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Plantas Tintureiras

Dye Plants

Maria Do Carmo Serrano1, Ana Carreira Lopes2, Ana Isabel Seruya3

RESUMO Este trabalho pretende ser um contributo


para obstar à perda de conhecimentos das
Existe uma vasta bibliografia, até ao séc. condições de cultivo e da forma como se
XVIII, sobre plantas produtoras de corantes maximizava a produção de corantes.
naturais, sendo que apenas um número
limitado foi utilizado no tingimento de têxteis Palavras-chave: Plantas tintureiras, coran-
antigos, devido à capacidade de resistência tes, extracção, purificação, tingimento.
à lavagem e ao desvanecimento. O cultivo
de plantas ou a sua existência no mundo
silvestre tiveram uma enorme importância
sócio-económica para muitas comunidades ABSTRACT
espalhadas pelo mundo e pelas intensas
trocas comerciais que geraram. A extracção A vast bibliography exists, until the 18th
dos corantes era feita a partir de diferentes cen-tury, on natural dyes obtained from
partes de plantas ou árvores. Nalgumas plants, but only one limited number was used
plantas eram utilizadas as folhas, enquanto in the dyeing of old textiles, due to capacity
noutras se aproveitavam as flores, as raízes, of resistance to wash and light fading. The
os frutos, troncos ou sementes. culture of plants or its existence in the
Os corantes podiam ser extraídos através de wild world had an enormous economical
processos complexos que envolviam diversas importance for many communities spread
operações como maceração, destilação, fer- for the world, and the intense commercial
mentação, decantação, precipitação, filtração, exchanges that had generated. The extraction
etc. Neste âmbito, são apresentadas algumas of dyes was done from different parts of
das plantas cultivadas em Portugal e em plants or trees. In some plants was used
muitos outros países europeus e que foram the leaves, others, only the roots, the fruits,
usadas em tinturaria. trunks or seeds. The dyes could be extracted
through complex processes that involved
various operations as maceration, distillation,
1
I nstituto Nacional dos Recursos Biológicos, fermentation, decantation, precipitation, fil-
L-INIA – carmoserrano@gmail.com tration, etc. In this scope, some of the plants
Av. da República, Quinta do Marquês cultivated in Portugal are presented and in
2784-505 OEIRAS
2
Universidade da Beira Interior – Departamento de
many other European countries and that they
Química had been used on dyeing.
6201-001 COVILHÃ This work intends to contribute to the loss
3
Instituto Português de Conservação e Restauro knowledge of the conditions of culture and
Rua das Janelas Verdes, 37 to the form of how it was maximized the
1249-018 Lisboa
production of dyes.

Recepção/Reception: 2007.06.25 Key-words: Dye plants, extraction, purifica-


Aceitação/Acception: 2007.07.18 tion, precipitation, filtration, dyeing.
4 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

INTRODUÇÃO certamente, entre elas, tal como acontecia


com o verde, o cor-de-rosa, o cor-de-laranja,
Desde sempre que o Homem foi atraído o cinzento, o amarelo ou o dourado. Assim,
pelas mais variadas cores, produzidas pela a cultura e o comércio de plantas e animais
natureza, o que terá levado a querer aplicá-las raros, mas preciosos como substâncias
como matérias corantes nos têxteis (Feller, corantes, tiveram sempre enorme importância
1986) que produzia. Foi tal a importância socio-económica para muitas comunidades
que veio a caracterizar esta actividade, espalhadas pelo mundo.
que a história nos revela que o processo A partir de 1690, os procedimentos
de extracção de corantes vegetais fez parte utilizados para tingir, eram artesanais e
integrante da vida humana desde tempos semi-industriais e eram realizados através
ancestrais e que se transformou mesmo numa de normas que estabeleciam quais as
importante actividade económica em várias plantas que poderiam ser utilizadas para
culturas e civilizações. obter uma determinada cor. Neste contexto,
As substâncias corantes eram obtidas a com o tempo, tornou-se possível produzir
partir de flores, sementes, frutos, cascas, um alargado leque de cores, utilizando
madeiras e raízes de plantas através de as mesmas substâncias corantes naturais,
diversos processos físico-químicos cujo com recurso à utilização de diferentes sais
objectivo era a obtenção de uma substância metálicos, que veio preencher a necessidade
que fosse solúvel no meio líquido onde era humana de dominar e utilizar a cor na arte,
mergulhado o material a tingir. nos ofícios, nas manifestações rituais, enfim,
As cores obtidas directamente da natureza em múltiplas situações quotidianas.
podiam ser divididas em duas categorias: as O objectivo global deste trabalho consistiu
muito caras, devido à dificuldade de obtenção no estudo de algumas plantas tintureiras mais
e à necessidade de tintureiros experientes, e utilizadas como corantes para tingir têxteis,
as menos dispendiosas, fáceis de obter por em Portugal, entre os séculos XVI e XVIII.
extracção da flora local. Assim, as cores Estas plantas, pertencentes a famílias muito
mais requisitadas, enquanto elementos diversas, foram produzidas nos territórios
diferenciadores de um estatuto social eleva- nacionais e tiveram grande importância na
do, eram a púrpura, o azul, e certos tons de economia da época.
vermelho. A utilização destas cores requeria
a habilidade de tintureiros e artesãos com
conhecimento dos métodos de extracção e Tingimento de vermelho
fixação, normalmente secretos, e que foram
sendo transmitidos entre várias gerações de Garança
tintureiros.
Neste contexto, vários foram os factores História do uso
que influenciaram a cor do vestuário
medieval e renascentista, de entre os quais A arte de tingir com a garança, ou
se citam os demorados e extensos processos granza, também designada por ruiva-dos-
de tingimento e a necessidade de mão- tintureiros-da-índia, (Rubia cordifolia L.)
de-obra especializada, que na maioria das parece ter tido origem no Oriente e, através
vezes levavam a resultados desiguais. Daí dos impérios egípcio e persa, ter atingido a
que, embora as classes mais desfavorecidas civilização greco-romana. O nome vulgar
tivessem acesso e pudessem dispor de ruiva é atribuída a várias espécies de Rubia
uma variedade de cores, provenientes de que podem ser utilizadas em tinturaria, mas
fontes vegetais mais baratas, existentes na a mais importante é a Rubia tinctorum L.
flora local, as cores vermelha, púrpura, e a (Figura 1) que foi cultivada desde a anti-
maioria de tons de azul não se encontravam, guidade. Era um corante muito popular no
PLANTAS TINTUREIRAS 5

