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PARADIGMAS ESTRATÉGICOS DE GESTÃO DA

MANUFATURA (PEGEMs): ELEMENTOS-CHAVE


E MODELO CONCEITUAL

Moacir Godinho Filho


Flavio César Faria Fernandes
Departamento de Engenharia de Produção,
Universidade Federal de São Carlos, UFSCar,
Rod. Washington Luís, Km 235, C. P. 676, CEP 13565-905, São Carlos, SP,
e-mail: moacir@dep.ufscar.br, dfcf@power.ufscar.br

Recebido em 12/8/2004
v.12, n.3, p.333-345, set.-dez. 2005 Aceito em 20/9/2005

Resumo

O presente artigo propõe um novo termo em Gestão da Produção: Paradigmas Estratégicos de Gestão da Manufatu-
ra (PEGEMs). Este novo conceito objetiva tratar de forma integrada e comparativa os paradigmas de gestão da manu-
fatura surgidos ao longo do século XX. Para isto, além de sua conceituação, são identificados quatro elementos-chave
comuns a todos os PEGEMs: direcionadores (condições do mercado que possibilitam ou requerem a implantação do
PEGEM); objetivos de desempenho (os objetivos estratégicos da produção priorizados pelo PEGEM); princípios (as
idéias que norteiam o PEGEM); e capacitadores (as ferramentas, tecnologias e métodos de cada PEGEM). As prin-
cipais contribuições deste trabalho são: i) apresentar um modelo conceitual que relacione os PEGEMs aos objetivos
estratégicos da produção; e ii) permitir comparações e análises dos paradigmas de manufatura, facilitando o estudo
e aplicações práticas. O modelo proposto fornece um tratamento bastante pragmático das questões estratégicas no
âmbito da Gestão da Produção.
Palavras-chave: paradigmas estratégicos de gestão da manufatura, manufatura em massa, manufatura enxuta, manufa-
tura responsiva, customização em massa, manufatura ágil.

1. Introdução
Dentro da moderna literatura de Gestão da Produção, Manufatura (PEGEM). Este novo termo vem tratar de
muitos são os paradigmas que se apresentam no intuito maneira conjunta e integrada os novos paradigmas dentro
de ajudar as empresas na difícil tarefa de se manterem da moderna literatura de gestão da produção, por meio
competitivas no mundo atual globalizado (Gunasekaran, da criação de uma conceituação e de elementos-chave
1999). Alguns exemplos são: Manufatura Enxuta, Ma- (direcionadores, objetivos de desempenho, princípios
nufatura Responsiva, Manufatura Ágil, World Class e capacitadores) comuns a todos estes paradigmas. A
Manufacturing, Customização em Massa, dentre outros partir desta nova conceituação, podem-se diferenciar os
conceitos. Preferimos o termo Manufatura ao termo Pro- paradigmas da manufatura de outros termos comumen-
dução por estar diretamente ligado à fabricação de bens e te encontrados na literatura, além de também permitir
não contemplar a geração de serviços. uma comparação entre os próprios paradigmas (à luz de
O presente trabalho tem como objetivo apresentar es- seus elementos-chave), facilitando, assim, o estudo e a
tes principais paradigmas atualmente existentes dentro sua aplicabilidade. Os PEGEMs fornecem um aspecto
da Gestão de Produção, tratando-os de uma forma inte- estratégico à manufatura, uma vez que cada PEGEM é
grada e comparativa. Para isso, um novo termo é propos- mais direcionado a determinados objetivos estratégicos
to neste trabalho: Paradigmas Estratégicos de Gestão da da produção. Referente a esta questão, propomos um mo-
334 Godinho Filho e Fernandes − Paradigmas Estratégicos de Gestão da Manufatura (PEGEMs): Elementos-chave...

