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A HIPÓTESE DOCUMENTAL E O PROBLEMA DA AUTORIA DO PENTATEUCO –


UMA DEFESA À AUTORIA MOSAICA

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Bruno Santos

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo trabalhar as discussões que envolvem o escopo da
Crítica Textual no que tange à teoria da Hipótese Documentária, demonstrando que a
autoria mosaica do Pentateuco parece ser a afirmação mais plausível dentro do contexto
gramatical, histórico e literário. A Hipótese Documentária surgiu em meados do século XIX
como uma tentativa de conciliar anacronismos e repetições encontradas no texto bíblico.
Desenvolvida por Julius Wellhausen, seguida e modificada por muitos autores
posteriormente, a Hipótese-Documentária afirma que o Pentateuco (os cinco primeiros livros
da Torá) não pode ter sido escrito por um único autor, uma vez que a sua estrutura
aparentemente segmentada, seguindo certa lógica literária, que será tratada em suas
nuances neste artigo, deve indicar autores diversos, ou diferentes fontes na composição
final do texto. A grande contribuição de Wellhausen para esta problemática foi a separação
das fontes JEDP em uma cronologia, seguindo o desenvolvimento da história de Israel. Far-
se-á menção também às pesquisas de Jean Astruc, anteriores às de Julius Wellhausen, e
de como este separou as repetições em parelhas a fim de tentar amenizar as aparentes
discrepâncias encontradas no texto em questão. Para este fim, utilizar-nos-emos de
pesquisa qualitativa-bibliográfica.

Palavras-chave: Hipótese Documental, Pentateuco, crítica textual, Moisés.

ABSTRACT
The present article aims to work the discussions that involve the scope of the Textual
Criticism regarding the theory of Documentary Hypothesis. It arose in the mid-nineteenth
century as an attempt to reconcile anachronisms and repetitions found in the biblical text.
Developed by Julius Wellhausen, followed and modified by many authors later, the
Documentary Hypothesis states that the Pentateuch (the first five books of the Torah) can
not have been written by a single author, since its apparently segmented structure, following
a certain literary logic that will be treated in its nuances in this article, should indicate several
authors, or different sources in the final composition of the text. The great contribution of
Wellhausen to this problem was the separation of the JEDP Sources in a chronology,
following the development of the history of Israel. Mention will also be made of Jean Astruc's
researches, earlier than Julius Wellhausen's, and of how he separated the repetitions into
pairs in order to try to soften the apparent discrepancies found in the text in question. For this
purpose, we will use qualitative-bibliographic research.

Keywords: Documentary Hipothesis, Pentateuch, textual criticism, Moses.

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Bruno Celestino Costa dos Santos: Pós-graduando em Teologia (Estudos Analíticos no Pentateuco) pela
FABAPAR. Contado: brunorochaeterna@outlook.com
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INTRODUÇÃO
De acordo com a visão tradicional no que tange à origem do Pentateuco,
Moisés teria sido o escritor do texto, sendo que este deve o ter redigido em meados
de 1.450 a.C. O século XVI, entretanto, foi cenário para o surgimento de
questionamentos quanto ao argumento supracitado, o que ficou conhecido como
período pré-crítico.
A.B. Karlstadt foi um dos primeiros a questionar de forma mais pontual a
autoria mosaica do Pentateuco, argumentando, por exemplo, que Moisés não
poderia ter narrado a própria morte (Deut 34:5), logo, uma vez que o texto de Josué
segue o mesmo padrão narrativo, outro autor deve ter escrito boa parte de
Deuteronômio. Este mesmo argumento foi seguido por Richard Simon em meados
do século XVII, afirmando que o texto final teria sido compilado por Esdras.
Seguindo esta problemática, as pesquisas avançaram e atingiram maior
profundidade, surgindo questionamentos quanto às fontes do texto. No século XVIII,
principalmente sob a figura de Jean Astruc, um médico francês e estudioso bíblico,
buscou-se demonstrar que questionar apenas a autoria do texto como uma unidade
não era tão pontual, uma vez que o corpo do mesmo aludia claramente a diversas
fontes que pareciam ter sido compiladas por um redator final. Astruc defendeu que
duas fontes diferentes foram usadas para a redação do livro de Gênesis, isto porque
o texto apresenta Deus utilizando diferentes nomes, ora YHWH, ora Elohim.
Utilizaremos algumas destas perícopes ulteriormente a fim de ilustrar o que
queremos dizer.
Foi no fim do século XIX onde apareceram três teorias principais que
influenciaram o pensamento de Julius Wellhausen e, consequentemente, deram
origem à Teoria da Hipótese Documentária, são elas: Hipótese dos documentos,
hipótese fragmentária e hipótese complementar. As duas primeiras afirmavam que
havia um grande número de fontes diferentes, sendo que a hipótese dos
documentos via certa continuidade nas narrativas, enquanto a hipótese fragmentária
afirmava que as fontes davam-se de forma completamente aleatória. A Hipótese
complementar, entretanto, rezava que originalmente havia apenas uma fonte
disponível, mas que durante os anos esta teria recebido acréscimos.
Tendo visualizado este breve e resumido pano de fundo, podemos perceber
que muita discussão se deu quanto à origem e autoria do Pentateuco, sem que uma
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posição definitiva tenha sido pontuada, entretanto, não podemos simplesmente