Médio Oriente tendo sido identificado em que foi introduzida na Índia como uma fonte
tecidos encontrados não só em túmulos corante de qualidade superior.
egípcios, como também no deserto da Judeia
(Forbes, 1964). Na cultura desta planta, com o intuito
O tingimento com a ruiva permitia obter de aumentar o conteúdo de corante, foram
tecidos de um vermelho intenso e brilhante, feitos esforços para aumentar o volume das
especialmente em fibras de algodão e linho, suas raízes, o qual depende não só do tipo de
conhecido por “vermelho-da-turquia” (Turkey planta mas, sobretudo, do tipo de solo. Para
red), processo no qual o cálcio é incorporado se obter um alto teor de corante nas raízes, é
no complexo do corante, sem paralelo com necessário um solo alcalino (rico em cálcio),
outros corantes vermelhos. pelo que é frequente efectuar-se uma calagem
A alizarina foi o primeiro corante a ser e adicionar substratos calcários (Fao, 2006)
sintetizado na segunda metade do século aos solos onde é feita a cultura desta planta.
XVIII, o que levou a que o material natural Nos Países Baixos, produtores importantes, o
rapidamente desaparecesse do mercado. cultivo era rigorosamente regulamentado.
Em Portugal, no “Regimento da Fábrica
dos panos de 1690”, é referida a utilização Obtenção da matéria corante
de “granza” para tingir de vermelho podendo
ser adicionado pau-brasil para obtenção de Após a colheita, as raízes eram secas em
outros tons de vermelho. grandes celeiros com ar quente. A casca era-
lhes retirada e a camada contendo o corante
era moída, comprimida e crivada. A partir
daí, várias qualidades de garança ficavam
assim disponíveis com granulometrias mais
ou menos finas (Karr, 1936), sendo a de
melhor qualidade aquela em que a casca e
a parte lenhosa da raiz eram removidas. As
raízes secas sem esta separação constituíam
uma categoria secundária. Os resíduos do
processo de separação eram vendidos com
qualidade inferior sob o nome de mul. Os
Forais contem inúmeros regulamentos
referentes à indústria do vestuário com o
intuito de exigir a melhor qualidade para o
tingimento dos tecidos.
Figura 1 – Rubia tinctorum L. Nas raízes da garança-europeia (Rubia
tinctorum L.) encontra-se uma mistura com-
plexa de antraquinonas, sendo maioritárias
A garança, Rubia tinctorum L., é uma planta a alizarina, a purpurina, a pseudopurpurina,
herbácea perene, cujas raízes são usadas em e (Tabela 1) glucósidos de alizarina – ácido
tinturaria, distribuída por uma vasta área rubieritrico, mas a separação e purificação
geográfica, que se encontra naturalmente no destes produtos requer primeiro uma hidrólise
Sudeste da Europa até Oeste dos Himalaias. dos percursores glucósidos existentes nas
As raízes de certas espécies foram exploradas raízes. O ácido rubierítrico é hidrolisado
como fonte de corante para tingir têxteis. Para em alizarina e glucose por aquecimento
além da espécie asiática (garança-indiana com ácido mineral diluído. Com o tempo a
- Rubia cordifolia L.), a garança-europeia pseudopurpurina descarboxila, em purpurina,
(Rubia tinctorum L.) foi a mais importante quando a raiz seca é armazenada. No entanto,
para a produção comercial, e de tal forma, este processo além de não ser muito rápido
6 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

não é completo. A purpurina presente no como principais corantes, nomeadamente as


corante forma-se durante o processo de pertencentes a outras espécies de Rubia e
secagem da planta, sendo diminuta a quan- aos géneros Galium, Relbunium, Morinda
tidade existente naturalmente na planta, e e Oldenlandia (Graff, 2004). Para além da
é considerada um produto indesejável na alizarina, as Rubiáceas, apresentam outras
alizarina extraída da ruiva, pelo que lhe substâncias corantes, nomeadamente a
diminui o valor comercial. munjistina, a pseudopurpurina, a purpurina, a
xantopurpurina e a rubiadina. A presença ou
Método de tingir ausência de uma ou mais destas substâncias
e a proporção entre elas, indicam qual o
As substâncias tintureiras provenientes das material vegetal que foi utilizado (Wouters,
várias espécies de Rubia pertencem ao grupo 2001).
dos corantes ao mordente que precisam de um No género Relbunium são esperados,
tratamento prévio com um sal metálico. Os sais principalmente, a xantopurpurina, munjistina,
metálicos mais usados são o alúmen e alguns purpurina e pseudopurpurina. A ausência de
compostos de ferro. Em muitos procedimentos alizarina em espécies do género Relbunium
é recomendado, o uso de sais de cálcio é típica e representa uma diferença decisiva
especialmente quando se pretende conseguir entre a Rubia tinctorum (Europeia) e as
uma coloração mais rápida e um maior brilho. espécies de Relbunium. Embora diversas
A alizarina origina uma cor vermelha variedades de Rubiáceas tenham sido usadas
intensa após conversão numa laca insolúvel, como tintureiras por todo o mundo, apenas as
pela adição de alúmen e de uma base. A mais conhecidas e melhor investigadas são
adição de diferentes mordentes no tingimento referidas por Wouters (2001).
da lã, seda, algodão e linho com a garança,
permitia obter várias cores. Estas tonalidades Açafrão-bastardo
podiam variar entre vermelho, rosa, laranja,
lilás e castanho. Assim, com a aplicação História do uso
de sais de alumínio podiam obter-se azuis-
avermelhados; com sais de cobre obtinha- O açafrão-bastardo (Carthamus tinctorius
se a púrpura escura, com sais de estanho e L. - Figura 2) é usado desde a antiguidade
alúmen conseguia-se o laranja-amarelado e o para tingimentos vermelhos. Referencia-se
vermelho alaranjado-escuro produzia-se com que antes do séc. XVIII o açafrão não foi
o mordente de cobre (Tabela 1). importado pela Europa (Levey, 1955), no
entanto, no início do séc. XVII, podem ser
Outras rubiáceas corantes encontrados vários textos, com descrições
que o mencionam. O uso do açafrão vermelho
Por outro lado, existem outras plantas tin- foi muitas vezes interdito por regulamentos
tureiras que contêm alizarina e antraquinonas municipais. No entanto, para têxteis mais

Tabela 1 – Estrutura química dos constituintes maioritários da garança (Cardon, 1990).