delo que identifica os objetivos estratégicos da produção tes paradigmas: a competição baseada no tempo (tam-
que cada PEGEM prioriza. Este modelo é posicionado bém denominada de Manufatura Responsiva por autores
em relação a outros dois modelos encontrados na literatu- como Kritchanchai e MacCarthy (1998) e Fernandes e
ra (Booth, 1996; Fernandes e MacCarthy, 1999). MacCarthy (1999)), proposta primeiramente por Stalk e
Vergara (2000) classifica as pesquisas quanto aos Hout (1990); a Customização em Massa (CM), que surgiu
fins (exploratória, descritiva, explicativa, metodológica, em 1987 com Stanley Davis em seu famoso livro “O fu-
aplicada e intervencionista) e quanto aos meios (pes- turo perfeito” (Davis, 1987); e a Manufatura Ágil (MA),
quisa de campo, pesquisa de laboratório, documental, que surgiu e foi popularizada em 1991 por um grupo de
bibliográfica, experimental, ex post facto, participante, professores do Instituto Iaccoca da Universidade Lehigh,
pesquisa-ação e estudo de caso). Esta pesquisa se carac- nos Estados Unidos, que publicaram, nesse mesmo ano,
teriza quanto aos fins como exploratória, uma vez que um relatório (Goldman et al., 1991), o qual trazia como a
busca sistematizar conhecimento que ainda não se encon- competitividade se desenvolveria nos próximos 20 anos,
tra suficientemente integrado. Quanto aos meios, é uma e propondo a MA como um novo paradigma destinado a
pesquisa bibliográfica, porém composta de análises ins- este ambiente.
piradas na vivência dos autores em inúmeros estudos de Acreditamos que todos estes paradigmas possam ser
caso já realizados. estudados de uma forma conjunta em prol de um maior
O presente trabalho é um instrumento para uma maior entendimento, comparações e maior utilização prática.
aplicação prática dos paradigmas de manufatura, uma Para isso, propomos um novo conceito, que pretende
vez que trata os PEGEMs, muitas vezes considerados pa- abranger os paradigmas descritos: Paradigma Estraté-
nacéias na literatura, de forma realista, ou seja, cada qual gico de Gestão da Manufatura (PEGEM). Conceitua-
direcionado a certas situações específicas, com princí- mos Paradigmas Estratégicos de Gestão da Manufatura
pios, métodos e ferramentas destinadas a alcançar certos (PEGEMs) como modelos/padrões estratégicos e integra-
objetivos estratégicos da manufatura. dos de gestão, direcionados a certas situações do merca-
A estrutura do artigo é a seguinte: na seção 2, é defi- do, que se propõem a auxiliar as empresas a alcançarem
nido o conceito de PEGEM, bem como são apresenta- determinado(s) objetivo(s) de desempenho (daí o nome
dos os principais PEGEMs; na seção 3, são apresentados estratégicos). Estes paradigmas são compostos de uma
os quatro elementos-chave de um PEGEM (os direcio- série de princípios e capacitadores (daí a denominação
nadores, os objetivos de desempenho da produção, os gestão), os quais possibilitam que a empresa, a partir de
princípios e os capacitadores) e mostradas comparações sua função manufatura (daí a denominação manufatura),
entre os mais importantes PEGEMs, no tocante a estes atinja tais objetivos, aumentando, desta forma, seu poder
elementos-chave; na seção 4, é proposto o modelo que competitivo.
identifica os objetivos estratégicos da manufatura priori- A partir desta explanação, denominamos PEGEM
zados por cada PEGEM; e na seção 5, são tecidas algu- os seguintes paradigmas: Manufatura em Massa Atu-
mas considerações finais. al (MMA); Manufatura Enxuta (ME); Manufatura Res-
ponsiva (MR); Customização em Massa (CM); e Manu-
2. Os paradigmas estratégicos de gestão fatura Ágil (MA).
da manufatura (PEGEMs): definição e Vale ainda destacar que os PEGEMs acima estão em
elementos-chave graus diferentes de comprovação, aplicação em situações
Antes de passarmos à definição do que entendemos reais e perspectivas futuras de aplicação: a MMA e a ME
por PEGEM, vamos definir paradigma. Nos dicionários estão mais consolidadas, enquanto a MR, a CM e a MA
Michaelis, Silveira Bueno e Aurélio, paradigma é defini- têm uma taxa de crescimento bastante promissora em fun-
do como padrão, modelo. Ao longo da história da manu- ção dos avanços em tecnologia de informação e aumento
fatura, muitos paradigmas foram propostos para auxiliar da geração de riqueza em algumas partes do mundo.
na árdua tarefa de gerir a manufatura. Primeiramente sur- A partir da definição anterior, podemos notar que um
giu a Manufatura em Massa, criada por Henry Ford no PEGEM é composto por quatro elementos-chave, os
início do século XX. Este paradigma, aqui denominado quais representam os pilares de um PEGEM (Figura 1).
Manufatura em Massa Atual (MMA), ainda é utilizado São eles:
em empresas no mundo todo, porém com algumas dife- (i) Direcionadores: Os direcionadores são as condições
renças em relação à sua forma original. Nos meados da do mercado que possibilitam ou requerem ou facili-
década de 50, começa a surgir no Japão a Manufatura tam a implantação de determinado PEGEM. A partir
Enxuta (ME), a qual se consolida na década de 70. Mais de uma revisão e análise crítica da literatura a res-
recentemente, no final da década de 80 e início da dé- peito de todos os PEGEMs (Sharp et al., 1999; Yu-
cada de 90, foram desenvolvidos outros três importan- suf et al., 1999, dentre outros), levantamos (Tabela 1)
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os principais direcionadores de cada um dos PEGEMs Vale ressaltar a relação entre esses 4 elementos-chave.
citados na seção anterior; A partir dos direcionadores surgem os objetivos de de-
(ii) Objetivos de desempenho da produção: Cada sempenho que a empresa deve priorizar. A partir daí, a
PEGEM busca dotar a empresa de uma vantagem empresa deve focar algumas idéias (princípios) relacio-
competitiva ao priorizar um objetivo de desempenho nadas a esses objetivos. Já os capacitadores nos dizem
da produção, também chamado de objetivo estratégi- como os princípios devem ser implementados de modo
co da produção. Assim, um objetivo de desempenho que os objetivos sejam atingidos.
da produção é um critério que posiciona estrategica- Embora princípios e capacitadores sejam fáceis de
mente a empresa em relação a seus concorrentes di- definir, há uma intrincada relação entre eles e, assim,
retos. Enfatizando, cada PEGEM está relacionado a torna-se difícil separá-los de forma inquestionável: um
determinados objetivos de desempenho da produção, princípio X, para se concretizar, necessita de um capa-
conforme discutido e proposto na seção 4. Dada a im- citador Y e este, por sua vez, requer um capacitador Z,
portância do modelo proposto na seção 4.3, a seção 3 assim, para o capacitador Z, o Y pode ser entendido como
é dedicada a este tópico; um princípio. Por exemplo, o princípio de focar o clien-
te sensível a baixos preços requer economia de escala e
(iii) Princípios: Os princípios são as idéias que norteiam esta, por sua vez, pode requerer alta especialização de
uma ação ou decisão; no caso, norteiam a empresa trabalho; assim, economia de escala pode ser entendida
rumo aos objetivos de desempenho de um PEGEM. tanto como um capacitador quanto como um princípio.
Os princípios representam o “o quê” deve ser atingi- A esta relação denominamos cadeia de relacionamento
do ou buscado; e princípio-capacitador. Esta cadeia é ilustrada na Figura 2.
(iv) Capacitadores: Capacitadores são as ferramentas, Este artigo não se preocupa com a discussão disso em
tecnologias e métodos que devem ser implementados. detalhes, uma vez que ela não é necessária para a pro-
Os capacitadores representam o “como” atingir um posta do modelo (seção 4.3), que é o foco deste trabalho.
princípio. O que é necessário é a identificação, para cada PEGEM,
dos princípios/capacitadores mais enfatizados ou even-
tualmente exclusivos, a partir dos quais decorre(m) o(s)
objetivo(s) de desempenho ganhador(es) de pedido. Isto
Paradigma Estratégico de Gestão da Manufatura (PEGEM)
é realizado na seção 4.3.
No final deste artigo, anexamos um check-list, baseado
na literatura sobre PEGEMs, de princípios/capacitadores
Direciona- Capacita- Objetivos de relacionados com os 5 PEGEMs.
Princípios
dores dores Desempenho

3. Os objetivos de desempenho da
produção
Figura 1. Os quatro elementos-chave de um Paradigma Nesta seção, são tratados os objetivos de desempenho
Estratégico de Gestão da Manufatura. da produção, também denominados objetivos estratégi-

Tabela 1. Os direcionadores dos PEGEMs.


