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Nunca tantas perguntas tinham sido feitas por um único ser. A curiosidade
Estava sempre preparada para agredir o pai com alguma das suas dolorosas
aquele que nunca tivera coragem de montar. Desde que a irmã mais velha
preferia gritar a subir as escadas. O pai deu com ela respirando ofegante,
- Não, não vou. – Disse a rapariga, barrando uma torrada com doce de
Isabel, sua mãe, entrou nesse momento na sala atrás do marido, apoiando
- Nívea a tua irmã precisa de ti. – Disse baixo, na sua voz dócil.
- Nívea a tua irmã não pode andar, sabes bem que é incapaz de tratar disso
sozinha!
sorte. A irmã fora a escolhida para cair de um cavalo, ela não pretendia por
o pé em nenhum.
capricho. Mas vendo a sua querida e doce Margarida presa a uma cadeira
sorrindo aos pássaros e pintando delicadas rosas em telas baixas, que mais
poderia fazer se não magoar Nívea que tanto desprezo tinha pela irmã?
- Nívea se não vais com a tua irmã ajudar os deficientes motores, vais ao
- Nívea! – A sua mãe levou as mãos à boca e o seu pai largou-a, incapaz de
a todos.
Nívea voltou-lhe o rosto. A irmã era tão bondosa que a magoava com tanta
contar como a sua flor (tratavam Margarida pela espécie vegetal a que o
nome também se aplicava) pegara num fardo de palha, e praticamente sem
Há seis anos que Margarida perdera os movimentos das pernas. Mesmo nas
festas nas casas das vizinhas, enquanto Margarida ansiava pelos seus 18
anos com uns ainda débeis 17, e Nívea com 15 corria pelos campos
Nívea perdia o olhar no horizonte e pensava que ela é que devia ter perdido
com 15 anos a esboçar o seu marido perfeito. Falava num homem bom que
lhe pegasse na mão e lhe dissesse que desde pequeno sabia que se iria
casar com uma flor. Imaginava-se com o seu amante, numa noite de Lua
- Papá o nosso primeiro beijo vai ser à beira do lago… – Sussurrou uma vez.
Tinha 13 anos e fazia tranças à mãe há quase uma hora enquanto ouvia as
- Falas como se fosses mais velha que eu. Mas não és, e vou-me casar
noite amena. Havia uma simples brisa e a Lua estava encoberta por
casas, haviam acendido uma fogueira e tocavam viola baixo, cantando com
quando se voltou deu com todos assustados, menos o pai, que abanava a
cabeça e que não acreditou quando ela lhes disse que vira um bicho na
erva. Nívea lembrou-se, subitamente, de ter seis anos e correr por ali, com
e olhava o céu. O céu para ele era muito importante, pois ele dizia acreditar
que todos os mistérios vinham de lá. Por isso, ele dissera-lhe uma vez, que
ela era muito bonita, mas que ele preferia o silêncio. Ele era mais velho que
ela, e ela não gostou dele porque era demasiado quieto. Porém, um belo dia
em vê-la foi tanta que lhe pegou ao colo, inesperadamente, e a lançou num
lago. Riu-se alto e ela, pela primeira vez, detestara uma brincadeira.
Quando foi para casa pensou que gostaria de um marido assim, que a
desafiasse, mas não ele, porque ela não gostava dele. Ele era demasiado
alto para ela, e magricelas. É, o silêncio não tinha graça, mas tanta
Isabel olhou pela janela. Os peões haviam-se recolhido e não haviam ruídos
- Há paz, querida.
Nívea assentiu, mas segundos depois perguntava, na sua voz ainda infantil,
algum tempo.
- Porquê?
Nívea pulou da cama e pousou o rosto nas mãos abertas. Lá em baixo ouvia
- A sério?
- Sim.
um cabelo cor de ouro a brilhar, e uns olhos muito pequenos e vivos com
patrões.
E calaram-se.
Como não o viu, após uma rápida olhadela, voltou-se de novo, disposta a
qualquer tipo de contacto, pois quando saía de casa ia até à cidade mais
terras… – Não se conteve, e sorriu de novo, embora não tão aberto quanto
da primeira vez.
- Não vim aqui para ser admitido ou despedido, mas para me levarem a
ergueu a sobrancelha. A irmã parecia conhecê-la tão bem que por vezes se
Confessou, ajeitando o cabelo. – Vou para o meu quarto, não quero ser
incomodada.
Subiu as escadas, deixando Margarida de volta de um jarro de flores,
ajeitando-as.
quando o tratador se queixasse ao seu pai, iria ouvir de novo que era uma
irresponsável.
até à maçaneta, e olhou para cima, para o homem alto e robusto que ali se
à vontade. Imaginou que fosse o veterinário que o pai anunciara que viria
mangas até ao cotovelo, e decote largo e redondo, até aos ombros muito
curiosidade.
amavelmente.
interessado na saúde das filhas do patrão, alem de ter que começar por
Nívea a descer para a sala fê-los, ambos, olharem para esta, que os fixava
Bruno olhou-a com pena, e Nívea odiou o seu olhar. Num instante estava ao
- Vim falar com o seu pai, Nívea. Ele falou-me acerca do seu terrível feitio,
favor.
- Nívea! Não sejas tão rude. – Ralhou Margarida, com o sobrolho franzido.
me ajudar.
Nívea não podia acreditar no que ouvia. Um veterinário arrogante que viera
- Esta casa está doida. Não dês uma de boazinha Margarida, para que é que
- Oh, óptimo! Arranjaste outro defensor! Bem precisas, não é? Já não basta
de si.
iria gostar muito deste novo amigo. Bruno revelava-se divertido, sincero,
simpático e prestável.
- O seu pai pedira-me para conhecer a fazenda com a Nívea, ele alertou-me
sobre ela. Já estava um pouco à espera, mas ela é ainda mais interessante
do que eu pensava.
por tu? – Perdoa-me a comparação, mas a tua irmã tem alguma coisa de
selvagem dentro dela. Alguma coisa que a fere, que a faz ser agressiva com
Margarida sorriu, embora um pouco ofendida. Nívea podia ser terrível, mas
ela adorava a irmã. Porém, não achou que Bruno tivesse intenção de faltar
estábulo.
- Gosto.
- É, ele adora-os.
- Bruno! – Ouviu-se uma voz de homem, firme e rouca. Uma voz habituada
a dar ordens.
- Aqui estou eu, José. Já não nos víamos há quê…? Cinco anos?
José passou a mão pelos seus ombros e sorriu-lhe. Não, há seis, aquando
- Viste a Nívea?
- Na verdade, lembrei-me perfeitamente dela. Quando a irmã sofreu o
rodas.
- Que fazes tu aqui, que não gostas de cavalos? – Embora fosse uma
emocionada, imaginando que a irmã viera por si, o que era verdade.
- Vim ver para onde aquele selvagem te tinha levado, e deixou-te aí? –
bola na nuca, alguns fios desalinhados na testa caindo no belo rosto, com
- Hum…vim buscar a …Mas, que faz aí com esse sujeito? Sabia que ele me
destratou?
Bruno, em contraste com José, era alto, robusto, de ombros largos, rosto
José tinha os cabelos grisalhos, era um pouco mais baixo, vestia-se como
que devia calar-se. – Sê boa menina e leva a Margarida para casa. E avisa
inclinação da colina.