ignorar a querela sem ao menos atentarmos para as propostas desenvolvidas.
O objetivo deste artigo é demonstrar como Julius Wellhausen desenvolveu a
sua teoria crítica e porque a autoria mosaica do Pentateuco parece ser a teoria que
deixa menos brechas para a explicação de discrepâncias no texto, evocando
aspectos literários e culturais.
1. A ALTA CRÍTICA COMO PONTA PÉ DAS TEORIAS BÍBLICAS
Quem nunca recebeu uma crítica ou sentiu-se criticado por outrem? Usamos
a palavra crítica muitas vezes de forma equivocada, como algo que objetiva nos tirar
a paz, entretanto, o que vem a ser “crítica”?
Originando-se na palavra grega krino (cortar), ou kriticos (apto para julgar), o
termo refere-se a algo decisivo. Quando utilizamos a palavra crítica dentro do
contexto da literatura, seja ela bíblica ou não, referimo-nos àquela ferramenta de
pesquisa que visa avaliar um texto de uma forma peculiar, aproximando-o de sua
própria originalidade, conquanto não descartando a sua atualização e transposição
históricas.
A alta crítica, entretanto, não apenas visa o julgamento de um texto, como
também busca questionar as suas fontes, unidade, estilo, influências, data, etc,
sendo que esta pode ser considerada um aprofundamento da crítica textual, ou seja,
da busca pela originalidade dos manuscritos bíblicos.
No século XIX, muitos teóricos bíblicos, tais como Rowley e Gottwald,
passaram a entender o método crítico com um viés negativo, pressupondo que
crítica dizia respeito ao olhar sobre algo com um caráter de censura e não de
afirmação. Nasceu então a alta crítica negativa, afirmando que o liberalismo exigia
liberdade, ou seja, que o leitor deveria ir às Escrituras sem qualquer lente
hermenêutica anterior. Por mais honesto que isto possa parecer, aqueles que
obviamente militam por princípios mais conservadores encontrarão dificuldades com
esta afirmação, isto porque ir às Escrituras livre de pressupostos significa afirmar,
como ponta pé inicial, que a mesma não possui caráter de verdade absoluta, sendo
passível de erros e equívocos. Todos estes desdobramentos geraram questões ao
redor do conteúdo da Bíblia, tentando colocar em xeque a veracidade das Escrituras
como fundamentalmente “Sagradas”.
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Embora Eichhorn seja considerado o pai da crítica do Antigo Testamento por


ter empregado o termo “alta crítica” ao estudo bíblico (Einleitung in das Alte
Testament [1783]), podemos dizer que foi com Jean Astruc, em 1753, com a
publicação de seu tratado sobre Gênesis (Conjectures Concerning the Original
Memoranda wich it Appears Moses Used to Compose the Book of Genesis), que o
modelo crítico do Antigo Testamento foi formado. Astruc defendeu que, embora
Moisés tivesse sido o autor do Pentateuco, ele teria se utilizado de fontes para a
redação. É possível que Astruc tenha sido influenciado pelas ideias de H. B. Witter.
Embora Astruc jamais tenha negado que Moisés tivesse sido o compilador do
livro de Gênesis, buscou identificar as fontes de consulta que este possivelmente
teria utilizado, isto porque, ao ler o livro, identificou algumas discrepâncias e
percebeu que Deus era classificado com nomes diferentes (YHWH e Elohim). Como
falamos anteriormente, embora Jean Astruc tenha lançado os fundamentos de uma
teoria crítica, foi apenas com Eichhorn que tais estudos foram ampliados para o
âmbito de uma crítica mais literária.
A alta crítica, conquanto em sua origem tivesse apenas um viés investigativo,
durante os últimos anos tem se aproximado do texto bíblico com total ojeriza,
descartando qualquer pressuposto metafísico que ali possa existir, rejeitando
milagres e afirmando que estes eventos acontecem por meros desdobramentos
físicos. Embora não seja preciso descartar por completo novas linhas de pesquisa, é
necessário que haja cautela na apropriação de qualquer conteúdo.
Mister é perceber que muitos destes pressupostos deram origem a uma nova
mentalidade de como e onde deveria se fundamentar a hermenêutica.

2. O NASCIMENTO DA HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA

Considerado a época das luzes por historiadores, o Iluminismo nasceu no século


XVII e desenvolveu-se em grande parte do século XVIII, principalmente na França,
Holanda e Inglaterra. Foi esta uma época em que o pensamento racionalista
apareceu em toda a sua potência, fazendo com que abordagens caracteristicamente
mais metafísicas fossem vistas com certo receio. Este desenvolvimento intelectual
deu origem a muitas das ideias concernentes à liberdade política e econômica,
sendo que o termo “iluminismo” serviu para designar justamente aqueles filósofos
que se diziam propagadores do conhecimento, ou seja, da luz.
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René Descartes (1596-1650) foi o grande pai do racionalismo, isto porque em


