
desempenho cresce sensivelmente quando são analisados apenas os grandes municípios, aqueles com mais
de 200 mil eleitores. Mas a boa performance nestes municípios não tem sido suficiente para que o partido
seja vitorioso nas eleições para o governo nos principais estados. São apenas duas as exceções: a vitória no
Rio Grande do Sul em 1998 e na Bahia em 2006. Em 2002, quando Lula foi eleito presidente pela primeira
vez, o partido conquistou apenas três governos, em estados de menor relevância no plano político nacional
– Acre, Piauí e Mato Grosso do Sul. Em 2006 o PT elegeu cinco governadores, mas nenhum na região
centro/sul do país.
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No plano estadual não houve recuo. O PSDB elegeu seis governadores (haviam sido sete em 2002), entre
eles os de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No que se refere ao número de deputados
estaduais obteve o segundo melhor desempenho, atrás do PMDB, e conquistou 14,1% das cadeiras em
disputa, percentual semelhante ao de 1998, ano em que obteve seu melhor desempenho (14,5%).
presidência de José Serra, mas terminaria aderindo ao governo de Lula! Nos dois
momentos, a tese da “candidatura própria” foi derrotada pela percepção de que o partido
não possuía nomes competitivos. Em 2006, Anthony Garotinho, que em 2002 havia
concorrido pelo PSB, pleiteou a candidatura pelo partido. Sua tentativa foi bombardeada
por dois fatores: a) a determinação do Tribunal Superior Eleitoral, vigente desde 2002,
segundo a qual partidos que firmassem uma coligação para a Presidência da República
não poderiam firmar aliança nas disputas estaduais com outros partidos que tivessem,
isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato à eleição presidencial; b) a
divisão no interior do partido entre apoiar ou não a candidatura Lula. Diante do dilema o
PMDB novamente optou não se posicionar na disputa presidencial, deixando seus
candidatos nos estados livres para estabelecer as alianças necessárias. Profundamente
dividido, incapaz de articular um projeto nacional e carente de lideranças que pudessem
servir como ponto de aglutinação, o partido manteve-se, ao longo destes anos, como um
partido estritamente office seeker (Mueller & Strom, 1999), um agregado de interesses
regionais precariamente unificados pela maximização de cargos no plano federal.
Decorrência quase direta das dificuldades no plano nacional, o PMDB viu sua força
declinar de modo sistemático entre 1990 e 2002, não apenas na Câmara dos Deputados,
mas em todos os níveis de representação no país (Melo, 2006). A queda só não foi maior
porque o partido se manteve competitivo nas disputas para os governos estaduais o que,
dada a simultaneidade das eleições, tem impacto positivo no desempenho para o
Congresso. Em 2006, a tendência foi interrompida e o partido viu sua bancada voltar a
crescer na Câmara dos Deputados.
Diferentemente do PMDB, o PFL articula-se em torno de um projeto político
nacional, claramente neoliberal, e apresenta-se como um dos partidos mais disciplinados
do Congresso (Figueiredo e Limongi, 1999; Inácio, 2006). A partir de 1994, o partido, ao
mesmo tempo, em que privilegiava a aliança com o PSDB, procurou demarcar um lugar
próprio na disputa presidencial. O insucesso no caso não deve ser creditado à divisão
interna e sim a fatores alheios à vontade de seus líderes. Sua mais promissora liderança, o
deputado e então presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, morreu de maneira
precoce em 1998, quando se preparava para disputar o governo de seu estado e
despontava como candidato à sucessão de Fernando Henrique Cardoso em 2002. No final
de 2001, o partido lançou outro nome, o da então governadora Roseana Sarney, para a
disputa presidencial. Depois de uma meteórica subida nas pesquisas de opinião, a
candidatura foi retirada em meio a denúncias de corrupção envolvendo o seu marido. O
PFL acabou se ausentando das eleições presidenciais de 2002, mas a aliança eleitoral com
o PSDB seria retomada em 2006.