Manufatura em Manufatura Enxuta Manufatura Customização em Manufatura Ágil
Massa Atual Responsiva Massa
Mercado homogêneo Mercado estável Mercado caracteriza- Customização em Massa Mercados totalmente
do pela competição deve representar uma imprevisíveis marcados
baseada no tempo e na característica diferencial, por mudanças bruscas.
diversidade de produtos. como fonte de vanta-
gens competitivas no
mercado; além disso,
os produtos devem ser
customizáveis.
Clientes entendendo o Clientes desejando Clientes desejando ve- Clientes desejando Clientes com desejos os
preço como o principal preços, qualidade e locidade, pontualidade e customização. mais diversos possíveis
diferencial competitivo diferenciação. alta variedade, ou seja, e mutáveis e necessidade
responsividade. da empresa fazer frente
a este desafio.
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Capacitador Y do Capacitador Z do
princípio X e princípio Y e
princípio Y para princípio Z para
capacitador Z outros capacitadores

Princípio raiz X

Capacitador W do
princípio X e
princípio W para
outros capacitadores

Figura 2. Exemplo de cadeia de relacionamento princípio-capacitador.

cos da produção. Estratégia de Produção é definida em •  flexibilidade 1: habilidade do SP responder a mudan-


Slack et al. (1997) como sendo o padrão global de deci- ças no mix de produtos dentro de uma gama limitada
sões e ações, que define o papel, os objetivos, e as ativida- de opções, ou seja, o processo é capaz de fornecer dife-
des da produção de forma que estes apóiem e contribuam renciação (pequena variedade de produtos alternativos
para a estratégia de negócios da organização. Resumida- bastante similares). Ela depende da obtenção de baixos
mente, podemos dizer que uma estratégia de produção, tempos de set-up;
primeiramente, determina a priorização dos objetivos de •  flexibilidade 2: habilidade do SP responder a grandes
desempenho da produção. Baseadas nesta priorização de
mudanças no mix de produtos, ou seja, o processo é
objetivos de desempenho, são estabelecidas as direções
capaz de fornecer diversidade (grande variedade de
gerais para cada uma das principais áreas de decisão da
produtos distintos). Ela depende da obtenção de baixos
produção (estas duas etapas são chamadas conteúdo da
tempos de set-up, uso de equipamentos universais e ver-
estratégia de produção nas palavras de Slack et al. (1997)
sáteis e mão de obra versátil;
e de Corrêa e Gianesi (1996)).
A partir destas definições entendemos que a função •  rapidez (velocidade): habilidade do SP responder a
produção contribui para a realização da estratégia corpo- mudanças no volume de produção. Ela depende da
rativa por meio da performance dos objetivos estratégi- aceleração do processo para obter redução do tempo
cos da produção. Para Slack et al. (1997), estes objetivos de ciclo;
são cinco: qualidade, rapidez (velocidade), pontualida- •  pontualidade: habilidade do SP satisfazer as necessida-
de, flexibilidade e custo. Vamos considerar um número des dos consumidores em termos de prazo de entrega;
maior de objetivos uma vez que, com apenas cinco, não
•  customabilidade: habilidade do SP fornecer soluções
é possível caracterizar os cinco paradigmas do modelo
individuais para clientes diferenciados dentro de um
proposto na seção 4.3. São eles:
mix de produtos pré-estabelecido. A diferença entre
•  produtividade: habilidade do sistema de produção (SP)
customabilidade e o que denominamos flexibilidade
satisfazer a demanda dos consumidores em termos de
2 pode ser explicada por um exemplo encontrado em
baixo custo;
Duray et al. (2000). Para este autor, a flexibilidade 2 im-
•  qualidade 1: habilidade do SP satisfazer a demanda dos plica que o cliente tenha escolha, mas não necessaria-
consumidores em termos de adequação ao uso; mente a especificação do produto, a qual se traduz pela
•  qualidade 2: habilidade do SP satisfazer a demanda em customabilidade. Por exemplo: ter centenas de possibi-
termos de desempenho ou conformidade a um preço lidades de diferentes cafés da manhã indica a flexibili-
aceitável (abordagem baseada no valor). Esta é a abor- dade 2, já especificar exatamente a formulação do café
dagem mais ampla e completa dentre as abordagens da manhã indica customabilidade. Portanto customabi-
apontadas por Garvin (1992); lidade é bem mais amplo que a flexibilidade 2; e
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•  adaptabilidade: habilidade do SP prosperar em um am- principalmente em termos de seus critérios ganhadores