- É grosseiro.
- Nunca estamos de acordo, pois não? – Margarida voltou a sorrir. Sempre
animada.
Nívea, de resposta fácil, ia abrir a boca para dizer alguma ofensa, mas
Apercebeu-se então, que, já que não podia estar na atacante, não sabia
Como uma mãe que amanheceu paciente para com a filha, Nívea dispôs-se,
pouco mais baixa. Soltou o cabelo, negro, e pôs até um pouco de perfume.
- Céus, Nívea, parece que vais sair com algum dos teus amigos.
- Não, o pai disse que tínhamos um convidado. Não quero parecer mal. –
- Não dizem que pareces um anjo? Vai descalça. – Concluiu Nívea, avisando
entristecida.
- E tu? Porque estás sempre a sorrir? Nem podes andar! Porquê tanta
alegria?
dizer-lhas. Ela sabia que não podia andar, não precisava que ninguém a
delicado.
Nívea voltou-lhe as costas, sem saber o que dizer, não querendo mostrar-se
agarrou-lhe o braço.
sandálias brancas.
Nívea pensou que não ia responder, mas perto da porta, quando Margarida
- Quando as pessoas olham para mim, têm pena. Acham-te uma sortuda.
a porta.
Nívea, após torrar os miolos repensando as palavras da irmã, e após pensar
Passou o arco que dava para a sala, e olhou para a mesa. No centro, à
branco, José, vermelho de tanto rir. À sua direita, Isabel, que escondia o
forma comedida.
Enfrente à visita, o lugar vazio para ser preenchido por Nívea, ao lado da
mãe.
que todos sabiam que o convidado era o maldito com quem embirrara essa
tarde.
palavra.
o veterinário.
- Não faz mal José, isto é, a modos que, bastante divertido. – Sorriu,
modestamente.
deleite. Ela sentiu o sangue ferver nas veias por saber que ele estava a
troçar dela.
a comer a sopa.
Nívea seguiu-o.
baboso dos pais para com o “casalinho”, entornou o copo de limonada bem
Margarida, quis levantar-se para o ajudar, mas como era óbvio, não podia.
sua nuca.
Este, calmo como ela sempre o vira, agarrou-lhe na mão com delicadeza,
espectáculo.
- Não faz mal. – Garantiu Bruno. – A minha mãe conseguirá tirá-la. Vou-me
um café?
- Que parvoíce foi essa, Nívea? – Estava zangado. – Convido uma pessoa cá
para casa, e tenho que a lembrar que tenho uma filha de 10 anos incapaz
de se comportar?
- Pai!
- Desta vez não vale a pena Nívea, não me dás a volta. Aquele copo caiu
comportar-te.
- Não conseguiria.
calada.
Visto que não podia subir para o quarto, pois teria que suportar mais
que sentia a ferverem, e imaginou que fosse pelo ar frio e cortante da noite.
- Nívea?
- Que sabe de mim? Da minha família? Não sabe nada, por isso cale-se.
- Odeia-os, portanto.
- Por si?
- É uma boa ideia. – Ponderou ele, e Nívea sentiu de novo que estava a ser
troçada.
- Não me dê ordens. – Bufou ela, correndo até casa antes que ele voltasse
a dizer-lho.
o pequeno-almoço.
José já tinha saído, e Isabel estava à mesa com ambas. Lisete deixou o
Margarida balbuciou que gostaria de ir com a irmã, mas como era quase
Enquanto guiava em direcção à cidade, o seu velho carro dos anos 70,
demasiado alto, que tentava alcançar sem êxito, num pequeno beco da
- Oh, não tem importância alguma. – Nívea sorria de novo. Afinal, não era
mordendo o lábio. – Embora tenha nascido aqui, vivi muitos anos fora deste
regressar.
- Está de carro?
jovem.
- Ana.
dizendo-lhe o seu nome. Pareceu-lhe que ela a reconheceu pelo nome, mas
Mas houve algo que inquietou Nívea. Um homem que estava parado, de
discretamente.
- É sim. O Bruno. É um sucesso com as mulheres, vais gostar de o
calhara-lhe logo a alma da irmã do patife para salvar. Bem, uma coisa
ficara provada: Bruno e Ana eram bem diferentes. Assim como ela e
Margarida.
Dois metros à frente, o carro parou por completo. Faltavam ainda 5 km até
Saiu do carro e pontapeou o pneu. Agora teria que esperar que alguém
passasse. Com a visão de Bruno, nem sequer se lembrara que não tinha
Nívea pensou em esconder-se, mas o carro não era invisível, faria papel de
idiota. Esperou então que Bruno passasse e a ignorasse, como ela fizera
consigo. Porém, após passar pelo seu carro, Nívea viu Ana olhá-la e apertar
Seria a sua?
- Anda lá, pode passar alguém perigoso. Vamos até lá, chamamos alguém e
- Chega de conversa, entra logo no carro. – Se ela era autoritária, ele era
Sem mais objecções, receando portar-se como a criança que ele a acusara
- Nívea! Deixa estar, vem tu aqui com o Bruno, espero que se dêem bem.
provocá-lo.
instante.
- Em sonhos, miúda.
- Pare de me tratar como se eu fosse uma criança, sei que só diz isso para
Depois, quando ele o fez, fixou o olhar na estrada, e não falou mais.
Nívea não foi capaz de desviar o olhar, e quando o fez, foi ruborizada,
odiando-se por não conseguir tirar os olhos das veias que dilatavam nos
Era a voz de Ana que desceu da camioneta, pulando para o solo de cascalho
e aproximando-se do irmão.
- Não, eu não.
- Fazenda da Nívea…?
- Não, Bruno. E ficamos aqui duas mulheres sozinhas? – Ana abriu muito os
olhos.
Então, Bruno agarrou-a por um braço, sem a olhar, como que distraído, e
calar-se do que recomeçar a histeria. Como pudera pensar que ela é que
era insuportável, quando Bruno era o homem mais irritante que alguma vez
conhecera?
Nívea, que era o sítio com água mais próximo, já que estavam a meio
rápido.
Esta viu Bruno aproximar-se de novo do carro e pensou que se dirigia a si,
porém, abriu de novo o capot do carro e ela não viu mais nada.
Encontrou Bruno sem camisa, usando-a para limpar umas peças com
- Também eu.
- Mas a Ana não é uma menina mimada como tu.
Nívea sentiu o sangue ferver. Que ódio, que ódio que lhe tinha.
me, espicaçar-me! Sabes que mais? Vou a pé até casa. Que se lixem as
compras.
propriedade.
Após dar dois passos, sentiu Bruno voltá-la. Era bem mais alto que si, e
puxou-a até que ela se comprimiu contra o braço que ele lhe estendera e
tresandando a óleo.
Estava junto ao peito dele, a alguns centímetros dos seus olhos, e de novo,
- Não sejas infantil! Que vais fazer sozinha por aí? Se te sentes irritada,
Cerrou os dentes.
- Chega de me dar ordens e de me insultar! Tu é que és o pobretão, meu
empregado, lembras-te?
- Meu, também!
Bruno apertou-a com mais força, e pela primeira vez ela viu um laivo de
nele.