seu célebre livro “Discurso do Método” (1637), Descartes defende a ideia de que
para se chegar ao conhecimento é preciso iniciar pela dúvida, trazendo-a, inclusive,
para aquelas ideias que temos praticamente por certo; apenas a dúvida sistemática,
ou seja, o ceticismo metodológico, seria capaz de gerar o conhecimento, conquanto
não pudesse duvidar de apenas duas coisas: da existência de Deus e de sua própria
existência, isto porque se duvido, sou sujeito de algo e não posso duvidar que
duvido, logo, se penso, existo (cogito ergo sum [penso, logo existo]). O filósofo
também foi figura-chave na Revolução Científica e em todo o pensamento que se
desdobrou na Filosofia Moderna.
Como falamos anteriormente, a alta crítica teve forte influência na formação do
pensamento de muitos teólogos do século XIX, sendo que o racionalismo e o
materialismo foram vistos com grande estima por aqueles que não se sentiam mais
confortáveis com as afirmações metafísicas do medievo. O século XX foi palco para
a negação de boa parte do texto bíblico que possuía um viés mais espiritualizado e
menos materialista; filósofos e teólogos passaram a explicar os milagres por um
caminho mais físico, intentando encontrar uma forma científica de explicar os
eventos encontrados na Bíblia.
Sem a menor hesitação, Rowley iguala a prática da alta crítica negativa com
a que é feita “no meio acadêmico científico”. Pare ele, científico, conforme
ressalta Ladd, significa fidelidade à cosmovisão contemporânea segundo a
qual todos os acontecimentos se explicam com base em outros
acontecimentos conhecidos. (PAYNE, 2003, p. 107)

Embora os nazireus, seita judaica do 2º século d.C, já intentassem negar a


autoria mosaica do Pentateuco, e alguns escritos da época divulgassem que
algumas partes do texto haviam sido escritas em época posterior a Moisés, foi
apenas no século XIX que tal questionamento se deu no âmbito de uma análise
crítica mais sofisticada. É importante notar que embora o início da Era Cristã já
fizesse alguns questionamentos sobre o assunto supracitado, este nunca foi feito por
parte dos pais apostólicos ou dos pré-nicenos, mas sempre por grupos mais
afastados da ortodoxia cristã. Aliás, o próprio Flávio Josefo, historiador judeu do
século I d.C, atribuía o Pentateuco a Moisés.
Por esto entre nosotros no hay multitud de libros que discrepan y disienten
entre sí; sino solamente veintidós libros, que abarcan la historia de todo
tiempo y que, con razón, se consideran divinos. (39) De entre ellos cinco
son de Moisés, y contienen las leyes y la narración de lo acontecido desde
el origen del género humano hasta la muerte de Moisés. (JOSEFO, 1961)
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No final do século XIX, o teólogo Julius Wellhausen, propôs aquilo que ficou
conhecido como Hipótese Documental ou Hipótese Documentária. Segundo esta
teoria, o Pentateuco (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento) não pode ter
sido escrito por um único autor devido a aparentes recortes e segmentações na
redação do mesmo, além de repetições desnecessárias e contraditórias.
Para esta teoria, quatro fontes distintas podem ser observadas no corpo do texto:
J, E, D, P. O documento “J” representa os momentos em que o nome YHWH ganha
destaque para referir-se a Deus, sendo que este redator teria vivido na época de
Davi ou Salomão; seu objetivo teria sido manter as tradições orais em uma época
em que Israel estava se organizando como uma nação.
No documento “E”, o redator usa o nome Elohim para indicar a divindade e teria
escrito por volta do ano 700 a.C.
Os documentos J e E foram reunidos posteriormente por um compilador após a
destruição de Jerusalém, por isso as siglas J e E, por muitas vezes, são usadas
conjuntamente (JE). Tal editor não se preocupou demasiadamente em retirar ou
alterar contradições nas fontes, motivo pelo qual é possível encontrar discrepâncias
nas parelhas.
O documento D diz respeito ao código deuteronômico encontrado em meados do
século VII a.C, tal código teria sido redigido por um grupo de sacerdotes que
estavam preocupados com o culto e com detalhes da lei. Embora se tratasse de um
documento separado, foi colocado dentro de “JE” por volta do século IV a.C.
Embora seja fácil afirmar diversidade de fontes com base no gênero e no
conteúdo, também fica aparente que em algum momento algum editor ou
autor achou que esses materiais estavam interconectados. (WENHAM,
2017, p)

Por fim, o documento P (Priestly [sacerdotal]), o último redator a acrescentar


alguns pontos ao Pentateuco, sendo que este possui fortes aspectos de um jurista.
P objetivava estabelecer reformas à liturgia e práticas religiosas que vigorava
naquele momento histórico.
Isso foi um grande manifesto contra as tendências dominantes da época.
Lançou as linhas mestras de uma grande reforma religiosa. Sem importar se
foi escrito durante os dias negros de Manassés, ou durante os anos
luminosos após a ascenção (SIC) de Josias ao trono, foi um
empreendimento concedido com nobreza, provendo uma antecipação de
congraçamento espiritual, em torno do que, quando as circunstâncias se
tornassem favoráveis, as forças desorganizadas da religião nacional
poderiam tomar um novo alento.
(McDOWELL, 1993, p. 63 apud DRIVER)
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A Hipótese Documentária é, desta feita, a teoria segundo a qual Moisés não


teria sido o autor do Pentateuco, mas sim que diferentes redatores entre os anos
850 a.C e 400 a.C teriam redigido e compilado o texto final.