biente em constante mudança, caracterizado por ino- de pedido. Para um objetivo qualificador, qualquer me-
vações tecnológicas e necessidade incessante de lan- lhora acima deste nível não acrescenta grandes benefí-
çamento de produtos inéditos. Para Goranson (1999), cios competitivos.
é a habilidade de lidar e responder a mudanças, sejam
elas constantes ou inesperadas, acrescentando-se a isto
a habilidade de saber tirar vantagens destas mudanças,
4. Proposta de um modelo que relaciona
os PEGEMs aos objetivos estratégicos
entendendo-as como uma oportunidade. Esta última ca-
da produção
racterística da adaptabilidade é defendida por autores
como Goldman, et al. (1995) e Sharifi e Zhang (1999). Nesta seção é proposto o modelo que relaciona os
Dois conceitos importantes na elaboração do modelo PEGEMs e os objetivos estratégicos da produção. Além
proposto na seção 4.3 são objetivos ganhadores de pedi- de utilizar a evolução histórica dos PEGEMs, bem como
do e objetivos qualificadores. Tais conceitos estabelecem seus princípios e capacitadores exclusivos, o modelo
um grau de priorização entre os diferentes objetivos de proposto se baseia em mais dois pontos fundamentais:
desempenho. Foram desenvolvidos por Hill (1989) (utili- i) modelos anteriores que relacionam alguns PEGEMs e
zados por diversos autores, dentre eles Slack et al., 1997 alguns objetivos estratégicos da produção; e ii) na exis-
e Slack, 1993). tência de trade offs na manufatura. Portanto, para um me-
lhor entendimento do modelo, focamos as duas próximas
•  Objetivos ganhadores de pedidos: são aqueles que con-
seções nestes dois temas, para, então, apresentarmos o
tribuem diretamente para a realização de um negócio.
modelo propriamente dito.
Eles são vistos pelo cliente como fatores-chave da com-
petitividade. Um aumento no desempenho em um obje- 4.1 Dois modelos que relacionam os
tivo ganhador de pedido resultará em mais negócios ou objetivos estratégicos aos PEGEMs
pelo menos no aumento da probabilidade da empresa Apresentamos nesta seção dois modelos propostos na
conseguir mais pedidos; e literatura que propõem uma relação entre alguns PEGEMs
•  Objetivos qualificadores: também são importantes para e alguns objetivos de desempenho da manufatura. O pri-
a empresa, mas não são os principais determinantes do meiro deles, proposto por Booth (1996), é mostrado na
sucesso competitivo. São os objetivos nos quais a em- Figura 3. De acordo com este modelo, cada paradigma de
presa deve estar acima de um nível determinado para gestão da manufatura tem enfoque alto, médio ou baixo
que ela seja inicialmente considerada pelos clientes em três objetivos da manufatura (custo, responsividade
como uma possível fornecedora. Abaixo deste nível e flexibilidade). De acordo com este modelo, temos que,
crítico de desempenho, a empresa provavelmente não por exemplo, a produção baseada no tempo tem alto foco
vai sequer entrar na concorrência. Acima deste nível na responsividade (tempo) e no custo e médio na flexi-
a empresa passa a ser considerada pelos clientes, mas bilidade.

alto

médio

baixo

Produção Produção Produção Produção Produção Produção Manufatura


Artesanal em Massa em Massa Focada Enxuta baseada no Ágil
(inícial) (posterior) tempo

economia (inverso de custo) responsividade flexibilidade

Figura 3. Primeiro modelo que relaciona alguns PEGEMs e alguns objetivos estratégicos da produção. Fonte: Booth
(1996).
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Um segundo modelo que apresenta uma relação entre consideração quando são projetados os sistemas de pro-
os Paradigmas Estratégicos de Gestão da Manufatura e dução. Portanto, de acordo com este autor, as empresas
os objetivos de desempenho da produção é o trabalho de devem concentrar seus esforços em um número reduzi-
Fernandes e MacCarthy (1999). Este modelo é apresen- do de objetivos (de preferência somente um objetivo).
tado na Figura 4. Podemos ver nesta figura que, à medida Esta opinião é suportada por outros autores (Hayes e
que se vai da Manufatura Repetitiva para a Manufatura Wheelwright, 1984; Miller, 1983).
Ágil, novos objetivos vão sendo levados em conta sem Após uma revisão bibliográfica dentro deste tema,
se desprezar os objetivos já incorporados. Por exemplo, identificamos na literatura de Gestão da Produção a
a Manufatura Enxuta incorpora o objetivo qualidade e coexistência de pelo menos quatro diferentes abordagens
engloba o objetivo produtividade/custo da Manufatura com relação aos trade offs na manufatura. Duas destas
Repetitiva e assim por diante. abordagens nos parecem bastante radicais (denominamos
primeira e segunda) e outras duas mais realistas e, portan-
4.2 Os trade offs na manufatura to, mais apropriadas (denominamos terceira e quarta).
A discussão entre os trade offs na manufatura é um dos A primeira abordagem defende claramente a existência
pontos fundamentais para a proposição de nosso mode- de trade offs na manufatura, sendo, portanto, necessário
lo, uma vez que é exatamente a existência de trade offs que a empresa se foque em poucos ou somente um objeti-
na manufatura que faz com que os PEGEMs não possam vo da manufatura. Esta abordagem é formada por autores
enfatizar da mesma forma todos os objetivos estratégicos como Miller (1983); Hayes e Wheelwright (1984).
ao mesmo tempo. Uma segunda abordagem, representada por muitos
A idéia dos trade offs entre os objetivos da manufatura defensores da Manufatura Enxuta e da Manufatura de
foi proposta pela primeira vez por Skinner (1969). Em Classe Mundial, defende a não-existência de trade offs.
sua opinião, os trade offs existem no projeto e operações O principal representante desta abordagem é Schonber-
dos sistemas de produção e este fato deve ser levado em ger (1990), seguido por outros autores (Corbett e Wasse-
nhove, 1993; Hill, 1988).
Uma terceira abordagem, não tão radical, entende que
alguns trade offs existem e que outros não mais existem.
Manufatura Ágil
Por outro lado, não há consenso entre quais trade offs
Aumento do Grau de Visão Holística

• ciberneticidade
• adaptabilidade pertencem a cada um desses dois grupos. Portanto, com
base em New (1992), Khouja e Mehrez (1994) e Koste e
Manufatura Responsiva
• flexibilidade
Malhotra (2000), elaboramos a Tabela 2, que mostra os
• velocidade principais trade offs atualmente existentes.
• pontualidade Finalmente uma quarta vertente defende a existência
Manufatura Enxuta dos trade offs, porém estes são dinâmicos e não estáticos,
• qualidade como eram considerados tempos atrás. Este dinamismo
Manufatura Repetitiva
significa que medidas particulares, que variam de caso
• produtividade/custo a caso, podem ser tomadas para que dois aspectos, apa-
rentemente, inversamente proporcionais, possam ser me-
lhorados, ao mesmo tempo, é claro, que se dá prioridade
Figura 4. Segundo modelo que relaciona alguns PEGEMs a um deles. Esta visão de trade offs dinâmicos entre os
e alguns objetivos estratégicos da produção. Fonte: objetivos de desempenho da produção é mostrado em
Fernandes e MacCarthy (1999). autores como Slack (1993), com sua idéia de “mover o

Tabela 2. Os trade offs atuais na manufatura.