- Conta-lhe, menina mimada. – Mas a voz dele não parecia tão segura de si
agora, olhava o braço dela, e ela compreendeu que temia que ela contasse
um “desculpa” baixo.
Bruno voltou a puxar a camisa para dentro, ajeitando-a toda torcida com a
mão.
camisa molhada.
- Não sabia que a menina riquinha tinha contacto com a roupa dos pobres.
desconfortavelmente nos joelhos, e não sabia bem para onde olhar, o peito
Passados alguns instantes, Bruno pousou a mão sobre a sua, que por sua
Deve ter feito uma expressão surpresa, porque ele manteve-se sério, com
até tenso. Nívea sentiu o peito inchar, e não soube de quê, assim como um
Bruno da sua.
cérebro a ferver.
- Embirrante.
tempestade.
Se o seu pai falasse assim, ela não faria metade do que aprontava, mas
altos, que o seu próprio pai mandara plantar há alguns anos, para obter
outros, mais a sul. Enfrente, via apenas a cortina de chuva e a lama que lhe
perderia ali.
Embora ainda fosse muito cedo, a floresta estava escurecida pela atmosfera
Quando ultrapassou o portão da sua quinta, sabia que ainda lhe faltava um
pouco até casa, e mesmo vendo um cavalo a pastar por ali, não teve
a.
Tão rapidamente quanto o cobertor, uma bacia de água era posta a seus
assistência.
braço do sofá, Ana olhava-a com uma expressão divertida, mas preocupada
também. E, finalmente, de pé, junto a um dos pilares da sala, Bruno, de
braços cruzados e as roupas de seu pai, que lhe ficavam justas, olhava-a
inquietaram.
as costas.
pela cabeça? – Ralhou o pai, falando por fim. Fechando os olhos em tom
- É melhor ires mudar de roupa Nívea. – Sorriu Ana, que estava sequíssima.
olhos.
de Nívea.
- Deita isso fora. – Ordenou Nívea, esperando que com as botas fora de
Lisete saiu da sala e abanou a cabeça. Nívea sempre fora despistada, louca,
motivo, andava literalmente na Lua desde a tarde anterior. Mal comia, mas
não se lembrava dele? O menino, filho dos vizinhos. Ela tinha seis anos e
ele quase 16. Ele sempre quieto, e ela sempre eléctrica. Lisete lembrava-se
de pedra. E de uma vez que passara pela sua fazenda a cavalo, e estendeu
as mãos para que a menina subisse. Ela não subiu, pois tinha medo da
enorme besta.
quase dezasseis anos brincando, o dia todo, com uma menina de 6? Nívea
era bem constituída, tinha uns olhos encantadores, mas era o seu cabelo,
Uma vez numa tarde de verão, ele lia um livro enquanto Isabel se abanava
Nívea ser apenas uma menina inocente que não prestava atenção alguma a
sexo oposto. E nem por bonecas. A sua preferência surgiu quando entrou
por isso, e não por ter procurado ser uma pessoa autêntica, tenha-se
ombros:
Depois, parecendo mais infantil do que na realidade era, pois sempre fora
filhas dos Melo andavam muito estranhas. Naquela casa ninguém via nada.
afastar ainda mais as duas irmãs, já tão diferentes e tão separadas por um
quero ouvir falar mais nisto. Anda, ainda não almocei. Que horas são?
- Quase quatro.
casa.
- Tenho fome.
- Oh não! Pai, ainda não percebeu que não quero olhar mais para a cara
desse veterinário de meia tigela? – Nívea teve que se controlar para não
- Nívea! Não sejas tão rude, não vês como chove lá fora?
Nívea comprimiu os lábios, sentindo-se irritada de novo. Não, não queria
passar por egoísta, má e ingrata, mas a sua vontade, era pontapear Bruno
Nívea deve ter corado até à raiz dos cabelos quando se apercebeu de que
estava a fazer uma birra infantil, e mesmo Ana olhava para si com
todos os outros haviam crescido ao seu redor? E porque para si, apenas
para si, admitia que não crescera, quando, assim que se apanhava numa
briga, era incapaz de dar o braço a torcer, e de ver outra perspectiva que
morreu afogada, e que seria capaz de espantar mesmo a mão que lhe
estendesse ajuda.
- Claro que…
Nívea apercebeu-se de que a irmã, se tivesse que escolher entre a irmã que
- Não, não aconteceu nada. – Concluiu, olhando Bruno nos olhos. Este não
parecia incomodado com nada, parecia que aquela mão fora fruto da sua
uma mão sobre a sua mão, uma sacudidela, um gesto sem importância
alguma.
Quando acabou a refeição, Nívea foi até à sala, onde se sentou fixando o
José.
mergulhara.
- Esse homem, esse Bruno, não gosto dele. Mas a Margarida derrete-se com
- Ele fez-lhe mal, menina? Diz Nívea, querida, se fez, conto tudo à sua mãe
mais Lisete.
- Não, ele não fez nada. – Não sabia se mentira se não, mas levara a
julgamento o gesto, e concluíra que seria ridículo dizer que ele “lhe tocara
na mão”, podia até levar a conclusões erradas acerca do motivo pelo qual
ela dava tanta importância ao gesto, e isso ela não queria nem imaginar.
- Nívea? – Era a voz do seu pai, que regressava da sala de jantar, com os
podia estar de pernas para o ar. Nívea, tão fria, abraçada a uma empregada
- Ela já está bem senhor, ela já está bem. – Assegurou Lisete, limpando as
Margarida estendia os dois braços para o rosto da irmã e lhe falava, num
canto de sereia:
Parem com isso! – Lisete sorriu. Era aquela a Nívea que conhecia, e
objectos que, sem querer, deixara cair, e olhando pela janela. Tanto esforço
suas ideias. Não, não era assim tão infantil e tola, como todos queriam que
dedo, e aproximou-de de Nívea, que após dar umas voltar pelo quarto,
Nívea quase soltou uma das suas exclamações agressivas, mas depois
seu olhar.
- Obrigada por perguntares.
- Não é preciso começares com os açúcares…vá, diz lá, que é que fizeste.
açúcares era hábito, e Nívea não podia lutar tão rapidamente contra os seus
hábitos.
- Conversei. E li.
graciosamente.
se os cavalos estão bem instalados. Até aqui ainda não esteve muito com
eles.
irmã, foram absorvidos pela sua própria alegria, e nunca imaginara sentir-
se tão bem perto da sua irmã deficiente motora, tão limitada, mas tão
Margarida se ela pintara as unhas (coisa que nunca fizera, nem gostava de
fazer, mas Nívea imaginou que o fizera para socializar consigo) e Margarida
olhou Nívea com um sorriso rasgado e estendeu a mão à mãe, contanto que
lutar para afastar Bruno e a culpa que Margarida a fazia sentir, da mente.
Fechou os olhos com força e apertou bem a almofada. Lá fora, ouvia ainda
homens.
Quando Nívea acordou, era relativamente cedo. Sentiu o frio da noite nos
deliciados para uma égua brava, presa por uma corda comandada por
apercebeu-se de que era exactamente assim que Bruno via a sua irmã: tão
adora aqueles bichos, está lá com eles. Vão almoçar à casa do Bruno.