PLANTAS TINTUREIRAS 7

baratos, algodão e linho, o uso desta espécie Existem duas qualidades no mercado:
parece ter sido usado frequentemente. lavado e não lavado. A variedade europeia
é não lavada e menos valiosa, mas as
variedades persas, de melhor qualidade, tal
como as egípcias e de Bengala são lavadas.
O corante é obtido das flores amarelo-
avermelhadas por lavagem em água. A
matéria corante é formada pela cartamina
(Fao, 2006) (Tabela 2) e pela cartamona.
Além de cartamina, o açafrão-bastardo
contém o “açafrão-amarelo” solúvel em
água e açafrão A e B, cuja composição é
ainda desconhecida. No processo primário
tradicional, os últimos pigmentos são deli-
beradamente removidos das flores da planta
de açafrão por lavagem em água, de modo a
permitir a utilização desejada como corante
Figura 2 – Carthamus tinctorus L. vermelho do material.
A variedade vermelha escura contém
O açafrão-bastardo é uma planta herbácea principalmente cartamina vermelha; a varie-
anual (um cardo), bem adaptada às condições dade amarela contém neocartamidina e menos
temperadas e subtropicais. É uma erva cartamina, enquanto que a variedade laranja
de caule esbranquiçado e folhas alternas contém cartamona, bem como cartamina.
espinhosas. É nativa do oeste da Ásia, A cartamina não é solúvel em água sendo
sendo cultivada na China, Índia, Pérsia, apenas parcialmente solúvel em álcool etílico
Egipto e Europa do Sul, incluindo Portugal, e metílico. É insolúvel em éter. Dissolve-se
na zona do Algarve, onde é conhecida por com uma cor laranja, a frio, em hidróxidos
açaflor. Apesar de ter sido suplantada pelo alcalinos diluídos, carbonato de sódio e
lírio-dos-tintureiros, ainda continua a ser a amoníaco, e é precipitada em soluções alca-
mais utilizada na Ásia Menor, onde existem linas por ácidos. Com o ácido sulfúrico
diferentes variedades. origina uma solução vermelha turva que,
depois de aquecida a 100ºC, origina com
Obtenção da matéria corante água um precipitado violeta, que é solúvel
em soluções alcalinas, com uma coloração
Os capítulos das flores são colhidos verde. A cartamina é muito sensível à hidró-
completamente frescos para serem cuida- lise e é convertida numa cartamina sem cor
dosamente secos à sombra (a luz directa (Schweppe, 1986).
destrói a substância corante). Ficando cor-
-de-laranja. Antes do tingimento, as pétalas Método de tingir
são primeiro amassadas com água para se
remover a substância corante amarela, que • Vermelho
é solúvel em água, prensando-se depois a Antes do tingimento, as pétalas de
massa em forma de bolos e colocando-se a açafrão bastardo são lavadas com água até
secar. a substância corante amarela estar comple-
O tradicional método indiano de proces- tamente removida. A massa residual é tratada
samento de secagem das flores inicia-se com com uma solução alcalina para extrair a
a remoção dos pigmentos amarelos solúveis substância corante (cartamina). As pétalas do
em água, envolvendo repetidas lavagens em açafrão bastardo são filtradas e o filtrado é
água acidificada durante vários dias. neutralizado com um ácido fraco.
8 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

Tabela 2 – Estrutura química dos constituintes maioritários do açafrão-bastardo (Harbone, 1988).

O linho e o algodão podem ser corados desde aquela época, em rochas e penedos nos
directamente nesta solução corante. São arquipélagos atlânticos e, particularmente,
produzidos lindos vermelhos e rosas, que nos Açores e Cabo Verde. A sua exploração
são, no entanto, de fraca estabilidade à luz. económica foi uma importante fonte de
No caso da seda, é muitas vezes adicionado rendimento para os Açores, tendo atingido o
alúmen. seu apogeu no século XVI (Faria, 1991).

• Amarelo A urzela é um líquen que apresenta a cor


O extracto aquoso das pétalas de açafrão verde-acinzentada.
bastardo pode ser usado em seda ou lã que, O espaço geográfico de localização deste
quando mordentadas com alúmen, origina líquen foi muito ampliado desde aquela
amarelo alaranjado e, quando o mordente é o época, sendo a Roccella tinctoria a que
cobre, obtém-se acastanhado e acastanhado- se pode encontrar nas ilhas Canárias, nos
escuro (Schweppe, 1986). Açores, Madeira, Marrocos, e nas ilhas de
Cabo Verde, nas costas África Ocidental e
do Sul.
Líquenes que tingem de vermelho

Urzela

História do uso

A urzela (Roccella tinctoria DC.- Figura


3), é outra “planta tintureira” cujo conhe-
cimento na arte do tingimento é muito
antigo (possivelmente desde a civilização
mesopotâmica) sendo referido por
Theophrastus, filósofo e naturalista grego
(371-287 a. C.) como originando uma cor
muito mais bela do que a púrpura. A partir
deste líquen preparava-se uma tintura cuja
cor era de um vermelho-violáceo.
Desde muito cedo, foi referida nas viagens
atlânticas do séc. XV, tendo sido colhida Figura 3 – Roccella tinctoria.
PLANTAS TINTUREIRAS 9