Produtividade Qualidade Qualidade Flexibilidade Flexibilidade Velocidade Pontualidade
1 2 1 2
Produtividade X SIM SIM SIM SIM - -
Qualidade 1 SIM X - - SIM - -
Qualidade 2 SIM - X - SIM SIM SIM
Flexibilidade 1 SIM - X - - -
Flexibilidade 2 SIM SIM SIM - X SIM SIM
Velocidade - - SIM - SIM X -
Pontualidade - - SIM - SIM - X
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pivô” e Hayes e Pisano (1996), com sua idéia do caminho cificamente sobre seus princípios (que algumas vezes
da melhoria dinâmica. Outros autores dentro desta quarta podem ser entendidos como capacitadores, conforme
categoria são Skinner (1992), Hayes e Pisano (1994) e o final da seção 2) mais enfatizados e eventualmente
Da Silveira e Slack (2001). exclusivos. Os objetivos ganhadores de pedido de cada
É claro que, mesmo com esta evolução na idéia dos PEGEM surgem a partir deles (Tabela 3);
trade offs na manufatura, acreditamos que eles existam, •  nos trade offs entre os vários objetivos estratégicos da
sendo, portanto, impossível para uma empresa ser a me- manufatura (mostrados na Tabela 2) - os trade offs da
lhor em todos os aspectos ao mesmo tempo. Nas pala- manufatura explicam as quedas de performance de al-
vras de Correa (2001), “as prioridades competitivas da guns objetivos de desempenho, conforme os objetivos
manufatura são estabelecidas porque um sistema de ma- ganhadores de pedido vão se alterando; e
nufatura não pode ser o melhor em todos os aspectos ao
mesmo tempo.” Portanto estamos de acordo com as mais •  nos dois modelos descritos anteriormente (Figu-
recentes (terceira e quarta) abordagens sobre trade offs, ras 3 e 4), os quais serão, ainda nesta seção, confronta-
ou seja, eles ainda existem para alguns objetivos de de- dos com o modelo proposto.
sempenho (ver Tabela 2), sendo que a idéia dos trade offs
dinâmicos é válida para muitos destes trade offs.

4.3 O modelo proposto e exemplos Necessidades Critério de


60 70 80 90
de Mercado Desempenho
ilustrativos
A idéia básica de nosso modelo é que novos PEGEMs Preço Eficiência
surgiram em virtude do aparecimento de novas necessi-
dades de mercado, as quais exigem, para serem satisfei- Qualidade Qualidade
tas, diferentes ênfases nos objetivos de desempenho. A
Figura 5, proposta por Bolwijin e Kumpe (1990), mos- Linha de
Flexibilidade
Produtos
tra como as necessidades do mercado, e os objetivos de
desempenho a eles relacionados, foram se alterando ao Exclusividade
Inovação
longo dos últimos 40 anos do século XX. (Uniqueness)
Outros suportes para a criação do nosso modelo foram: Figura 5. Evolução de necessidades de mercado e crité-
•  a literatura sobre Manufatura em Massa, Enxuta, Res- rios de desempenho para empresas industriais de gran-
ponsiva, Ágil e Customização em Massa, mais espe- de porte. Fonte: Bolwijn e Kumpe (1990).

Tabela 3. PEGEMs e seus princípios/capacitadores mais enfatizados ou eventualmente exclusivos e objetivo(s)