3. ANTECEDENTES DA HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA

No início do século XIX, um padre católico escocês chamado A. Geddes,


criticando a teoria de Astruc, afirmou que o Pentateuco havia sido formado por uma
grande quantidade de fragmentos que foram costurados uns nos outros e que falar
sobre uma unidade no texto seria no mínimo fantasioso. O erudito alemão John
Vater foi responsável por desenvolver e aprofundar ainda mais esta defesa,
afirmando que era possível detectar no Pentateuco ao menos trinta e oito fontes
distintas. Esta teoria ficou conhecida como Hipótese Fragmentária e buscava
defender que o Pentateuco teria sido compilado em meados de 586 a.C, época do
exílio de Judá.
Em 1823, outro erudito alemão, Heindrich, defendeu a unidade do livro de
Gênesis, dizendo que os seis primeiros livros do cânon do Antigo Testamento
haviam sido redigidos tendo como base um documento com fortes tendências
Elohístas. Mais tarde, a fonte J, onde o nome YHWH aparece com referência a
Deus, teria sido suplementada à fonte E.
Na metade do século XIX, principalmente sob a figura de Ewald, a teoria
suplementar foi questionada, afirmando-se que não havia suplementação de
documentos, mas sim cinco narradores distintos, sendo que o último destes
narradores teria sido o responsável pela compilação final dos quatro primeiros livros
em meados de 750 a.C e que o livro de Deuteronômio teria sido uma obra
completamente independente, entrando na coletânea apenas em 500 a.C.
Outras teorias foram propostas e muita querela se deu no que tange a estas
questões. Herman Hupfeld, por exemplo, em 1853, buscou demonstrar que a teoria
suplementar cometia certos erros de análise, afirmando que a fonte “E” era formada
por dois documentos separados, sendo que “S” seria um tipo de fonte mais antiga.
Segundo Hupfeld, não havia narradores diferentes como afirmava Ewald, mas sim
um único redator final que teria reunido todas as fontes disponíveis.
Hupfeld propôs que a ordem das fontes devia ser iniciada por “S”, alterando a
ordem cronológica da teoria suplementar, entretanto, em meados de 1860, Karl H.
Graf, acadêmico bíblico protestante e professor de hebraico, alterou a ordem
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cronológica dos documentos, afirmando que a fonte “S” deveria ser entendida como
a mais recente e não a mais antiga.
Em 1878, Julius Wellhausen aprofundou alguns pontos da teoria de Graf e fez
algumas propostas, inferindo que a primeira parte do Pentateuco provinha de duas
fontes independentes com pelo menos 100 anos de diferença entre ambas (trata-se
das fontes J e E), além disto, dizia Wellhausen que o livro de Deuteronômio havia
sido escrito na época do rei Josias, enquanto boa parte da legislação encontrada em
“E” seria obra de Esdras.
É importante dizer que todas estas teorias partiram da análise minuciosa dos
livros do Pentateuco e não de uma imposição arbitrária, entretanto, é preciso notar
que toda esta polêmica foi gerada por detalhes que podem ser encontrados nos
cinco livros considerados sagrados por muitas religiões monoteístas. Trataremos
amiúde no próximo capítulo sobre algumas das nuances e questões literárias que
geraram tais desdobramentos. A princípio, ater-nos-emos aos argumentos a favor da
Hipótese Documentária proposta por Wellhausen, passando em seguida para os
argumentos contrários.

4. O FENÔMENO DOS NOMES DIVINOS COMO FUNDAMENTO PARA UMA


TEORIA CRÍTICA

Um dos pontos levantados pelos críticos para defender uma multiplicidade de


fontes no corpo do Pentateuco se dá por um fenômeno que já tocamos un passant
anteriormente, porém, mister é aprofundarmos e detalharmos um pouco mais a fim
de apresentar maior clareza ao que foi dito.
O fenômeno literário dos nomes divinos pode ser observado ao fazermos a
leitura do Antigo Testamento. É possível perceber que boa parte dos profetas, ao
referir-se a Deus, usa majoritariamente o termo YHWH, bem como os livros de
cunho legal. As únicas exceções a esta regra se dão no livro de Jonas, onde o nome
Elohim é encontrado e em Isaías, que faz o uso de um termo mais geral para referir-
se a Deus, utilizando El ao invés de Elohim. Já os livros de narrativas usam ambos
os termos, YHWH e Elohim; veremos logo mais como entender esta mudança.
Outra chave hermenêutica para a interpretação dos críticos documentais se dá
em Êxodo 6:3, que diz: “E eu apareci a Abraão, a Isaque, e a Jacó, como o Deus
Todo-Poderoso; mas pelo meu nome, o Senhor, não lhes fui perfeitamente
conhecido”. (Êxodo 6:3, ACF).
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Segundo os críticos, um mesmo autor não poderia ter usado com tanta
frequência o nome YHWH no livro de Gênesis, colocando-o, inclusive, na boca dos
patriarcas e afirmar, posteriormente, que tal nome era desconhecido até ser
revelado a Moisés (cf. Gn 15:2-8; 16:2; 19:13).
A ortodoxia cristã tem entendido que não há necessidade de transformarmos o
Pentateuco em um mosaico para explicar estes fenômenos literários, isto porque, se
entendermos alguns aspectos culturais e históricos dos semitas e dos povos ao
derredor, teremos luz para esclarecer estas aparentes discrepâncias.
O uso do nome Yahweh em Gênesis é um lembrete da continuidade entre a
religião patriarcal e a mosaica e também de que a história patriarcal é
narrada a partir da perspectiva do javismo mosaico. Portanto, todas as
fontes putativas do Pentateuco veem tanto a continuidade quanto a
diferença entre as eras. (WENHAM, 2017, p. 142)
Em primeiro lugar é preciso compreender que os nomes YHWH e Elohim
possuem uma carga de significado que não pode ser ignorada, desta feita, cairíamos
em uma profusa imprecisão se afirmássemos que os termos são intercambiáveis, ou
seja, que podem ser permutados sem alteração do sentido. O nome Elohim, plural
adjetivo majestático da palavra Eloah e que significa Deus, é claramente um termo
mais cosmopolita, indicando o Criador, aquele que reina sobre a Terra, aquele que é
poderoso, já YHWH aponta para o Deus da aliança, trazendo o Criador para um
relacionamento mais pessoal com o povo, desta feita, podemos observar que para a
cultura hebraica antiga os nomes objetivavam indicar caráter e virtudes e não
apenas fazer referência a alguém.
Não há garantia real para atribuir qualquer significado maior a
YHWH/Elohim como marcadores literários. É geralmente aceito que YHWH
e Elohim não são sinônimos inerentemente puros, e nem sempre são
usados como tais. Em algumas passagens, fica claro que cada termo é
usado porque é apropriado, não como uma variante livre. (KITCHEN, 1966,
p. 122)