Obtenção da matéria corante ponentes da orceína e em que β e γ se referem


a isómeros do mesmo composto. Como a
A orceína é preparada colocando os líquenes orceína é um corante tóxico o seu uso foi
durante dois dias em soluções de amoníaco proibido na União Europeia.
(antigamente era utilizada a urina como fonte
de amoníaco), misturados com cal apagada Método de tingir
e deixados em fermentação durante seis se-
manas. Depois desta maceração amoniacal e Com este corante tingia-se a lã e seda,
fermentação obtém-se a substância corante, directamente em tons de vermelho, castanho
a orceína. e azulado até violeta. Mordentados com
O princípio corante extraído da urzela é sais de estanho permitia a obtenção de tons
uma substância incolor, o ácido lecanórico, vermelhos e com alúmen originava os tons
que é convertido após oxidação em orceína, violetas. Este corante é muito pouco sólido
uma substância cristalina de cor vermelho- e era utilizado para imitações de púrpura
acastanhado (Figura 4), sendo portanto já na Roma Antiga através da utilização
obtida de diferentes variedades de líquenes em conjunto com outros corantes, obtidos
da família das Roccellaceae. A orceína é uma em diferentes banhos, para economizar os
mistura de hidroxi-orceínas, amino-orceínas corantes mais dispendiosos como o quermes,
e amino-orceíniminas. A Tabela 3 apresenta a cochonilha.
as estruturas químicas dos principais com-

Figura 4 – Obtenção da orceína (Stainsfille, 2006).

Tabela 3 – Estrutura química dos constituintes da urzela (Stainsfille, 2006).


Fórmula química

α-hidroxi orceína β-amino orceína β-hidroxi orceína


α-amino orceína

β-amino orceinimina γ-amino orceína γ-hidroxi orceína γ-amino orceinimina


10 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

Madeiras corantes Ao longo dos anos, têm sido citadas como


provenientes de vários países as espécies
Pau-brasil Caesalpinia echinata Lam. (Figura 5) prove-
niente do Brasil, a C. violacea (Mill.) Standl.
História do uso proveniente da Jamaica, Guatemala, Mé-
xico, Caraíbas e Cuba e a Haematoxylyum
Desde a Idade Média até ao séc. XVIII brasiletto H. Karst. originária da Venezuela,
o pau-de-sapam desempenhou um papel Colômbia e Califórnia, como fontes de ma-
muito importante como corante vermelho deiras que forneciam corantes vermelhos co-
para têx-teis. Era obtido originalmente do nhecidos pau-brasil.
cerne da madeira Caesalpinia sappan L., As madeiras vermelhas podem ser divididas
uma pequena árvore originária do sudoeste em dois grupos de acordo com a solubilidade
da Ásia, tendo sido introduzida na China das substâncias corantes presentes nas
(Faria, 1991). madeiras.
Com a descoberta do continente americano, As substâncias corantes insolúveis em água
foram encontradas outras espécies de árvores contêm santalina como principal matéria
que também forneciam um corante vermelho corante. A madeira de sândalo (Pterocarpus
de qualidade superior e que veio substituir o santalinus L. f.), nativa da Índia e também
que provinha da Índia. conhecida como sangue-de-dragão, a madeira
O pau-brasil foi o primeiro recurso co- vermelha de Angola e a madeira vermelha
merciável detectado pelos Portugueses no da África Ocidental, pertencem a este grupo
continente americano, num espaço inicial- (Fao, 2006).
mente baptizado de Terra de Vera Cruz. O A brasilína, um composto neoflavonóide,
seu nome vulgar, pau-brasil, ficou ligado à é a principal matéria corante das madeiras
maior Nação de língua portuguesa. vermelhas solúveis. A este grupo de corantes
Do pau-brasil obtinha-se um extracto da madeira pertencem o pau-brasil, o pau-
vermelho que era utilizado em tinturaria, de-pernambuco, o pau-da-jamaica, o pau-
para tingir de vermelho, e competindo com da-nicarágua, que são os mais conhecidos e
outras matérias-primas tintureiras produtoras frequentemente usados em várias partes do
dessa cor, nomeadamente a grã (obtido da mundo.
cochonilha), o quermes, a rúbia, o sangue-
de-dragão, etc. Obtenção da matéria corante
A sua utilização como matéria corante em
tinturaria foi, a partir do fim séc. XVII, interdita De acordo com vários processos, para
e, nalguns casos, vigiada (“Regimento da extracção do corante em pó, os troncos do
fábrica dos panos de 1690”). pau-brasil eram divididos em pequenas
porções e raspados.
Um dos processos mais utilizados era
complexo, mas originava um produto puro
de boa qualidade. Consistia em evaporar em
calor brando e até à secura um cozimento de
pau-brasil. O resíduo era dissolvido em água
e o líquido resultante filtrado e agitado com
óxido de chumbo. A mistura era evaporada à
secura em banho-maria e a matéria resultante
era, então, posta em digestão com álcool
etílico a 90%, durante 24 horas. A solução
alcoólica era filtrada e evaporada em lume
Figura 5 – Caesalpinia echinata Lam. brando até o líquido obter uma consistência
PLANTAS TINTUREIRAS 11

Tabela 4 – Estrutura química dos constituintes maioritários do pau-brasil (Stainsfille, 2006).