estratégico(s) ganhador(es) de pedido relacionado(s).
PEGEM Princípios/capacitadores mais enfatizados ou eventualmente exclusivos dos quais Objetivo(s)
decorrem o(s) objetivo(s) estratégico(s) ganhador(es) de pedido estratégico(s)
ganhador(es)
de pedido
relacionado(s)
MMA Foco em clientes sensíveis aos baixos preços; foco na padronização do produto, sendo que Produtividade
alguma diferenciação é possível; foco na eficiência operacional/alta produtividade; alta especiali-
zação do trabalho.
ME Foco na qualidade; foco no fornecimento ao cliente de uma ampla diferenciação de produtos, Qualidade 2 e
com pouca diversidade; foco na identificação e eliminação de desperdícios; adoção da estratégia Flexibilidade 1
de controle da produção just in time, formada por vários princípios (produção puxada, etc...);
autonomação.
MR Foco no atendimento de clientes que priorizam a diversidade de produtos, o tempo de resposta eResponsividade
o cumprimento de prazos; adoção de estratégia de controle da produção que foca a competição (Flexibilidade 2 +
baseada no tempo num ambiente de alta variedade de produtos. Velocidade + Pontua-
lidade)
CM Foco no atendimento da demanda fragmentada para diferentes gostos e necessidades; redução no Customabilidade
ciclo de desenvolvimento do produto e também no ciclo de vida dos produtos; participação do
cliente ao longo das etapas do ciclo de vida dos produtos.
MA Foco na identificação de novas e inéditas oportunidades de negócios; gestão baseada em compe- Adaptabilidade
tências-chave; desenvolver habilidades para dominar mudanças e incertezas; empresa virtual.
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Um exercício que o leitor interessado poderia fazer é: tem preocupações com dois outros objetivos em nível de
identificar e colocar numa tabela T o grau de ênfase de um qualificadores: a qualidade 1 (o modelo T da Ford era
princípio/capacitador (do anexo 1) por cada um dos cinco adequado ao uso: robusto para enfrentar as trilhas de terra
PEGEMs. Desse exercício surgiriam os princípios/capa- cheias de buracos e pedras) e a flexibilidade 1, uma vez
citadores (Tabela 3) mais enfatizados ou eventualmente que certa diferenciação é desejável na Manufatura em
exclusivos (grau de importância 5) para cada PEGEM, Massa Atual.
dos quais decorrem o(s) objetivo(s) estratégico(s) Um bom exemplo da Manufatura em Massa Atual é a
ganhador(es) de pedido. A tabela T completa seria imen- empresa X, que já está no mercado há quase 10 anos, A
sa e suscetível a controvérsias, embora, com base na lite- empresa X fabrica calçados femininos, principalmente,
ratura dos últimos 10 anos, as células com valor 5 seriam para as classes C e D (ganhador de pedido é o custo), pos-
inquestionáveis. Uma tabela T parcial é a Tabela 4, a qual sui pouca variedade de modelos, mas uma certa diferen-
mostra alguns exemplos ilustrativos. ciação tem sido necessária para se manter no mercado.
Outro exercício que deixamos para o leitor é: baseado O volume de produção é bastante grande e usa máqui-
no penúltimo parágrafo da seção 2, criar uma cadeia de nas automatizadas nos processos de corte e montagem.
relacionamento princípio/capacitador a partir de um prin- Quanto à qualidade, a empresa considera adequado para
cípio raiz, como sugerido pela Figura 2. Um check-list de o público alvo simplesmente substituir os calçados que o
princípios e capacitadores encontra-se no anexo. cliente julga defeituosos; a taxa de devolução é de 3% e,
A Figura 6 representa nosso modelo de relacionamen- segundo cálculos da empresa, custaria mais investir nos
to entre os PEGEMs e os objetivos estratégicos da ma- processos e materiais para se conseguir diminuir essa
nufatura. taxa do que simplesmente fazer a substituição do item.
A Manufatura em Massa Atual tem como objetivo ga- A Manufatura Enxuta surgiu da impossibilidade de, no
nhador de pedidos a produtividade; porém, também exis- Japão, em meados dos anos 1950, priorizar-se a produti-
vidade, a qual requer geralmente grandes economias de
escala – uma grande escala de produção para um único
Manufatura Ágil (MA) Customização em Massa (CM)
modelo seria impensável lá –, assim, a saída foi se dife-
Adaptabilidade Customabilidade renciar dos concorrentes em termos de flexibilidade 1 e
qualidade 2. A produtividade é também um objetivo, pois
Manufatura Responsiva (MR)
ganhos neste objetivo levam a uma rentabilidade maior;
Flexibilidade 2
Velocidade mas não é possível colocá-la no mesmo nível de priori-
Pontualidade dade que a qualidade 2 e a flexibilidade 1, já que existem
Manufatura Enxuta (ME) trade offs (veja seção 4.2, Tabela 2) entre produtividade e
Qualidade 2 qualidade 2 e entre produtividade e flexibilidade 1.
Flexibilidade 1
A fábrica de calçados masculinos Y é um exemplo de
Manufatura em Massa Atual (MMA)
Produtividade/Custo empresa que tem adotado a Manufatura Enxuta. A varie-
dade de modelos é restrita em relação a outros fabricantes
Qualidade 1
Flexibilidade 1 de calçados (por exemplo, a Democrata), mas a diferen-
ciação é tão buscada quanto a qualidade.
A Manufatura Responsiva enfatiza a responsividade
(flexibilidade 2 + velocidade + pontualidade) e surgiu da
Figura 6. Modelo de relacionamento PEGEM - objetivos necessidade de disponibilizar uma grande variedade de
estratégicos da manufatura. produtos, feitos sob encomenda, mas com um tempo de

Tabela 4. PEGEM x Grau de ênfase de alguns exemplos ilustrativos de princípios/capacitadores.


Princípios/Capacitadores MMA ME MR CM MA
Alta Especialização do trabalho 5 3 2 2 1
Autonomação 1 5 2 2 2
Estratégia de controle da produção que foca a competição baseada no tempo num 1 1 5 3 2
ambiente de alta variedade de produtos
Redução no ciclo de desenvolvimento do produto e também no ciclo de vida dos 1 2 3 5 4
produtos
Empresa virtual 1 1 1 2 5
Legenda: grau 1 (ênfase baixa); grau 2 (ênfase baixa/média); grau 3 (ênfase média); grau 4 (ênfase média/alta); e grau 5 (ênfase alta).
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.3, p.333-345, set.-dez. 2005 341