Nívea não pode evitar sentir-se excluída…mas assim era melhor, Bruno
era…desprezível.
fechando um livro qualquer que achara por ali e que constituiu a sua única
Nívea a passear por algum lado com as suas amigas, duas delas estavam a
passar férias em Milão, e outra estava na casa da avó, que partira uma
Margarida.
fim de tarde, ouviu vozes alegres mas sussurradas pelas traseiras da casa.
Era Margarida, empurrada por Bruno. E José? E porque vinham eles pela
Um rapaz pouco mais magro que Bruno, mais jovem, de olhar infantil mas
para longe da sua vista, soube que era tarde demais; ele vira-a.
apaixonada? Pensaria que era uma idiota? Infantil, como já dissera? Que os
espiara porque estava com ciúmes? Odiou-se por ter passado a sua
- A casa do Bruno é muito bonita, e além da sua irmã Ana, tem ainda um
Nívea serviu-se de bifes de peru com cogumelos e natas, e fingiu não tomar
o ouvido.
- O Samuel é aquele rapaz que vos trouxe? – Isabel parecia encantada com
A verdade é que quando a mãe referira a beleza de Bruno, ela tentara por
objectivo de Bruno era tornar uma égua tão mansa, que quando ele
enquanto dava as boas noites à irmã. Tal hábito adquirira há dois dias, mas
Quando saiu, o médico informou a Isabel que a sua filha mais nova tinha
uma forte pneumonia e durante pelo menos uma semana não deveria por
escondiam uma lição de moral, e que Nívea se apercebeu que não eram tão
a irmã não o convidava a subir? Ela podia protestar, não fosse ele pensar
que ela o queria ver, mas precisava urgentemente de embirrar com alguém,
motora.
Margarida sorriu, como sempre sorria, e disse que lamentava que Nívea
assunto.
uma longa estrada que levava a um arco-íris, Nívea acordou, tomou banho,
motores.
Não encontrou ninguém na sala, nem na cozinha, e tão pouco nos quartos,
Nívea teve que admitir que a principal razão que a levou aos estábulos foi o
Após alguns espaços, ouviu a voz firme, mas simpática, de Bruno, falar
alto:
um cheiro muito forte, e viu Bruno de cócoras, de costas para si, segurando
Era uma visão de ternura infinita, Bruno passava as mãos ao longo das
delicadeza para perto de uma égua que estava deitada no chão, e retirou o
com este grau de desenvolvimento, teria que estar alguns três anos na
- Está tudo bem? Nívea não deverias estar em casa? – Colocou o animal
- Já estou melhor… – Não se apercebera da falta que sentira dos olhos dele,
da certeza que ele sabia que ela existia. E tudo soava tão estranho na sua
simpatia, tentando provar que, para ela, ele era só um homem normal. –
- E… – Tentou Bruno.
desesperado?
Por um lado, sentia um bicho que queria soltar-se, gritar com ele,
esbofeteá-lo, fazer queixa do seu atrevimento ao seu pai, mas por outro,
tinha o seu interior, o seu coração irrequieto, que batia tão velozmente que
estado de volta de uma vaca doente… Oh, menina Nívea! – Tobias vinha
avançado pelo estabulo, falando alto, e parou quando viu Nívea e Bruno, já
- Até logo. – Murmurou, fugindo dali, antes que Tobias os deixasse de novo
sozinhos.
Acabara de decidir, no seu quarto, entre as suas almofadas, que o beijo que
não acontecera e que lhe provocara tanta agitação era uma traição à irmã e
O pior de tudo, é que se apercebera que sentira falta de implicar com ele,
Não!
vais tu?
Nívea segurou uma almofada e voltou o rosto ao pai. Olhou pela janela; no
- A Margarida é uma pessoa sensível, emotiva. Fico orgulhoso dela por ser
Saiu, deixando Nívea retida na única solução que seria certo tomar:
Acompanhar a irmã.
revoltava com a vida, com a sorte, com Deus, com nada. Aceitava
Nívea teve que morder os lábios para não engolir como uma pedra tudo o
tanta determinação, tanto amor partilhado naquele singelo sitio tão perto
de si.
Era este o lado de Margarida que Nívea nunca quisera conhecer. O lado que
na cara que ela sim era uma inútil, sem escrúpulos, e não a sua irmã, tão
Nívea foi o facto de tudo aquilo existir paralelo à sua vida fútil, e à vida fútil
de muitos outros, que, tal como ela fizera, para sua própria vergonha,
- Nívea, este é o Ricardo. Ricardo, disse-te que ias conhecer a minha irmã,
Nívea sorriu afectadamente ao rapaz, sem saber o que dizer, e quando deu
Repulsa por ter sido tão maldosa, e raiva por o pai a ter obrigado
finalmente a ver aquilo que nunca desejara ver; a realidade, fora do seu
- Quando for grande vou ter uma namorada como tu. – Murmurou Ricardo,
timidamente.
Nívea olhou para baixo, para onde ele ainda se encontrava, e franziu a
testa. Que lhe diria? Que sabia dele? Haveria quem se apaixonasse por uma
- É claro que vais, mas nessa altura serei demasiado velha. – Acabou por
- Olha, o Jonas vai montar aquele cavalo. – O menino apontou outro, que
tinha a cabeça rapada e aparência pálida. – A Lina disse que temos que o
tratar bem, porque em breve ele vai ter com o menino Jesus, e tem que
Nívea evitou olhá-lo. É claro que já vira outras crianças assim antes, mas
verdadeira flor.
juntos.
Deveria ter uns dez anos, era raquítico, mas como dois faróis no seu rosto,
dois belos e expressivos olhos azuis, que pareciam captar tudo à sua volta.
cavalo, após ser erguido pelo tratador. E estava ali, absorta nos seus
- Nívea?
Era Bruno, e ela sentiu uma agitação crescente no peito. Retirou a mão da
dele, e avaliou a sua expressão, que dizia claramente “isto só pode ser uma
reconheceu como sendo o magricelas que estava com ele e com Margarida
no dia em que a irmã fora conhecer a sua casa, e que nem olhou duas
quando ele se chegou para mais perto, pousando os cotovelos na sebe, tal
Não estava ali ninguém, estavam todos a assistir aos progressos das
- O quê? – Ela olhou-o com indignação, enquanto ele lhe apertava os pulsos
junto ao peito.
- Cheiro mal? Feio, estúpido, bruto, rústico, qualquer coisa? – Insistiu ele,
- O quê?
fundo, tentando demonstrar que o facto lhe era terrível. – E hoje pretendes
beijasse? Que a largasse, que se separassem uma vez mais irritados com o
outro? E fora tudo uma ilusão, a mão na perna, e o toque suave e quente
dos lábios dele nos seus, que duraram uma fracção de segundo?
Bruno fixou o olhar no seu por um momento, como que avaliando a reacção
ter contacto com aquelas crianças e depois a tensão de voltar a ver Bruno,
gritando que ele nunca mais faria aquilo de novo, cheia de convicção.
Sentiu-se ainda mais ridícula, talvez a sua irmã tivesse mais motivos para
chorar do que ela, que se sentia violada, assediada, cativada pelo maldito
veterinário.