Com a vitória de Lula o partido dirigiu-se para a oposição, o que lhe custou novo
recuo eleitoral em 2006, mas manteve a coerência de sua trajetória – as demais legendas
situadas à direita trataram de aderir ao governo eleito pela esquerda. O fraco desempenho
nas urnas, no entanto, cobrou seu preço e suas lideranças, numa tentativa de inaugurar
“uma nova etapa na busca pelo poder” 12, optaram pela troca do nome do partido que, a
partir de março de 2007, passou a se chamar Democratas (DEM). A alteração certamente
não terá grande impacto eleitoral, uma vez que apenas 5% do eleitorado se diz
identificado com a antiga denominação, mas mostra que é à direita onde o quadro
partidário brasileiro apresenta menor estabilidade13.
Enfim, pode-se dizer que as eleições presidenciais têm feito que o sistema
partidário nacional se estruture em torno de dois pontos de referência. Um situado à
esquerda, capitaneado pelo PT. Outro, constituído pela aliança de centro-direita
PSDB/PFL. Oscilando entre os dois, o PMDB. Mas em que pese o efeito estruturante da
dinâmica presidencial, é muito pouco provável que o sistema se modifique no sentido de
destacar de forma clara os dois partidos que vêm protagonizando esse processo. Mesmo
que não se mostrem capazes de consolidar um espaço próprio na competição pela
Presidência, PMDB e PFL continuarão se beneficiando da estrutura federativa do país. Os
12
Declaração de Jorge Bornhausen, ex-presidente do partido ao jornal Folha de São Paulo, em 08 de
fevereiro de 2007. A Convenção que oficializou a mudança de nome se realizou em 28 de março. Nas
eleições de 2006, o PFL se saiu bem apenas no Senado, o que lhe garantiu a segunda maior bancada, atrás
do PMDB. Além do expressivo recuo na Câmara dos Deputados, o PFL sofreu séria derrota nos estados,
conseguindo eleger apenas um governador e perdendo parte considerável de seu espaço no Nordeste para a
esquerda, em especial para o PT e o PSB. Não obstante, o partido é, de forma incontestável, a mais sólida
das legendas à direita do espectro partidário. O PDS/PP conseguiu se recuperar do desastre eleitoral de
1986 e oscilou ao longo da década de 90. Sua estabilidade pode ser explicada pelos processos de fusão
realizados no Congresso: a incorporação de dois partidos de porte médio – o PDC em 1993 e o PTR/PP em
1995 – lhe permitiu maior fôlego nas eleições subseqüentes. A partir de 2002, na ausência de fusões que
compensassem a perda de força da legenda, a bancada na Câmara voltou a cair, o partido deixou de ser
relevante no Senado, onde possui apenas um representante, e conseguiu eleger apenas um governador. O
PTB, por sua vez, atingiu seu limite de crescimento no final da década de 80, passando a perder força desde
1994.
13
Também o Partido Liberal (PL), após incorporar algumas legendas pouco expressivas, trocou de nome,
passando a se chamar Partido da República (PR).
recursos disponíveis nos planos estaduais e municipais são de tal monta que possibilitam
o surgimento de dinâmicas partidárias relativamente autônomas e o florescimento de
carreiras políticas exclusivamente locais. Ademais de favorecer o surgimento de partidos
descentralizados e dotados de clivagens territoriais internas, a existência de dinâmicas
políticas sub-nacionais, acopladas à disponibilidade de recursos, é capaz de garantir a
sobrevivência de organizações partidárias que, de outro modo, não resistiriam à
competição nacional. O raciocínio estende-se, como é óbvio, para o PDS/PP – partido
que se mantém graças à necessidade de que lideranças dotadas de influência no Sul e
Sudeste do país estabeleçam um espaço de atuação autônoma no interior do campo
conservador – e aos demais partidos de porte médio e pequeno, para os quais existem
amplos espaços na “periferia” do sistema. A tendência é, portanto, que o sistema se
mantenha com quatro partidos maiores, entre quatro e seis organizações de porte médio e
um número indefinido de pequenas legendas.