resposta (= leadtime de distribuição + leadtime de monta- mento de produtos que vão sendo projetados. Assim, a
gem + leadtime de fabricação de componentes (+ leadtime adaptabilidade é o objetivo ganhador de pedido e os de-
de suprimento, dependendo de a matéria-prima já existir mais são qualificadores, usando-se um raciocínio análo-
ou não em estoque)) tão pequeno quanto possível, por es- go ao que acontece com a Customização em Massa.
tarmos no campo da competição baseada no tempo. Diante No Brasil, a Manufatura Ágil é difícil de ser encon-
desta ênfase em flexibilidade 2, é impossível dar a mesma trada. Conhecemos uma empresa, a empresa Z, que leva
ênfase à qualidade 1 e 2 e à produtividade, uma vez que a adaptabilidade a suas últimas conseqüências, a ponto
existem trade offs entre estes objetivos (ver Tabela 2). de um empresário chamar o empresário da empresa Z
A Kiddy, fabricante de calçados infantis, tem tentado de “especulador da produção”. A empresa Z já produ-
atingir a Manufatura Responsiva a partir do primeiro se- ziu: máquinas CNC para fabricação de sorvetes, quando
mestre de 2004, uma vez que, em 2003, foi lançado um houve o boom de sorvetes por quilo; máquinas de contar
número grande de novos modelos (401). Houve também moedas, quando surgiu o uso de moedas em larga esca-
um esforço para a diminuição do tempo de resposta e au- la no Brasil; micro supermercado que é operado por um
mento da rentabilidade, apesar de, em alguns meses, o robô 24 horas por dia; rastreador de veículos por saté-
volume total de produção ter diminuído. O Planejamento lite; dispositivo que possibilita o motor a combustão
e Controle da Produção (PCP) passou a ter uma importân- usar álcool ou gasolina; dentre muitos outros produtos.
cia estratégica para a empresa, já que esta função é fun- A competência-chave da empresa, que é comum a todos
damental para se obter flexibilidade 2, velocidade e pon- estes produtos é o uso da microeletrônica. A fabricação
tualidade concomitantemente. Houve também mudanças dos componentes é sempre feita por meio de parcerias,
significativas no layout, devido a esse aumento de varie- as quais mudam conforme o(s) tipo(s) de produto(s)
dade e diminuição de volume de produção por modelo. comercializado(s) no momento.
Com a globalização, existem grandes empresas comer- Finalizando a seção, confrontamos o modelo proposto
ciais que identificam oportunidades de negócio baseadas com os dois modelos descritos anteriormente (respectiva-
num grande volume de um item personalizado. Essas em- mente Figuras 3 e 4). O modelo de Fernandes e MacCarthy
presas contratam fabricantes que têm a customabilidade (1999) retrata a evolução histórica (representada pela Fi-
como ganhador de pedidos e, portanto, estes fabricantes gura 5) das ênfases nos objetivos de desempenho de uma
adotam a Customização em Massa. Outros objetivos ainda forma muito mais precisa que o modelo de Booth (1996).
têm de ser tratados, mas com menos ênfase (como quali- Já nosso modelo é uma evolução do modelo de Fernandes
ficadores), uma vez que customabilidade enfatiza destaca- e MacCarthy (1999), pelos seguintes motivos:
damente a flexibilidade (leva a flexibilidade a um extremo) •  o termo MMA é menos sujeito à confusão do que ma-
e este extremo, por sua vez, apresenta trade off com quali- nufatura repetitiva;
dade, produtividade e tempo de resposta (ver seção 4.2).
•  explicita que na MMA há objetivos qualificadores (qua-
A Maide, fabricante de calçados femininos, produz
lidade 1 e flexibilidade1);
100% para exportação, atendendo a pedidos personali-
zados em grandes volumes, para o mercado europeu. A •  distingue dois tipos de flexibilidade (1 e 2);
Tecnologia de Informação é amplamente empregada. A •  distingue dois tipos de qualidade (1 e 2);
empresa chega a produzir mais de 1000 modelos dife-
•  introduz o paradigma Customização em Massa; e
rentes de calçados em um ano. Está no mercado há mais
de 10 anos e possui 2500 funcionários. O preço médio •  retira a ciberneticidade como objetivo ganhador de pe-
dos produtos da empresa é um pouco acima do preço dos dido. Ciberneticidade é a habilidade dos gerentes de
concorrentes. Os equipamentos são flexíveis, há certa produto e produção usarem, de forma efetiva, a tecnolo-
capacidade ociosa e muita utilização de subcontratação gia da informação para auxiliar na satisfação de deter-
para acomodar as grandes variações na demanda. Há minados objetivos estratégicos de desempenho. Porém
grande participação dos clientes nas etapas do ciclo de entendemos que ele é um capacitador e não um objetivo
vida dos produtos. propriamente dito, já que não está ligado diretamente às
A Manufatura Ágil surgiu em função das oportunida- necessidades dos consumidores.
des de inovação no mercado, graças ao surgimento de Confrontando, ainda, nosso modelo com o modelo
novas tecnologias e clientes com disposição e disponibi- de Fernandes e MacCarthy (1999), notamos que ambos
lidade de recursos para adquirir produtos inovadores. A mantêm a mesma idéia: o(s) objetivo(s) explicitado(s)
empresa Ágil muda de segmentos de atuação de maneira logo abaixo do nome do PEGEM (ver Figura 6) são ob-
freqüente e, por isso, geralmente, é totalmente ou quase jetivos ganhadores de pedido e os objetivos que apare-
totalmente desverticalizada, e os parceiros que realizam cem dentro dos retângulos internos ao PEGEM se tornam
a produção terceirizada são substituídos conforme o seg- objetivos qualificadores. Por exemplo, no nosso modelo,
342 Godinho Filho e Fernandes − Paradigmas Estratégicos de Gestão da Manufatura (PEGEMs): Elementos-chave...

responsividade (flexibilidade 2 + velocidade + pontuali- •  uniformiza conceitos dentro da Gestão da Produção e


dade) é o objetivo ganhador de pedidos para a Manufatu- possibilita a comparação dos PEGEMs a outros termos
ra Responsiva, enquanto que os objetivos qualidade 1 e 2, bastante utilizados na Gestão da Produção;
flexibilidade 1 e produtividade/custo são os qualificado- •  fornece base para um maior conhecimento, divulgação
res deste PEGEM. e aprofundamento de pesquisas relativas ao assunto; e
•  possibilita o aparecimento de análises comparativas en-
5. Conclusões tre os PEGEMs.
Este artigo apresenta a evolução e um melhor enten- Este trabalho apresenta também um modelo que rela-
dimento dos principais paradigmas de gestão da manu- ciona os PEGEMs aos objetivos estratégicos da produ-
fatura, surgidos no século XX. A partir desta evolução ção. Este modelo é mais completo do que outros modelos
foi criado um conceito dentro da Gestão da Produção, o existentes na literatura. Ele mostra que existe um relacio-
conceito de Paradigmas Estratégicos de Gestão da Ma- namento claro entre os PEGEMs e os objetivos estraté-
nufatura (PEGEMs). A criação deste novo conceito, bem gicos da manufatura. Este modelo cumpre o objetivo de
como a identificação de seus elementos-chave, cumpre mostrar que cada empresa deve buscar o PEGEM mais
alguns objetivos importantes: adequado a seus objetivos estratégicos, e que não exis-
•  fornece um tratamento bastante pragmático das ques- te nenhum paradigma (por exemplo, a Manufatura Ágil)
tões estratégicas no âmbito da Gestão da Produção; que seja panacéia para todas as situações.

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Anexo: Check-list, baseado na literatura, de princípios e capacitadores relacionados


com os 5 PEGEMs
•  Foco em clientes sensíveis aos baixos preços; •  Adoção de estratégia de controle da produção que foca
•  Foco na padronização do produto, sendo que alguma a competição baseada no tempo num ambiente de alta
diferenciação é possível; variedade de produtos;
•  Foco na eficiência operacional/alta produtividade; •  Foco no atendimento da demanda fragmentada para di-
•  Alta especialização do trabalho; ferentes gostos e necessidades;
•  Foco na qualidade; •  Redução no ciclo de desenvolvimento do produto e
•  Foco no fornecimento ao cliente de uma ampla diferen- também no ciclo de vida dos produtos;
ciação de produtos, com pouca diversidade; •  Participação do cliente ao longo das etapas do ciclo de
•  Foco na identificação e eliminação de desperdícios; vida dos produtos;
•  Adoção da estratégia de controle da produção just in •  Foco na identificação de novas e inéditas oportunidades
time, formada por vários princípios (produção puxada, de negócios;
etc.); •  Gestão baseada em competências-chave;
•  Autonomação; •  Desenvolver habilidades para dominar mudanças e in-
•  Foco no atendimento de clientes que priorizam a diver- certezas;
sidade de produtos, o tempo de resposta e o cumprimen- •  Empresa virtual;
to de prazos; •  Simplificar ao máximo o fluxo de materiais;
344 Godinho Filho e Fernandes − Paradigmas Estratégicos de Gestão da Manufatura (PEGEMs): Elementos-chave...

•  Determinar o que é valor para o cliente; •  Uso intensivo de peças intercambiáveis;


•  Identificação da cadeia de valor; •  Uso da linha de montagem cadenciada mecanicamen-
•  Busca do zero defeito (perfeição); te;
•  Qualidade Seis sigma; •  Utilização de estudos de tempos e métodos e análise
•  Gerenciamento Visual; detalhada do processo para a sua padronização;
•  5 S; •  Mapeamento do Fluxo de Valor;
•  Estabelecer o ritmo da inovação no seu setor industrial; •  Melhoria na relação cliente-fornecedor;
•  Sistema integrado de trabalho em toda a cadeia e estru- •  Redução do número de fornecedores;
turado para a eliminação de tempos desnecessários; •  Recebimento Just-in-Time;
•  Sincronização da programação da produção e das capa- •  Trabalho em Fluxo Contínuo;
cidades na cadeia de suprimentos; •  Redução de set-up e conseqüentemente do tamanho de
•  Área de projetos voltada para reduzir a complexidade lote;
dos produtos e facilitar a manufatura; •  Trabalhar de acordo com o takt time;
•  Cadeia de suprimentos preparada para a customização •  Manutenção Produtiva Total (TPM);
em massa; •  Kaizen;
•  Flexibilizar o processo produtivo e o projeto de produ- •  Poka Yoke;
tos; •  Empowerment;
•  Criar e compartilhar o conhecimento (gestão baseada •  Trabalho em equipes e participação;
no conhecimento) e informações; •  Comprometimento da gerência;
•  Preços (um pouco) acima da média para compensar per- •  Trabalhador multi-habilitado;
da de eficiência; •  Rodízio de funções;
•  Utilização de módulos padrões; •  Treinamento e educação de pessoal;
•  Integração na cadeia; •  Adotar medidas de desempenho (Balanced Score-
•  Cooperação interna e externa para o aumento da com- card,...) e sistemas de custeio da produção (Sistema
petitividade; ABC,...) compatíveis com a lógica do PEGEM;
•  Desenvolver o espírito de pró atividade e empreendedo- •  Gráficos de controle visuais;
rismo nas pessoas; •  DFMA (design for manufacturing and assembly);
•  Redução dos ciclos de vida dos processos e “da em- •  Engenharia simultânea;
presa”; •  CAD e CAM;
•  Economia de escala; •  Existência de uma rede de fornecedores confiável com
•  Economia de escopo; relação aos prazos;
•  Uso intensivo de máquinas especializadas; •  Tecnologias e sistemas de informação voltados para
•  Adoção de características do sistema de produção de integração interna e melhoria da eficiência no quesito
acordo com MacCarthy e Fernandes (2000), tais como: tempo;
nível de repetitividade, estratégias de atendimento da •  Tecnologia e sistemas de informação voltados para a
demanda (make-to-stock, assembly-to-order, make-to- integração interna (ERP, intranet, etc.) e externa (EDI,
order, resources-to-order, engineering-to-order), tipos etc.);
de lay-out e nível de automação compatíveis com a ló- •  Production Flow Analyses;
gica do PEGEM; •  Projeto do produto voltado à customização;
•  Adoção de sistemas de controle da produção (kanban, •  Ciberneticidade; e
CONWIP, MRP, PBC, etc.) compatíveis com a lógica •  Manufatura virtual.
do PEGEM;
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.3, p.333-345, set.-dez. 2005 345

Strategic Manufacturing Management Paradigms (SMMPs):


key elements and conceptual model

Abstract

This paper proposes a new concept in Production Management: Strategic Manufacturing Management Paradig-
ms (SMMPs). This new concept involves an integrated and comparative approach to the manufacturing management
paradigms that emerged along the 20th century. To this end, four key elements that are common to all SMMPs are iden-
tified: guiders (market conditions that allow for or require SMMP implementation); performance goals (the strategic
manufacturing goals prioritized by the SMMPs); principles (the basic ideas that guide the SMMPs); and enablers (the
SMMPs’ tools, technologies and methods). The main contributions of this paper are: i) the presentation of a conceptual
model that associates the SMMPs to strategic manufacturing goals; and ii) to allow for comparisons and analyses of
manufacturing paradigms, facilitating their study and practical application. The proposed model takes a highly prag-
matic approach to strategic Production/Operations Management issues.
Keywords: strategic manufacturing management paradigms, mass production, lean manufacturing, responsive manufac-
turing, mass customization, agile manufacturing.

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