Quando chegou a casa, decidira que não o queria ver mais. Não era o
homem que ela tinha idealizado, porque ela nunca tinha idealizado nenhum
homem. Aos quarenta, via-se solteira, a passear com as amigas pelo centro
comercial. É, era isso mesmo, tinha que chamar uma das suas amigas para
ir dar uma volta até qualquer sítio, um sítio onde, com certeza, não se fosse
dia que tinha vivido. E, o pior, não era o facto de Bruno a ter beijado, mas
sim o facto de ela ter gostado, quando a mãe bateu à porta e a abriu de
pescoço.
com uma alegria espontânea que há muito que Nívea não via nela.
- Eu bem reparei, mas como o Bruno teve aqui para te buscar, e seguiu
arranjar.
- Porque é que não te vais vestir no teu quarto? – Inquiriu Nívea, voltando-
abertamente. Um sorriso que Nívea nunca vira, apenas agora, e esta fixou a
queria Bruno, mas queria ainda menos que a sua irmã ficasse com ele. Não
situação, sentia que tinha mais raiva a Bruno que a Margarida. Por outro
vira a irmã tão feliz, e voltando-lhe o rosto, sentiu lágrimas nos olhos de
- O irmão dele?
- Sim. – Que era Bruno o homem dos sonhos de Margarida já ela sabia.
Bruno pensaria, quando soubesse que Nívea contara aos sete ventos que
mas partia antes que ela tivesse tempo de o conhecer bem. Bruno, como o
pai explicara uma daquelas noites, nascera ali e vivera por ali grande parte
da sua infância, mas desaparecera por uns tempos, para estudar na capital.
- Claro.
Nívea desceu para o jantar sem dizer uma palavra. A mãe estava alegre, ao
- Bem…como não tens mais nada para fazer, sugiro-te que cuides dos
negócios da família por lá. – José sentia que estava a dar um voto de
Jack Parrot. Quero que leves dois dos nossos cavalos selvagens, e que
- Gostas sim, amolece esse coração. A Margarida caiu, mas isso não
Nívea baixou o rosto. Sim, precisava de umas férias longe dali, longe da
doçura da irmã, da pressão que Bruno exercia sobre si, das saudades de ser
pelas férias que lhe haviam sido propostas, e pensando o que levaria para
o Bruno fará tudo por ti…mas embora confie nele, achei melhor ter alguém
Melhor assim.
A casa de praia
Nívea entrou na camioneta que o pai lhe dissera para utilizar na viagem,
camioneta até à casa de praia, que ficava a cem quilómetros dali, para
Norte.
novo culpada. Culpada por não avisar Margarida, por a ver abraçar Bruno
confiante, sendo que este também a havia tentado seduzir. Culpada por
queria ver livre, culpada por não ter argumentos suficientes para dizer que
não.
E a irmã, mal sabia ela que a sua própria irmã a traíra com aquele
desgraçado.
Acenaram à família de Nívea, a Ana e Samuel, os irmãos de Bruno, ambos
lembrava-se constantemente que não era ela quem tinha que ter vergonha,
animal ia bebendo.
- Enche esse balde, dá de beber ao Atlas. – Pediu Bruno, sério, sem sequer
incompetente.
fantástico mustang negro, bastante selvagem, que não admitia ser afagado,
Nívea fingiu que não o ouvia, mas pousou o balde na areia negra e húmida
nos bolsos de trás das calças e avançando à frente de Nívea até ao velho
balcão. Atrás do balcão, alem das prateleiras e armários, havia uma porta
- Boa tarde. Aviso já que a esta hora só se arranja um cachorro quente frio
com as salsichas de sexta-feira, mas posso fazer o meu molho especial. Não
Nívea olhou o molho amarelado e gorduroso que saía do pão e escorria pela
Nívea sorriu e deu uma dentada maior no seu. Realmente, o molho era
delicioso. Uma mistura de cebola, manteiga, tomate, e algo mais que ela
novo o carro quando Nívea foi capaz de saborear o pão. Também ela
delicioso.
- Nunca tinha comido nada tão rançoso. – Riu ela, abertamente, quando
pretensões dela.
Nívea sorriu levemente, concordando com ele. Voltou o rosto para a janela,
mais.
primeira vez, sozinha com sacos de compras numa casa de pernas para o
Na cozinha, que dava para o mar, com móveis velhos, cujo papel com que
teve consciência de que estava sozinha numa praia, com um homem que
podia denominar de perigoso, porque ela abrira uma porta no seu coração
Passou por Bruno, que vinha no corredor coberto de sombras para a ajudar,
Se, por um lado, queria afirmar que ele estava ali, e explicar-lhe tudo o que
sentia, e que nem sabia bem o que era, esperava que ele soubesse, por
questão.
- Amanhã levamos os cavalos até ao tratador, ele tem instalações próprias,
para que possa trabalhar com eles sempre que possível, vai ser rápido. –
Bruno disse-o como se pretende-se lembrar a Nívea que também para si, a
Estavam ambos sentados à mesa, à luz das velas, o que era ridículo, e só
Não podia negar que estava muito bom, mas também não tinham trazido
animais, enquanto Nívea se dava conta de que não tinham luz e a noite na
praia erra terrivelmente escura. O vento batia nas dunas, e a areia parecia
espécie de certeza.
tal arrepio. De uma das vezes que o sentiu, Bruno mexia a massa e ela
ergueu-se para fechar a janela, logo enfrente ao lava-loiça velho, mas ele
antecipou-se.
que estava no caminho dele, e desviou-se, sendo que ele efectuou o mesmo
Ela voltou a desviar-se para o deixar passar, mas era realmente uma
cansada.
sentiu-se cair em espiral. Ele estava a ser paternal? Pois claro, ela era sua
momento, preferia que ele não fosse, que ele não prometesse nada. Que
Nívea desceu as mangas que subira para lavar a loiça, lado a lado com
ridículo, mas ela sentia que dar por isso era ser romântica como Margarida
era nas tardes que passava a ler romances para depois sorrir e dizer que
de que este estava tomado. Teve medo, mas não podia dizê-lo a Bruno, ele
tropeçou na sua mala. Esquecera-se que a deixara ali. Bruno, logo atrás de
si, segurou-a. Ela sentiu de novo o formigueiro, mas era óbvio que ele não.
sombras, ao ser embalada pelo vento, Nívea viu, através das enormes
Nívea entrou no quarto e ficou com uma das velas do castiçal que Bruno
Pensava em Bruno, nos pais, na irmã, e nos tempos felizes que haviam
vivido ali. Desde o acidente de Margarida, não tinham voltado a por ali os
Bernardo, Napoleão.
Sentiu de novo as lágrimas nos olhos, mas outra coisa despertou a sua
Uma ventania momentânea batia nas janelas da casa e entrara pelas gretas
Não, não ia chamar Bruno, o corredor não era assim tão grande.
assustados.
Tacteou a parede. Seguiu assim pelo corredor, até, sem querer, derrubar o
onde ele se encontrava. Mais dois, três passos, e voltou a tropeçar na mala.
casa.
- Bruno…? – Murmurou.
corredor.
Os passos aproximavam-se.
Outro passo.
- Bruno?! – Gritou.
O que se tinha passado, era que ela abrira a porta e a mala estava lá,
Estava preocupado, e não fosse ele pensar que ela o chamara porque o
de novo.
anos. Nem o pai lhe dava beijos na testa. Cunhado. Era seu cunhado.
que a primeira lembrança que tinha da manhã seguinte, era ela e Bruno,
pensão na vila.
aborrecida.
estava na estrebaria.