A tabela 3, que apresenta a composição partidária das coalizões governistas entre 1985 e
2006, permite perceber que os dois pontos de referência constituídos em torno da
dinâmica presidencial têm se mantido no Congresso, ainda que a situação deva ser mais
bem qualificada após as vitórias de Lula. PSDB e PFL vêm atuando juntos desde 1994.
Apoiaram Itamar Franco, que sucedeu a Collor depois do processo de impeachment,
constituíram o núcleo duro dos governos de Cardoso e declararam-se em oposição a Lula.
A aliança foi interrompida apenas em 2002, por ocasião do lançamento pelo PFL da
frustrada candidatura de Roseana Sarney à presidência da República, mas retomada em
2003. Do outro lado, os partidos de esquerda, com a breve exceção do PSB no início do
governo Itamar Franco, mantiveram-se na oposição até 2002. A coalizão governista
firmada por Lula provocou algumas alterações no quadro sem, no entanto, desconstituir
os dois blocos. Inicialmente Lula governou com os partidos que o haviam apoiado no
segundo turno, optando por uma coalizão descontínua ao centro. Em função de
divergências programáticas em torno da Reforma da Previdência e da aguda crise política
provocada pelo episódio do “mensalão”, o governo perdeu alguns de seus aliados à
esquerda14. Posteriormente foram formalmente incorporados à coalizão o PMDB e o PP.
A incorporação de aliados de todos os matizes ideológicos, gerando as mais heterogêneas
coalizões do período, só foi possível graças ao fato de que Lula e o PT já haviam
deslocado suas preferências, afastando-se significativamente daquelas expressas em
1989, e contribuindo para que o sistema partidário assumisse uma dinâmica de
competição moderada. Com as opções feitas por Lula, a linha demarcatória entre
oposição e situação deixou de coincidir perfeitamente, como ocorrera até 2002, com
aquela que separa esquerda e direita.
Tabela 3
Coalizões governistas e ideologia entre 1985 e 2007
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As primeiras dissensões ocorreram ainda em 2003 por ocasião da Reforma da Previdência, quando
alguns parlamentares do PT se recusaram a acompanhar as posições do Partido e foram expulsos da
legenda. Em 2004, pelos mesmos motivos, o PDT anunciou o rompimento com o governo. Em 2005 um
integrante da base do governo denunciou a existência de um esquema de pagamento a deputados, o
“mensalão”, em troca de apoio nas votações no Congresso. A denúncia colocou sob forte suspeita o
governo e parte de sua bancada de apoio, submeteu a intenso desgaste o PT, gerou a instalação de três
Comissões Parlamentares de Inquérito no Congresso as quais recomendaram a abertura de processo de
cassação de 71 deputados, paralisou por alguns meses a agenda legislativa e provocou a demissão dos dois
ministros mais poderosos de Lula: José Dirceu e Antônio Palloci. Dirceu seria, posteriormente, um dos
poucos deputados cassados. Em que pese a profundidade da crise e a dimensão adquirida na mídia pelos
acontecimentos, o governo conseguiu se recuperar e Lula se reelegeu em 2006. Em 2007, no início do
segundo governo, o bloco de esquerda seria recomposto com a volta do PDT ao governo.
PC do B
Fonte: Adaptado de Figueiredo (2006).
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Tal quadro pode sofrer uma drástica alteração. Em março de 2007 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
respondendo a uma solicitação do PFL, ofereceu uma nova interpretação da Constituição, segundo a qual
os mandatos pertenceriam aos partidos e não aos deputados. Segundo o TSE, os partidos poderiam recorrer
à justiça para reaver os mandatos dos deputados que tenham abandonado as legendas pelas quais foram
eleitos. No momento em que este capítulo estava sendo escrito não era possível avaliar o impacto da nova
orientação do TSE sobre as migrações no legislativo brasileiro. Em reação à nova interpretação do Tribunal
a Câmara dos Deputados tentou legislar sobre o assunto, estabelecendo restrições à troca de partidos.
