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30/08/2018 A Casa de Vidro, os encontros com Lina Bo Bardi e o Vermelho Bombeiro do MASP - LIGA

A Casa de Vidro, os encontros com Lina Bo Bardi e o


Vermelho Bombeiro do MASP
Por Paulo Sérgio Oliveira - 19 de junho de 2018

Apesar de morar há muitos anos no bairro do Morumbi, em São Paulo, e da minha paixão pública
pela engenharia e arquitetura, só recentemente visitei a Casa de Vidro acompanhado pela minha
esposa. A Casa, o primeiro projeto brasileiro da inesquecível arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo
Bardi, foi construída no local onde existia uma antiga fazenda de chá. É importante lembrar que
esta foi, também, a primeira casa construída no bairro do Morumbi e serviu de residência para o
casal Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi. Durante quatro décadas, foi um ponto de encontro
histórico também por ter sido ponto de encontro de artistas e intelectuais.

A imponente fachada de vidro sobre pilotis foi implantada aproveitando o perfil natural do terreno
e explorando materiais como vidro, aço e concreto. Trata-se de um ícone da arquitetura moderna
no Brasil e uma das quatro casas de vidro projetadas por grandes arquitetos internacionais do
século XX. O imóvel foi tombado pelo CONDEPHAAT em 1987.

A Casa de Vidro, o primeiro projeto brasileiro da inesquecível


arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, foi construída no local onde
existia uma antiga fazenda de chá

Durante a visita, me peguei várias vezes olhando através dos imensos painéis de vidro do piso ao
teto e imaginando como teria sido ainda mais bela a vista daquele ponto alto, com vista para o Rio
Pinheiros e região dos Jardins. Naquela época, a Zona Sul de São Paulo era dominada pela Mata
Atlântica, e a cidade estava se desenvolvendo do outro lado do Rio Pinheiros. A casa, um ícone

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arquitetônico que abriga hoje o Instituto Bardi, com acervo composto por textos, fotografias,
documentos, anotações, maquetes, móveis e objetos de arte do casal, está aberta a visitas
guiadas de até uma hora. Clique AQUI para agendar um horário.

Uma lembrança que liga à outra


A visita à Casa de Vidro resgatou do fundo da minha memória, com clareza e riqueza de detalhes,
os encontros que tive com a arquiteta Lina Bo Bardi para algumas reuniões, onde discutimos
detalhes da recuperação, reforço e proteção da estrutura de concreto armado e protendido do
MASP – outro importante ícone da cidade de São Paulo.

Afinal, Bo Bardi concebeu o projeto arquitetônico do Museu em um terreno doado ao município de


São Paulo desde que respeitássemos uma condição: a vista do centro da cidade deveria ser
mantida.

O corpo principal do prédio, com vão livre de 74m, está apoiado sobre quatro pilares laterais
vazados, de 2,5m x 4m, que recebem uma carga de 9.200tf, transmitida por quatro grandes vigas
protendidas localizadas sobre a cobertura do museu. O projeto estrutural foi feito pelo iminente
Engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz, ex-prefeito de São Paulo.

MASP durante sua construção

O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, ou carinhosamente MASP, localizado na


imponente Avenida Paulista, foi construído entre 1956 e 1968 e inaugurado em novembro de
1968, com a ilustre presença da Rainha Elizabeth II, da Inglaterra.

O grande articulador e empreendedor paraibano Assis Chateaubriand, fundador e proprietário dos


Diários Associados, então o maior conglomerado de veículos de comunicação do Brasil e uma das
figuras mais emblemáticas daquela época, tomou a inciativa de adquirir obras de arte para
estabelecer no Brasil um Museu de nível internacional.

As primeiras obras de arte do MASP estavam aportando no Brasil


Com o final da Segunda Guerra Mundial, quando a Europa estava em plena reconstrução, muitas
coleções de arte foram postas à venda com preços em níveis inéditos devido ao excesso de
ofertas. Para selecionar peças valiosas e autênticas para o acervo do museu, Chateaubriand
precisou de apoio técnico especializado e pediu ajuda para Pietro Maria Bardi, marido de Lina Bo
Bardi. Pietro, crítico de arte italiano, galerista e jornalista, logo aceitou o convite e garantiu que
que não haveria distinção entre as artes. Batizou a nova instituição como “Museu de Arte”, e
somente depois se tornou diretor do MASP, cargo que ocupou durante quase meio século.