Pouco depois, Jack, um quarentão que tinha vindo da Irlanda há sete anos
para realizar o seu grande sonho de ser tratador de cavalos ali, apareceu à
porta, preocupado.
Jack apertou rapidamente a mão aos dois. Nívea sentiu que ele repelia o
sujo de lama.
que, não obstante ser rude e pouco educado, parecia ter-se erguido no ar,
Duas semanas…Nívea olhou de relance para Bruno. Ele enfiou as mãos nos
própria.
Bruno deu uma risada. Nívea ficou a sorrir também, aquela risada tinha-lhe
soado bem.
De repente, voltou a não saber bem como se sentia. Bruno ali ao seu lado,
- Sinto falta da minha irmã. – Confessou, sinceramente. Quando deu por si,
calmamente.
Sorriram de novo.
Com o ruído do mar como fundo, Nívea só conseguia ouvir a sua respiração.
Estava calmo, tão calmo, que o peito dela se agitou. Estava de costas para
Ela não discutiu. Deve ter sorrido de forma triste, porque até Bruno sentiu a
Fixou o olhar no horizonte e pensou que tudo o que queria encontrar lá, era
um sorriso.
Talvez fosse só o sorriso matreiro com que a Lua nos olha à noite.
deu pelo sono. Começou a pestanejar mais lentamente, ouvindo o ruído das
como ele estava. Mas o que mudava, era o que estava dentro deles. Um
diferença que na sua mente sabia que Bruno a amava, e ela também
Disparate.
Pensou, e o seu sorriso, enquanto sonhava, abriu-se para o horizonte.
- Nívea?
anoitecido? – Já é tarde?
- Já caiu a noite Nívea, continuamos sem luz. Não te chamei para o almoço,
dormir..
- Tens fome?
escorregar para o chão. Bruno tapara-a. Teria ficado ali, a vê-la dormir?
- Pensei em fazer o mesmo que tu, mas não estava com sono. Li.
- Leste? O quê?
aborrecido?
para o interior da casa, por isso mesmo, ela não o via, estava escondido na
sombra.
Nívea bocejou.
dissipar no ar, Bruno ajeitou as calças nas coxas e levantou-se, também ele
bocejando.
- Anda.
- Onde?
- Não, parou logo depois de almoço. – Vou buscar uma manta, até já.
escurecido bastante, mas havia ainda um último raio de luz que tornava a
beira mar.
romântico e não…amigo? Não, não havia nada entre ela e Bruno, já estava
na hora de aceitar isso, e logo agora que havia admitido que estava
apaixonada pelo homem que dizia que amava a sua irmã. Não valia nada,
não podia valer nada. E ela agora tinha a certeza, entre ver-se feliz, ou ver
a sua irmã, preferia mil vezes ver Margarida feliz. Era tão simples e
modesta, que seria impossível para Nívea ser feliz sabendo que a irmã não
Nívea sentia de novo uma nuvem em cima de si e de Bruno, será que ele
deixar de gostar dele tão depressa, ou, pior, nunca deixar, ou, pior ainda,
nunca voltar a gostar de ninguém, pelo que teria que ser feliz pela irmã,
vendo-a casar, ter filhos, partilhar tudo com o seu marido perfeito que
- Um pouco. – Confessou.
Bruno passou um braço pelos seus ombros, e ela arriscou olhar para cima,
para ele.
la, como se fosse uma filha, ou talvez a sua cunhada, o que ela se via cada
- Por favor…não vale a pena. – Não queria ouvir falar de Margarida agora,
Baixou de novo o rosto, e sentiu que não estava mais confortável nos
alguma. A irmã fora simpática, meiga, enquanto ela perdera tempo a atirar
contra o seu peito. Tocou os seus cabelos com os lábios e respirou o seu
perfume. Depois, voltou o rosto dela para si, e desta vez sendo ele a
ele. Queria poder repetir aquele momento sempre que quisesse, guardá-lo
senti-los dançar com os seus? Quando o beijo terminava tudo parecia voltar
ao normal.
Mas o sentimento de culpa era ainda maior que o regozijo. Sentia-se mal.
momento, em que ele dizia claramente que a sua irmã poderia ficar
de Bruno.
Atirou-se para a cama após fechar a porta do quarto. Fixou o tecto e sentiu
desesperada.
resposta, e Bruno estava disposto a dar-lha, nem que fosse durante duas
semanas.
- Nívea…? Vou ver dos cavalos…achei que podias querer ir…sabes, podias
Abriu a janela e deu de caras com um dia esplêndido. Céu azul, andorinhas
esvoaçando, o mar calmo. Não parecia que no dia anterior quase haviam
Olhou para a porta, Bruno batera três vezes e agora falava do outro lado,
Ele abriu a porta com delicadeza e olhou-a. Ela deu-lhe os bons dias e
sorriu.
- Sabes uma coisa que estás a aprender com a tua irmã? – Ele sorriu
- O quê?
- O sorriso. – Ele parecia pensar que ela se deleitaria com tal comentário,
comparar ao meu.
Pensou, irritada.
casa.
no dia anterior. Pensou também na queda da sua irmã. Tinha que saber
porque é que ela arriscara tudo. Tinha que também ela arriscar.
almoço.
- Já lhe disse que é o cavalo mais manso que tenho aqui. Tem muitos dias
pé no estribo.
também selvagem.
- Eu ensino-te…pega-lhe assim…
- Não. Não é isso. Eu sei montar. Estava com a Margarida, no dia que ela
caiu. Vi tudo, quase caí do meu cavalo a seguir, com o susto. Lembro-me
expressão que demonstrou não foi suficiente para transparecer o seu amor.
Parecia apenas pena. – Só não quero cair Bruno, não me deixes cair. –
Pediu.
Depois, Sentiu o corpo de Bruno colado ao seu, atrás de si, e as duas mãos
na sua cintura.
- Mas Bruno, nós os dois…não é mais perigoso? – Embora sentisse que não
devia, mas gostasse do toque de Bruno na pele nua da sua cintura, Nívea
corrida pela colina que se estendia até um vale, lá bem em baixo. Porém,
Bruno tomou as rédeas das suas mãos, e ela segurou-se ao tronco dele
- Fiquei muito contente por teres montado. Cavalos são a minha outra
grande paixão. – Ela baixou o rosto, timidamente. Que lhe queria ele dizer?
- Viste? Morreste?
olhava e sorria, o rosto iluminado pela luz difusa e dourada do por do sol.
- O que foi?
Ele segurou o seu rosto nas mãos e beijou-a. Foi um movimento rápido,
mas carinhoso. Foi um beijo curto, um beijo daqueles que um casal que se
conhece há anos e que tem três filhos partilha dez vezes por dia. O beijo do
bom dia e da boa noite. Um beijo que perturbou Nívea. Mas, afinal, vindo de
- Nívea tens 19 anos. – Cortou ele, e voltou a beijá-la, desta vez mais
Ela abraçou-o.