Realizada em junho de 2007, a tentativa fracassou, assim como o projeto de reforma política no qual se
encontrava inserida (ver, a este respeito, o capítulo de autoria de Lucio Rennó).
Vale a pena explorar mais detidamente o ponto para melhor compreender o que
são os partidos na Câmara dos Deputados. A tabela 4 mostra o percentual de deputados
que abandonou o partido pelo qual foi eleito entre os anos de 1985 e 2006.
Tabela 4
% de deputados (titulares) que migram para os dez maiores partidos na Câmara
(1985/2006)
Tabela 5
Índice de Rice e percentual de deserção para os 07 maiores partidos
da Câmara dos Deputados
(1985/ 2006)
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O PDT é o caso mais saliente: 41,4% dos deputados que saíram do partido marcharam para legendas
situadas à direita do espectro, enquanto apenas 20% se mantiveram à esquerda. Segundo Melo (2004), a
explicação para tal comportamento reside na “captura” de algumas seções estaduais do partido por
lideranças de perfil conservador as quais, uma vez na Câmara, tendem a se reposicionar.
deputados tenham escassos vínculos com suas bancadas ao chegarem à Câmara. Senão
vejamos: a) a ampla oferta de siglas no mercado eleitoral permite que, mesmo levando
em conta as afinidades ideológicas, candidatos competitivos encontrem as portas abertas
em um expressivo número de partidos em cada estado; b) é possível, portanto, escolher o
partido pelo qual se pretende concorrer com base na projeção individual da votação, na
avaliação sobre as perspectivas de cada sigla e no conhecimento do grau de concorrência
interna a enfrentar em cada uma das opções disponíveis; c) em cada Estado o universo de
escolha é diferente, uma vez que o grau de implantação e a força relativa dos partidos
variam significativamente. Um contexto como esse é compatível com a prevalência de
considerações estratégicas de curtíssimo prazo, ou seja, concernentes apenas ao momento
eleitoral. Dito de outra forma, as mesmas razões que levam um candidato a buscar o PTB
em Roraima poderiam fazer com que, em outro Estado, ele bata à porta do PFL, do PPB,
do PL ou mesmo do PSDB. Ele sabe que, uma vez na Câmara, e tendo à frente outro
universo de escolhas, pode se reposicionar, se assim o desejar.
A migração consolidou-se como um jogo do qual participam ativamente lideres e
liderados. Para estes interessa o crescimento da bancada, seja para aumentar o poder de
barganha no interior do Congresso e, quando é o caso, na composição da equipe
ministerial, seja para atrair para a legenda deputados detentores de prestígio local e bom
cabedal de votos. Mas em um legislativo controlado pelos líderes partidários, a migração
sempre foi uma porta aberta ao deputado que, ao perseguir seus objetivos, possuía
alternativa que não a de reforçar o partido pelo qual havia sido eleito: ele podia
simplesmente filiar-se a outra legenda. Ambas as alternativas, seguir o líder ou procurar
outro líder, são estritamente racionais e revelam um comportamento adequado às regras
do jogo.
Para os deputados, a troca de legenda sempre se configurou como uma operação
de baixo custo. À exceção do tempo mínimo (um ano) de filiação partidária exigido para
efeito de elegibilidade, o deputado que quisesse alterar a filiação partidária no curso do
mandato não sofria nenhum tipo de constrangimento institucional. Por outro lado, sempre
foi pequena a parcela do eleitorado que se orienta partidariamente no momento da
escolha de um candidato ao legislativo (Nicolau, 2002) e que, portanto, se mostra
disposta, ou mesmo em condições de punir o deputado que tenha alterado sua filiação
partidária. Neste contexto disseminou-se entre os deputados a percepção de que a troca de
legenda seria uma estratégia razoável tendo em vista a redução do nível de incerteza
inerente ao competitivo cenário eleitoral brasileiro. Ainda que tenham sido registradas
movimentações motivadas por conflitos de ordem programático/ideológica estas sempre
perfizeram uma pequena parcela do conjunto. Na grande maioria dos casos, tratava-se de
buscar uma legenda que oferecesse ao deputado acesso a recursos distributivos e/ou
melhores oportunidades eleitorais. Para o período analisado apontam nesse sentido:
• Uma maior incidência das migrações entre aqueles deputados sem acesso a
recursos de poder a partir do exercício do mandato17;
• Uma concentração das movimentações no primeiro e no terceiro ano das
legislaturas, com picos nos períodos de janeiro e fevereiro e de agosto a outubro.