Parte usada: Fórmula química


cerne da madeira
oh

h
ho

o
ho
oh

Brasilina Brasileína

xaroposa. Nessa fase era diluída com água à tons alaranjados, com mordentes metálicos
qual era adicionada gelatina. Procedia-se a de estanho e alúmen, tons acastanhados, com
uma nova filtragem e recuperava-se o corante mordentes de crómio e cobre. Sabe-se que estes
da gelatina tratando-o com álcool, onde este tingimentos desvaneciam muito.
é solúvel, não dissolvendo a gelatina. Após
uma última filtragem a solução alcoólica era Dragoeiro
evaporada à secura, obtendo-se finalmente
o corante que era utilizado na tinturaria do História do uso
algodão, da seda e da lã.
A principal substância corante – a brasilina O termo de sangue-de-dragão foi aplicado
– está presente em quase todas as madeiras desde épocas antigas à resina colorida
vermelhas solúveis. A substância corante vermelha obtida a partir de diferentes espé-
é um neoflavonóide que é oxidada por um cies de plantas de quatro géneros distintos:
processo de fermentação e oxigénio em Croton, Dracaena, Daemonorops e Ptero-
brasileína (Tabela 4). Esta é solúvel em carpus provenientes de várias origens
água, álcool etílico, éter etílico e soluções geográficas, respectivamente da América
alcalinas. Dissolve-se para originar uma cor do Sul, do Sudeste Asiático e do Médio
amarela que se transforma gradualmente Oriente.
em vermelho, mas não é facilmente solúvel No comércio externo português no
nos vulgares solventes orgânicos. Em século XV, o sangue-de-dragão foi uma
soluções alcalinas dissolve-se com uma das matérias-primas tinturiais utilizadas
coloração vermelho pálido, que se torna e surgia ao lado da grã, de produção
castanha quando exposta ao ar. Dissolve-se continental, nas listas de produtos exóticos
em ácido sulfúrico concentrado com uma exportados pelos portugueses para a Europa
coloração amarela baça e uma fluorescência (Faria, 1991).
esverdeada. O sangue-de-dragão atingia elevados
preços, em tinturaria, constituindo nos
Método de tingir tempos iniciais de povoamento europeu
das ilhas dos Açores, Cabo Verde, Madeira,
Existiam dois métodos que se utilizavam Canárias e Ilhas selvagens um importante
vulgarmente no tingimento dos têxteis: o da ma- produto de exportação.
deira “cortada”, onde a matéria corante já tinha Dracaena draco L. apresenta como nome
sido oxidada, e era colocada num recipiente e o comum – dragoeiro (Figura 6), uma planta
do corante que é extraído com água morna, onde originária de ilhas Macaronésicas no Oceano
o líquido era uma solução corante concentrada. Atlântico norte perto da Europa e do norte
Este corante tingia a lã, seda e algodão, em de África.
12 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

um alcalóide – a taspina. É inodora, insípida,


dura, friável e inflamável. É solúvel em
álcool, éter e óleos. É também utilizada no
preparo de vernizes alcoólicos para produzir
uma cor vermelho rubi (Langenheim, 2003).

Plantas que tingem de amarelo

Lírio-dos-tintureiros

História do uso

Antes da descoberta da América, em 1492,


era o corante mais usado na Europa Ocidental.
Figura 6 – Dracaena draco L. Existem dúvidas quanto à introdução do
lírio-dos-tintureiros na Europa, embora haja
O dragoeiro pertence à classe Liliopsida, fortes possibilidades de ter sido introduzido
ordemAsparagales, família das Dracaenaceae, no Império Romano. Depois da descoberta
sendo comum nos arquipélagos atlânticos da América o lírio-dos-tintureiros (Figura 7)
das Canárias, Madeira, e Açores, atingindo foi ali introduzido, podendo ser encontrado
centenas de anos de idade e produzindo ao longo das costas colonizadas.
plantas de grandes dimensões.

Obtenção da matéria corante

A resina do sangue-de-dragão é obtida


fazendo incisões no caule da planta e
recolhendo a seiva. O dragoeiro deve o seu
nome à cor da sua seiva depois de oxidada
por exposição ao ar: forma uma substância
pastosa de cor vermelho viva que foi
comercializada na Europa com o nome de
sangue-de-dragão.
O sangue-de-dragão é uma substância
resinosa que contém 90% de compostos
fenólicos (Tabela 5) incluindo proantociani-
dinas (B-1 e B-4), catequinas, epicatequinas e Figura 7 – Reseda Luteola L.

Tabela 5 – Estrutura química dos constituintes maioritários do sangue-de-dragão (Piozzi, et al., 1974).
Parte usada: Fórmula química
seiva

Catequina Epicatequina Galocatequina


Procianidina B-1
PLANTAS TINTUREIRAS 13

Tabela 6 – Estrutura química dos constituintes maioritários do lírio-dos-tintureiros (Harbone, 1988).


Parte usada:
Toda a planta Fórmula química

oh oh
oh

ho o
ho o

oh o
oh o

Luteolina Apigenina

O lírio-dos-tintureiros, de nome vulgar ferro, e acastanhados quando mordentados


gauda ou gonda (Reseda luteola L.), é uma com crómio. Os tingimentos devem efectuar-
erva anual, geralmente erecta, frequente se a uma temperatura inferior a 70ºC para
nos campos, searas, caminhos e pousios de evitar a absorção de corantes contaminantes
Portugal. Originária do oeste da Ásia, Europa como a apigenina.
e Norte de África Macaronésica (Goffer,
1980). Giesta-dos tintureiros
“O regimento da Fábrica dos Panos de
1690”, refere o seu uso na tinturaria, em História do uso
Portugal.
São inúmeros os escritos que referem o
Obtenção da matéria corante facto da Genista tinctorum L. (Figura 8)
conter uma substância corante amarela, e que
Após a floração a planta era colhida foi usada no tingimento da cor amarela, na lã,
aparecendo no mercado em feixes de plantas desde a pré-história. A giesta-dos-tintureiros
secas. Estas eram fervidas em água à qual era o único corante amarelo vegetal usado
se adicionava potassa e urina para facilitar antes da importação do lírio-dos-tintureiros
a extracção do corante. A solução corante e outros corantes amarelos para a Inglaterra,
obtida era filtrada e utilizada para tingir. no início da Idade Média (Mell, 1936).
Das folhas e caules da Reseda luteola
L., ou do lírio-dos-tintureiros extrai-se um
corante amarelo, puro e estável, utilizado em
tinturaria para tingir seda e lã. O princípio
corante maioritário é a luteolina (Tabela 6),
contendo outros corantes flavonóides dos
quais se destaca a apigenina.