Uma curiosidade que vale revelar… Chateaubriand pretendia sediar o MASP no Rio de Janeiro, mas
optou por São Paulo acreditando que teria mais sucesso para a arrecadação de fundos necessários
para a construção do museu.

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O MASP é uma das mais importantes instituições culturais brasileiras e possui uma das mais
completas coleções de arte ocidental da América Latina. O acervo é tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IPHAN, e abriga também uma das maiores bibliotecas
especializadas de arte do Brasil.

MASP, na década de 80, com sua moderna estrutura em


concreto aparente

Obra de reforma do MASP

Em 1999, a edificação passou por algumas reformas. Ganhou reforço estrutural e reprotensão das
quatro vigas de sustentação localizadas sobre a cobertura, recuperação da estrutura de concreto,
impermeabilização da cobertura, nivelamento e troca de pisos. Os caixilhos foram reformados e os
vidros foram trocados com instalação de película de proteção contra os raios ultravioleta. O prédio
recebeu outras intervenções para melhoria e modernização dos sistemas de instalações prediais,
iluminação, ar condicionado e colocação de um segundo elevador de acesso.

Os encontros com Lina


Minhas reuniões com a Arquiteta Lina Bo Bardi se deram anos antes dessas intervenções, nos
últimos anos de vida da arquiteta. Na época, recebi convite de um pequeno comitê de
especialistas neste tipo de intervenção, incluindo consultores independentes, representantes da
empresa especializada nos serviços de recuperação e reforço estrutural contratada, e ainda do
quadro técnico da Prefeitura do Município de São Paulo. O objetivo do comitê era discutir os
conceitos e a estratégia adequada para essa importante intervenção.

Lamento não me lembrar de todos os nomes, mas além da Arquiteta Lina Bo Bardi, me lembro de
outros participantes – o amigo Prof. Dr. Paulo Helene e o Eng. Elorci de Lima.

Cabe destacar que antes de minha carreira executiva como dirigente na indústria de produtos para
a construção e depois no setor de engenharia, construção e incorporação, me especializei em
materiais e técnicas para a recuperação, reforço e proteção de estruturas de concreto. Naquela
época dirigia uma indústria britânica no Brasil, líder em produtos especializados para este tipo de
aplicação. Também fui palestrante e professor de cursos de especialização nesta área de
conhecimento.

O fato interessante é que a preocupação com a estrutura do MASP culminou na identificação da


necessidade de intervenção. Uma pequena falha de concretagem nas cunhas de proteção das
bainhas dos cabos de protensão das vigas de sustentação da estrutura permitiu a infiltração de
água através de vazios em uma das bainhas, com consequente corrosão (não relevante) dos
cabos de protensão. A água, de tonalidade amarronzada, em razão dos produtos de corrosão,
percolou através de uma fissura na laje de cobertura e começou a gotejar em uma tela do Renoir
(“Rosa e Azul”), no meio da galeria principal, causando um enorme incômodo! Este foi o primeiro
indício de que algo de errado havia com a estrutura da edificação.

Reuniões difíceis

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O grande incômodo da Arquiteta Lina Bo Bardi era, justamente, o sistema de pintura de proteção
necessário para evitar novos danos à estrutura do MASP. Na visão dela, e na de muitos arquitetos,
qualquer produto que causasse alteração de textura ou brilho da estrutura não deveria ser
utilizado. Na época, toda a estrutura do MASP era em concreto aparente, com aspecto superficial
conhecido como “formas brutas”, ou seja, os pilares, lajes e vigas apresentavam rebarbas e
marcas obtidas pela justaposição das tábuas das formas.

Numa atmosfera urbana como a da cidade como São Paulo, farta em gases de natureza ácida
como o Dióxido de Carbono (CO2) e Dióxido de Enxofre (SO2), a carbonatação é um problema
comum em estruturas de concreto armado ou protendido não protegidas. Era exatamente o que
estava acontecendo com a estrutura de concreto aparente do MASP.

A carbonatação é um fenômeno que provoca a perda da alcalinidade do concreto e, portanto, da


capacidade de proteção das armaduras. A consequência pode ser corrosão das mesmas sob
determinadas condições de umidade e a presença de heterogeneidades na estrutura.