Tal padrão significa que o aumento das migrações encontra-se associado a
momentos em que o deputado necessita realizar escolhas que podem ter
incidência sobre sua carreira, se reposicionando em função do jogo parlamentar
(janeiro/fevereiro) ou das próximas eleições (agosto a outubro)18.
• Uma tendência a migrar para a base do governo na medida em que: a) os partidos
da coalizão compartilhassem responsabilidade governativa e usufruíssem dos
recursos daí advindos e, b) o presidente detivesse bons índices de popularidade.
Em conseqüência, Cardoso e Lula, em seus primeiros governos, tiveram suas
bases de sustentação na Câmara dos Deputados sensivelmente ampliadas pelas
trocas de legenda19.
17
Entre 1985 e 2002, segundo Melo (2004), deputados que assumiram cargos na Mesa Diretora, que foram
eleitos líderes de seu partido, indicados presidentes de comissões permanentes, assumem pastas ministeriais
ou secretarias estaduais, migram com uma intensidade muito menor do que os demais.
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No início do ano são definidas as posições na Câmara, sendo que no primeiro ano é definida também a
configuração inicial do governo. Nos meses de setembro e outubro, no primeiro e terceiro ano da
legislatura, são definidas as posições para as eleições municipais (que coincidem com o segundo ano da
legislatura federal e para a qual cerca de 1/5 dos deputados costuma se apresentar) e para as eleições gerais.
As eleições ocorrem no primeiro domingo de outubro e os candidatos devem definir sua filiação com um
ano de antecedência.
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De acordo com Melo e Miranda (2006), a base do governo Lula ganhou 44 deputados em 2003. Em
2005, devido à crise do “mensalão” e a queda de popularidade do presidente, o sentido governista das
migrações deixou de prevalecer. Estar no governo ou na oposição pode fazer muita diferença no que se
refere à atratividade de um partido. Ainda durante Lula, a bancada do PSDB perdeu 15 deputados (09
entraram e 24 saíram do partido), o equivalente a 24,2% dos eleitos. No primeiro governo Cardoso a
bancada havia ganhado 30 deputados (42 entraram e 12 saíram), o equivalente a 47,6% dos eleitos em
É fora de questão que a troca de legenda em nada contribui, pelo contrário, para
melhorar o grau de legitimidade que políticos e partidos, de um modo geral, possuem na
sociedade brasileira. As migrações contribuem ainda para diminuir a inteligibilidade de
um sistema político que funciona em três níveis distintos, todos eles repletos de partidos e
coligações.
E o que é mais importante, afetam a representatividade do sistema. A troca de
partido não constitui, necessariamente, uma violação à vontade do eleitor. E isso pelo
simples e bom motivo de que, com o sistema de lista aberta, a escolha eleitoral tende a
ser personalizada e não partidária. No Brasil, a maioria dos eleitores que consegue fazer-
se representar no Congresso constitui o deputado, e não o partido, como o seu agente. O
quadro é outro, no entanto, quando analisamos o problema não mais sob a ótica de cada
eleitor, mas em função do resultado do processo eleitoral. Neste sentido, as migrações no
interior do poder legislativo fazem com que o sistema partidário parlamentar se afaste
do sistema partidário eleitoral de forma acentuada. Em qualquer democracia, em
algumas mais do que em outras, tal afastamento é decorrência apenas da aplicação do
sistema eleitoral. No Brasil, esta distância continua a aumentar depois de transformados
os votos em cadeiras e iniciada a legislatura, sem que, evidentemente, haja qualquer
interferência do eleitorado. A migração partidária não tem como se realizar sem
desrespeitar o resultado do processo eleitoral; e ela o faz ao permitir que a força de um
partido no legislativo deixe de guardar relação com seu desempenho nas urnas. Dois
exemplos ilustram o ponto. Em 1998, o PL elegeu 12 deputados. Ao longo do período
legislativo perdeu 10 de seus membros originais, mas ganhou 21 novos, de forma que
praticamente não existia semelhança entre a bancada eleita e aquela resultante das
escolhas feitas pelos deputados. Em 2002, o PTB conquistou 26 cadeiras, mas em 2004 o
partido possuía uma bancada de 52 deputados. Sem sombra de dúvidas, a troca de
cadeiras questiona a representatividade do sistema partidário na Câmara dos Deputados.