Saíram do estábulo lado a lado, com ela debaixo do seu braço. Jack
Nívea não pode pensar em mais nada, se não em como ela se sentira bem,
sentir mal, por estar a trair a sua irmã, Nívea sabia que, no fundo, Bruno
estava a ser sincero com ela. Enquanto ela respirava o seu cheiro, ele
palavras não teria que mentir, não teria que ouvir promessas que
simplesmente não podiam existir. O silêncio afinal era benéfico. Havia paz e
tempo, tão intenso, Bruno tocou-lhe no queixo e fê-la olhá-lo. Ela não pode
se arrepiou.
que se devoravam. Nívea, porém, sentindo-se cada vez mais mal, por
maldisposto.
Depois de endireitar a camisola, ele pôr-se de pé, a uns passos dela, que
- Isto o quê?
- Estás a tentar enganar-me? Nesse caso não vales nada! – Estava nervosa
- Enganar-te? Porquê?
- Não mintas nem finjas! Realmente, não vales nada! A minha irmã está
furiosamente.
- Abre já!
- Não, não abro, e se tentares pular pela janela juro pela Margarida que te
- Nívea! Não tenho nada com a tua irmã, aliás eu pensava que ela…eu
alguém que dissera “Odiamos aqueles que amamos, pois todos os outros
não queria que ele a visse ou ouvisse. Odiara tudo aquilo. Porém, a vida
Pensou:
que não teria coragem de fazer isso. Teria deixado os mimos de lado? Teria
era isso? Levantou-se e fez a mala, decidida a ir-se embora assim que
- Que é que…?
piada ao facto de conseguires controlar alguém com o teu corpo, com o teu
- Parece que do mesmo que tu quando me disseste que a tua irmã está
sentou-se no lugar ao lado do condutor. Baixou o rosto. Não queria que ele
a visse chorar.
Como? Como é que tudo aquilo acontecera? Como é que se apaixonara por
profissão dele ou de qualquer outra pessoa não lhe importava mais. Havia
Bruno havia-a mudado. E ela mal dera pela mudança. A maior mudança
rosto no ombro. Bruno tapava as janelas com tábuas, nem olhava para o
carro. Ela sentia-se de novo envergonhada. Sentindo o seu orgulho ser
ferido, por necessidade própria, correria para casa assim que o carro
paixoneta tola.
Durante a viagem, nem Nívea nem Bruno procuraram falar. Ela manteve o
como conhecera Bruno, em como ele a irritara. Em como a irmã, tal como
perna. Significaria alguma coisa para Bruno? E que confusão haviam criado
frase ao gesto.
sua mente. Longe dos problemas e de tudo. Era ela com os cabelos ao
fazenda. Era exactamente disso que precisava para se sentir bem naquele
Napoleão nos pés, como teria Nívea coragem de dizer o que quer que fosse
mas ela não aguentou mais a pressão. Saiu, bateu com a porta e correu
para casa como pensara fazer. Bruno seguiu-a de mãos nos bolsos, no seu
passo firme.
sala de estar onde alguém ria alto. Reconhecendo, após controlar o pilar de
José, que aproveitava o meio da tarde, momento do dia em que era quase
impossível pôr-se a cabeça ao sol, para beber um café e ler o jornal. Todos
Samuel imitou-a mas um pormenor que Nívea não reparara saltou a seus
olhos: Samuel dava a mão a Margarida, e não lha largou quando se pôs se
de Nívea.
noivado.
- A tua irmã vai-se casar em Setembro. – Contou José. – Ainda falta, mas
especifica a esse ponto. Falaria ela de Samuel como o homem que a tinha
beijado?
O silêncio caiu de novo sobre a sala. A empregada entrou com uma bandeja
e para os recém-chegados.
mesmo atrás dela. Porque é que não lhe dissera? Porque é que a havia
trazido até ali, assim? Porque é que estava tudo tão confuso? Porque é que
sentia uma necessidade enorme de pegar Bruno pela mão e pedir-lhe que
lhe explicasse tudo? Ao mesmo tempo uma voz arrogante e mimada dizia-
lhe que ninguém lhe devia explicações, porque ela não queria saber de
nada. A irmã nem sequer lhe confiara o nome do homem que amava! Do
homem com quem se ia casar! Porque tinha ela que ser sincera com todos?
anos. Haviam-na feito de tola. Haviam conspirado algo nas suas costas?
estábulo estava tão cega de raiva que abriu a cancela ao primeiro animal
contra o vento, contra todos. Voltou a chorar. Atrás de si ouvia vozes que a
chamavam, mas não quis ouvir nenhuma, não quis olhar, não quis reparar
olhos e abrindo os braços, ouviu a voz da alma distante que dissera à sua
filha “os homens mentem sempre”. Porque é que a sua mãe não a avisara
concorda sempre com o marido e que avisa os filhos dos resfriados e do mal
que faz comer muito chocolate, mas que não lhes fala de menstruação,
que Nívea se estava a recusar a abri-los agora. Agora que todos gritavam o
seu nome. No momento seguinte, algo bateu na sua cabeça e ombro com
chão, não via nada, tudo era luz e escuridão. As costas estavas doridas e o
E tudo era confuso. E algures, ouviu a voz de Bruno e sentiu a sua mão na
sua perna. E viu o rosto da irmã chorar como não chorava há muito tempo,
Chorava.
- Nívea… – Era a voz angustiada da sua mãe, falando baixo ao seu ouvido.
- Mamã…morri? Porque me diz isso? Como está um dia lindo? Lá fora? Onde
Sentiu outra mão, uma mão mais áspera e forte pegar-lhe na outra mão,
brilhar.
cabeça.
seus olhos.
- Está tudo aberto filha. – Isabel chorava de novo e a porta abriu-se, sendo
- Sinto-me às escuras.
- Lamento, mas sim. Talvez o problema se resolva com uma cirurgia, mas
pensou com determinação que tudo aquilo era um sonho e que em breve
acordaria. Estava convencida que era a enfermeira ansiosa por lhe aplicar
dela.
comecei por ser uma criança normal. Corri, persegui a Nívea, era ela ainda
Austrália há uns sete anos) e cavalguei. Cavalguei sempre com gosto, feliz
por ter aquele fragmento de liberdade nas minhas mãos. Feliz porque para
mim felicidade sempre foi sinónimo de liberdade. Julgava que esse valor era
meu, e que eu não o poderia, de forma alguma, perder. Mas perdi. Tal
acordar tarde demais para o ramo que a atingiu (é claro que o cavalo
esquivou-se, o animal não era cego), e vi-a depois cair aos meus olhos,
soube que algo tinha dado uma volta tremenda na sua vida. Levei as mãos
coração apertado e, não é que tenha levado a peito todos os insultos que
castigo por te ter tratado como inferior”. Sei que esse castigo pertenceria
desagradável. Caso tivesse sentido inveja das suas duas pernas para andar,
para dançar, para subir num cavalo, para subir as escadas. Mas nunca
senti. Contentei-me com o que tinha e fiz aquilo que a maioria das pessoas
motores como eu. Por pessoas que não conseguiam dizer o que sentiam no
seu interior. Talvez por causa do acidente eu seja sempre uma pessoa
coisas banais com que todos se enervam e que todos procuram ter em
rosto e sorria. A minha máscara foi sempre o sorriso. Não que me sentisse
sempre que estou feliz, também sorrio. Sei que a Nívea sempre estranhou
esse gesto. Achava estranha a minha capacidade de sorrir. Mas sim, eu
sorria, porque para mim os problemas dela e da minha mãe sempre foram
O conseguir ajudar alguém como eu, ou pior que eu. O aconselhar alguém
agimos. Aí via-os sorrir. Achavam uma filosofia tola, mas era a que eu tinha
o seu andar rápido, não tinham tempo para compreender o que ia no seu
interior.
quando falo da Nívea que mais tarde se tornou, da Nívea que, sem ver as
perspicácia e também ela se voltou para os outros. Porém, nesta altura, era
- Doem-te os olhos?