Depois dos serviços de recuperação estrutural do MASP, para impedir a futura carbonatação, as
superfícies deveriam ser tratadas e preparadas, reduzindo significativamente as rebarbas
decorrentes da justaposição das formas, corrigindo-se também pequenos defeitos superficiais,
para que então toda a superfície de concreto pudesse receber um sistema de proteção
competente.

O “Rosa e Azul”, de Renoir

Uma vez confirmado o relaxamento dos cabos de proteção e deformação das lajes foi constatada a
necessidade de uma intervenção maior para eliminar as causas do problema, incluindo:

Reprotensão dos cabos;


Injeção de fissuras da laje inferior;
Tratamento de armaduras corroídas dos pilares, lajes e vigas e a execução de reparos
localizados nestes elementos;
Aplicação de sistema de pintura de proteção competente sobre a estrutura para evitar a futura
penetração de elementos agressivos através da mesma, evitando a corrosão das armadura;
Impermeabilização da cobertura.

Engenheiros restaurando obras de arte?


Cientes da restrição de Bo Bardi, propusemos um sistema incolor, com duas camadas:
um primer hidrofugante que não causaria qualquer modificação nas características superficiais do
concreto e uma camada de verniz opaco, para evitar brilho superficial, para evitar a carbonatação.

A arquiteta insistiu muito na utilização somente do primer hidrofugante, mesmo ciente que não
teríamos a eficácia necessária. Daí a grande divergência entre o tecnicamente necessário para
prover à estrutura da edificação a devida proteção e a exigência da plena preservação das
características originais do projeto, como num restauro de uma obra de arte.

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Nos momentos mais acalorados da discussão, lembro das palavras da Arquiteta Lina Bo Bardi,
sempre elegantemente vestida de preto:

“Vocês, engenheiros, deveriam entender que uma estrutura como a do MASP é


uma obra de arte em si. E como nós, humanos, todas as grandes obras
arquitetônicas da humanidade, deveriam amadurecer e “morrer” um dia, tornando-
se uma ruína, que deveria ser então respeitada historicamente por tudo o que foi e
representou”.

Evidentemente, o teor da fala de Bo Bardi trazia à tona a emoção da artista e precisávamos


encontrar um ponto de convergência entre o desejado e o razoável para proteger a estrutura
recuperada, em prol da durabilidade e bom desempenho da intervenção. Não pudemos deixar de
considerar o montante do investimento que seria realizado.

O tal do “Vermelho Bombeiro”


Depois de horas em nossa última discussão, e diante da inflexibilidade do comitê em relação à
necessidade da adoção de um sistema de proteção eficaz para a estrutura, a Arquiteta Lina Bo
Bardi apresentou o único sorriso que conseguimos extrair de seus lábios desde o primeiro contato.
Disse:

“Já sei o que fazer. Me acompanhem”.

Lembro que ela estava com dificuldades de locomoção, então, a acompanhamos até o depósito
localizado no subsolo do MASP. Ela nos mostrou uma maquete antiga do museu com os pilares e
as vigas de sustentação da cobertura na cor “Vermelho Bombeiro” e decretou: “É isso que vocês
vão fazer! A concepção original do MASP foi essa. Ao invés do verniz opaco, pintem então os
pilares e as vigas com uma tinta protetora apropriada nesta cor! O Pietro sempre preferiu esta
versão!”.

Configuração atual do MASP com pilares e vigas de sustentação

Vermelho Bombeiro

Anos depois, o MASP passou pela intervenção que lhe rendeu o título de ícone de forma renovada
e diferente, com pilares e vigas da cobertura na cor… Vermelho Bombeiro!

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Paulo Sérgio Oliveira


Diretor Executivo e CEO da Mutual Engenharia e Construções. Engenheiro Civil pela Faculdade de Engenharia Civil
de Itajubá – MG e pós-graduado em várias disciplinas na área de Materiais de Construção pela Escola Politécnica da
USP. MBA Executivo Internacional e Especialização em Gestão Estratégica pela FIA/USP. Project Manager
Professional (PMP) pelo Project Management Institute (PMI). Palestrante em congressos nacionais e internacionais,
com mais de 50 trabalhos publicados. Professor do Curso de MBA Profissional do IPT.

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