Podemos encontrar também os dois nomes, YHWH e Elohim, sendo usados em


conjunto (YHWH-Elohim), fenômeno que parece indicar que o escritor buscou criar
uma união de virtudes, reiterando que o Deus criador e sustentador do Universo é o
mesmo Deus da aliança, aquele que, embora poderoso e soberano, não está
distante. Aliás, segundo Cyrus Herzl Gordon (1908 – 2001), se observarmos as
culturas que influenciaram os hebreus e que estavam ao redor, como por exemplo
Ugarit, a grande cidade portuária situada na costa mediterrânea do norte da Síria,
verificaremos como seus deuses eram representados com nomes compostos
(Qadish-Amrar, Ibb-Nikkal). Este mesmo costume era adotado pelos egípcios.
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Josh McDowell (1993, p. 63 apud CYRUS), traz à tona a ideia de que boa parte
do que a arqueologia tem descoberto, tem lançado luz em algumas questões
culturais e literárias do mundo antigo: “Tudo isto parece admiravelmente lógico, e
durante anos nunca pus a hipótese em dúvida. Mas meus estudos sobre a literatura
de Ugarite destruíram essa espécie de lógica, com seus fatos relevantes”.
Uma forte evidência de que os nomes YHWH e Elohim não eram usados
arbitrariamente é Gênesis 1-3. Nesta passagem, a única vez em que a palavra
Elohim é usada é quando proferida pela serpente, parecendo indicar que a
personificação do mal jamais poderia referir-se ao Criador como um Deus pessoal,
utilizando assim um termo mais geral. Segundo Oswald (1969), o exemplo mais
claro de que os nomes YHWH e Elohim não eram intercambiáveis é Gênesis 9, onde
Jeová é declarado como o Deus de Sem, enquanto é declarado que Elohim
“aumentaria Jafé”.
Voltando para a problemática de Êxodo 6:3, se olharmos o texto tendo como
pano de fundo todo o contexto que apresentamos, podemos perceber que
simplesmente dizer que esta aparente discrepância se dá devido à multiplicidade de
fontes não parece explicar com precisão tal fenômeno literário, isto porque não
explica o motivo pelo qual um possível redator final não tentou conciliar os textos,
tornando assim a redação final mais simples e, consequentemente, mais improvável,
de acordo com os princípios de análise textual da crítica moderna.
A ideia fundamental apresentada no texto de Êxodo 6:3 pode ser a de que os
patriarcas ainda não haviam desfrutado do conhecimento pleno do Deus da aliança,
ou seja, o nome fazia referência a aspectos do caráter. Este aspecto também pode
ser observado pelo verbo hebraico usado no contexto; yada, traduzido por conhecer,
indica mais do que ter um conhecimento primário, mas sim um contato profundo,
diferentemente do verbo naghadh, que era usado para indicar um conhecimento
novo, algo mais imediato.
A palavra correspondente a conhecer, no Antigo Testamento, conforme
esclareceu Raven, geralmente inclui a ideia de apreensão, e a expressão
‘conhecer o nome do Senhor’ é por muitas vezes usada nesse sentido mais
pleno de apreender os atributos divinos. Tudo isso demonstra que o sentido
de Êxodo 6:3 é que até então Abraão, Isaque e Jacó conheciam a Deus
como um Deus poderoso, mas não como o Deus do pacto (McDOWELL,
1993, p. 191).

Outra possibilidade para explicar a perícope em questão se dá no contexto da


tradução. A expressão ´mas pelo meu nome’ presente no texto permite outra forma
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de tradução, como se no original hebraico houvesse uma interrogação elíptica. Esta