“desculpa”.
de vida acabou.
Nívea acordou e sentiu algo quente no seu ombro. Era Margarida que a
- Igual.
- Igual não é resposta.
- Não sei como estou Margarida, e também não vou saber como vou estar
meu marido, e se, por acaso, tiver filhos, nunca saberei se são ou não
parecidos comigo. Se sorrires, não vou saber que estás a sorrir, e a mãe e o
pai nunca mais vão estar a ao alcance da minha vista. Vou-me esquecer de
tudo o que vi e o meu mundo, acordada ou a dormir, vai ser sempre escuro,
vozes e vultos. E essas vozes e vultos serão a minha vida. – Uma lágrima
filhas tão bonitas, porquê as duas bafejadas com tão pouca sorte? Uma
deficiente motora e outra cega. Limpou uma lágrima nos seus próprios
- Fecha os olhos.
- Fecha.
- Já fechei. – Mas era uma pequena mentira, pois julgava ter percebido o
movimentavam com varas para não pisarem poças, para não atropelarem
qualquer céptico.
- Não tenho que nada. Neste momento não existe “mas” para mim. Existe
lhe arrancar da boca que o meu problema tem cura. Só isso, não há “mas”.
- E eu? Que me disseram a mim? Nunca mais vais poder andar. Não vais
estorvo para todos. Não podes ir às compras sem arrastar alguém contigo.
Não és uma única pessoa, mas um conjunto formado por ti, pela cadeira de
rodas e pela pessoa que a empurra. Não vais poder ir a uma discoteca, não
podes sentir a areia enterrar-se nos pés enquanto corres à beira mar. Não
vais poder fazer de cavalinho aos teus filhos e netos. A tua vida sexual há-
de ser um pequeno fracasso. Vais ser complexada. Vais ser uma inútil. No
momento, foi tudo isso que senti. Imaginei o meu futuro como uma mancha
negra que se avizinhava. Mas aos poucos, cada vez que acontecia algo que
disse-me que posso construir uma casa espaçosa e andar nela. Que o meu
marido há-de estar sempre comigo e os meus filhos vão passear ao meu
colo na cadeira de rodas e vamos rir muito. E depois percebi que ainda
de novo egoísta, e riu com ela. Sim, haveria de aprender a viver assim, mas
fizesse a ser a criança mimada que ele descobrira nela, e pela qual se
interessara.
- É melhor não Bruno. Conheço bem o pai dela, o José Melo. Terei sempre o
caso dela em mente. Por enquanto, é melhor que ela vá aprendendo a lidar
- Ela é muito orgulhosa, e está magoada, revoltada com a vida. Não posso
às famílias que um ente querido tinha morrido, porque não perguntar aquilo
das pessoas.
Um sorriso no horizonte
Bruno sabia que tinha que falar com ela. Tinha que ter a certeza que ela
não o odiava, que finalmente percebera tudo, que não beijara porque se
sentira sozinha, ou porque se sentira apenas atraída por ele. Para Bruno,
dela em pequena.
sempre suja de doces e lama. Depois, viu-a dar os primeiros passos. Uma
tua fazenda.
- Não! – Nem sabia falar! Olhou ansioso lá para dentro, esperando que a
mãe se despachasse. Ele tinha que lavar o seu cavalo antes de anoitecer. –
- Ca-va-lo. Repete.
dito antes. Só então Bruno, ao abanar a cabeça, reparou nos seus olhos
E ainda eram os dois. Um dia ele dir-lhe-ia que naquele fim de tarde o seu
cavalo não tomou banho pois ele estava ocupado com uma pirralha de olhos
escuros que não sabia dizer “cavalo” à porta da mercearia e, mais tarde, no
alpendre da sua casa, após insistir com a mãe para convidar Isabel para um
chá.
A porta do quarto abriu-se finalmente e Bruno sentiu-se desconfortável. As
três mulheres saíam, Isabel apoiando Nívea. Esta estava como ele sempre a
pelo cheiro e não barafustou. Até para isso se sentia cansada. Alem disso,
- Dona Isabel… – Começou Bruno, que planeara algo naqueles dois dias que
- Não sei se ela deve sair assim… - Disse Isabel, confusa de cenho erguido.
perguntou-lho.
- É claro que deve. – O médico sorriu. Estava cansado, como todos ali. – Ela
Bruno olhou-a. Precisava de saber como ela estava a lidar com a situação.
Olhar esse que não via. Margarida também zelava pela irmã
- Nívea ouviste o que o doutor disse. Vai-te fazer bem. – Assegurou Isabel,
Demasiado deprimida para protestar, aquela que dissera tantas vezes “não
sou cega”, com um enorme desprezo por aqueles que sabia que eram,
deste.
seu olhar, mas não conseguia evitar. Ela parecia sem forças, totalmente
rosto de fora durante toda a viagem. Com a diferença que agora não via o
mundo passar por si, como se ela o dividisse em mil fragmentos com a
velocidade do carro.
Aquela não era mais a Nívea que ele conhecera e que o entusiasmara tanto
pelo seu carácter arisco. Era uma Nívea que precisava insistentemente da
sua protecção e da sua mão para a guiar. Ficar com alguém assim era uma
amor. E era um desafio a si mesmo ser feliz com ela, e fazê-la igualmente
feliz. Mas tinha que tentar. Talvez se tivesse sido sincero de principio…
Não sabia onde estava quando bruno parou o carro, o contornou, abriu a
Nívea sentiu-se pisar cascalho, mas não reconhecia o cheiro nem os ruídos
pelo cheiro.
mão.
- O Napoleão?
naquele fim de tarde. Nívea disse-lhe que não estava em casa, ele estava a
mentir-lhe.
- Onde estamos?
se dela. Chegara o momento. – Esta pode ser a nossa casa e aí pode ficar a
era uma risada nem um impulso de choro. Talvez fosse surpresa e emoção.
- Que casamento?
- Já te disse. O nosso. Quer dizer…agora que estás cega, pensei que talvez
Realmente, gostava dele. Muito. Mas haviam coisas que não sabia explicar.
- Já te tinha aceitado antes, só que não sabia…
por isso, por favor, não os metas pelo meio. Eles serão felizes no
casamento deles.
- Queres-te casar com uma mulher que confunde farinha com café?
sua voz.
- Sim, mas não quando tu pensas. Não naquele estábulo. Foi quando
- O que tenho pena que não possas ver. Um pôr-do-sol magnifico sob
Mordendo os lábios e suspirando, Nívea fez uma revelação que ele não
esperara ouvir.
ficado sem andar, e tu sem ver, eu fique sem poder ter filhos. Nesta família
- Por enquanto.
- Nenhum.
- Quero adoptar crianças com a síndrome de Down e fazer por elas tudo
que via (ou não via), Nívea murmurou contra o peito do noivo:
Fim
(26-06-2006)