Método de tingir

Tal como a maioria dos corantes orgânicos,


o lírio-dos-tintureiros é um corante ao
mordente. Todos os materiais têxteis podem
ser tingidos com ele, obtendo-se vários tons
de amarelo quando mordentados com estanho,
alaranjados quando é usado com alúmen,
Figura 8 – Genista tinctorum L.
verde azeitona quando mordentados com
14 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

A giesta-dos-tintureiros, Genista tinctorum Como a cor produzida é o amarelo esver-


L., é uma planta que pode ser encontrada nos deado, era frequentemente usado para tingir
pastos, matas, geralmente em solos ácidos, de verde num “suporte” de índigo ou anil
em quase toda a Europa. Provavelmente (mas o lírio-dos-tintureiros é usado quando
originária do Centro Oeste da Ásia, está se quer uma cor amarela brilhante).
também estabelecida nos Estados Unidos. Depois dos têxteis serem corados de
azul, iniciava-se o segundo processo de
Obtenção da matéria corante tingimento. O têxtil azul era tratado com
um mordente (alúmen, caparrosa ou verde
As folhas e ramos são fervidos com água e o espanhol) e depois corados na decocção dos
extracto resultante é usado para o tingimento. ramos da Genista. Para tingir de verde a seda,
A principal matéria corante é a luteolina o processo é inverso (Graaff, 2004).
e a genisteína, encontrando-se esta última
na forma de glucosído da genistína, que se Açafrão
hidrolisa por acção de ácidos diluídos em
genisteína e glucose (Tabela 7). A genisteína História do uso
é solúvel em água, álcool e éter e em bases
originando uma cor amarela pálida. O açafrão (Crocus sativus L. - Figura 9)
é uma substância corante usado desde a
Método de tingir antiguidade, principalmente no próximo e
extremo Oriente. Ganhou grande popula-
Tal como muitos outros compostos ridade na Europa onde foi cultivado desde
“flavonóides” a giesta-dos-tintureiros é um a idade Média sendo ainda hoje cultivado e
corante ao mordente. Existe uma estreita usado no tingimento em amarelo para lã e
semelhança com as propriedades de tingimento seda, no entanto, em menor escala do que
entre a giesta-dos-tintureiros e o lírio-dos- o lírio-dos-tintureiros e fustete. O açafrão
tintureiros, mas o poder de tingimento do também foi usado como pigmento em
primeiro é notoriamente mais fraco. iluminura na Europa, bem como na Índia e
Outra diferença torna-se aparente quando na Pérsia (Barkeshli, 1999).
o crómio era usado como mordente, a giesta Como o açafrão era uma mercadoria
dos tintureiros confere um tom mais baço e muito cara, muitas vezes era adulterado
acastanhado. com substâncias corantes menos caras, tais
A lã tem que ser pré-mordentada com como o açafrão-da-índia ou açafrão bastardo
alúmen, obtendo-se um amarelo alaranjado, (Curcuma longa L.). Na Pérsia o açafrão
mas depois da descoberta do estanho como já era cultivado muito antes da era cristã e
mordente, era usado para se conseguir uma daí foi introduzido na China por nómadas
cor amarela mais brilhante. mongóis (Bender, 1947).

Tabela 7 – Estrutura química dos constituintes maioritários da giesta (Cardon, 1990).

Parte usada: Fórmula química


Toda a planta
oh ho o
oh

ho o

oh o
oh

oh o Genisteína
Luteolina
PLANTAS TINTUREIRAS 15

Obtenção da matéria corante

Os estigmas do Crocus sativus L. eram


secos, depois moídos até pó e muitas vezes
prensados em pequenos bolos. O material
moído é facilmente solúvel em água – a
crocetina é um dos poucos corantes directos
que ocorrem na natureza.
A principal matéria corante amarela
presente nos estigmas do açafrão e nos frutos
do jasmim-do-cabo é a crocina (Tabela 8),
um glucósido da crocetina. Além da crocina,
os frutos do jasmim-do-cabo contêm pigmen-
tos como iridóides e flavonóides (Sujata,
Figura 9 – Crocus sativus L. 1992). A crocetina – é produzida através de
hidrólise, a partir da crocina (Tabela 8), por
acção de ácidos diluídos quentes. A crocetina
O açafrão é extraído dos estigmas secos é um pó vermelho amorfo, facilmente solúvel
das flores de Crocus sativus L. foi nativo em água e álcool e solúvel em soluções
da Grécia, Turquia e Irão, mas actualmente alcalinas originando uma cor vermelha-
apenas cultivado desde a Europa Ocidental alaranjada. A crocetina é facilmente solúvel
até à Ásia. Também foi extraído da Gardenia em ácido sulfúrico concentrado, originando
jasminoides J. Ellis designado vulgarmente uma cor azul fraca. Com acetato de chumbo
como jasmim-do-cabo, existente na Indo- a crocetina origina um ligeiro precipitado
china até ao Japão; Crocus sativus L. é uma castanho (Colour Índex, 1982).
planta perene que floresce no Outono e é
adaptável a uma grande variedade de climas Método de tingir
desde os temperados aos sub-tropicais. Os
solos variam desde os arenosos aos argilosos Os têxteis são tingidos num banho coran-
mas bem drenados. te fervente de açafrão sem a adição de mor-

Tabela 8 – Estrutura química dos constituintes maioritários do açafrão (dcb-carot, 2006).

Parte usada: Fórmula química


estigmas
Ch3 Ch3 oh

o
o

oh Ch3 Ch3

Crocetina
ho
oh

ho ho oh
o Ch3 Ch3 o oh

o o o oh
ho o o o

oh o Ch3 Ch3 o
ho oh oh

oh
oh

Crocina
16 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

dentes, mas também é possível tingir com a proveniente da parte oriental do norte da
adição de mordente. Neste caso o têxtil tem América e Canadá e introduzido na Europa
de ser pré-mordentado com uma solução de no séc. XVIII.
alúmen, obtendo-se a cor amarela brilhante.