A existência de uma descontinuidade entre os sistemas partidários no plano
eleitoral e parlamentar pode ser abordada ainda sob outro ângulo, dando ensejo a um
1994. O PFL, em Lula, perdeu 19 deputados ou 21% da bancada (14 entraram e 33 saíram). Durante o
governo Cardoso o partido ganhou 22 novos legisladores, um aumento de 25% (37 entraram e 15 saíram).
último comentário. Como a esta altura está evidente, o sistema de lista aberta faz do
candidato a figura central do processo eleitoral. Mas na Câmara dos Deputados, as regras
são outras, privilegiando os partidos e fazendo com que os legisladores não disponham de
recursos para influir individualmente na agenda e no processo legislativo. O problema
pode ser assim colocado. Nas eleições proporcionais, o eleitor vota de acordo com as
características do candidato supondo que este seja capaz, uma vez eleito, de levar à frente
suas propostas. O deputado, por sua vez, eleito no contexto de uma relação na qual os
compromissos assumidos com os eleitores são de ordem pessoal, encontrará no
legislativo, um contexto institucional que inibe a perseguição de tais objetivos ou, pelo
menos, que só o permite com a condição de que sejam compatíveis com as preferências
dos líderes partidários. Pode-se dizer que o cenário parlamentar “corrige” um problema
do cenário eleitoral, ao introduzir com mais clareza os partidos. Mas a comparação entre
os dois cenários permite chegar à conclusão de que o eleitor acaba sendo levado a
designar o agente errado na defesa de seus interesses (Anastásia e Melo, 2002).
Conclusão
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A morte de Antônio Carlos Magalhães, ocorrida em julho de 2007, tornou ainda mais evidente essa
necessidade.
tempo recuperar o terreno perdido, em especial no Nordeste, após as eleições de 2002 e
2006.
É certo que o sistema partidário manterá um elevado grau de fragmentação, em
função do efeito combinado da representação proporcional mais o federalismo. A
ausência de uma cláusula de barreira, a existência de distritos de elevada magnitude e o
fato de que o quadro de partidos assume características distintas a depender do estado,
atua em sentido contrário à dinâmica presidencial, garantindo a sobrevivência dos
partidos pequenos e possibilitando aos de porte médio alguma influência sobre o processo
decisório. É provável também que, no que se refere à relação com a sociedade, o quadro
se mantenha precário, pois para além de outros fatores, o arranjo institucional vigente
incentiva a elite política a adotar, no cenário eleitoral, estratégias que valorizam os
indivíduos em detrimento dos partidos. Neste cenário, a criação de identidades partidárias
relativamente estáveis não é algo em que se deva apostar.
Para concluir, cabe dizer que algumas iniciativas no plano institucional poderiam
ser tomadas. Especialmente, a proibição de coligações nas eleições proporcionais, a
substituição do sistema de lista aberta pela lista fechada ou flexível e a restrição da
migração partidária no interior das casas legislativas, seriam medidas que contribuiriam
para tornar mais nítida a presença dos partidos e diminuir o fosso entre os sistemas
partidário eleitoral e parlamentar, aumentando os graus de inteligibilidade e
representatividade do processo político.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS