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Moedas História PDF
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1- Introdução
Os objetivos desse texto são bastante singelos. Ele deseja ressaltar a possibilidade e
importância da utilização das moedas e cédulas do sistema monetário como objetos de
estudo – como documentos – da história da República no Brasil. Além disso, quer apontar
alguns caminhos de análise das representações que elas evocam enquanto elementos
fundamentais de um processo de construção de identidade nacional. Finalmente, procura
enfatizar como tal abordagem e uso da moeda brasileira podem ser contemplados no ensino
de história nas escolas, que se utilizariam de uma fonte que, literalmente, está na mão dos
estudantes. O sentido desta reflexão é apenas o de chamar a atenção de pesquisadores e
professores de história para algumas questões que costumam passar despercebidas e, com
tal atitude, suscitar algum debate.
Para tanto, em uma primeira parte, se irá discutir as razões que tornam esse tipo de
proposta ainda pouco freqüentada pelos que trabalham com história, o que se deve, a nosso
ver, a um estranhamento que tem sólidas e antigas resistências nesse campo do
conhecimento. Em uma segunda parte, se buscará acentuar como a moeda pode ser tratada
como uma fonte, como um documento da história da República, observando-se suas
transformações e também suas continuidades, ao longo de mais de um século, na
perspectiva de que se processa aí a construção de uma memória de nossa identidade
1Todos os comentários que se seguem têm por base principal as reflexões presentes em Chaveau et Tétart,
Questions à l’Histoire des temps presents, Paris, Ed. Complexe, 1992.
2 Observando-se alguns jornais do Rio de Janeiro, durante o meses de setembro e outubro de 2001, pode-se
ver como um número razoável de intelectuais foi procurado pelos jornalistas para se manifestar sobre vários
aspectos dessa grave crise, o que certamente ocorreu em todo o mundo. Como participação do historiador
nesse processo, vale apontar a entrevista do Professor Titular de História Contemporânea da UFF, Daniel
Aarão Reis, publicada no Jornal do Brasil de 7 de outubro de 2001, p. 14, sob o título “O iluminismo vai à
guerra”.
Cabe-nos indagar então: em que momentos da história republicana e sob que forma,
personagens, paisagens, atividades econômicas e tipos regionais circulam gravadas e/ou
impressas no numerário brasileiro? A seleção e a forma de situá-lo em seu suporte – seja a
moeda seja a cédula - não se faz certamente ao acaso. Enfim, que república nos é contada
pelas moedas e cédulas republicanas, verdadeiros documentos iconográficos de nossa
história?3
Se observado em seu conjunto, o numerário republicano estabelece marcos que não
possuem uma correspondência imediata com recortes historiográficos tradicionais. Não
atuam necessariamente em consonância com recortes políticos ou econômicos, e é possível
perceber uma permanência de certos padrões de representação que extrapolam, inclusive,
alterações no padrão monetário. A relação entre estes marcos e o processo que envolve a
emissão do dinheiro sem dúvida existe, mas é interessante observar como ela opera,
particularmente no que diz respeito às opções iconográficas e à sua tradução nos projetos
gráficos, segundo a especificidade de cada momento histórico. Os primeiros anos do
período republicano se afirmam por oposição ao Império, mas, ao longo dos anos, as
referências aos episódios marcantes da história do país começam a aparecer e a se firmar
através de formas distintas de representação. Tentaremos assim tomar moedas e cédulas
como orientação, como rumo, numa reconstrução da história nacional. Um rumo que nos
remete, de forma pendular, a vários momentos, episódios e personagens da história do
Brasil.
3 As publicações tomadas como referência para nosso estudo são as seguintes: O dinheiro brasileiro desde a
criação do Banco Central do Brasil. Brasília, Senado Federal, Conselho Editorial: Banco Central do Brasil,
1999 e A moeda no Brasil: na coleção do Centro Cultural Banco do Brasil. Rio de Janeiro, Centro Cultural
Banco do Brasil, 2000.
4Trata-se da imagem de uma mulher com lei em primeiro plano e ao fundo, de um lado, a paisagem do Pão
de Açúcar e do outro, árvore com mar.
5É a imagem de uma mulher acompanhada por papéis, instrumento musical, palheta e luneta, apoiada sobre o
globo terrestre que deixa entrever a imagem do continente americano, sobre o fundo de um morro não
facilmente identificável mas que aparenta ser o do Cristo Redentor.
6 Ë uma figura masculina de peito nu, ladeado por duas caravelas ao fundo, em planos distintos e cuja
perspectiva traz a idéia de movimento, certamente uma forma de representação do comércio.
7 Era o momento de preparação de novas cédulas pelo Banco Central criado em 1964, e a mudança para
cruzeiro novo se faz face à desvalorização do cruzeiro pelo aumento da taxa inflacionária.
8 Consistem na combinação simétrica de imagens em cartões, cuja idéia é resultado da observação dos testes
9 Houve três emissões de novas cédulas. A primeira, decidida ainda durante o padrão cruzeiro, levou no
anverso a efígie do educador baiano Anísio Teixeira, ladeado pela imagem da Escola Parque, sediada na
Bahia, e que se constitui como uma de suas realizações mais importantes no campo da educação brasileira. No
reverso, imagens de grupos de jovens em diferentes situações, da leitura aos trabalhos manuais.
10 Renato Janine Ribeiro, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 16.08.1998 intitulado “A
história volta ao real”, aponta para o retorno à história tradicional nas moedas do real, após um movimento de
retratar, nas cédulas, personagens da cultura brasileira, iniciado em meados dos anos 1980. Identifica nesse
sentido uma opção por uma história triunfal, que privilegia figuras oficiais, o que empobrece a história do
Brasil que nos é contada. Além disso, destaca que as cédulas do real retiraram do dinheiro a nossa história e
que eram as moedas que estavam trazendo a história de volta.
11 Convém lembrar que a imagem central do euro, moeda que passará a circular a partir de 2002 como fruto
da unificação econômica européia, é uma ponte, como sugestão de que a nova moeda estabelece uma ligação
com o futuro e também com os diferentes países da Europa. Descartando exatamente o princípio de criar um
símbolo nacional para atender a um projeto de construção de um Estado-nação, a moeda européia não
estampará uma ponte identificável como pertencente a algum país: pelo contrário, ela incorpora vestígios de