Madeiras corantes

Fustete

História do uso

No passado, várias árvores existentes nas


florestas, ou plantadas, foram utilizadas no
tingimento, quer em comunidades locais,
quer como fonte de corantes referidas em
tratados internacionais. Exemplos incluem, a
Maclura tinctoria (L.) Steud. que se estende
desde a América Central e Sul, de onde se
extraía o “fustete”; Cotinus coggygria Scop. Figura 10 – Cotinus coggygria Scop.
(Figura 10), originária do sul da Europa
à China de onde se extraía uma substância
designada por “fustete-novo”; e Quercus As árvores têm um crescimento natural,
velutina Lam., originária da América do podendo ser por vezes cultivadas quando
Norte de onde se extraía o quercitron. Os utilizadas para corantes. As folhas e os galhos
corantes amarelos surgiram no mercado em raramente são usados para obter as cores
períodos diferentes. castanhas e pretas enquanto que o cerne da
O fustete-novo também designado por madeira é usado para obter as cores amarelas
madeira-amarela-da-hungria ou sumagre foi e laranja.
usado desde a Antiguidade, particularmente
para obter misturas de cores como laranja e Obtenção da matéria corante
verde. Plínio, em “História Natural”, men-
ciona o seu uso como corante para tingir A extracção do corante é realizada a partir
de amarelo. No entanto, como apresentava do cerne da madeira, através da redução, em
desvanecimento à luz foi substituído, depois pequenos pedaços, que são colocados num
da descoberta da América, por fustete e saco e extraídos em água quente. Depois do
quercitron que apresentavam maior resis- processo de extracção, o líquido limpo depois
tência à luz. de depurado é utilizado no tingimento.
Depois da descoberta da América, o fustete O principal material corante do fustete-
foi introduzido na Europa no início do séc. novo é a fisetina, uma hidroxiflavona
XVI, no entanto, raramente era mencionado presente na madeira como um glucosído
nos manuscritos dos corantes no séc. XVII, juntamente com o ácido tânico. Durante
em conjunto com o pau-brasil. Este corante o processo de tingimento o ácido tânico
era usado na Europa para tingir de preto ou divide-se originando fustina e um resíduo
de verde. Após os sécs. XVIII e XIX o seu de glucose. Podemos também encontrar
uso aumentou face ao lírio-dos-tintureiros. como componente minoritário a sulfuretina.
No séc. XX, passou a ser usado em conjunto A fisetina é facilmente solúvel em álcool
com o fustete-novo e o lírio-dos-tintureiros. etílico, acetona e ácido acético. É, contudo,
O quercitron, também designado por insolúvel em água, éter etílico, benzeno e
carvalho-preto, foi também um produto clorofórmio.
PLANTAS TINTUREIRAS 17

O fustete apresenta outras hidroxiflavonas Indigofera, originárias dos trópicos, e de


como principais substâncias corantes: a Isatis tinctoria L. originária da Europa. A
morina, a maclurina e o kamferol enquanto espécie existente na Ásia era a Indigofera
que o quercitron apresenta a quercitrina, a tinctoria L. e as existentes na América
quercetina entre outros. Central e do Sul era a Indigofera suffruticosa
Mill. (anil) e em África a Indigofera arrecta
Método de tingir Harv. (índigo-de-natal), enquanto a espécie
existente na Europa era a Isatis tinctoria L.
O banho do corante, que continha a madeira (pastel-dos-tintureiros).
corante fervida em água e depois de filtrado Até o fim do século XVI, quando o índigo
era utilizado no tingimento da lã ou da seda se tornou mais disponível através das rotas
(Kremer-pigmente, 2006). do comércio do Extremo Oriente, o pastel-
Este corante é um corante ao mordente dos-tintureiros era a única fonte de corante
podendo utilizar-se, por exemplo, sais de azul disponível na Europa (Balfour, 1998).
alúmen, cobre (Kremer-pigmente, 2006). As primeiras referências à cultura do pastel
As cores obtidas variam consoante o mor- em Portugal datam de 1445 (28 Agosto) numa
dente usado: com alúmen obtinha-se a cor carta de privilégio passada por D. Afonso V
alaranjada; com cobre o castanho-aver- ao Infante D. Henrique, onde lhe é conhecido
melhado escuro, obtendo-se com crómio a o exclusivo da exportação daquela cultura
cor vermelha acastanhada (Tabela 9); ou o (Faria, 1991).
amarelo sem a utilização de mordentes. As O pastel-dos-tintureiros, nome comum
cores apresentavam uma boa resistência à da planta Isatis tinctoria L., constituiu um
lavagem, mas uma baixa luminosidade. dos principais produtos de exportação dos
No regimento da Fábrica dos Panos de 1690 Açores, no seu período inicial de colonização
é referido a adição de sumagre ao lírio-dos-tintu- (séc. XV e XVI), originando um activo
reiros para obtenção de outros tons de amarelo. comércio entre as ilhas e a Flandres. Este
comércio, cedo transformado em monopólio
Plantas que tingem em azul da coroa portuguesa, era tão importante que
foi criado o cargo de “lealdador do pastel”
Pastel-dos-tintureiros com o objectivo de garantir a qualidade e o
peso das “bolas” exportadas. Desse tempo
História do uso ficaram vários traços na toponímia açoriana,
sendo comuns as designações de Canada do
O corante índigo ou anil pode ser extraído Engenho e Engenho, referindo os locais onde
de várias espécies de plantas do género se situavam as instalações de preparação do

Tabela 9 – Estrutura química dos constituintes maioritários do fustete-novo (Cardon, 1990).