característica interrogativa pode ser encontrada em línguas semitas, onde não
apenas as palavras e figuras linguísticas indicariam a ideia, mas também a
entonação. Este fenômeno cultural pode ser encontrado em outras passagens,
como, por exemplo, em Gênesis 18:12.
Existe, no entanto, outra tradução possível que eliminaria todo o conflito
com o contexto remoto. A frase "mas" pelo meu nome, o Senhor, não me
dei a conhecer a eles "poderia ser tomada em hebraico como um
interrogativo elíptico. A tradução do verso inteiro correria então: 'Eu me
permiti aparecer (Niph`al) para Abraão, para Isaac, e para Jacob, como El-
Shaddai, porque eu não me deixei ser conhecido a eles por meu nome
YHWH “O hebraico possui uma partícula interrogativa, mas em várias
ocasiões é omitido aqui: um bom exemplo está em Gênesis 18:12. É
possível que na língua falada a entonação fosse geralmente suficiente para
indicar uma questão, como ainda é o caso das línguas semíticas vivas.
(MARTIN, 1995, p. 18)
Conforme Martin, nenhuma objeção poderia ser colocada sobre esta tradução
à luz do contexto gramatical.
Nenhuma objeção pôde ser dada a esta tradução de Êxodo 6:3 à luz do uso
semítico, mesmo que tivesse apenas o contexto para recomendá-lo. Há, no
entanto, um forte apoio proveniente da estrutura gramatical da sentença
seguinte. Este é introduzido pelas palavras "e também". Agora, no hebraico,
a prática sintática comum exige que onde "e também" seja precedido por
um negativo, ele também introduz uma cláusula negativa e vice-versa, caso
contrário, seríamos confrontados com um non sequitur (MARTIN, 1995, p.
18,19).
De acordo com a sintaxe padrão do hebraico, quando o termo ‘e também’ for
precedido por uma negativa, a sentença posterior também será e vice-versa. No
caso que estamos observando, a sentença que vem após o termo ‘e também’, no
hebraico, é positiva, logo, espera-se que a sentença anterior também o seja. Desta
feita, a tradução na forma interrogativa removeria as discrepâncias sintáticas, uma
vez que poderíamos estar diante de um recurso linguístico, onde se empresta um
caráter de asserção, ou seja, uma proposição negativa ou positiva com sentido
completo e intenção declarativa, a uma determinada frase.
Um problema que podemos observar na teoria documentária é que nem
sempre as supostas fontes se comportam como deveriam, ou seja, os nomes Elohim
e YHWH são usados, em algumas ocasiões, em fontes que não pertencem ao seu
suposto redator, vejamos alguns exemplos: Elohim ocorre na fonte F em Gênesis
33:5, 11; YHWH ocorre nas passagens de S em Gênesis 17:1 e 21:1, antes de
Êxodo 6:3, e também ocorre na fonte E em Gênesis 21:33; 22:4: 28,21 e Êx 18. A
defesa para tal discrepância parece cair na mesma acusação que fazem àqueles
que defendem a autoria mosaica. Dizem os críticos que o redator final pode ter
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usado os nomes intercambiavelmente e com total liberdade, varrendo o problema


para o lado ou rejeitando tais fenômenos como ‘exceções inválidas’.
Quando, porém, como frequentemente ocorria, uma dessas palavras
encontrava-se em passagens em que se pensava que o outro nome deveria
ter sido usado, supunha-se, inteiramente sobre bases teóricas, que um
engano havia sido cometido pelo editor ou redator, e, desse modo, sem
nenhuma cerimônia, a objeção era arbitrariamente removida sem consultar
a evidência textual. (WRIGHT, 2005, p. 25)
Os críticos documentários do Pentateuco tentam segmentar tanto o texto que
por vezes o transformam em um verdadeiro Frankenstein, dividindo inclusive
sequências narrativas apenas porque os nomes YHWH e Elohim aparecem
separados (cf. Gn 21:1,2). Josh McDowell, citando o professor F. Dornseiff em
Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft, diz:
Quem é capaz de conceber a gênese de uma obra literária de primeira
qualidade, como a obra grega de Homero ou o Pentateuco, por parte de
redatores que deceparam fontes formadas em pequenos pedaços, para
então compactarem essas sentenças separadas a fim de formarem novas
unidades, e seguindo este método esdrúxulo e ainda assim obter um
notável sucesso literário? (McDOWELL, 1993, p. 199).

Por todas as razões apresentadas, parece-nos mais plausível entender o


fenômeno literário dos nomes divinos como um recurso linguístico utilizado por um
único autor, ao invés de tentar encontrar supostas fontes que sequer podem ser
demonstradas. Não é possível apontar qualquer fonte separada para a pesquisa, a
separação se deu diante de um texto unitário apenas por inferências linguísticas que
podem ser explicadas à luz de um contexto histórico, além disto, não existem
documentos literários que registrem as fontes J, E, D e P.
Não há nenhuma evidência histórica ou manuscritológica que vários
redatores tenham “costurado” os livros do Pentateuco. Não existe nenhuma
evidência que em algum período da história, o Pentateuco tenha circulado
como “pedaços” e que algum redator, ou redatores, tenha compilado e dado
sua formação final, como propõe a teoria documentária. Os rabinos judeus
desconhecem tal coisa. (ALLIS, 1964).

5. ENTENDENDO AS SUPOSTAS DISCREPÂNCIAS E REPETIÇÕES


Outro argumento levantado pelos críticos é que o Pentateuco apresenta uma
série de repetições no corpo do texto, sendo que algumas delas chegam a ser
contraditórias. Dizem eles que um mesmo autor jamais poderia ter duplicado uma
narrativa arbitrariamente, entretanto, devemos perceber que muitos destes relatos
nem sequer devem ser considerados paralelos, como, por exemplo, no caso de
Abraão ter mentido sobre o real parentesco com Sara. Em outros casos, é possível
detectar repetições de ênfase ou narrativas contendo perspectivas diferentes sobre
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o mesmo evento, ou seja, acréscimos propositais contendo mais detalhes, estilo


próprio do hebraico antigo.
Vamos nos debruçar por um momento sobre algumas das alegações
oferecidas pela crítica documentária e, na sequência, apresentar como tais
afirmações podem ser explicadas.