Parte usada:
cerne da madeira Fórmula química
oh oh ho oh

oh

ho o
oh ho o ho o

oh
oh

o o o

Fisetina Fustina Sulfuretina


18 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

pastel. No Faial a memória da sua cultura prefira solos ligeiros. Necessita de elevada
é perpetuada na designação do lugar do humidade para germinar e de boa exposição
Pasteleiro, arredores da cidade da Horta solar para atingir o máximo desenvolvimento,
(Stainsfille, 2006). embora tolere algum ensombramento. Era
A cultura, recolha, tratamento e exportação semeada em alfobre e depois plantada em
desta tintureira atingiu valores elevados regos, a planta não podia ser cultivada com
no século XVI, seguido de uma grande sucesso no mesmo terreno em anos seguidos
decadência a partir do último quartel do (agr.unipi.it, 2006).
século XVII. A decadência registada ficou a
dever-se essencialmente à concorrência feita Obtenção da matéria corante
pelo anil produzido nas colónias espanholas
da América Central de onde era trazido para a O método de preparação a partir da planta
Europa. No entanto, a crise interna provocada pouco mudou ao longo do tempo. As folhas
pela dominação Filipina e a especulação de da planta do pastel eram colhidas duas vezes
produtores e comerciantes são apontados por ano, mergulhadas em água, durante 9 a
como factores simultâneos ou de antecipação 14 horas, e trituradas num engenho cons-
à crise geral provocada pela introdução tituído por uma atafona movida por uma
do índigo tropical e do anil, pondo assim vaca ou burro, e moldadas em bolas que
termo a um importante e irreversível ciclo eram deixadas fermentar. A fermentação, que
económico insular. produzia um cheiro pútrido intenso, levava
O extracto fermentado das suas folhas era ao desdobramento dos pigmentos corantes
usado como corante azul em tinturaria. A sua contidos nas folhas. Este licor fermentado é
utilização actual limita-se à tinturaria artística retirado e arejado para que se dê a oxidação
e à produção de tecidos orgânicos (produzidos do corante à forma oxidada, corada, que
sem recurso a produtos sintéticos). precipita. A camada líquida superior é
decantada e o restante aquecido para parar
a fermentação. O licor é filtrado e a pasta
resultante depois de seca está pronta para
ser distribuída. As bolas fermentadas eram
depois deixadas a secar até atingirem um
grau reduzido de humidade, sendo depois
encaminhadas para as tinturarias (madehow.
com, 2006).
O corante, que na planta se encontra na
forma de um glucósido, é hidrolisado a glucose
e à forma leuco, que é solúvel em água.
As folhas e caules são ricos em glucósi-
do indicana que ao decompor-se por fermen-
tação produz indigotina, o princípio activo
do corante azul índigo (Tabela 10). O
Figura 11 – Isatis tinctoria L. pastel-dos-tintureiros, depois de seco, é uma
substância terrosa, sem cheiro ou sabor, de
cor azul-escuro, ganhando um brilho violeta
O pastel-dos-tintureiros é uma planta anual acobreada quando esfregado, contendo, além
ou bienal, raramente perene, da família das da indigotina, numerosas outras substâncias
Cruciferae ou nativa da Europa e do sudoeste corantes e impurezas inertes. A indigotina
da Ásia, mas naturalizada em quase toda é insolúvel em água, daí o seu interesse em
a zona temperada e subtropical. Pode ser tinturaria, dissolvendo-se apenas em ácidos
cultivada em qualquer tipo de solo, embora fortes.
PLANTAS TINTUREIRAS 19

Tabela 10 – Estrutura química dos constituintes maioritários do pastel-dos-tintureiros.

Parte usada:
Folhas Fórmula química

o
h
n

n
h
o
Indigotina

Método de tingir se intensificaram, foram introduzidas no


Ocidente outras plantas tintureiras, prove-
O pastel-dos-tintureiros não é solúvel nientes do Oriente, como a rubia (Rubia
em água; para ser dissolvido, deve sofrer cordifolia L.) que tingia de vermelho ou
uma transformação química. Um processo o fustete (Maclura tinctoria (L.) Steud.)
de tingimento usado na Europa, consistia que tingia de amarelo respectivamente e
em dissolver o índigo em urina. A urina possibilitaram a obtenção de mais e variadas
reduzia o índigo, insolúvel em água, a uma cores para os tecidos da época.
substância solúvel conhecida como índigo Verificámos também a existência de
branco ou leuco-indigo, que produzia uma substâncias, provenientes de madeiras
solução amarelo-esverdeada. Os tecidos (a como a madeira do sândalo (Pterocarpus
lã e a seda) tingidos nesta solução ficavam santalinus L.f.), originária da Índia e o
tingidos de azul, após o índigo branco oxidar dragoeiro (Dracaena draco L.), originária
e transformar-se em indigo azul. Após o séc. das Ilhas Macaronésicas, que apresentam
XIX a urina foi substituída por ureia sintética. composição química diferente para o mesmo
No processo de tingimento os tecidos nome corante: sangue-de-dragão.
podiam ser mordentados com alúmen para se As plantas tintureiras deram um importante
obterem os azuis, ou cobre ou crómio para a contributo tornando-se num recurso procu-
obtenção dos tons cinzentos (Tabela 10). rado e originando fluxos de comércio interna-
cional. Portugal, no quadro da sua vocação
CONCLUSÕES ultramarina, forneceu os mercados europeus
oferecendo-lhes matérias-primas que se
Neste trabalho, realizámos uma recolha desenvolvem nas novas terras descobertas. O
bibliográfica sobre algumas plantas tintureiras sangue de dragão, a urzela, o pau-brasil e o
cultivadas ou plantas espontâneas locais, que pastel são alguns dos produtos de troca que
foram utilizadas como corantes têxteis entre marcaram não só a passagem dos portugueses
os séculos XVI a XVIII. como o seu interesse por estes lucrativos
Do exposto, podemos verificar a existência, produtos tintureiros.
no Ocidente, de determinadas plantas Posteriormente, com o aparecimento e
tintureiras, como a garança (Rubia tinctorum comercialização dos corantes de síntese, e
L.) ou o fustete novo (Cotinus coggygria a consequente baixa de competitividade dos
Scop.) que foram usadas no tingimento corantes naturais, a sua utilização declinou
para obtenção da cor vermelha e amarela, até à sua quase extinção. Muitos dos proce-
respectivamente. No entanto, a partir do dimentos artesanais e semi-industriais, foram
séc. XVI, quando as trocas comerciais quase perdidos.
20 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

Contudo, aquelas substâncias e as práticas Harbone, I. (1988) - The Flavonoids –


que lhes estavam associadas sempre foram Advances in research since 1980. Chapman
consideradas como fazendo parte de um e Hall Lda, London, New York.
tempo glorioso que começava a ser ofuscado http://dcb-carot.unibe.ch/nomen.htm, (acesso
pelo vertiginoso desenvolvimento das em: Junho de 2006).
indústrias químicas que, no século XIX, as http://stainsfile.info/StainsFile/dyes/
iam remetendo para uma actividade cada vez orcein.htm.
mais residual e que são hoje recuperadas, http://stainsfile.info/StainsFile/dyes/75280.htm,
entre outras, por questões patrimoniais. (acesso em: Junho de 2006).
http://web.fao.org/docrep/V8879e/vv8879e01.
htm, (acesso em: Maio de 2006).
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