5.1. O RELATO DO DILÚVIO


Comecemos então por aquele que parece ser o evento mais dramático e
polêmico da história bíblica, o dilúvio. Esta é uma história que pode ser encontrada
em Gênesis 6, finalizando em Gênesis 8 com a saída de Noé da arca juntamente
com sua família.
Ao nos aproximarmos do texto de forma mais minuciosa, perceberemos alguns
relatos que parecem não possuir conexão, como, por exemplo, o tempo de duração
do dilúvio e a quantidade de animais que entraram na arca. Os críticos da Hipótese
Documentária têm afirmado que estas aparentes discrepâncias só podem ter se
dado devido a fontes diferentes, logo, de acordo com o texto de Gênesis 8:13-14,
que diz que as águas do dilúvio se secaram sobre a terra no primeiro dia, do
primeiro mês, do ano seiscentos e um, o dilúvio teria começado no sétimo dia, do
sétimo mês, do ano seguinte à ordem de Deus dada a Noé, tendo se prolongado por
um período de um ano e onze dias. Entretanto, Gênesis 7:12 parece indicar que a
duração do dilúvio foi de apenas sessenta e um dias, contando o tempo da chuva
sobre a terra, mais o intervalo em que as aves foram soltas por Noé.
Segundo os críticos, o relato que descreve o evento mais longo faria parte de
uma suposta fonte S, que teria sido redigida durante o exílio da Babilônia por um
grupo de sacerdotes e que teria como objetivo principal tratar questões de rituais e
genealogias; já o relato do dilúvio que descreve um tempo mais curto da duração
total do evento, faria parte da fonte J, fonte esta que teria sido escrita por volta do
século IX a.C.
Em primeiro lugar, devemos ter em mente que todas as perícopes
apresentadas fazem parte de uma língua específica, o hebraico, desta feita, olhar
para o texto dentro do seu contexto original é uma boa forma de apreender o
significado. De acordo com Kitchen (1966), a suposta discrepância entre a
quantidade de pares de animais que entraram na arca pode facilmente ser explicada
à luz do idioma original. A palavra shenayim (par) deve ter sido utilizada como um
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termo geral em Gênesis 6, uma vez que não existe a possibilidade de se colocar
plural em uma palavra que já está no dual (não existe o termo shenayimim no
hebraico), logo, o texto de Gênesis 7:2,3 diz respeito apenas a uma declaração mais
específica.
Quanto ao tempo de duração do dilúvio, façamos alguns cálculos simples a fim
de percebermos como os textos citados anteriormente como discrepantes são, na
verdade, complementares.
De acordo com Gênesis 7:11, o dilúvio tem início no ano seiscentos da vida de
Noé, no décimo sétimo dia do segundo mês; sete dias após a ordem de Deus para
que entrassem na arca (cf. 7:4). Diz então o texto que durante quarenta dias e
quarenta noites choveu copiosamente. Mister é perceber que em nenhum lugar do
relato temos a indicação de que a chuva tenha cessado por completo após este
período, pelo contrário, a palavra hebraica usada para indicar a chuva copiosa
(mabull) parece indicar certo contraponto aos eventos seguintes.
Cento e cinquenta dias após o início do dilúvio as águas passam a descer e, no
décimo sétimo dia do sétimo mês, a arca encontra o monte Ararate como lugar de
repouso. No décimo mês, ou seja, duzentos e vinte e cinco dias após a contagem
feita anteriormente, os cumes dos montes tornam-se visíveis. Quarenta dias após
este evento, Noé solta três aves em intervalos de sete dias, computando assim
mais sessenta e dois dias adicionais, perfazendo o total de duzentos e oitenta e
sete dias.
Se adicionarmos os quarenta e seis dias anteriores à entrada de Noé na arca,
chegaremos ao terceiro dia do décimo segundo mês. Notemos então que de
acordo com Gênesis 8:14, no primeiro dia do primeiro mês do ano seiscentos e um,
as águas secaram-se parcialmente sobre a terra, tendo Noé removido a cobertura
da arca e, após os vinte e sete dias seguintes, a terra estava completamente seca,
desta feita, Noé e sua família saíram da arca.
Olhando para estes números, podemos perceber então que o tempo total,
desde a ordem para que Noé entrasse na arca até o momento em que saíram, foi de
trezentos e setenta dias (um ano e onze dias), logo, não há qualquer discrepância
entre os relatos parelhos, mas sim complementações.
Esses dois períodos totalizam 84 dias. Somando estes dias ao 287,
ganhamos um total de 371 dias, ou 1 ano e 11 dias, começando com a
eclosão do dilúvio. Não há aqui nenhuma discrepância.. (HEIDEL, 1949, p.
247)
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5.2. A HISTÓRIA DE JOSÉ


Outro relato que tem sido explorado pelos críticos aparece em Gênesis 37:27-
28 e 39:1. Afinal, teriam os irmãos de José o vendido aos midianitas ou aos
ismaelitas?
Embora ismaelitas (descendentes de Abraão e Agar) e midianitas
(descendentes de Abraão e Quetura) possuam origens distintas, ambos os povos
passaram a ser identificados com bastante proximidade (cf. Jz 8:22-24),
confundindo-se por algumas vezes, sendo que tal diferença nem pode ser
identificada nas versões siríacas.
É possível que os descendentes de Ismael e Midiã tenham levado estilos de
vida bastante semelhantes, tendo se aproximado por meio de casamentos mistos
entre ambos os povos, aliás, parece ainda que alguns dos Queneus podem ter sido
identificados como midianitas.
O termo ismaelitas tornou-se uma designação geral para as tribos do
deserto, de modo que os comerciantes midianitas eram também conhecidos
como ismaelitas. José foi tratado com severidade por seus irmãos; mas
sendo vendido por 20 shekels (8 onças de prata) e levado para o Egito, ele
foi preservado vivo. (WALVOORD e ZUCK, 1985, p. 88)
Seja como for, tentar explicar os diferentes nomes neste contexto evocando
diferentes fontes (JEDP) não traz à luz o motivo pelo qual um possível redator final
não tenha conciliado os relatos, ainda mais uma diferença que apareceria de forma
bastante clara.

5.3. NOMENCLATURAS
Podemos encontrar diferentes nomes para se referir a um mesmo personagem
ou lugar, sendo sim, os defensores da teoria JEDP alegam que isto jamais poderia
ser feito por um único autor.
Falamos um pouco a respeito disto quando tratamos sobre o fenômeno dos
nomes divinos, entretanto, alguns outros relatos com o mesmo viés podem ser
observados: O termo Amorreu é usado em Gênesis 10:16 (cf. Deut 2:24), porém, em
Gênesis 10:18, aparece a palavra Cananeu.
Outro exemplo usado pelos críticos aparece em Êxodo 3:1 e 4:18 quando
comparado com Gênesis 36:17 e Êxodo 2:18, afinal, devemos chamar o sogro de
Moisés de Jetro ou de Reuel?
Segundo Harrison (1970), estas variações de nomes próprios podem ser
explicadas à luz das evidências do Oriente Próximo. Muitas destas variações podem
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ser encontradas inclusive em documentos egípcios, como no caso de Sebekkhu,


general do Antigo Egito e comandante do exército nos tempos dos faraós Sesostris
III e Amenemés III, que também era referido pelo nome Djaa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração que grande parte da teoria JEDP está alicerçada
sobre bases especulativas, tivemos a intenção de demonstrar, mesmo que por meio
de exemplos específicos, visto não possuirmos tanto espaço para analisar as
diversas nuances do tema, que a autoria mosaica do Pentateuco parece ser a leitura
mais óbvia quando consideramos os aspectos linguísticos, históricos e culturais dos
textos. Além disto, as diversas formas com que os críticos analisam os livros e as
diferentes formas interpretativas demonstram não haver consenso sobre quantas
fontes foram costuradas por um possível redator final, fazendo com que qualquer
tipo de argumento proferido em direção a um determinado texto seja mera
conjectura baseada em um conceito prévio de que as diferenças contextuais só
podem indicar diferentes autores.
Vimos que as ideias defendidas pelos críticos são alicerçadas principalmente
sobre as diferenças nos nomes apresentados a Deus, ora YHWH, ora Elohim, e que
tais diferenças podem ser facilmente explicadas quando entendemos a importância
dos nomes para o contexto dos hebreus. Além disto, as teorias críticas do
Pentateuco não conseguem explicar o motivo pelo qual os nomes divinos aparecem
em fontes diferentes, misturando-se, ou seja, como o tetragrama YHWH pode
aparecer em uma suposta fonte Elohista e vice-versa. Para a cultura judaica da
época, os nomes divinos não eram usados como meros indicativos aleatórios ou
intercambiáveis, mas sim como referenciais de virtudes e atributos.
A teoria JEDP, se aceita em sua plenitude, trará uma série de implicações
para a hermenêutica ortodoxa, sendo que muitos dos personagens do Pentateuco,
bem como muitas das histórias, poderiam ser relegadas ao teor de mitos. Além disto,
não haveria um relato fiel dos tempos antigos, mas apenas a cosmovisão de um
grupo da época do exílio babilônico, logo, grande parte dos preceitos de Israel seria
pós-exílico.
Sendo assim, concluímos que defender a unidade do Pentateuco e a autoria
mosaica traz maior precisão à leitura do mesmo como um todo e, conquanto seja
possível observar pequenos acréscimos no corpo do texto, estes devem ser
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entendidos como comentários posteriores para clarificação e complementação, e


não como diferentes fontes ou autores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Chicago University of Chicago Press, 1949, p. 280.

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DAS PESQUISAS MAIS RECENTES. 1ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

GEISLER, NORMAN (org.). A INERRÂNCIA DA BÍBLIA. 1ª. Edição. São Paulo: Vida. 2003.

JOSEFO, FLAVIO. OBRAS COMPLETAS DE FLAVIO JOSEFO - VOL. 5: CONTRA


APIÓN. Buenos Aires: Acervo Cultural / Luis Farré. 1961.

KITCHEN, K.A. ANCIENT ORIENT AND OLD TESTAMENT. Inter-Varsity Press, 1966. Hbk.
p.191.

MARTIN, W. J. STYLISTIC CRITERIA AND THE ANALYSIS OF THE PENTATEUCH.


Londres: Tyndale Press. 1955.

McDOWELL, J. EVIDÊNCIA QUE EXIGE UM VEREDITO. 1ª Edição. São Paulo: Candeia.


1993.

OSWALD, Allis. T. THE FIVE BOOKS OF MOSES. Philadelphia: The Presbyterian and
Reformed Publishing Company. 1943.

TORREY, R.A (Editor). OS FUNDAMENTOS. 1ª Edição. São Paulo: Hagnos. 2005.

WALVOORD, J. F and ZUCK, R. B. THE BIBLE KNOWLEDGE COMMENTARY. United


States of America: Dallas Seminary Faculty. 1985.

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